O nobre caminho
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O nobre caminho

Estudo do caminho búdico para a elevação espiritual.

O nobre caminho

Duas verdades

Vamos começar nossa viagem à forma de viver os acontecimentos proposta por Sidarta Gautama, o Buda, falando sobre as duas verdades sobre qualquer assunto que existem no planeta Terra. Alguns seguidores do budismo (religião criada a partir dos ensinamentos deixados por Buda) alegarão que a sua elevação não começou por esse ensinamento, mas sim quando ele reconheceu as Nobres Verdades do sofrimento. No entanto, para chegar a elas, mesmo que instintivamente, o Buda teve que passar pelo conhecimento das duas verdades que compõem o universo. Por esse motivo, iniciaremos nossa viagem a caminho da formação da consciência crística a partir desse ensinamento.

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Sutta busdista

Um sutta trata-se de um discurso ou declaração que Sidarta Gautama fez para transmitir os seus ensinamentos. Tudo que Buda transmitiu aos seus discípulos e que foi passado de geração em geração até ser transcrito para papiros foi feito por meio de declarações ou discursos.

Para conhecermos melhor o ensinamento chamado “Duas Verdades”, transcreveremos um desses discursos ou suttas. Trata-se do sutta conhecido como Majjhima Nikaya 72 - Aggivacchagotta Sutta - Para Vacchagotta, sobre o Fogo. Vamos a ele:

Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava vivendo em Savathi, no Bosque de Jeta, no Parque de Anathapindika. Então o errante Vacchagotta foi até o Abençoado e ambos se saudaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado, ele sentou a um lado e perguntou ao Abençoado:

Como é, Mestre Gotama, o Mestre Gotama tem esta opinião: O mundo é eterno: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião: ‘O mundo é eterno: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, o Mestre Gotama tem a opinião: O mundo não é eterno: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa. Vaccha, eu não tenho essa opinião: O mundo não é eterno: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, Mestre Gotama, o Mestre Gotama tem esta opinião: O mundo é finito: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião:O mundo é finito: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, o Mestre Gotama tem a opinião: O mundo é infinito: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa. Vaccha, eu não tenho essa opinião: O mundo é infinito: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, Mestre Gotama, o Mestre Gotama tem a opinião: A alma e o corpo são o mesmo: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião: A alma e o corpo são o mesmo: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, o Mestre Gotama tem a opinião: A alma é uma coisa e o corpo outra: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião: A alma é uma coisa e o corpo outra: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, Mestre Gotama, o Mestre Gotama tem a opinião: Após a morte um Tathagata existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião: Após a morte um Tathagata existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, o Mestre Gotama tem a opinião: Após a morte um Tathagata não existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião: Após a morte um Tathagata não existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, Mestre Gotama, o Mestre Gotama tem a opinião: Após a morte um Tathagata tanto existe como não existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião: Após a morte um Tathagata tanto existe como não existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Nesse caso, o Mestre Gotama tem a opinião: Após a morte um Tathagata nem existe nem não existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa? Vaccha, eu não tenho essa opinião: Após a morte um Tathagata nem existe nem não existe: somente isso é verdadeiro, qualquer outra coisa é falsa.

Como pode ser isso Mestre Gotama? Quando o Mestre Gotama é perguntado ele responde a cada uma dessas dez questões: Eu não tenho essa opinião. Qual perigo que o Mestre Gotama vê para que ele não aceite nenhuma dessas opiniões especulativas?

Vaccha, a opinião especulativa de que o mundo é eterno, é uma opinião emaranhada, uma opinião confusa, uma opinião contorcida, uma opinião vacilante, uma opinião que agrilhoa. Ela está acossada pelo sofrimento, pela aflição, pelo desespero e pela febre e ela não conduz ao desencantamento, ao desapego, à cessação, à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana.

A opinião especulativa de que o mundo não é eterno, que o mundo é finito, que o mundo é infinito, que a alma e o corpo são o mesmo, que a alma é uma coisa e o corpo outra, que após a morte um Tathagata existe, que após a morte um Tathagata não existe, que após a morte um Tathagata tanto existe como não existe, que após a morte um Tathagata nem existe nem não existe é uma opinião emaranhada, uma opinião confusa, uma opinião contorcida, uma opinião vacilante, uma opinião que agrilhoa. Ela está acossada pelo sofrimento, pela aflição, pelo desespero e pela febre e ela não conduz ao desencantamento, ao desapego, à cessação, à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana. Vendo esse perigo, eu não defendo nenhuma dessas opiniões especulativas.

Então o Mestre Gotama não apóia nenhuma opinião especulativa?

Vaccha, opinião especulativa é algo que o Tathagata colocou de lado. Pois o Tathagata, Vaccha, viu isto: ‘Assim é a forma material, assim é a sua origem, assim é o seu desaparecimento; assim é a sensação, assim é a sua origem, assim é o seu desaparecimento; assim é a percepção, assim é a sua origem, assim é o seu desaparecimento; assim são as formações, assim é a sua origem, assim é o seu desaparecimento; assim é a consciência, assim é a sua origem, assim é o seu desaparecimento’. Então, eu digo, com a destruição, desaparecimento, cessação, desistência e abandono de toda a concepção de idéias, de todas as invenções, de todas as fabricações de um eu, de todas as fabricações de um meu, e da tendência subjacente para a presunção, o Tathagata está liberto através do desapego.

Quando a mente de um bhikkhu está liberta dessa forma, Mestre Gotama, onde ele reaparece [após a morte]? O termo reaparece não se aplica, Vaccha.

Então ele não reaparece, Mestre Gotama? O termo não reaparece não se aplica, Vaccha.

Então, ambos, ele reaparece e não reaparece, Mestre Gotama? O termo ambos, reaparece e não reaparece não se aplica, Vaccha.

Então ele nem reaparece nem não reaparece, Mestre Gotama? O termo nem reaparece nem não reaparece não se aplica, Vaccha.

Quando o Mestre Gotama é perguntado essas quatro questões, ele responde: O termo reaparece não se aplica, Vaccha; o termo não reaparece não se aplica, Vaccha; o termo ambos, reaparece e não reaparece não se aplica, Vaccha; o termo nem reaparece nem não reaparece não se aplica, Vaccha. Agora fiquei atordoado, Mestre Gotama, agora fiquei confuso, e o tanto de confiança, que eu havia obtido através da conversa anterior com o Mestre Gotama, agora desapareceu.

É normal que o deixe atordoado, Vaccha, normal que o deixe confuso. Pois este dharma, Vaccha, é profundo, difícil de ser visto e difícil de ser compreendido, pacífico e sublime, inatingível através do mero raciocínio, sutil, para ser experimentado pelos sábios. É difícil que você o entenda possuindo outra opinião, aceitando um outro ensinamento, aprovando um outro ensinamento, dedicando-se a um outro treinamento e seguindo um outro mestre. Portanto, em retribuição, eu o questionarei acerca disso, Vaccha. Responda como quiser.

O que você pensa, Vaccha? Suponha que um fogo estivesse queimando à sua frente. Você saberia que este fogo está queimando na sua frente? Eu saberia, Mestre Gotama.

Se alguém lhe perguntasse, Vaccha, se esse fogo à sua frente queima na dependência do que – tendo sido assim perguntado, o que você responderia? Sendo assim perguntado, Mestre Gotama, eu responderia: Este fogo na minha frente queima na dependência de capim e gravetos.

Se esse fogo à sua frente se extinguisse, você saberia que este fogo na sua frente se extinguiu? Eu saberia, Mestre Gotama.

“Se alguém lhe perguntasse, Vaccha, quando esse fogo à sua frente foi extinto, para qual direção ele se foi: para o leste, para o oeste, para o norte, ou para o sul – tendo sido perguntado dessa forma, o que você responderia? Isso não se aplica, Mestre Gotama. O fogo queimou na dependência do seu combustível, capim e gravetos. Quando ele foi consumido, se não há mais combustível, não tendo combustível, ele é extinto.

Assim também, Vaccha, o Tathagata abandonou aquela forma material pela qual alguém, descrevendo o Tathagata, o descreveria: ele a cortou pela raiz, fez dela como com um tronco de palmeira, se desfez dela de modo que não estará mais sujeita a futuro surgimento. O Tathagata está liberto de pensar em termos da forma material, Vaccha, ele é profundo, imensurável, difícil de ser examinado em profundidade tal como o oceano. O termo reaparece não se aplica, o termo não reaparece não se aplica, o termo ambos, reaparece nem não reaparece não se aplica, o termo nem reaparece, nem não reaparece não se aplica. O Tathagata abandonou aquela sensação pela qual alguém, descrevendo o Tathagata, o descreveria como aquele que abandonou aquela percepção; pela qual alguém, descrevendo o Tathagata, o descreveria como aquele que abandonou aquelas formações; pela qual alguém, descrevendo o Tathagata, o descreveria como aquele que abandonou aquela consciência; pela qual alguém, descrevendo o Tathagata o descreveria como aquele que a cortou pela raiz, fez dela como com um tronco de palmeira, se desfez dela de modo que não estará mais sujeita a futuro surgimento. O Tathagata está liberto de pensar em termos da consciência, Vaccha; ele é profundo, imensurável, difícil de ser examinado em profundidade, tal como o oceano. O termo reaparece não se aplica, o termo não reaparece não se aplica, o termo ambos, reaparece nem não reaparece não se aplica, o termo nem reaparece, nem não reaparece não se aplica.

Quando isso foi dito, o errante Vacchagotta disse ao Abençoado: Mestre Gotama, suponha que exista uma grande árvore, não muito distante de um vilarejo ou de uma cidade e que a impermanência tivesse desgastado os seus galhos e folhas, a sua casca e a camada de madeira debaixo da casca, de forma que mais tarde, tendo sido desvestida dos galhos e folhas, desvestida da casca e da camada de madeira debaixo da casca, ela se torne pura, consistindo unicamente do cerne; assim também, este discurso do Mestre Gotama está desvestido de galhos e folhas, desvestido da casca e da camada de madeira debaixo da casca, ele é puro, consistindo inteiramente do cerne.

Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o dharma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no dharma e na Sangha dos bhikkhus. A partir de hoje que o Mestre Gotama se recorde de mim como um discípulo leigo que buscou refúgio para o resto da vida.

Um Buda, um elevado espiritualmente é aquele que “está liberto de pensar em termos da forma material, ele é profundo, imensurável”.

Neste ensinamento ou caminho para a formação da consciência crística deixado por Sidarta Gautama podemos compreender que existem duas verdades ou realidades que convivem no universo: aquela que está presa à materialidade (individualidade) e aquela que, liberta da materialidade, entra em contato com o universal.

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Verdade relativa

A verdade relativa é composta pela realidade individual que o ser vive. Toda verdade relativa representa um achar que o ser possui. Como esse ser é individualista, as suas verdades apegam-se às coisas materiais do universo.

Como explicado anteriormente, quando o ser humanizado inicia o processo de evolução moral ele já possui todo conhecimento científico do universo alcançado durante a evolução técnica. Durante o processo de evolução moral, no entanto, ele pode utilizar esses conhecimentos de duas formas: individualmente ou universalmente.

Quando o ser utiliza o conhecimento dentro de uma interpretação individual, baseada nos seus desejos e vontades, cria uma realidade para o conhecimento. Esta realidade é a verdade relativa, pois é presa à materialidade. Ela não representa a essência universal do conhecimento, mas uma adaptação dessa essência que leva a satisfação individual ao ser. Tudo aquilo que o ser achar sobre determinado assunto é uma verdade relativa.

O ser que está no processo de evolução moral vivencia essa verdade relativa como verdade universal. Suas convicções são uma fantasia gerada pela individualização da verdade universal. Não existe realidade para esse ser, pois ele está aprisionado na falsa verdade que criou.

Quando o ser universaliza seus conhecimentos entra em contato com a realidade universal das coisas e, nesse momento atinge uma nova consciência sobre elas. Essa consciência premiará o universo e não mais a individualidade.

Para que esta individualização fique bem clara, vamos buscar um exemplo que nos permite ver diversos aspectos das verdades relativas.

Observemos a tonalidade do papel que está impresso este livro. Se perguntarmos a cor do papel, certamente a resposta única que obteremos é branco. No entanto se perguntarmos a outros seres mais universalizados, a resposta poderá ser qualquer outra cor do universo: verde, amarelo, cinza ou azul. Estarão eles errados?

Não, cada um estará dentro de sua verdade relativa. O branco não é uma cor específica, mas definido como o somatório de todas as cores, assim como o preto é a ausência de cores. Assim, qualquer cor que seja vista por um ser estará dentro do branco. Afirmar que o papel desse livro é de uma determinada cor depende, então, do ponto de vista ou consciência que cada um tiver.

O universo é assim: tudo está dentro de tudo e depende de tudo para existir. Esse ensinamento será mais bem compreendido quando falarmos das ‘Seis Qualidades da Vida Espiritual’, mas por enquanto é necessário que se alcance essa compreensão para que se forme a consciência da existência da verdade relativa.

A verdade relativa é uma individualização da verdade universal ou absoluta, ou seja, é a verdade universal analisada a partir de determinado direcionamento dos conceitos. O ser que se prende à percepção gerada pela cor que leva esse rótulo (branco) estará individualizando o conhecimento universal que afirma que branco é o somatório de todas as cores.

Preso a individualização, o ser não permanecerá feliz, pois terá que reagir contra aquele que traduz essa cor por um rótulo (nome) diferente. Ele afirmará que o outro está errado e que ele possui a verdade universal sobre a coisa. Dessa forma estará cedendo a uma tentação, ou seja, individualizando um conhecimento universal. Uma prova não foi vencida pelo ser encarnado.

A consciência crística se traduz em um pensamento filosófico: só sei que nada sei. O ser que pretende evoluir-se moralmente precisa abandonar todas as suas verdades individuais (saber) para poder compreender universalmente o universo que habita.

No nosso exemplo, enquanto o ser individualizar a cor como branca, estará alheio à realidade universal dela: conjunto de todas as cores. Para alcançar a evolução moral o ser precisa nada saber. Quando isso acontecer, como resposta ao questionamento de que cor é essa, terá a percepção: uma cor universal. Isso é verdade universal que jamais será contrariada.

O branco não pode ser branco porque, na verdade, não existe o branco absoluto. O que é chamado de branco é uma cor que possui um determinado matiz. Quem trabalha com cores como profissão (gráficos, artistas plásticos) compreende o que está sendo afirmado agora.

Para esses a cor é formada de milhões de matizes. O branco poderá ser composto por milhões de matizes diferentes que o leigo não perceberá. Tudo depende da consciência, ou conjunto de fatores que cada um possui dentro de si.

Aquele que necessita de melhor compreensão sobre as cores aprofunda o seu conjunto de fatores sobre esse aspecto especificamente e compreende que aquilo que o ser generaliza é multifacetado. Os elementos do universo são muitos mais detalhados do que o ser possa sequer imaginar dentro do processo de evolução moral. É por não compreender até a ínfima partícula das coisas que o ser generaliza. Essa generalização, entretanto, é uma individualização, pois altera a verdade das coisas ao sabor do querer do ser.

Além disso, o branco não é branco, mas pode ser white, blanco, blanc, bianco, weiß. Todos esses vocábulos definem a cor branca de acordo com locais e raças dos seres humanos. Cada um desses nomes é uma individualização do universal.

Não se trata apenas de uma questão de semântica ou de lingüística, como à primeira observação possa parecer, mas sim de um fator de individualização da consciência. Qualquer rótulo que se dê a elementos do universo é individualização do universal.

O rótulo branco foi criado para os seres encarnados que não compreendem a pigmentação das cores universais. Ater-se na pigmentação das cores gera individualismo, pois o ser criará uma individualização (gostar ou não gostar) de determinadas pigmentações.

Tanto o rótulo, os matizes como a pigmentação de uma cor é individualidade de uma verdade universal: o elemento cor. Eles representam verdades individuais, pois variam de acordo com a consciência (conjunto de valores) de cada ser. O ser universal busca a verdade universal do elemento, sem se preocupar em colocar qualquer qualificação a ele.

Portanto a cor branca não é o somatório de todas as cores, não é um determinado matiz nem um rótulo, mas um elemento universal. O elemento universal cor de cada objeto existente no planeta Terra é mais uma prova que Deus coloca para que o ser, ao universalizá-lo, possa alcançar a felicidade universal. Quando isso acontecer, não mais precisará de uma determinada cor para ser feliz, mas estará sempre feliz com qualquer matiz que o objeto tiver.

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Verdade absoluta

A verdade relativa possui duas características essenciais: ele é individual e temporária. A cor é determinada individualmente a partir do conjunto de valores (consciência) que o ser tiver. Além disso, quando esse conjunto se alterar, a cor também se alterará. No exemplo do branco, quando o ser não mais individualizar uma cor como branco, mas compreender que essa cor é formada pela junção de todas as cores do universo, alterará a sua verdade relativa.

A verdade absoluta das coisas, antagônica da verdade relativa, deve, então, possuir características que se contraponham à relativa. Se a verdade relativa é individual e temporária, a absoluta deverá ser universal e eterna.

A característica universal da verdade absoluta confere a ela o mesmo valor em todo universo. Uma cor branca não pode ser verdade universal, pois, como já vimos, dependendo da região ou do grau de intimidade com o assunto, essa cor poderá ter valores diferentes. Alterações como rótulos e matizes acabam com a universalização necessária para que a cor branca seja considerada uma verdade absoluta.

Se eliminarmos as qualificações que cada um dá, chegaremos à verdade absoluta do elemento universal. A cor branca não é apenas uma cor, mas uma pigmentação universal. Ao afirmarmos dessa forma, em qualquer lugar do universo independente da consciência de cada um, a verdade será compreendida. Chega-se a uma verdade absoluta.

Além disso, a verdade absoluta tem que ser eterna, não pode sofrer alteração alguma ao longo do tempo. Os matizes da cor branca foram sendo descobertos quando o homem foi se aparelhando. Quando não havia instrumentos que ampliassem as figuras a olho nu os seres não conseguiam ver as minúsculas diferenças entre um matiz e outro.

Esse aprofundamento da percepção do objeto alterou a verdade branca constantemente ao longo dos tempos e destruiu uma verdade anterior para criar uma nova verdade. Todas as duas (anterior e a criada) são verdades relativas, pois sempre haverá uma nova verdade que será conquistada quando o ser se aparelhar melhor.

Fugindo um pouco do nosso exemplo, podemos melhor nos aprofundar na questão verdade relativa e absoluta e ligarmos a universalização da verdade relativa ao avanço da humanidade. Durante muitos anos as doenças eram transmitidas por fatores climáticos.

A gripe era transmitida pelo ar. Depois que os primeiros microscópios apareceram o ar deixou de ser o transmissor da doença e passou a ser o transmissor dos germes, vírus e bactérias que realmente provocam a doença. Com essa descoberta o homem pode melhor combater as doenças. Com o avanço no poder de observação dos microscópios o homem chegou ao DNA. Agora a doença não é transmitida pelos germes ao acaso, mas existe uma pré-disposição, que se alterada, impedirá a doença.

Ainda falta muito para universalizar o assunto doença, pois muitos possuem um DNA que lhes colocaria como prováveis doentes, mas mesmo assim não se tornam doentes. Apesar da presença de germes que poderiam causar a doença, da predisposição eles não contraem o mal. Na busca da verdade absoluta da doença a medicina sempre se universaliza, pois alcançam verdades universais.

O que faz os germes latentes agirem de uma hora para outra? Porque uma pré-disposição muitas vezes não se concretiza? Essas perguntas foram respondidas a Allan Kardec.

“4 – Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus? Num axioma que aplicais às vossas ciências: não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e vossa ação vos responderá”.

“7 – Poder-se-ia encontrar a causa primeira da formação das coisas nas propriedades da matéria? Mas, então, qual seria a causa dessas propriedades? É preciso sempre uma causa primeira” (O Livro dos Espíritos).

A verdade absoluta de todas as coisas no universo é Deus: Sua ação, Sua Inteligência, Sua Justiça e Seu Amor. Apenas quem possui a Inteligência Suprema, a Justiça Perfeita e o Amor Sublime pode compreender a verdade absoluta de todas as coisas. Apenas quem possui Suas propriedades intrínsecas elevadas ao expoente máximo pode compreender algo universalmente e eterno.

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Alcançando a verdade absoluta

Como vimos a existência do ser é um eterno processo de evolução, onde ele buscará alterar as verdades relativas alcançando a verdade absoluta das coisas. Esta mudança de valores da consciência é que é chamada de reforma íntima.

No entanto, afirmamos também que apenas Deus ou o Ser que possui as suas propriedades intrínsecas elevadas ao expoente máximo pode alcançar a verdade absoluta das coisas. Ao ser em evolução, aquele que possui ainda individualizações nas suas ações, a verdade absoluta é uma utopia.

Com esta forma de compreensão, como então entender a reforma íntima? Devemos entender que o processo de reforma íntima se caracteriza pela busca não de se alcançar a Perfeição do universo, mas alterar-se gradativamente a elevação espiritual dentro de metas pré-estabelecidas (perfeições) para cada etapa ou encarnação.

A alteração das verdades relativas não levará a verdade absoluta do universo, mas a universalização dos conceitos aproximará da Perfeição. A verdade que surgir da reforma íntima ainda será uma verdade relativa, mas essa nova verdade já será mais absoluta do que a anterior.

Assim, de degrau em degrau, de verdades relativas alteradas para mais absolutas, o ser alcança a sua elevação e purificação necessária para a sua evolução espiritual. Mas como avançar de um degrau para outro?

Essa evolução é provocada pela reforma íntima, ou seja, pela alteração da verdade relativa para absoluta. Na prática, se Deus é a verdade absoluta de tudo, o ser deve trocar o seu achar por Deus sabe. Para alcançar mais facilmente essa transformação é preciso que o ser conheça as Seis Qualidades da Vida Espiritual. Vamos vê-las...

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Seis qualidades da vida espiritual

As Seis Qualidades da Vida Espiritual não é um conhecimento baseado apenas nos ensinamentos de Sidarta Gautama, mas contém três dos elementos essenciais que ele transmitiu para se alcançar a evolução espiritual. Além desses, existem outros três que foram transmitidos por todos os outros enviados de Deus.

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Impermanência

A primeira característica que rege as ações do universo que precisa ser compreendido para que o espírito avance um passo no sentido da sua elevação espiritual é a impermanência. Por esse ensinamento devemos compreender que todas as coisas do universo alteram-se constantemente, ou seja, não permanecem iguais todo o tempo.

Os objetos, tenham eles aparente vida ou não, as situações e os próprios seres estão em constante processo de modificação. Não conseguimos encontrar nada que seja permanente. As flores nascem, alcançam o seu apogeu, traçam um caminho de declínio e um dia murcharão. Toda situação de vida começa, passa todo o seu ciclo e um dia extingue sua ação. Os seres alteram constantemente o seu achar sobre as coisas e cada vez que isso acontece transformam-se em pessoas diferentes.

Esse ciclo de existência de todas as coisas é inexorável, acontece e sempre aconteceu com tudo e com todos, portanto é verdade absoluta. No entanto, o ser que vive dentro de verdades relativas, dentro de um mundo onde está preso a falsas verdades que ele crê como verdadeiras, não consegue compreender essa qualidade. Seria preciso que alterasse a sua compreensão sobre as coisas para alcançar a mudança constante porque passam as matérias e seres do universo.

Um ser adquire uma flor, leva-a para a sua casa, coloca-a em um vaso e cria a verdade relativa de que ela estará sempre naquela determinada parte do seu clico impermanente. Preocupado com outras falas verdades que compõem sua vida, ele não presta atenção a impermanência da flor. No dia em que novamente a percebe, ela, pela sua impermanência, já está em outra etapa do seu ciclo de existência: murcha.

Para se defender de não ter prestado atenção na impermanência da flor, o ser acusa outros seres (‘me venderam uma flor velha’), a própria flor (‘as flores de hoje não duram mais como as antigas’) ou até o tempo. Na verdade nada disso aconteceu: a flor teve todo o seu ciclo como todas sempre tiveram. O ser é que por estar preso na verdade relativa da permanência, deixou de prestar atenção na evolução do ciclo da flor. Para defender suas verdades é que ele acusa outros.

A não compreensão dessa qualidade da vida faz com que o ser não sinta as alterações que se processam em tudo no universo. Uma mãe e um pai geram um filho. Enquanto ele é criança, os pais estão ocupados na verdade relativa que precisam construir sua vida (trabalhar, ganhar dinheiro, possuir bens) e imaginam que o filho permanecerá eternamente criança. Deixam de prestar atenção ao seu ciclo de evolução. Um dia os pais olham e encontram no lugar da criança um adolescente e se perguntam: ‘Onde foi parar o meu garoto’? Ele esteve lá no tempo que deveria existir, mas pela sua impermanência alterou-se. Os pais, que não viveram essa realidade e foram buscar outros sonhos é que não viram isso acontecer.

Todos possuem a característica da impermanência. Quem está vivo um dia irá morrer, quem tem saúde um dia irá adoecer, quem está passando por situações positivas um dia irá passar por negativas. A não compreensão dessa realidade universal traz o sofrimento, ou seja, a individualização dos acontecimentos universais.

O ser que não consegue enxergar essa realidade sofre. Quando um parente ou amigo morre, o ser sofre. No entanto, desde que nasceu esse ser, cada dia mais se aproximou da morte. A impermanência é a transformaçã0 de cada um para cumprir o seu ciclo existencial. Se a pessoa ia morrer e se o ser sabe que tudo que nasce morre, porque sofre quando o ciclo chega a este ponto? Porque cria verdade relativa que aquele ser irá permanecer vivo constantemente. Pela existência dessa verdade não presta atenção no ciclo dele e não compreende que cada dia mais se aproximou do túmulo. O ser sofre porque não viveu a vida com impermanência.

Toda verdade relativa é permanente. Quando o ser cria essa verdade ela passa a ser tratada como absoluta, ou seja, não se alterará jamais. Somente com o sofrimento ele poderá alterar a sua verdade relativa. Por isso existem as situações negativas: para que o ser possa tornar suas verdades impermanentes. Quando atingir essa qualidade da vida, alcançará a felicidade, pois entrará na verdade absoluta: tudo é impermanente.

Para que o ser possa entrar em contato com a impermanência das coisas, o Buda aconselha que se recite constantemente as “Cinco Lembranças”. Elas estão no sutta Anguttara Nikaya V.57 - Upajjhatthana Sutta - Temas para Reflexão:

Há esses cinco fatos que devem ser refletidos por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado. Quais cinco?

Eu estou sujeito ao envelhecimento, não superei o envelhecimento.Esse é o primeiro fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu estou sujeito à enfermidade, não superei a enfermidade. Esse é o segundo fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu estou sujeito à morte, não superei a morte. Esse é o terceiro fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu me tornarei diferente, separado de tudo o que é querido e amado. Esse é o quarto fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu sou o dono das minhas ações, herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações e tenho as minhas ações como árbitro. O que quer que eu faça, para o bem ou para o mal, disso me tornarei o herdeiro. Esse é o quinto fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Esses são os cinco fatos que devem ser refletidos por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que está sujeito ao envelhecimento e não superará o envelhecimento'? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez dos jovens com a juventude. Por causa dessa embriaguez com a juventude, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem e com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa embriaguez dos jovens com a juventude ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que está sujeito à enfermidade e que não superará a enfermidade? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez das pessoas saudáveis com a saúde. Por causa dessa embriaguez com a saúde, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa embriaguez das pessoas saudáveis com a saúde ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que se está sujeito a morte e que não superará a morte? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez das pessoas com a vida. Por causa dessa embriaguez com a vida, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa embriaguez das pessoas com a vida ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que se tornará diferente, separado de tudo o que é querido e amado? Há seres que sentem cobiça e desejo pelas coisas que consideram queridas e amadas. Por causa dessa cobiça e desejo, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, esse desejo e cobiça pelas coisas que são queridas e amadas ou é totalmente abandonado ou é enfraquecido.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que é o dono das minhas ações (carma), herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações e que tem as suas ações como árbitro. O que quer que faça, para o bem ou para o mal, disso se tornarei herdeiro'? Há seres que se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa conduta prejudicial com o corpo, linguagem, e mente ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único sujeito ao envelhecimento, que não superou o envelhecimento, mas sempre há seres, indo e vindo, falecendo e renascendo, todos esses seres estão sujeitos ao envelhecimento, não superaram o envelhecimento. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Além disso, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único sujeito à enfermidade, que não superou a enfermidade. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Além disso, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único sujeito à morte, que não superou a morte. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Além disso, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único que me tornarei diferente, separado de tudo que é querido e amado. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único dono das minhas ações (carma), herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações, tendo as minhas ações como árbitro; que - o que quer que eu faça, para o bem ou para o mal, disso me tornarei herdeiro, mas sempre que houver seres, indo e vindo, falecendo e renascendo, todos esses seres serão os donos das suas ações, herdeiros das suas ações, nascidos das suas ações, relacionados através das suas ações e tendo as suas ações como árbitro. O quer que façam, para o bem ou para o mal, disso eles se tornarão herdeiros.’ Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o, cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.”

Sujeito ao nascimento, sujeito ao envelhecimento, sujeito à morte, pessoas comuns sentem repulsa por aqueles que sofrem daquilo a que elas mesmas estão sujeitas. E se eu sentisse repulsa por seres sujeitos a essas coisas, não seria digno, vivendo como eles vivem.

Enquanto mantinha essa atitude – conhecendo o dharma sem aquisições – eu superei toda embriaguez com a saúde, juventude, e vida, como aquele que vê a renúncia como segurança. Em mim, a energia foi estimulada, a libertação foi vista claramente. Não há modo pela qual eu desfrutaria de prazeres sensuais. Tendo seguido a vida santa, não retornarei.

 Como afirmamos tudo tem um ciclo e se altera constantemente. A vida de cada ser segue essa impermanência. Aquele que nasce não permanecerá permanentemente vivo, quem tem saúde não permanecerá nesse estado eternamente e tudo o que o ser possui hoje (lhe é caro) irá mudar, quer de aparência ou de proprietário. A não compreensão dessas verdades absolutas que compõem a qualidade da vida espiritual leva o ser ao sofrimento quando o ciclo das coisas cumprir a sua impermanência.

O nobre caminho

Interdependência

A questão da interdependência é fácil de compreender. Apesar de imaginar-se isolado do mundo que vive, o ser encarnado é dependente de todas as outras coisas para existir. Quando não vive com esta consciência o ser humanizado acaba colocando em perigo sua própria existência.

Como haver uma existência material sem o oxigênio que move o corpo físico? Impossível. Uma das maiores fontes desse elemento são os vegetais, que aprisionam o gás carbônico e liberam o oxigênio dentro do processo fotossíntese. Portanto, o espírito encarnado precisa do mundo vegetal para existir. Só que existem seres, aqueles que não estão atentos a interdependência das coisas, que promovem o desmatamento indiscriminado. Agem dessa forma porque, além de estarem desatentos à interdependência entre ele e os vegetais, não estão atentos também a impermanência do oxigênio.

Como disse a questão da impermanência é fácil de ser compreendida, mas há algo mais que devemos abordar neste momento: as qualidades da vida espiritual regem a vida universal como um todo e por isso não podem ser observadas individualmente. Por isso afirmo: a não observação da interdependência das coisas é gerada por uma visão permanente das coisas. Aquele que sabe que tudo se transforma constantemente compreende a interdependência que existe entre ele e os elementos do universo para a transformação global, já aquele que vive como se as coisas fossem permanentes, não consegue vivenciar a interdependência entre as coisas deste mundo.

Os pais que não acompanham a evolução do filho porque não imaginam que dependem deles para serem felizes. Acreditam que o que os fará feliz será garantir o futuro do filho e não viver cada uma das suas etapas. Uma criança dentro de casa pode trazer harmonia se o ser observar a sua paz, felicidade e simplicidade. Essa observação será um lenitivo para o estresse da vida diária. Não é só o filho que precisa dos pais, mas eles também dependem da criança.

O pai que se relaciona austeramente com o seu filho receberá austeridade desse: isso nos ensina a quinta lembrança do Buda. Os pais ausentes receberão ausências, pois não compreenderam a interdependência, ou seja, que todos dependem de todos. Colocam-se, por suas verdades individuais (‘sou o pai, tenho o poder’) que geram a independência na existência, como seres superiores e, por isso, não aproveitam o que os filhos têm para lhes dar.

Toda reação dos outros e dos objetos do universo são reflexos de ações anteriores do ser. Aquele que vive independentemente do universo não consegue compreender essa verdade universal da existência do ser.

O inimigo quando age não é causa independente, mas efeito de um ato anterior do ser. Aquele que aponta os individualismos (eu sei) através de ações contrárias vive um efeito da existência da verdade relativa dentro dele. No entanto, não age dessa forma por quer, mas auxiliando Deus na construção da Sua obra, serve de intermediário Dele para mostrar os conceitos individualizados que existem no outro.

Na verdade o inimigo é um amigo, pois através da sua ação mostra os conceitos que o ser utiliza no sentido individual para que possam ser universalizados. Por isso Jesus afirma:

“Vocês sabem o que foi dito: Ame os seus amigos e odeie os seus inimigos. Mas eu lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelo que perseguem vocês, para que vocês se tornem filhos do Pai que está no céu” (Mateus – 5,43-44)

O ser é dependente do seu inimigo, mas o inimigo também é dependente dele. Para o espírito encarnado o inimigo é um enviado de Deus que mostra o que deverá universalizar. Para o inimigo, este momento é uma oportunidade de realizar uma das tarefas da sua encarnação: auxiliar a Deus. Assim, de ações em ações os dois seres contribuem mutuamente para a elevação espiritual que, no final das contas, é a obra de Deus.

No entanto, o ser não consegue ver essa interdependência entre ele e o seu inimigo porque vive individualmente, dentro de suas verdades relativas. Para alterar essas verdades é necessário compreender que tudo no universo é impermanente. Enquanto o outro ser for permanentemente um inimigo, não conseguirá auferir os lucros que a interdependência pode lhe trazer para a sua existência espiritual.

O nobre caminho

Não eu

O ser muda-se constantemente (impermanência) e essas mudanças são geradas pelos seus relacionamentos (interdependência). Sendo essa afirmação uma verdade universal, podemos também afirmar que um espírito ao relacionar-se com outro, servindo de instrumento para a mudança, passa a existir dentro daquele.

Como já vimos, o ser humano é a inteligência que comanda um corpo. Essa inteligência, dentro do estágio de elevação ser humano. Esse processo baseia-se na análise das percepções através dos conceitos existentes na memória. Por isso, em última análise, podemos dizer que esses conceitos representam o próprio ser.

Se um ser possui o conceito de não gostar de outro, praticará atos que espelhem essa verdade relativa e tornar-se-á conhecido como inimigo. Se um ser possui conceitos de não querer alguma coisa, praticará atos de repudia ao que não gosta e será conhecido como não aquele que não gosta dessas coisas. Os conceitos estampam para os seres humanos a identidade do ser muito mais que qualquer outra característica.

Esses conceitos, no entanto, não são originários do próprio ser, mas foram introduzidos ao longo da evolução do corpo físico pela família, sociedade, amigos, escola. O ser não gosta de uma pessoa porque quer, mas sim porque o outro fez algo que ele não gostou, não quer alguma coisa porque alguém lhe ensinou que aquilo é ruim. Mesmo os conceitos que o ser trás da existência espiritual para a carnal são montados de acordo com o seu livro da vida ou programação de provações.

Assim, não podemos dizer que o ser é uno, mas ele é composto por todas as fontes que lhe transmitiram conceitos. É isso que quer dizer o ensinamento do Buda rotulado como não-eu: todos os elementos do universo são compostos por todos os elementos do universo.

Quando um ser bebe leite essa substância passará a fazer parte do seu corpo físico, será o corpo. Junto com o leite está a vaca que o formou, o alimento que o animal comeu, o que adubou a terra para que existisse o alimento do animal, aquele que produziu o adubo para a terra. Nesse processo iríamos até o infinito e veríamos a interdependência entre as coisas. Através da alteração de cada um dos elementos (impermanência) poderíamos ver o todo universal penetrando e compondo o ser.

Nesse livro está presente o papel e a tinta, mas também está presente a madeira que fez o papel, o sol que auxiliou a árvore, todos os insumos que foram utilizados para manter a árvore em crescimento, todos os animais que um dia pousaram nessa árvore, o oxigênio que foi produzido pela árvore assim como o gás carbônico que ela reteve. Na tinta teríamos todos os elementos químicos, o solo onde estiveram, as folhas que caíram ao solo alterando sua estrutura, a água do lençol freático.

Mas, vamos mais além. Aqui também estão os autores espirituais, os médiuns encarnados, o editor e toda a sua equipe, os que venderam, os que promoveram, enfim, um verdadeiro exército compõe esse livro. Se permanecêssemos enumerando tudo o que compõem esse livro teríamos que listar todo o universo, pois tudo compõem tudo.

Ao primeiro contato com esse ensinamento budista, muitos seres acreditam que o Buda afirmou que o ser não existe, mas isso não é verdade universal. O ser existe como individualidade, mas não como unicidade. Cada um é único porque os elementos do universo entram na composição do outro ser em diferentes graus de influência. Assim como em uma família de dez filhos teremos dez personalidades diferentes apesar de criados por pais iguais, cada ser do universo é criado por Deus da mesma forma, mas possuem individualidades diferentes.

O conhecimento e prática da qualidade da vida espiritual não-eu auxilia muito o ser na sua evolução espiritual. Se ele é uma individualidade composta pelo todo, o outro também é. Com essa visão o ser pode se ver dentro do outro, compondo o outro ser.

Quando um ser está gerando uma situação para você, é a sua própria partícula que compõem o outro que está agindo. Foi o que você fez que formou um conceito no outro que será utilizado nesse momento no relacionamento dos dois. Se provocou uma ação universalizando seus conceitos, formou um conceito universal no outro que agora servirá de base para o raciocínio que comandará o ato. Se a sua ação teve como base um conceito individualista o que receberá é um ato individualista do próximo. Essa é a causa e efeito do universo.

No planeta existe uma afirmação que diz: tudo que fizer ao universo, voltará para você. Isso é uma verdade absoluta que se compreende perfeitamente com as três primeiras qualidades da vida espiritual. Quando você promove alguma ação (física ou espiritual), pela interdependência das coisas todo o universo a receberá. Pela impermanência pode se compreender que o que você fez alterará todo o universo, tornando-o diferente do que era. Nessa nova identidade das coisas você estará presente, pois a sua ação gerou um conceito que alterou o universo. Quando o universo for agir, aquele conceito estará presente decidindo a ação. Novamente pela interdependência esta ação do universo alcançará você. Ao lhe alcançar provocará uma mudança (impermanência) que será composta também pela ação do universo. Esse é o ciclo universal, isso ocorre a cada segundo pelo tempo dos seres encarnados.

A cada segundo cada elemento ser do universo promove uma ação que, ao atingir todo o universo provocará uma mudança em todos os outros seres. Assim, de segundo em segundo, o universo como um todo vai escrevendo o seu próprio destino, apesar de estar sempre dentro dos relacionamentos diretos escritos no Livro da Vida de cada ser.

O nobre caminho

Interagindo, alterando a permanência das coisas, compondo um novo universo

O ensinamento desse item talvez seja mais fácil do que o seu próprio título. Ele retrata a ação das três qualidades da vida espiritual até aqui estudadas e comprovam que, apesar do poder individualista que todo ser encarnado imagina ter, a impermanência, a interdependência e o não-eu são verdades absolutas no dia a dia.

No ensinamento iremos comprovar como a simples compra de um pãozinho na padaria da esquina interliga todo o universo influenciando a impermanência dos habitantes do planeta Plutão. Ela provará que o ato de comprar um pão praticado por um ser encarnado na terra compõe o eu dos habitantes do planeta Plutão.

Um ser humano imagina que ou em horas pré-determinadas ou quando sente vontade ou fome, ele, por seu livre arbítrio pode se dirigir a qualquer estabelecimento que venda pães e comprar a quantidade que quiser, mas isso não é verdade. Toda ação no universo se propaga como nos ensina a interdependência das coisas.

Imaginemos primeiro a situação do local onde o pão será comprado. Para comprar um pão o ser humano utiliza a moeda (dinheiro). Esse elemento universal serve como base para a impermanência das coisas. De posse de mais ou menos valores o ser humano será diferente. Se tiver muita moeda poderá possuir mais elementos materiais, se for ao contrário, passará necessidade.

A posse de bens materiais ou as necessidades matéria que um ser terá durante a sua existência carnal estão descritas no Livro da Vida de cada um. Dessa forma, o ser encarnado não poderá receber ou deixará de pagar nem um centavo a mais ou a menos do que foi prescrito por ele mesmo. Quando o ser for comprar um pão na padaria, estará contribuindo com a moeda necessária para a materialização das situações previstas no Livro da Vida do proprietário, dos funcionários, dos fornecedores, dos concorrentes, enfim, de toda a população da cidade e além das fronteiras dessa.

As moedas que os seres recebem em troca do seu trabalho são instrumentos para que as prescrições do livro da vida de cada um. Se o ser humano pudesse decidir em qual estabelecimento comprará os seus pães, interferirá no livro da vida de todos os envolvidos nesse recebimento de moedas. Onde ele comprar os envolvidos possuirão mais moedas do que o necessário, onde deixar de comprar existirá carência.

Essa situação fere o equilíbrio do universo, pois o todo universal é projetado de acordo com o Livro da Vida de todos os seres universais. Portanto, apenas um homem ao comprar um simples pão pode desequilibrar todo o universo.

Se ele gastar demais em um lugar destinará os recursos materiais para apenas um grupo de seres que possuem individualismos diferentes dos outros. Deixando de gastar em outro lugar, o homem estará fazendo que um individualismo prevaleça sobre os outros, afetando o universo. O comércio em geral penderá apenas para os gostos de quem recebeu em excesso, só continuarão funcionando as diversões que, os que receberam, gostem. Enfim, aquele universo será padronizado pela individualidade do grupo que recebeu o proveito do ato do homem.

Será que apenas um homem pode ter, com todas as variáveis envolvidas, a consciência e o conhecimento do equilíbrio do universo para ter o livre arbítrio de escolher onde comprar o pão?

Quando compra o pão, o ser humano imagina que escolhe aleatoriamente a quantidade de pães. Mesmo que ele possua quantidades pré-determinadas de consumo há sempre o dia onde aparecem motivos para que ele decida comprar mais ou menos pães. O ser humano imagina que esses motivos são criados por ele mesmo, mas isso não é verdade absoluta, pois a quantidade de pães influi em todo o universo.

Havendo um consumo maior de pães, a humanidade teria que aumentar a plantação do trigo, semente básica para fazer a farinha que é utilizada para fazer o pão. Para isso algumas culturas teriam que ser abandonadas ou haveria a necessidade de se desmatar as poucas áreas que ainda permanecem intactas. Das duas formas o ser humano estaria afetando o meio ambiente, transformando o planeta o que influiria em todo o universo.

O universo existe em perfeito equilíbrio e alteração de uma das suas partículas (planetas) pode alterar o equilíbrio universal. Alterando as culturas ou provocando o desmatamento o planeta Terra poderia perder em peso e com isso alteraria a sua órbita em torno do sol. Esse fato alteraria a órbita de todos os planetas interferindo nas condições climáticas de todos os outros, o que, em última análise, mexeria com a vida de todos os seres que habitam o universo.

Já se o pão for comprado em menor quantidade o efeito seria outra vez a alterações de cultura ou o abandono de áreas desmatadas para servirem de plantação. As duas coisas novamente afetariam toda a vida no planeta. Além da influência material que já mostramos, o abandono de áreas de plantação provocaria o desemprego no campo que geraria um êxodo maior no sentido das cidades.

Para atender essa demanda o homem teria que aumentar o campo industrial o que também afetaria o meio ambiente e o próprio planeta. Mesmo que tente aumentar a demanda para gerar empregos, existe um ponto de esgotamento que não permite que mais indústrias sejam criadas. Com o desemprego gerado pelo homem que imagina que pode comprar livremente menos pães, aumentaria a violência urbana.

Toda a vida novamente seria afetada. O caos poderia se estabelecer e os homens não teriam mais condições de sair para comprar outras coisas. Com isso o comércio não conseguiria existir tendo que demitir seus funcionários. Essa nova massa desempregada acabaria se juntando com os outros aumentando ainda mais o caos.

Tudo isso que falamos não é sonho, mas realidade, não é verdade relativa, mas verdade absoluta. Os dirigentes do planeta preocupam-se com essas situações exatamente como descritas aqui. Mesmo nas análises dos governantes, que nada tem a ver com vida espiritual, eles se preocupam com a impermanência, interdependência que existe na ação de todos formando cada dia novos seres (não-eu).

Falta a eles apenas a consciência da lei da causa e efeito. Quando os governantes compreenderem que tudo que se faz para o universo volta para si mesmo, aí então começarão a resolver os problemas do mundo. A solução não está em como se arrumar o mundo, mas com que intenção ele deve ser arrumado.

Os governantes hoje buscam soluções baseadas no individualismo. Muitos estão atentos na individualização maior: ele mesmo. Agem afirmando que estão procurando soluções para todos, mas buscam auferir lucros individuais. Outros já universalizam um pouco mais e pensam em soluções regionais ou nacionais. Todos os dois esquecem que não existe região ou país que viva individualmente.

Todo o planeta se interage e se interdepende. Quando um país busca solucionar o seu problema individualmente acaba gerando sofrimento para outros. Esse sofrimento se transformará em um conceito coletivo que será utilizado pelo país sofredor contra o individualista. A alteração que o país causou no outro para se transformar individualistamente servirá de base para o raciocínio coletivo do povo que sofreu a ação.

Para solucionar o problema de seu país é necessário que o governante pense universalmente. É preciso que ele queira a felicidade de todo o universo para que isso gere um conceito no universo de agir universalmente com o seu país. Mas, agir universalmente é invadir o planeta dos outros para fins de exploração, muitas vezes comerciais?

O ser humano imagina que é solitário nessa imensidão que é o universo. Imagina que pode agir da forma que quiser em seu planeta e fora dele que ninguém irá se afetar com isso, no entanto esquece toda ação sua será utilizada contra ele próprio.

Todo universo é povoado por seres que habitam matérias em densidades diferentes. Os seres que estão aprisionados em matérias mais densas não conseguem perceber a presença de outros seres. É o caso dos espíritos no planeta Terra.

O entendimento para o termo espíritos no planeta é o de um ser universal fora da matéria carnal. Muitos acreditam na existência do espírito e muitos inclusive vivem em constante contato com eles. No entanto, a grande maioria acredita que existam esses seres, mas nunca os viram.

Para os seres humanos encarnados, o espírito é também um habitante do planeta Terra, como ele. Dificilmente se encontra, inclusive entre os que acreditam na existência do espírito, alguns que imaginem que existam espíritos que morem em outros planetas.

Todos os planetas do universo foram criados com a finalidade de servir de campo de provas para os seres em evolução. Como afirmamos anteriormente, para haver prova é necessário que haja encarnação, ou habitação em matéria mais densa que a que prende o ser. Assim, em todos os planetas têm que haver vida encarnada e desencarnada como na Terra.

O que ocorre é que a matéria em que encarnam os seres de outros planetas são menos densas que a do planeta Terra. Assim, o ser encarnado em matéria do planeta Terra não percebe a presença de seus irmãos, encarnados ou não, em outros planetas.

Daí vem a individualidade do ser humano e por isso ele constantemente ofende o território dos seus irmãos universais (planetas). Graças a Deus aqueles são mais universalizados e compreendem, como um adulto compreende a curiosidade e inocência infantil, esse ato do ser humano. No entanto, os seres humanos estão preparados para atacar qualquer nave de outro planeta que fizesse o que ele faz.

Enquanto os governantes não compreenderem essa verdade universal e não modificarem o seu planeta para que ele aja de forma universal com o universo, jamais conseguirá resolver seus próprios problemas. Para isso é preciso parar de pensar individualmente. Acabar com a busca do lucro e pensar no meio ambiente e parar de invadir os planetas, aguardando com recepção de boas vindas os irmãos universais, são ações que demonstraram a universalidade necessária para que o todo universal possa, pela interdependência, causar a modificação desse planeta, transformando o eu planetário.

 Dissemos que do pão chegaríamos ao planeta Plutão e chegamos. O homem que puder desejar e agir comprando mais pães do que o universo determinar estará colocando em circulação mais moedas que alimentará a ganância pelo lucro industrial. Essa ganância não deixará o empresário pensar em preservar o meio ambiente e isso afetará a vida no planeta Plutão.

Essa é uma ação indireta, que se manifesta entre planetas, mas a simples compra do pão afeta diretamente aos habitantes de Plutão. As naves que chegam a outros planetas causam impacto na vida dos moradores desses. As experiências que são levadas à cabo durante a permanência dos instrumentos terráqueos afetam não só o meio ambiente como o próprio habitat dos moradores do planeta.

Toda essa exploração interplanetária feita por alguns povos da Terra é sustentada com o dinheiro arrecadado pelos impostos e pelo intercâmbio monetário entre os países. O seu país, mesmo que não promova expiações interplanetárias participa delas, sustentando-a com esse intercâmbio. Para poder interagir com os países que promovem exploração, o seu país utiliza o dinheiro dos impostos que são recolhidos das operações comerciais. Em resumo, o seu pão está financiando as naves que invadem o planeta dos irmãos universais.

Pela interdependência das coisas e sua impermanência, podemos constatar que tudo se junta para formar um eu, uma identidade (pessoa, país, planeta). Para causar ações universais que mantenham o equilíbrio do todo, protegendo quem não fere o próximo e dando ao individualista o reflexo de sua própria ação é necessário que o ser compreenda todos os reflexos de sua ação.

Será que o ser humano, que não consegue perceber nada além do curto alcance dos seus cinco sentidos possui a universalização suficiente para manter o perfeito equilíbrio do universo?

O nobre caminho

Deus, Causa Primária

Para a pergunta que deixamos no item acima só poderemos chegar a uma única resposta: não! O homem não possui universalização suficiente para governar o universo. Nem a sua própria vida ele consegue governar para ser feliz, que dirá milhões de planetas, estrelas e sóis com os seus trilhões de habitantes. Como manter a felicidade de todos ao mesmo tempo, levando cada um a abandonar os seus desejos individuais para participar de uma felicidade coletiva?

Pelos ensinamentos da interdependência, impermanência e não-eu compreendemos que o universo se movimenta através de engrenagens que rodam coletivamente, proporcionando ações que trazem a felicidade coletiva. Toda essa engrenagem é movida pelo motor da causa e efeito.

No entanto essa máquina tem que ter um programador, alguém que faça a engrenagem certa rodar para o lado correto para mexer de forma precisa a outra engrenagem. Esse programador, para dirigir a máquina, precisa agir e por isso tem necessariamente que ser um ser. Apenas o ser que possua as suas propriedades intrínsecas elevadas ao expoente máximo pode ter a percepção necessária para promover a felicidade de todos. Esse ser é Deus.

Deus é quem programa todos os movimentos das engrenagens (seres) para que com suas ações façam o universo funcionar perfeitamente (Inteligência Suprema), com justiça (Justiça Suprema) sem causar ferimentos (Amor Sublime).

A essa ação de Deus chamamos de Causa Primeira e as ações que os demais seres fazem sob o direcionamento da Causa Primeira, efeitos. A Causa Primeira tem que ser Deus para que o efeito (ato do ser) dê a quem merece o que merece (justiça) e a quem precisa o que precisa (amor).

“1 – Que é Deus? Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas” (Livro dos Espíritos).

Apesar de ter sido consagrada fora da ordem ditada pela espiritualidade, a primeira resposta de O Livro dos Espíritos afirma exatamente isso. Deus é a causa primeira de todas as coisas, pois possui a Inteligência Suprema. Este ensinamento é antigo, mas nem mesmo os espíritas, para quem O Livro dos Espíritos é obra fundamental, compreendeu dessa forma.

Todo ser humano, independente de crença religiosa, imagina-se independente do universo, senhor do planeta, raça superior. Trata a si mesmo como ser racional, aquele que por ter esse processo agregado à sua inteligência, pode dominar o desejo dos outros elementos do planeta. Por isso não se acha coisa e aplica esse termo aos elementos inanimados (sem ação).

Deus é a Causa Primeira dos minerais, dos gasosos, dos aquáticos, dos vegetais e dos animais, mas não do homem. Apenas porque os seres que habitam nesses elementos não possuem o poder de raciocinar (marca do livre arbítrio) eles terão que ser submissos ao desejo de Deus. O homem, entretanto, não se incluem nessa lista, pois imaginam que o poder do raciocínio lhe dá liberdade de agir.

Dessa forma, o homem imagina que age independentemente do universo, imagina-se permanentemente o mesmo e não vê que é composto por todo o universo. Acha que pode gerar atos apenas porque quer praticá-los. O seu desejo é soberano.

“9 – Onde se vê, na causa primeira, uma inteligência suprema e superior a todas as inteligências? Tendes um provérbio que diz isto: pela obra se reconhece o artífice. Pois bem! Olhai a obra e procurai o artífice. É o orgulho que engendra a incredulidade. O homem orgulhoso não vê nada acima dele e é por isso que ele se chama de espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus pode abater”! (O Livro dos Espíritos)

Toda a humanidade raciocina dessa forma, mesmo os espíritas que já haviam recebido a informação da Causa Primária explicitamente na obra básica de sua religião. No entanto, quando analisamos o homem através da informação de todos os enviado de Deus e da observância da sua natureza, chegamos à conclusão que isso não pode ser.

No item anterior falamos algumas palavras sobre a ação individualista do homem no universo. Tudo que foi dito é verdade absoluta: as coisas ocorrem dessa forma. Agora, afirmamos que Deus comanda todos os atos. Juntando as duas observações, chegamos a conclusão que Deus comanda a ação do ser humano para que ele afete negativamente o universo. Isso é verdade absoluta?

Sim e não. Realmente se o homem consegue desmatar o seu planeta e se faz expedições interplanetárias, todas essas ações são comandadas por Deus, mas elas não visam promover a negatividade ou causar sofrimento ao todo universal. Deus (a Justiça Perfeita e o Amor Sublime) não pode ser um carrasco que viva apenas para julgar e apenar Seus filhos, mas como um Pai Amoroso que é precisa sempre orientá-los no sentido da evolução que traz a felicidade.

Portanto, Deus promove a ação humana que se reflete e passa a compor o eu de outros planetas, mas a Sua intenção não é penalizar ou provocar sofrimentos. Sua ação é comandada pelo Amor Sublime. Entremos em detalhes sobre o universo para que possamos entender a ação de Deus.

Os habitantes dos planetas afetados pelas transformações que passa o planeta Terra pela ação individualista do ser humano são seres universais que já viveram na Terra. Hoje eles já são seres na carne (vida em mundo de regeneração), mas durante o seu estágio de seres humanos viveram aqui nesse planeta.

Naquela época, apesar de nenhum livro histórico assinalar, o mesmo processo individualista que culmina com a deterioração do planeta como a de hoje existiu. Os seres dos planetas atingidos pela ação do homem, dentro do estágio de evolução ser humano aqui na Terra, feriram o planeta. Para eles também houve um dia do juízo e, diferente do que irá acontecer agora, os que conseguiram provar a sua universalização foram retirados do planeta e levados para viver o mundo de regeneração nos planetas que se encontram hoje.

Depois disso, o planeta Terra voltou ao estágio mundo das cavernas onde os seres que não conseguiram abandonar o mundo de provas e expiações, junto com seres que pela primeira vez passavam por esse processo, iniciaram os seus ciclos encarnatórios. Esse processo de retorno de mundo evoluído tecnicamente para um mundo das cavernas foi descrito na Bíblia Sagrada como o dilúvio.

Dessa forma, os extras terrestres um dia contribuíram para a individualização no planeta e, por isso, tornaram-se merecedor de hoje receber a mesma ação que um dia provocaram. É Deus dando a cada um de acordo com a sua obra. Deus comandar o ser humano para fazer expedição interplanetária com intenções individualistas aos planetas onde habitem seres que já fizeram isso, é justiça.

No entanto, Deus não age dessa forma para punir os antigos recalcitrantes. Na verdade está promovendo uma chance daqueles seres se regenerarem. Hoje, os habitantes dos planetas visitados pelo ser humano, apesar da desordem provocada ao meio ambiente de seu planeta por essa visita, amam universalmente os seres humanos.

Portanto, a ação que antes poderia ser imaginada como uma agressão que gerava um caos se transformou em algo justo e amoroso que leva à ordem universal. A visão muda quando o ser universaliza os seus conceitos: ao invés da livre ação da inteligência inferior, a ação Justa e Amorosa da Inteligência Suprema.

Justiça Perfeita e Amor Sublime são, então, características da própria existência espiritual e, por isso, fazem parte das Seis Qualidades da Vida Espiritual e as analisaremos à sua hora. Por agora, tentemos compreender materialmente como a Causa Primária age.

O nobre caminho

Causa Primária das coisas irracionais

“Atribuir a formação primeira das coisas às propriedades íntimas da matéria seria tornar o efeito pela causa, porque essas propriedades são elas mesmas um efeito que deve ter uma causa” (Comentários de Allan Kardec à resposta da pergunta 7 de O Livro dos Espíritos)

Os seres materialistas imaginam que as coisas irracionais possuem como causa primária de suas ações as suas propriedades. O fósforo provoca determinado acontecimento porque possui determinadas propriedades, já o cálcio, o bário e os outros elementos químicos agem de determinada forma por causa de suas propriedades. Mas, quem disse que a propriedade do cálcio deve gerar no fortalecimento do osso humano e não a do magnésio? Porque o oxigênio tem as propriedades que o ser humano precisa para existir e o gás carbônico não?

É preciso que alguém determine aos elementos o que eles irão fazer, que propriedades terão, para que eles possam agir.

“8 – Que pensar da opinião que atribui a formação primeira a uma combinação fortuita da matéria, isto é, ao acaso? Outro absurdo! Que homem de bom-senso pode olhar o acaso como um ser inteligente? Aliás, que é o acaso? Nada.”

“A harmonia que regula as atividades do Universo revela combinações e fim determinados e, por isso mesmo, revela a força inteligente. Atribuir a formação primeira ao acaso seria um contra senso, porque o acaso é cego e não pode produzir os efeitos da inteligência. Um acaso inteligente não seria mais o acaso” (O Livros dos Espíritos).

Para que a harmonia prevaleça é preciso que alguém inteligente comande os não inteligentes. Será que o homem é capaz disso?

O ser humano não consegue criar nada. Casas, pontes e viadutos são transformações de materiais já existentes no planeta. Os remédios que são descobertos pelo homem nada mais são do que propriedades de elementos criados por Deus. Mesmo as atitudes humanas não existem, pois são apenas materializações de matérias energéticas (sentimentos) gerados por Deus.

Para ilustrar melhor esse conhecimento, reproduzimos um trecho da mensagem de um ser intitulado Damião através do Evangelho Segundo Tomé.

“Lembro-me de uma história que foi intuída por um membro da Academia a um encarnado. Ela dizia que os cientistas do planeta, depois da descoberta e mapeamento do DNA que permitiu a clonagem, resolveram que deveriam ter uma conversa com Deus para dizer-lhe que não mais precisavam Dele, pois o último “segredo” do universo havia sido descoberto. Depois de muito debate um deles resolveu se aventurar a ter essa conversa. Ao chegar frente ao Onipotente transmitiu o recado do qual era porta voz e Deus, na sua infinita bondade, deixou o cientista falar à vontade. Então respondeu:

Está certo, mas acho justo que cada um monte novamente um corpo de ser humano e depois voltaremos a conversar se realmente vocês daqui para frente podem viver sem Mim.

O cientista achou justo e aceitou o desafio de Deus. Correu ao laboratório, pegou uma das células que estavam congeladas e voltou à presença de Deus.

Estou pronto. Podemos começar a prova, afirmou o cientista.

Nesse momento, Deus, com sua Suprema Sabedoria, disse ao cientista.

Desta forma não vale. Se vocês querem ser os criadores do ser humano, têm que começar criando a própria célula base, para depois construir o homem” (Evangelho Segundo Tomé – logia 91).

O nobre caminho

Causa Primeira das coisas racionais

Uma inteligência é capaz de agir, mas para que essa ação reflita a elevação máxima das propriedades intrínsecas necessárias para que haja a harmonia universal, é preciso que a Inteligência Suprema seja a causa para a ação das outras inteligências. Somente a Causa Primária cria, as outras reproduzem a criação comandada pela Causa Primeira.

“Julga-se o poder de uma inteligência pelas suas obras; nenhum ser humano não podendo criar o que produz a Natureza, a causa primeira, pois, é uma inteligência superior à humanidade”.

“Quaisquer que sejam os prodígios realizados pela inteligência humana, essa inteligência tem, ela mesma, uma causa, e quanto mais o que ela realiza é grande, mais a causa primeira deve ser grande. Esta inteligência é a causa primeira de todas as coisas, qualquer que seja o nome sob o qual o homem a designa” (O Livro dos Espíritos – comentário de Allan Kardec à pergunta 9)

Ao universalizar as informações que estava recebendo da espiritualidade (Deus Causa Primeira), o próprio Allan Kardec concluiu que Deus é a Causa Primária da inteligência humana. Seus seguidores ao individualizar as informações chegaram ao conhecimento que Deus é a Causa Primária dos não inteligentes e que contra a inteligência dos humanos Ele nada poderia fazer a não ser sentar-se em Seu trono de ouro, julgar e punir os seres.

Apesar dos seguidores do espiritismo não reconhecerem Deus como Causa Primária deles mesmos, O Livro dos Espíritos é um tratado à Causa Primária. Desde a primeira pergunta todo o desenrolar desse livro é uma explicação da Causa Primeira das coisas, racionais ou não racionais.

“Imaginamos injustamente que a ação dos espíritos não deve se manifestar senão por fenômenos extraordinárias. Quiséramos que nos viessem ajudar por meio de milagres e nós os representamos sempre armados de uma varinha mágica. Não é assim; eis porque sua intervenção nos parece oculta e o que se faz com o seu concurso nos parece muito natural. Assim, por exemplo, eles provocarão a reunião de duas pessoas que parecerão se reencontrar por acaso; eles inspirarão a alguém o pensamento de passar por tal lugar; eles chamarão sua atenção sobre tal ponto, se isso deve causar o resultado que querem obter; de tal sorte que o homem, não crendo seguir senão seu próprio impulso, conserva sempre seu livre arbítrio”. (O Livro dos Espíritos – Comentário de Allan Kardec à resposta da pergunta 525).

Se Deus é a Causa Primária das ações do homem, comandando a sua inteligência, como se processa esse comando?

“459 – Os espíritos influem sobre os nossos pensamentos e as nossas ações? A esse respeito sua influência é maior do que credes porque, freqüentemente, são eles que vos dirigem” (O Livro dos Espíritos)

Falamos anteriormente que as ações surgem de uma decisão que o ser toma no seu processo raciocínio. Essa decisão é alcançada após uma análise da percepção. Afirmamos também que essa decisão é sempre uma matéria universal, nesse caso, um sentimento. Assim, podemos afirmar que o ser humano raciocina escolhendo sentimentos para interpretar as percepções.

Quando demos essa definição um elemento do raciocínio não foi comentado: o pensamento. Quando o ser raciocina sobre uma percepção aparecem diversas histórias que argumentam o raciocínio. Se uma pessoa que é odiada é percebida o pensamento irá dizer que ela não presta, que ela feriu. Se uma pessoa é invejosa, o pensamento irá contar a história dessa inveja, se ela é gananciosa, a história da ganância, se é atrevida, a história dos atrevimentos. Podemos afirmar que o pensamento é uma história que justifica o sentimento escolhido para reagir a uma percepção.

No pensamento o ser humano encontra motivos para sentir determinado sentimento sobre aquela percepção. Se o ser escolhe raiva a história sempre refletirá motivos para que a raiva seja sentida, se o ser escolhe desprezo o pensamento mostrará todos os motivos pelos quais o ser deve desprezar a percepção. Jamais uma história conterá elementos que espelhem sentimentos contrários aos escolhidos. Caso o ser tenha escolhido inveja, a história jamais trará elementos que não justifiquem esse sentimento.

A escolha dos sentimentos pelo ser é feita inconscientemente. Apesar de sentir o sentimento, o ser não consegue ver o seu raciocínio escolhendo um sentimento. Já o pensamento está no nível de consciência consciente, utilizado pelo ser para raciocinar durante a existência carnal. Por esse motivo podemos afirmar que o pensamento é uma materialização dos sentimentos escolhidos inconscientemente.

É sobre essa consciência do pensamento e inconsciência da escolha do sentimento que Kardec se refere no final do comentário à pergunta 525: “não crendo seguir senão seu próprio impulso conserva sempre seu livre arbítrio”. O ser possui o livre arbítrio de escolher um sentimento para perceber alguma coisa e os espíritos lhes intuem o pensamento para que a ação ocorra de acordo com os desígnios de Deus. O pensamento, portanto, é a causa primeira do raciocínio que gerará uma ação.

Deus, através dos seres desencarnados que auxiliam os irmãos na carne, dá os pensamentos para que o ser encarnado aja conscientemente para manter o equilíbrio universal. É dessa forma que se processa a Causa Primeira nos seres (elementos racionais).

O nobre caminho

Justiça Perfeita

Assim, Deus dá a cada um dos seres humanos no universo um pensamento que servirá como guia para as ações. Sempre a ação refletirá o pensamento. Por esse motivo, podemos afirmar que a ação é causada por Deus e não pelo próprio ser, pois o ser humano jamais trairá seus próprios pensamentos.

Assim, todos os atos dos seres humanos são construídos por Deus através dos pensamentos que ele dá aos seres. Esse Deus é Onipotente, Onipresente e Onisciente. No entanto, o ser não perdeu o seu livre arbítrio, pois antes que Deus lhe comandasse um pensamento ele fez uma escolha sentimental.

O ser pode escolher o sentimento que quiser para cada percepção, mas Deus não poderia deixá-lo agir livremente dentro dessa escolha porque senão o ser poderia causar ferimentos a quem não merecia. É para estabelecer a Justiça Perfeita que Deus dá os pensamentos para o ser.

Imaginemos uma situação onde um ser tenha ódio. Atos que reflitam esse sentimento certamente causarão ferimentos no alvo do sentimento. Para que esses ferimentos ocorram na justa medida, Deus comandará o ato desse ser que tenha ódio na sua intensidade para que cause apenas o ferimento que aquele merece receber.

Se o receptor da ação material do ser merecer uma agressão verbal será o que receberá, se merecer ferimentos leves, receberá, mas se o merecimento for de ferimentos profundos ou até que venham causar o desencarne, Deus comandará o ato para que provoque os ferimentos justos.

Isso é Justiça Perfeita: Deus dando a cada um de acordo com suas obras. Quem provoca o ferimento merece essa condição por suas escolhas sentimentais e quem os recebe, merece recebê-los, pelo mesmo motivo. Esses ferimentos serão controlados na sua extensão pela Inteligência Suprema do Universo que é a Perfeição.

No entanto, o ferimento pode não ser físico, mas espiritual. Muitas vezes uma pessoa pode sentir determinado sentimento contra outra pessoa sem que jamais consiga expressa-lo através de atos físicos. Mesmo assim, estará causando ferimentos ao objeto do sentimento.

Como dissemos um ser age com uma matéria sobre outra. Quando um ser comanda um raciocínio com um determinado sentimento, ele enviará esses sentimentos contra a pessoa que está sendo percebida. Neste caso, não houve um ato físico, mas esse sentimento enviado poderá provocar ferimentos no ser que o receber.

Tendo a matéria que está aprisionada encharcada pelo sentimento que o outro ser remeteu, a pessoa ficará sujeita a escolher esse sentimento para seu processo de raciocínio. Essa nova ação recebeu a influência de um ser externo e para que a harmonia seja mantida é preciso que essa influência seja merecida. Mesmo no nível espiritual o ser não pode causar ferimentos a outros sem que eles mereçam. Se isso acontecesse a Justiça Perfeita estaria quebrada.

Desta forma, Deus precisa também comandar, através de raciocínios o direcionamento dessas matérias energéticas (sentimentos). Quando um ser sente algo, Deus dá, através de um pensamento, o direcionamento para esse sentimento. Assim sendo, o ser escolhe o sentimento, mas o alvo do sentimento terá que ser determinado por Deus para que não se cause ferimento a quem não mereça ou, menos merecendo, que não cause ferimentos além dos necessários.

Na prática esse ensinamento nos diz que o ser apenas escolhe sentimentos para viver e Deus os direciona para quem mereça recebê-los. Um ser não tem raiva de outro: apenas tem raiva e Deus lhe diz quem merece receber a raiva. Isso ocorre com todos os sentimentos: amor, inveja, ganância, sinceridade. Todos os sentimentos são escolhidos pelo ser e Deus, através do pensamento dá o direcionamento desses sentimentos.

A vida do ser humano é isso. Ele é um ser que escolhe sentimentos. Baseado nessa escolha Deus causa os acontecimentos para que a Justiça Perfeita possa existir sempre no universo. O livre arbítrio do ser não foi quebrado, nem a Justiça Universal.

O nobre caminho

Servir a Deus ou ao dinheiro?

“Um escravo não pode servir dois donos ao mesmo tempo, pois detestará um e gostará do outro; ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e também ao dinheiro”. (Mateus – 6,24)

 Esse ensinamento de Cristo é fundamental quando se entra em contato com a Qualidade da Vida Espiritual Deus Causa Primária de Todas as Coisas. Não há como dividir a existência de um ser em espaços onde ele tenha seus atos comandados por Deus e outros onde ele seja senhor de suas atitudes. Servindo a dois senhores ao mesmo tempo (Deus e a si mesmo), sempre o ser será fiel a um e desprezará o outro.

O ser humano religioso, mesmo os que seguem os ensinamentos de Jesus, agem dessa forma. Quando desejam algo que não está dentro do seu poder afirmam: ‘Se Deus quiser...’. Quando acontece o que eles desejam dizem ‘graças a Deus’, mas quando não acontece acusam alguém ou algum acontecimento de ter sido o causador da sua infelicidade.

Se tudo acontecerá como Deus quiser, não pode haver separação futura de causador dependendo do resultado. Se o acontecimento satisfizer o individualismo do ser ele louva a Deus, mas se não fizer, acusa os outros. Quando age dessa maneira o ser muda sua fidelidade. É fiel a Deus (ama) quando é satisfeito e é fiel a si mesmo (seus desejos) quando não satisfeito e aí acusa.

Para servir a Deus o ser tem que compreender que a Causa Primeira age sempre comandando os atos. Somente dessa forma o ser poderá louvar constantemente a Deus (amar).

Quando falamos em comandar os atos, estamos falando em qualquer ato. Desde os mais corriqueiros até os que produzam maiores ferimentos em terceiros, existe um comando de Deus para que ele seja executado. Como vimos, tudo no universo se interdepende e, por isso, o menor ato, aparentemente sem reflexos, poderia desequilibrar o universo se não tivesse a ação da Inteligência Suprema com Justiça Perfeita.

Servir a Deus é não ver em erro em nada, desde os pequenos atos até aqueles que causam impactos profundos e irreversíveis aos objetos do planeta ou a outros seres.

O nobre caminho

A Causa Primária e a Lei

Quando falamos em atos que causam impactos profundos e irreversíveis estamos falando em acontecimentos que estão legislados por códigos materiais ou divinos. Falamos em matar, roubar ou adulterar. Quando alguém comete um delito desses seguiu uma Causa Primeira dada por deus para agir daquela forma. Um assassino só consegue matar uma pessoa se Deus comandar o ato do assassinato.

“Não pensem que eu vim acabar com a Lei de Moisés e os ensinamentos dos profetas. Não vim acabar com ele e sim dar o verdadeiro sentido deles”. (Mateus – 5,17).

Está escrito que não se deve matar, mas assim mesmo os assassinatos acontecem diuturnamente. Se Deus é a Causa Primeira de todas as coisas, também tem que ser a Causa Primeira do assassinato. É por ter esse conhecimento que Jesus Cristo logo no início de sua pregação (Sermão do Monte) avisa que não veio para quebrar a lei, mas dar o real sentido dela.

O real sentido da lei não matar não é o de coibir o ato do assassinato, mas de que os seres preservem a vida do próximo. Para que isso aconteça é preciso que o ser universalize seus conceitos, pois enquanto tiver individualismos se ferirá e acabará merecendo se tornar em um assassino.

Assim, o ensinamento Deus Causa Primária não serve para afirmar que se pode matar se quiser, mas para ensinar que se o ser universalizar os seus conceitos jamais se tornará um assassino. O sentimento que espelha o universalismo é o amor universal. Portanto, Cristo veio para dizer que você deve amar para não se tornar em um assassino e não para continuar afirmando não mate.

O assassino tem o ato do assassinato comandado por Deus de acordo com as suas escolhas sentimentais. Quem odeia, tem raiva, inveja e outros sentimentos individualistas é um potencial assassino. Ao escolher esses sentimentos para os seus raciocínios, o ser passa a merecer que Deus o comande na prática do ato de matar.

Como vimos, o ser que merecer se transformar em um assassino não conseguirá provocar a morte de quem quiser, mas o alvo dos seus atos será determinado por Deus através do pensamento. Aquele que receber o ato também será merecedor dele. Dessa forma, se transforma em assassino aquele que merece e desencarna aquele que também merece desencarnar.

Essa visão para os acontecimentos é difícil para os seres encarnados que estão presos à vida carnal, mas já foi fartamente comentada pelos enviados de Deus.

“853b – Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, não morreremos se a hora não é chegada? “Não, tu não perecerás, e disso tens milhares de exemplos. Mas, quando é chegada a tua hora de partir, nada pode subtrair-te dela. Deus sabe, antecipadamente, de qual gênero de morte partirás daqui e, freqüentemente, teu espírito o sabe também, porque isso lhe é revelado quando faz a escolha de tal ou tal existência”. (O Livro dos Espíritos).

O momento da morte é definido no Livro da Vida pelo ser antes da encarnação bem como o modo como ela ocorrerá. Aquele que morre assassinado já tinha esse destino traçado por ele mesmo e Deus, ao colocá-lo na frente de quem irá assassiná-lo apenas cumprirá o pedido pelo próprio ser.

Assim, todas as situações da vida, mesmo aquelas que pareçam atos de barbárie são comandados por Deus de acordo com a própria solicitação do ser no livro da vida, que foi feita com a intenção de expiar ferimentos causados por individualismos em outras existências.

Utilizando a interdependência entre os seres, Deus vai gerando a impermanência dos pensamentos de acordo com o livre arbítrio sentimental de cada um. Dessa forma, cada um passa a fazer parte do outro e a sua própria parcela que existe dentro do assassino pede a Deus que o ato ocorra como prova de sua capacidade ou não de universalizar o ato.

Esta é a real interpretação das Leis de Moisés que aquele que alcança a elevação espiritual deve possuir.

O nobre caminho

Amor Sublime

A Causa Primeira age de acordo com o merecimento de cada um, mas não é apenas esse fator que influencia o comando de Deus, mas também o Amor Sublime. Essa Qualidade da Vida Espiritual nos diz que Deus não age punitivamente, mas como forma de orientar o filho. Deus não faz as coisas como castigo, mas como a única forma que o filho deixou para receber o ensinamento.

Dentro da materialidade, todo pai sabe que o filho precisa estudar para poder ser feliz no futuro. O filho não vê essa realidade e acha que estudar é chato. O pai tenta fazer o filho compreender a necessidade e quando isso não ocorre não há alternativa do que privá-lo de satisfações até que busque o caminho que lhe será mais proveitoso no futuro. Aí vêm os castigos e, algumas vezes, as palmadas.

O pai não faz isso com raiva do filho, mas porque sabe que este caminho poderá ser a salvação do filho. Deus age da mesma forma. Quando um ser insiste em buscar a sua satisfação individual que lhe acarretará infelicidade no futuro espiritual, ele promove situações que contrarie os desejos do ser no sentido de que ele alcance a consciência de que deve universalizar-se e não se satisfazer.

As situações que contrariam os desejos do ser não são causas de sofrimento, mas lições de amor de um Pai preocupado com sua felicidade universal. O sofrimento que os seres sentem nessas situações acontece por escolha própria (livre arbítrio). Esta escolha reflete o desejo do ser de não abrir mão de sua satisfação individual. Esse ser ainda na compreende que para ele estar feliz outros terão que sofrer e assim, ele estará contribuindo para a desarmonia do universo.

Viver com a Qualidade de Vida Espiritual Amor Sublime é jamais sofrer, por motivo algum. Aquele que vive a impermanência das coisas causadas pela interdependência dos outros não agrega àquilo que irá lhe compor sentimentos negativos, mas ama a Deus por ter lhe dado mais aquele aprendizado. Esse está percorrendo uma estrada estreita, onde há desprendimento. Está aprendendo com amor.

Quem vive a vida sem essa qualidade sofre toda vez que seus conceitos individuais são feridos pela realidade. Esse caminha pela estrada larga e aprende pelo sofrimento. É o caminho conhecido como lenitivo da dor. De tanto o ser sofrer um dia cansará dessa atitude e se abandonará nos braços do Pai. Viverá sem resmungar contra os acontecimentos da vida e será feliz universalmente.

O nobre caminho

Cumprindo a lei de Deus

Para se cumprir os mandamentos da lei de Deus, conforme ensinado por Jesus Cristo, o ser precisa viver com observância às Seis Qualidades da Vida Espiritual.

“Ame o Senhor seu Deus com todo o coração, com toda alma e com toda a mente. Este é o maior mandamento e o mais importante. E o segundo mais importante é parecido com o primeiro: ame os outros como você ama a si mesmo. Toda Lei de Moisés e os ensinamentos dos profetas estão resumidos nestes dois mandamentos”.

Com o conhecimento da Interdependência o ser pode amar o seu inimigo, pois sabe que depende de sua ação para que possa compreender o conceito que é necessário ser universalizado.

Com o conhecimento da Causa Primeira das Coisas pode ver no ato do inimigo não motivo para um sofrimento, mas saber que ele está cumprindo as ordens de Deus para trazer ao ser um ensinamento.

Com o conhecimento da Justiça Suprema descobre que o a situação negativa só está acontecendo como conseqüência de uma ação negativa praticada pelo próprio ser anteriormente.

Com o conhecimento do Amor Sublime o ser pode compreender que a situação negativa não é uma punição, mas o único caminho que ele mesmo deu a Deus para auxiliá-lo.

Com o conhecimento do Não-Eu o ser compreende que ao afetar o universo com sua individualização acabou não lucrando nada, pois feriu a si próprio também.

Com o conhecimento da Impermanência o ser compreende que ele pode mudar a si e ao mundo que vive apenas universalizando os seus conceitos.

Com todos estes conhecimentos podei alcançar a felicidade universal em todos os momentos, louvar a Deus por existir e por estar participando de um mundo tão perfeito e, assim, alcançar a confiança e entrega ao Pai Criador, ou seja, ter Fé e amá-lo acima de todas as coisas.

O nobre caminho

O caminho do meio

Sidarta Gautama foi o primeiro ser encarnado a conseguir a sua elevação, ou seja, alterar o seu estágio evolutivo de ser humano para ser na carne. Quando conseguiu essa consciência, o Buda, mesmo encarnado, deixou de viver em um mundo de provas e expiações e viveu no mundo de regeneração.

Esse despertar de Sidarta não foi apenas um momento isolado na sua vida. Não ocorreu por milagre, mas foi resultado de uma procura que nasceu da observação anterior ao seu despertar. Por esse motivo, é importante conhecermos os valores que levaram o Buda a buscar a consciência crística, ou seja, como foi a sua vida até o despertar.

O nobre caminho

A vida de Sidarta Gautama

Sidarta era um príncipe. Seu pai, preocupado em manter a felicidade do filho, o mantinha dentro de um castelo isolado do mundo. Até a idade de vinte e nove anos o Buda viveu uma vida de luxo e fausto, isolado dos sofrimentos da humanidade.

No entanto, o que vivia dentro daquela massa carnal não era um ser qualquer. Ele já possuía de existências anteriores o conhecimento necessário para a evolução e queria aproveitar essa encarnação para fazer suas provas. Mesmo aprisionado nesse mundo de fantasias ele se questionava sobre os assuntos da vida de todos.

Ao ver um homem doente, um homem velho e um homem sofrendo, o Buda compreendeu que existia o sofrimento. Insatisfeito com a situação desses homens, o Sidarta buscou compreender se a vida era apenas uma constância de sofrimentos ou se haviam motivos para isso. Se houvessem motivos, o Buda queria descobrir o caminho que levasse à compreensão e prática para que se extinguissem esses sofrimentos.

Foi com essa intenção que Sidarta Gautama abandonou o seu palácio e foi estudar meditação com diversos mestres para compreender a vida carnal. Estudou durante seis anos e um dia sentou-se para meditar com a determinação de que só se levantaria quando descobrisse o sentido da vida.

Algumas correntes daquela época, bem como muitas que ainda hoje existem, ensinavam que a compreensão das coisas da vida só viria com a abstenção total das matérias. Seguindo esses preceitos, Sidarta sentou-se para meditar e permaneceu quarenta dias e quarenta noites em meditação sem se alimentar. Imaginava que dessa forma alcançaria a compreensão da vida.

Depois desse período, quase morto de fome e cansaço, Buda tombou para frente quase sem forças. No auge do seu sofrimento ouviu alguma coisa que lhe chamou a atenção e alterou o procedimento da sua busca.

Nossa intenção é apresentar a vida de Sidarta, excluindo as mistificações que foram criadas para impressionar os demais seres. Existem diversas versões sobre esse acontecimento. Alguns afirmam que o Buda foi atendido por auxiliares espirituais, outros que ele ouviu a conversa de um pai e um filho sobre como tocar um carro de bois. Neste trabalho, no entanto, buscaremos informar o que a memória universal gravou sobre esses acontecimentos.

De qualquer forma, o acontecimento material é meramente ilustrativo. Tanto importa de onde vieram as palavras ou como o assunto começou, o fundamental é se compreender o ensinamento que fez o Buda, depois de muitos sacrifícios, alcançar a elevação.

Ao cair, Buda ouviu um pai conversando com seu filho como afinar as cordas do seu instrumento musical. Ele ensinava ao filho que se apertasse demais as cordas elas produziriam um som oco, que não revelaria a suavidade das notas. Se deixasse as cordas frouxas demais, o som seria dissonante e, da mesma forma, não conseguiria reproduzir todo o encanto da música. Para aquele pai, as cordas não deveriam ser apertadas ou deixadas soltas em demasia.

Com esse ensinamento o Buda compreendeu que nem a austeridade nem a displicência o levariam à iluminação. Alimentou-se frugalmente e voltou a meditação, interrompendo-a por diversas para satisfazer as necessidades físicas. Durante mais quarenta dias o Buda meditou e quando se encerrou esse prazo ele havia alterado todos os seus valores.

Portanto, os valores que levaram o Buda a alcançar a elevação foram a busca da compreensão da vida e o Caminho do Meio.

O nobre caminho

O despertar

“Monge, existem dois extremos que devem ser evitados por um monge. Quais são eles?

O primeiro é a devoção aos desejos sensuais e ao prazer resultante dos desejos sensuais. Esse tipo de devoção é inferior, vulgar, indigno, mundano e não traz benefícios. O segundo é a devoção à austeridade extremada. Esta devoção é dolorosa, indigna e não traz benefícios.” (Samyutta Nikaya V 420).

Depois que Sidarta alcançou a sua elevação, retornou ao lugar onde vivia com os monges em aprendizado. Lá chegando o Buda proferiu um discurso (sutta) sobre o que lhe havia acontecido. Esse discurso (“Girando a Roda do Dharma”) começa justamente com a informação de Sidarta aos seus amigos de que o caminho que leva ao despertar total e ao Nirvana (reino do céu) é o Caminho do Meio.

Esse caminho foi definido pelo Buda como aquele que existe entre a austeridade extremada e a devoção aos desejos sensuais. Antes de continuarmos nosso estudo é preciso relembrar alguns aspectos para que não nos prendamos à letra fria do texto.

Buda nunca escreveu nenhum dos seus discursos. Eles foram proferidos e guardados de memória por aqueles que ouviram. Mesmo esses não escreveram os discursos, mas foram transmitindo a outros através de gerações até que, quase duzentos anos após o desencarne de Sidarta apenas um monge conhecia os discursos de Buda.

Para preservar os ensinamentos no original os monges pediram àquele que conhecia os discursos para que os escrevesse. Inicialmente o monge relutou muito, mas, finalmente, decidiu escrevê-los. Assim as palavras que compõem os discursos de Buda só foram escritas duzentos anos após a sua morte.

No entanto, essas palavras escritas duzentos anos após o desencarne do Buda foram perdidas. Em um acidente no local onde se guardavam os papiros que continham os discursos budistas tudo se perdeu. Novamente os discursos foram reescritos depois de séculos de proferidas.

Mesmo que as mesmas palavras de Buda tivessem sido mantidas, nem assim poderíamos utilizá-las no sentido restrito. É preciso lembrar que o povo daquela época, incluindo o próprio Sidarta, não possuía o conhecimento que hoje a humanidade já compreende. Todo ensinamento budista afeta diretamente o processo raciocínio da inteligência.

A moderna medicina ainda se declara incapaz de compreender perfeitamente esse processo. A psicologia, ciência que trata do raciocínio, já compreende alguns aspectos, mas esse conhecimento é extremamente recente. Portanto, Sidarta ao passar seus ensinamentos tateava no escuro, pois conhecia a essência dos raciocínios, mas não possuía nenhum conhecimento do funcionamento da inteligência.

Dessa forma, aprisionar-se ás palavras do Buda é manter individualismo. O que deve ser compreendido no ensinamento do Buda é a essência dele e não se ater firmemente a palavras.

O nobre caminho

Devoção aos prazeres sensuais

Fizemos todo esse comentário para falarmos do termo desejos sensuais. Hoje esse termo possui uma conotação que o liga à sexualidade. Por essa conotação dada ao termo criou-se o conceito de que aquele que procura a sua elevação deve abster-se do ato sexual. Em nome dessa individualização do conceito sensual os que procuram a elevação através das religiões condenam e não buscam o ato sexual.

No entanto, o ato sexual gera o prazer sexual, que é um sentimento importante para o ser. Esse sentimento possui polaridade neutra, ou seja, ele assume a polaridade do sentimento que gerou a busca pelo prazer sexual. Se um ser pratica o ato sexual universalizando-o, o prazer sexual será positivo, mas se pratica com individualismo (seu próprio prazer), o prazer sexual será negativo.

Além disso, o prazer sexual tem ainda a propriedade de multiplicar os sentimentos que levaram à sua busca. Quando o ser busca o prazer sexual com amor universal (universalizando o ato) aumenta a quantidade dessa matéria à disposição de sua inteligência. Mas, se o faz com posse ou na busca do prazer individual, terá aumentado a sua negatividade.

Para auxiliar os seres a multiplicarem seus sentimentos é que Deus criou o desejo sexual. Os homens é que, por utilizarem-no como amplificador de seus desejos individuais, transformaram esse ato em sujo, feio. Feio não é o ato sexual, mas a posse do outro ser que gera o ciúme e a desconfiança. Feio não é o sexo, mas a busca do prazer individual.

Portanto, o celibato é contra a consciência crística, pois o próprio Jesus não praticou isso. Jesus foi namorado de Maria de Mágdala como as recentes pesquisas históricas vêm apontando. Com ela praticou atos sexuais, mas nunca possuiu a amante. O ciúme, a possessão e a desconfiança não fizeram parte desse relacionamento.

Mesmo que a palavra sensualidade fosse relativa a sexo, Buda não ensinou a abandonar esse ato, mas sim a devoção a ele. Viver especificamente para o sexo leva à individualização, mas ter atos sexuais universais durante a sua existência auxilia na elevação espiritual.

O sentido da palavra sensual, no entanto, é outro.

“Sensual – relativo aos sentidos” (Mini Dicionário Aurélio – 3a. Edição)

Quando Buda nos fala a respeito dos desejos sensuais ele afirma que a devoção aos sentidos da matéria é um caminho que não deve ser seguido por aqueles que buscam a sua elevação espiritual. Cristo nos ensinou a mesma coisa.

“... se o seu olho direito faz você pecar, arranque-o e jogue fora! É melhor perder uma parte do seu corpo do que o corpo inteiro ser jogado no inferno. Se a sua mão direita o faz pecar, corte-a e jogue fora! É melhor perder uma parte do seu corpo do que o corpo inteiro ir para o inferno!” (Mateus – 5,29-30)

Todas as percepções materiais que um ser possui iniciam-se por uma sensibilidade que é transmitida pelos órgãos do sentido corpo físico. O ser vê através dos olhos, escuta através dos ouvidos, sente o cheiro através das narinas, percebe o sabor através da boca e toca as coisas através das mãos. As informações recolhidas por esses órgãos serão levadas até o ser e se transformarão nas percepções.

Como já vimos, toda vez que uma percepção chega ao ser, a sua propriedade inteligência funciona. No estágio ser humano que vive os habitantes da matéria carnal do planeta Terra, a inteligência irá realizar um processo raciocínio, ou seja, analisará a percepção tomando uma decisão.

Essa decisão será a compreensão que o ser terá sobre a coisa. Portanto, o ser não consegue apenas captar as percepções, mas dá a elas valor de acordo com o seu processo de raciocínio. Podemos, então, afirmar que ninguém vê nada, mas compreende o que é captado por seus órgãos de sentido de acordo com o seu grau de individualismo.

Quando Jesus Cristo nos fala em cortar o olho ou a mão ele não está pedindo um ato físico, mas sim que o ser não se conduza pela conclusão que chegou sobre a percepção captada pelos órgãos do sentido. Os seres que vivem hoje na matéria carnal são individualistas e, por isso, não conseguem chegar à verdade absoluta das percepções. O que ele vê é sempre fruto da sua verdade relativa.

É por esse motivo que Buda ensina que para alcançar a elevação o ser tem que abandonar a devoção à sensualidade. A devoção que Buda ensina é a crença de que as verdades relativas (o que é visto pelo ser) são verdades absolutas. Se um ser acredita que já chegou a verdade não continuará procurando mais nada. Assim, jamais chegará a ação de Deus naquele momento.

Quem vive suas verdades relativas não consegue compreender a interdependência entre ele e a fonte da percepção. Mantêm essa fonte permanentemente com o mesmo e, dessa foram, não consegue alterar aquela partícula que o constitui.

O caminho do meio passa pela não individualização dos conhecimentos, pois essa forma de agir leva ao julgamento. Cada vez que um ser analisa uma percepção ele julga se o que está compreendendo é certo ou errado, bom ou mau. Quando age dessa forma individualiza a ação universal de Deus, Perfeita, Justa e Amorosa.

Essa ação é alcançada por todos aqueles que possuem devoção pelas verdades relativas que formam sobre as percepções.

O nobre caminho

Austeridade extremada

O extremo dos prazeres sensuais é vivido por aquele que se julga no direito de apontar erros nas atitudes de outros. Ele se acha o portador da verdade universal sobre o assunto e quer impor essa verdade aos outros. Essa forma de agir traz prazer ao ser.

O outro extremo, austeridade extremada também é alcançado pela devoção aos prazeres sensuais, só que ao contrário daquele extremo, nesse o ser imagina constantemente que sua verdade individualizada é errada. Em todos os dois extremos o ser devota-se às sensações do corpo físico, mas em um acusa os outros, no outro se acusa.

Os seres que vivem na austeridade extremada são aqueles que se imaginam constantemente errados. Eles se julgam sempre ferindo a verdade absoluta de Deus. Sofrem por causa de seus atos.

Pela Qualidade da Vida Espiritual Deus Causa Primária, aprendemos que todos os atos são causados por Deus, com base na Justiça Perfeita e dentro de um Amor Sublime. Dessa forma, não existe ato errado nem certo, mas a aplicação de uma justiça para que ela sirva como ensinamento para a elevação.

Tudo o que o ser pratica (materialmente ou sentimentalmente) nos relacionamentos com outros seres e objetos, são guiados por Deus, o que possui as propriedades intrínsecas elevadas ao expoente máximo e, por esse motivo, não pode haver erros, injustiças, ou maldades. Somente quem não consegue enxergar a vida com essa qualidade é capaz de viver na austeridade extremada, acusando-se constantemente de ferir o próximo.

O nobre caminho

Vivendo sem culpa

A vida do ser humano é vivenciada dentro do binômio certo e errado. Utilizando seu raciocínio apenas para diferenciar entre uma coisa ou outra, o ser humano sempre chega à conclusão que deve haver uma “vítima” e um “culpado”. No entanto, os atos que levam um ser humano a se tornar vítimas são produzidos por Deus bem como os atos do culpado. Dessa forma, em todo relacionamento que haja uma vítima e um culpado, todas as duas visões pertencerão exclusivamente a Deus.

Deus é vítima dos seres que individualizam os sentimentos que Ele envia para o planeta afetando o equilíbrio universal. Deus é culpado, pois Ele é que provoca o acontecimento que contrarie o individualismo com a intenção de equilibrar novamente a balança da Justiça.

A culpa, aquilo que transforma o objeto da ação em vítima e o agente da ação em culpado, não existe no universo. Se existisse, o único culpado seria Deus, Causa Primária de Todas as Coisas. Ao invés de culpar os outros ou se culpar o ser precisa universalizar-se, ver a ação de Deus.

O ser que se sente vítima provoca mais situações de sofrimento, pois individualizou uma ação do Amor Sublime, sem entender que ela foi provocada por uma Inteligência Suprema com Justiça Perfeita. Aquele que se sente culpado, sofre pelos mesmos motivos.

Todas as duas percepções sobre o acontecimento levam ao sofrimento. Para se livrar desse sofrimento o ser precisa universalizar-se, ou seja, compreender a ação de Deus. Ao invés de acusar aos outros, agradecer ao Pai pelo ensinamento, ao invés de se acusar, mesmo que seja por ter feito um livre arbítrio sentimental individual, deve agradecer ao Pai por Ele ter o tornado um instrumento da Sua Vontade.

Este amor a Deus acima da situação que está acontecendo positiva o acontecimento, seja ele qual for, e faz com que o ser quebre o círculo de individualismo que faz Deus gerar determinados acontecimentos para sua vida.

O nobre caminho

Vivendo o caminho do meio

Portanto, viver o Caminho do Meio que leva à elevação espiritual é eliminar completamente a busca de culpados para os acontecimentos da vida. Esse ser estará liberto da devoção aos prazeres sensuais e da austeridade extremada.

Quando o ser eliminar esta tarefa da sua vida sobrará apenas uma coisa: a realidade. Essa não será afetada por nenhum conceito individualista, pois contemplará as Qualidades da Vida Espiritual. Quando isso acontecer o ser viverá na verdade universal, abandonando as suas verdades relativas. Todos os ensinamentos para a vida do ser são interdependentes e levam a uma só conclusão: Deus Pai, Justo e Amoroso.

Nesse momento o ser não terá mais preocupações e, por isso, conseguirá viver. Hoje o ser está preocupado em achar o culpado a cada segundo da vida e esquece da coisa mais importante: viver. Como já vimos, vida é estar dentro da lei de Deus e, portanto, viver é estar dentro dessas leis.

O ser que vive o Caminho do Meio ama a Deus acima de todas as coisas, não por uma fé cega, mas uma fé alcançada a partir da compreensão das Qualidades da Vida Espiritual e da existência de verdades individuais e verdades absolutas. Essa forma de compreender a vida (percepções) gera uma confiança absoluta em Deus e facilita a entrega do destino ao Pai.

Para viver essa vida é preciso que o ser não queira nada. Por isso o ensinamento da consciência crística não passa pela preocupação com atos futuros ou passados. Ele não leva a uma inércia, mas apenas a compreensão do acontecimento de agora.

O ser humano imagina que viver é realizar alguma coisa e, por isso, preocupa-se com os acontecimentos. Sua intenção é antecipar o futuro para que já possa se preparar para enfrentar eventuais contratempos que não permitam que ele conquiste os objetivos da vida. O único objetivo que um ser tem na sua existência é a evolução espiritual. Este deve ser o objetivo da vida de cada ser.

Para isso é preciso que ele apenas ame a Deus, ou seja, cumpra sua lei. Os ensinamentos até aqui aludidos de maneira levam a uma inércia, mas sim a uma ação: amar a Deus acima de todas as coisas. Todo resto será reflexo dessa forma de agir do ser.

Se ele não amar a Deus, aceitando a sua ação universal como justa e amorosa, não conseguirá viver situações positivas. Para que o ser seja feliz durante a sua vida só se faz necessário que ele ame a Deus acima de todas as coisas.

Amando ou não a Deus acima de todas as coisas, o homem só agirá se Deus comandar. Preocupando-se ou não com os acontecimentos, as coisas se sucederão dentro do escrito pelo ser antes da encarnação sob a direção do Pai Supremo. Não existe inércia no universo.

Se o ser não consegue praticar atos é porque aquele (objeto da ação) que se beneficiaria do ato não merece que ele seja praticado e o próprio ser não mereceria se tornar agente. Isso é verdade absoluta. A compreensão diferente é verdade relativa e leva ao sofrimento. Se o objeto acreditar que o outro tem que fazer Deus não comandará o ato e se o agente se acusar de não ter feito, jamais conseguirá fazê-lo.

Portanto, viver o Caminho do Meio é viver, sem culpas e preocupações. É não esperar que os outros façam aquilo que você acha que deveria ser feito nem se culpar pelo que pratica. Dessa forma os dois seres envolvidos no relacionamento permanecerão feliz em qualquer situação.

O nobre caminho

Felicidade universal

“Ao optar por não seguir nenhum dos dois extremos, o Tathagata realizou o Caminho do Meio, que conduz à visão e à compreensão. Essa visão e essa compreensão são os fundamentos da paz, do conhecimento, do despertar total e do Nirvana” (Samyutta Nikaya V 20).

Buda (o Tathagata) ensinou que quando se realiza o caminho do meio o ser humanizado encontra a paz, o conhecimento, o despertar total e o Nirvana (reino do céu). A soma destes fundamentos chamamos de felicidade incondicional ou universal. Quem vive a sua vida em paz e está completamente desperto por possuir o conhecimento perfeito alcança o reino do céu depois do desencarne porque é feliz verdadeiramente.

Para se viver desta forma, Buda disse que é preciso vivenciar-se o caminho do meio, ou seja, viver sem ligar-se a extremismos. Isso quer dizer que a felicidade incondicional existe para aquele que não vive nem o certo ou o errado, nem o bom ou o mal, nem o bonito ou o feio. Para este ser todos os acontecimentos e elementos do mundo não são vividos pelas suas qualificações, mas de uma maneira neutra.

Para alcançar esta neutralidade o Buda ensinou as Quatro Nobres Verdades da vida encarnada:

1ª. O sofrimento existe;

2ª. É preciso descobrir as raízes do sofrimento;

3ª. O sofrimento pode deixar de ser gerado;

4ª. Existe um caminho que conduz ao fim do sofrimento.

Vivendo com a certeza de que sofre e descobrindo o porque disso e sabendo que este sofrimento pode ter fim, o ser humanizado descobre o caminho que leva ao fim do sofrimento. Como esta felicidade é importante para aqueles que estão encarnados, vamos, então, conhecer cada etapa deste caminho.

O nobre caminho

O sofrimento

“Aqui, monges, está a Nobre Verdade do sofrimento. Nascer é sofrimento. Velhice é sofrimento. Doença é sofrimento. Morte é sofrimento. Tristeza, desgosto, angústia mental e perturbação são sofrimentos. Estar com aqueles quem não amamos é sofrimento. Estar separado de quem amamos também é sofrimento. Não conseguir atingir nossa aspiração mais profunda é sofrimento”. (Samyutta Nikaya V 20).

 Toda busca da felicidade universal inicia-se com a constatação de que o sofrimento é constante, ou seja, que a vida humana só é vivida com sofrimentos. Aquele que acredita que pode haver momentos felizes nesta vida não consegue chegar à felicidade universal.

Mas, o que causa o sofrimento? A vivência dos extremos: a vontade de conseguir o que se quer e o medo de perder o que se tem, a vontade de que aconteça tudo de bom e o medo de aconteça o mal. Para quem vive com a existência dos extremos a felicidade nunca existe, pois mesmo que a alcance o medo de perdê-la já não o deixa viver a felicidade em plenitude. Mesmo que este ser viva o bom, o medo de que o mal apareça não lhe deixa ser plenamente feliz.

Apesar disso o ser humanizado acredita que existam momentos de felicidade na sua existência. Enganam-se: o que existe é o prazer, a satisfação. O prazer nada tem a ver com felicidade, pois ele é individual (é alcançado apenas por um ser humano ou grupo deles em cada momento) e temporário. A felicidade a que Buda se refere é universal, ou seja, vivida por todos e o tempo inteiro.

Esta é a consciência que pode levar o ser humanizado a fugir do seu sofrimento: aquilo que se vive como felicidade no mundo humano é sofrimento. É sofrimento porque é temporário e mesmo quando existe é vivenciado com o medo de perder o que se conquistou.

Enquanto o ser humanizado não compreender que o prazer não é a felicidade, nada realiza para ser feliz realmente. É isso que quer dizer Buda quando afirma que tudo é sofrimento...

O nobre caminho

A origem do sofrimento

“Em outras palavras, agarrar-se aos Cinco Agregados como se eles constituíssem o “eu” conduz ao sofrimento”. (Samyutta Nikaya V 20).

Segundo Buda todo sofrimento que o ser humanizado vivencia durante a existência carnal se origina do apego aos cinco Agregados. Vamos conversar sobre eles individualmente, mas antes uma pequena observação.

O termo agregado simboliza algo que se junta a outra coisa, ou seja, que não pertence originalmente àquilo ao que se juntou. A partir desta pequena análise podemos entender que os cinco agregados ao qual o Buda se refere são elementos que se juntam ao ser universal em um determinado momento. Eles não pertencem originalmente ao espírito, mas se agregam a ele a partir de um momento.

Que momento é esse? No suta luminosa, Buda diz que os cinco agregados se juntam ao espírito no momento do advento, ou seja, no do nascimento. Sendo assim, podemos entender que os cinco agregados não pertencem ao espírito quando liberto da mente carnal, mas só depois que se une a esta para viver uma encarnação é que eles passam a existir. São, portanto, elementos que não pertencem à existência eterna e por isso o apego a eles não permite que este ser alcance o Nirvana ou a elevação espiritual.

Os cinco elementos que se agregam ao espírito depois do nascimento e dos quais ele precisa se desapegar para alcançar a elevação espiritual, são:

Formas;

Sensações;

Percepções;

Formações mentais;

Consciência.

O nobre caminho

Formas

A forma é a representação material de alguma coisa, ou seja, o desenho que cada objeto, pessoa ou acontecimento da vida humana possui. É a figura que percebemos através dos órgãos do sentido do corpo físico, sejam elas materiais ou imateriais. A forma não é só o que é visto, mas a palavra que ouvimos, o cheiro que sentimos, o paladar que temos e as sensações que o corpo vivencia.

Esta é a primeira idéia que vem à mente quando falamos de forma. Mas, existe outra coisa que dá forma para as coisas: a essência que se aplica a elas. Exemplificando: quando falamos em casa, como forma, nós temos o desenho e as matérias que a compõem, mas a perfeita compreensão da casa passa também pelas idéias com as quais se vive a relação com ela.

Toda casa é composta de matérias. Algumas são de tijolo e cimento, outras de madeira ou de outros elementos. Mas, não importa qual seja o elemento que a componha, o tamanho ou o desenho que possua, a casa pode ter diversas finalidades. Para uns é um esconderijo, para outros um lar ou um abrigo. Ela tem ainda valorizações: alguns usam como instrumento da soberba, outros de auto valorização, alguns ainda como um local de descanso, etc. Sendo assim, a finalidade e a valorização que se dá a uma casa, na verdade, é que lhe dá a forma e não do que ela é composta, do seu tamanho ou da sua figura.

É a essência (finalidade e valorização) que se dá a determinado desenho que diz o que o que é percebido é, pois ao dar valores diferentes ao desenho de uma casa a mente cria objetos diferentes. Certamente um esconderijo é diferente de um lar ou de um abrigo, não? Certamente a casa usada apenas para morar é diferente daquele que se vangloria da sua.

Diante de tudo o que falamos, podemos dizer, então, que a forma da casa não é dada especificamente pelo desenho que ela possui, mas pela finalidade e a valorização com o qual cada ser humanizado vivencia um determinado objeto, pessoa ou acontecimento da vida carnal.

A valorização e a finalidade que se dá a cada objeto, pessoa ou acontecimento deste mundo é o elemento forma que se agrega ao espírito com o advento e que é preciso ser compreendido quando falamos em libertar-se do sofrimento...

Mas, o que cria as diferentes essências para a mesma figura? Como é vivido o ser, estar ou fazer as coisas deste mundo?

Todo ser humanizado, ou seja, espírito movido por uma mente humana, está ligado a um anseio de ser, estar ou fazer coisas. É aquilo que a mente humana diz que o ser universal ligada a ela quer ser, estar ou fazer, que determina a forma das coisas. Aquele que quer ser uma pessoa reconhecida pela sociedade jamais morará num barraco, mesmo que sua casa seja paupérrima. Este dará a ela a forma de um palacete. Já aquele que a mente diz que não é importante ser reconhecido, mas sim estar em paz e feliz, vive uma construção idêntica como um lar. Nenhum dos dois está certo, pois casa é casa, não importando o seu tamanho, o seu estado, os elementos que a formam ou como se vive dentro dela.

O apego a essa valorização e finalidade do objeto interfere na elevação espiritual. Se, como diz o Espírito da Verdade, quando o espírito atinge a perfeição vive a felicidade que Deus tem prometido (Pergunta 115 de O Livro dos Espíritos) e esta é a universal, o apego à essência criada pela mente não o deixa alcançar isso, pois só leva ao prazer ou ao desprazer.

Porque a essência que a mente cria para as coisas do mundo só leva ao prazer ou desprazer? Porque a forma é vivida de uma maneira individualizada e não universal. Vamos entender isso...

Para tudo que existe neste mundo há uma essência universal: tudo é instrumento que Deus utiliza para aplicar aos seres as provas que eles mesmos pediram. Esta não é a essência que a mente humana aplica aos desenhos das coisas e por isso acontece o prazer e o desprazer.

A vida humana é apenas um campo de provas para o espírito naquilo que é chamado processo de encarnação. Os espíritos encarnam com o objetivo de vivenciar acontecimentos e reagir de uma forma universalista durante eles. Para a criação destes acontecimentos é que Deus dispõe o mundo humano dos desenhos que são percebidos.

O gosto da laranja não é o sabor de uma laranja, mas sim um desenho criado por Deus para o ser humanizado vivenciar. Durante esta vivência o ser pode apegar-se à forma criada pela mente humana (é bom, é mal) ou vivê-la de uma forma universal: é um elemento criado por Deus e por isso é Perfeito.

A perfeição que tudo contém por ter sido criado por Deus é a essência universal que todas as matérias humanas possuem.

O apego à forma das coisas não deixa o ser humanizado compreender a verdade absoluta dos elementos: tudo é Perfeito. É do apego às formas que nasce a vontade de possuir as coisas e o julgamento que o ser faz sobre elas. Se o ser não estivesse apegado às formas que a mente humana cria, não viveria com a idéia de que existem formas boas ou ruins, certas ou erradas. Com isso não sofreriam.

Todo sofrimento humano se inicia no apego às formas criadas pela mente. É por acreditar que é certo fazer alguma coisa que o ser humanizado tem prazer quando faz e vivencia desprazer quando não faz. Ter prazer ou desprazer é as duas formas que o ser humanizado usa para vivenciar uma forma criada pela mente, mas se as duas são sofrimento, tanto faz uma e outra: o ser humano sofre sempre. Mas, isso só acontece porque ele está apegado à forma que a mente cria.

Uma mão levantar-se, encostar a um rosto com força ou não, é um acontecimento. Ver uma agressão ou um carinho é uma essência que a mente usa para aquele momento. Para cada ato do planeta há uma forma que é escolhida pela mente para vivenciá-lo. Ela está ligada à provação do espírito.

Na pergunta 255 de O Livro dos Espíritos se diz que o espírito antes da encarnação escolhe o gênero de provação que vivenciará durante a vida carnal. Este gênero de provação é expresso na mente humana por suas posses, paixões e desejos.

As posses podem ser de três tipos: morais, sentimentais e materiais. As posses morais são expressas pelas idéias de certo e errado; as sentimentais por gostar ou não; e as materiais pela idéia de se dirigir o destino de um objeto. As paixões são os objetos usados na possessão. É aquilo que está certo ou errado, aquilo que é amado ou não e aquilo que se imagina possuir o comando do destino. Já os desejos são as vontades que se tem de vivência com os elementos do mundo humano: a vontade de ter o que se acha certo e é amado e a vontade de não ter o que se acha errado e do que não se gosta.

O gênero de provação de cada ser, portanto, está expresso por tudo aquilo que ele possui e pelos desejos oriundos desta possessão. Para a vivência deles é que a mente cria a forma das coisas.

Quando a mente afirma que o gosto da laranja é bom está ativando todo o sistema de provação do espírito. A laranja é aquilo (paixão) que é possuído sentimentalmente (eu gosto) e que por isso se deseja ter. Quando isso acontece surge um prazer, quando não, há o desprazer. Já que os dois são sofrimentos como já vimos, o que existe para quem acredita em tudo isso é apenas sofrer.

De onde surgiu tudo isso? No apego à forma criada pela mente humana, ou seja, por um elemento que não faz parte da realidade espiritual, mas que se agrega a ele depois do advento.

O nobre caminho

Sensações

Apesar de aparentemente se imaginar que sensações são as criações dos órgãos de percepção do corpo físico, isso não é real. As sensações causam sensibilidades que por definição quer dizer: faculdade ou capacidade de sentir; sentimentos (Mini Dicionário Aurélio).

O elemento sensação que se agrega ao ser quando do advento é aquilo que é chamado pelo ser humanizado de sentimento. Na verdade o que assim é tratado pelos seres humanizados não o é, pois espiritualmente falando o sentimento é incondicional.

Tudo que o ser humanizado sente é condicional, ou seja, é criado por razões humanas. Ele ama, gosta, odeia e tem carinho por algum motivo. Nada do que sente é desmotivado e por isso não pode ser sentimento, pois, como entendido pelo ser humano, os sentimentos surgem do coração e este não possui razões.

Ora, se as sensações dependem da mente, ou seja, das razões criadas para se sentir determinada coisa, ela não é espiritual, mas surge com o advento. Sendo assim, apegar-se a elas leva o ser humanizado apenas ao prazer e desprazer. Por isso quem quer ser feliz verdadeiramente não pode se apegar o que está sentindo.

Além do mais, a questão das sensações é importante no tocante a viver a felicidade universal porque elas são criadas de acordo com a forma que a mente dá para as coisas. Para aquele que se apega às paixões, posses e desejos há uma determinada forma de reagir emocionalmente aos acontecimentos da vida.

Quem acha que está certo, ou seja, possui moralmente alguma questão do mundo humano, quando acontecer de alguém lhe dizer que está errado, certamente reagirá com chateação, aborrecimento. Recebendo esta sensação da mente e sabendo que ela está apenas vinculada ao prazer e ao desprazer, ele pode, então, buscar o que a originou. Sem estar atento ao que está sentindo no momento, o ser humano dificilmente luta para desapegar-se da forma criada pela mente.

O nobre caminho

Percepções

Uma figura do mundo humano: um ser bate em outro com uma barra de ferro até que se extinga por completo a ação do corpo. Uma forma: aconteceu um assassinato. Uma sensação: medo, pânico, sofrimento... Tudo isso por causa do que foi percebido... Mas, será que realmente aquilo que a mente diz estar acontecendo realmente está?

Todos os seres um dia desencarnarão e a hora e a forma que isso acontecerá está descrita no livro da vida de cada um. Ela não chegará um minuto antes nem depois do escrito, “e disso temos milhares de exemplos” e Deus sabe de antemão a forma como isso acontecerá (Pergunta 853 – a, de O Livro dos Espíritos).

A partir destas informações, pergunto: o que extinguiu com aquela encarnação foi a ação de um ser humano naquele momento ou o que tinha sido previamente programado para acontecer? Se havia uma previsão que não poderia ser alterada, devemos dizer que o ato foi um assassinato ou que foi a teatralização do que estava previsto?

Estas são as dúvidas que vivem o ser quando encarnado. Deixando-se levar pela mente, ou seja, estando apegado a ela, o sofrimento virá; libertando-se dela a felicidade pode ser vivenciada mesmo num momento onde outros seres sofrem.

Morrer não é ruim. A morte não se dá pela cessação das atividades do corpo físico, pois mesmo sem elas o ser continua vivendo a mesma identidade com que vivia quando vivo para o mundo humano. Desta forma, o acontecimento morte de uma vida humana é apenas o desencarne e mais nada que isto. Sendo assim, o ser continua com todas as faculdades que tinha quando encarnado, pois continua raciocinando com os mesmos valores (agregados) que tinha na carne.

A morte é boa. Desencarnar é o primeiro passo para o fim da identidade provisória que foi criada para essa encarnação.

A morte pode ser evitada. Aqueles que conseguem a elevação durante a vida carnal não morrem. A morte é entendida como um processo de transformação de ser humano em ser universal, porém aquele que alcança a elevação durante a encarnação não enfrenta a morte (transformação), como ensina Tomé, porque já morreu (transformou-se) em vida. Vou tentar explicar o que estou dizendo.

Cristo nos ensina:

“Eu afirmo que ninguém pode entrar no Reino de Deus se não nascer da água e do Espírito. A pessoa nasce de pais humanos, mas nasce espiritualmente do Espírito de Deus. Por isso não se admire de eu dizer que todos precisam nascer de novo” (João – 3,5-7).

A elevação espiritual não é alcançada automaticamente por aqueles que reencarnam. Ela é o resultado de um trabalho que o ser tem que fazer durante a sua encarnação. Para se elevar é preciso que o ser morra para as suas verdades relativas e renasça do espírito de Deus (verdade absoluta das coisas).

 Portanto, alterando-se a essência assassinato dada às formas percebidas numa ação onde há a cessação da vida, este acontecimento não mais gera sofrimento.

O nobre caminho

Formações mentais

Formação mental é o nome que o Buda deu para os pensamentos.

O ser humano não consegue apenas sentir, pois tudo o que sente é sempre fundamentado numa conclusão racional. É o agregado formação mental que diz ao ser o que ele deve sentir e explica o porque disso. No caso da morte provocada que acabamos de usar como exemplo tudo o que é percebido é raciocinado. Este raciocínio leva à geração de um pensamento que determinará o que está acontecendo e como o ser deve reagir emocionalmente àquilo. Portanto, o ser só sente o que pensamento diz para ele sentir. É por isso que conhecer o agregado formação mental é importante para aquele que quer alcançar a elevação espiritual.

Todo pensamento espelha um individualismo, ou seja, defende verdades individuais. Ele é dado por Deus como instrumento da provação do espírito. É a consciência que a formação mental cria que é a prova do espírito.

O nobre caminho

Memória

O agregado memória é fundamental para a questão da elevação espiritual, pois ela é composta de essências já atribuídas em outros momentos a acontecimentos semelhantes, à mesma pessoa, objeto (forma) ou fato. Por não viver atento à qualidade da vida espiritual impermanência, o ser aceita quando a mente aplica quase sempre os mesmos valores às formas ou acontecimentos de agora. Assim não consegue sair da roda de sofrimento

A reforma íntima de um ser não é alcançada se alterando as formas, sensações, percepções ou formações mentais, pois elas dependem da consciência que cada um tem, ou seja, dos valores anteriormente dados às coisas ou acontecimentos. No entanto, a própria consciência foi formada por formas, sensações, percepções e formações mentais, o que nos leva a compreender que todas elas são interdependentes.

A consciência reflete essências anteriormente dadas às coisas de acordo com as formas, percepções, sensações e formações mentais aplicadas com individualismo ou universalmente. O processo de reforma íntima de um ser tem que ser focado em todos os agregados para que se chegue à verdade absoluta da coisa. Esse processo deve ser usado em cada segundo da existência de um ser.

Uma dor de cabeça, por exemplo, pode ser individualizada ou universalizada. O individualismo pode nascer da visão da forma (doença física). Uma dor de cabeça, por exemplo, achamos que pode ser sinal de enxaqueca, de problemas no fígado ou de outros males físicos. Essa visão da sensação dor foi criada por uma formação mental que deu a ela uma essência individualista, sem a presença de Deus.

Para que a essência se universalizasse é necessária a inclusão da premissa “Deus fez” e que foi o Pai que, através de técnicas espirituais, provocou a dor de cabeça. Não fez isso para que se sinta dor, mas como um alerta de que nossas percepções estão se individualizando. Desta forma a cura pode chegar e, ao universalizarmos a essência da dor, conseguiremos passar na prova...

A sensação física dor de cabeça muitas vezes não é oriunda de um mal físico. O nervoso, desgosto, chateação provocam essa sensação de dor. Deus não está preocupado com quem come demais, nem existe comida estragada que possa causar mal físico. Para que um alimento produza efeito negativo junto ao corpo é necessária a ação de Deus para isso aconteça, para quem precisa ou merece.

Assim, universalizar-se para abster-se da sensação de dor física não deve prender-se apenas à forma corpo físico, mas devem ser levados em consideração todos os segundos da vida carnal. Na maioria das vezes as dores físicas são provocadas por percepções que o ser realizou.

Os sentimentos ou sensações que podem causar dor (nervoso, desgosto) são essências que o ser aplicou a determinados acontecimentos, pessoas ou objetos. Deus refletirá esse individualismo em uma dor física como um aviso para que o ser altere a essência que está aplicando às coisas.

De nada adianta ao ser tomar remédios, pois ele não fará efeito sem a ação de Deus. Quando o ser imagina que apenas o remédio eliminará a dor, está individualizando aquele momento de sua existência. Muitas vezes, aparentemente o remédio irá fazer efeito, mas isso só acontecerá quando Deus julgar que o ser já passou pela sensação dor física que mereceu.

Mesmo a ação divina será mais uma prova, pois o ser que achar que foi o remédio que o curou, acrescentará uma nova prova à sua existência. Qualquer essência que não reflita a universalidade das coisas (ação de Deus) significa resposta em desacordo com a realidade universal e terá que ser repetida...

O nobre caminho

Os agregados e o sofrimento

O Buda não nos disse que não devemos ter os Cinco Agregados. Eles são a própria existência do ser quando encarnado, pois participam do funcionamento do processo raciocínio da inteligência. Os Cinco Agregados são como braços de rio que compõem uma bela lagoa que é o próprio ser. Essa lagoa, no entanto, será pura e cristalina quando todos os braços originarem-se na Fonte Universal.

O que o Buda alertou é que agarrar-se (apego) aos Cinco Agregados é que gera sofrimento. Apegar-se aos Cinco Agregados é viver as essências relativas como essências universais. É acreditar que qualquer coisa no universo possa agir independente da Inteligência Suprema. Crer que as coisas permanecerão sempre permanentes sem sofrerem a ação da Justiça Perfeita que as altera a cada segundo como reflexo da sua ação anterior. É crer que possa agir individualmente e não que tenha que ser guiado por um amor Sublime para não desequilibrar a balança universal.

Todos os ensinamentos do universo são interdependentes. Como já falamos anteriormente, enquanto o ser imaginar que possa separar espaços para que seja a causa primeira das coisas e concede outros ao Pai, jamais conseguirá elevar-se.

A elevação espiritual (felicidade universal) depende da submissão e entrega com confiança absoluta a Deus.

O nobre caminho

Realidade

Diante do estudo dos cinco agregados descobrimos que todas as pessoas, objetos e acontecimentos da vida recebem uma essência pelo ser e essa cria uma verdade. Essa verdade individual (essência) será considerada pelo ser como verdade universal até que ele a universalize colocando.

Em face desse ensinamento podemos perguntar: o que é realidade? O que é real? A realidade dos objetos, acontecimentos e pessoas são as essências que reflitam a verdade absoluta. O ser que vive no estágio de ser humano vive uma ilusão, uma fantasia gerada pela essência que coloca nas coisas, portanto, para esses seres, tudo é ilusão, não existe realidade universal.

Esse livro é uma ilusão se não tiver sido escrito por Deus. Você o ter comprado, estar lendo, compreendendo ou não os ensinamentos, tudo isso é ilusão. Toda a sua ação voltada para esse trabalho lhe foi dada por Deus como Justiça Perfeita e Amor sublime.

Viver a realidade universal que foi Deus que fez você comprar e ler o livro pode facilitar a compreensão que Ele lhe dará sobre os ensinamentos. Se a essência dessa obra for mais um livro que um autor escreveu para ganhar dinheiro ou fama, dificilmente atingirá o objetivo que é Deus fazer você compreender os ensinamentos e buscar a alterar os seus agregados para evoluir-se.

Viver a vida dentro da realidade universal é compreender todas as ações como comandadas por Deus. Por causa desse comando existe sobre o planeta uma Justiça Perfeita e Amor Sublime. Viver dentro da verdade relativa (o que o ser acha, faz) é viver em um mundo injusto e mal.

Quem vive na realidade universal pode viver feliz, mas na verdade relativa aparecerão os ferimentos e os sofrimentos. Na verdade universal se alcança a paz, na verdade relativa é preciso estar constantemente vigilante nas ações dos outros para se defender de possíveis ataques.

Os mais sábios podem questionar que jogar toda a responsabilidade para Deus é demasiadamente simplista, mas o que é um ser antes que se individualize? Simples e ignorante. Nós todos nascemos simples e devemos permanecer assim por toda eternidade. A prova que o ser vem fazer na carne é simplificar todas as coisas.

 A complexidade do ser se dá justamente pela quantidade de essências que ele se julga capaz de dar aos acontecimentos. Por isso Jesus Cristo nos ensinou que Deus mostra aos simples o que esconde dos sábios.

O próprio Cristo foi simples durante toda a encarnação. Em todos os seus atos o Mestre sempre afirmou que apenas cumpria o desejo do Pai, quando curava, era a fé que salvava as pessoas e não o próprio Cristo. Quando foi informado do falecimento de seu amigo Lázaro, Jesus não se jogou ao chão, rasgou as vestes e colocou cinzas sobre a cabeça como era costume do seu povo nessas situações, mas afirmou que Lázaro estava daquela forma para a glória de Deus.

A vida dentro das verdades relativas é uma vida onde o ser tem que julgar a cada segundo. Enquanto o ser possuir valores individualistas ele estará preso ao que acha ou faz. Jesus nos alertou diversas vezes para não olharmos o cisco no olho dos outros, mas sim o graveto que se encontra em nossos olhos. Esse graveto é as verdades relativas que cada ser tem. Foi por ter levantado os seus gravetos que Jesus não condenou ao apedrejamento a mulher adúltera.

A consciência crística forma-se a partir da compreensão da vida com os Cinco Agregados dentro da verdade absoluta das coisas. Sem a utilização dos Cinco Agregados com a verdade absoluta o ser fica preso dentro de sua complexidade formada pelas infinitas essências que pode aplicar a cada acontecimento, pessoa, ou objeto. Enquanto não se atingir a utilização dos Cinco Agregados com a verdade absoluta jamais o ser humano será capaz de oferecer a outra face ou amar o seu inimigo.

A consciência crística não é complexa nem cheia da sabedoria vão. Ela é formada por apenas um componente, o amor a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Para cumprir essas duas prerrogativas básicas da consciência crística o ser precisa viver dentro da verdade absoluta. Foi a essa conclusão que chegou Salomão, o mais sábio dos reis e profetas de Israel no livro bíblico O Sábio ou Eclesiastes:

“É ilusão, é ilusão, diz o Sábio. Tudo é ilusão. A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando e afinal que vantagem leva em tudo isso? Pessoas nascem, pessoas morrem, mas o mundo continua o mesmo”. (Cap. 1,2-4)

“Ninguém pode endireitar o que é torto nem fazer contas quando faltam números”. (Cap. 1,15)

“Então resolvi me divertir e gozar os prazeres da vida. Mas descobri que isso também é ilusão. Cheguei à conclusão de que o riso é tolice e de que o prazer não serve de nada”. (Cap. 2,1-2)

“Ai eu pensei: o que acontece com os tolos vai acontecer comigo também. Então o que eu ganhei sendo tão sábio”? (Cap. 2,15)

“Tudo o que eu tinha e que havia conseguido com o meu trabalho não valia nada para mim. Sabia que teria de deixar tudo para o rei que ficasse no meu lugar. E ele poderia ser um sábio ou um tolo – quem é que sabe?” (Cap. 2,18-19)

“A melhor coisa que alguém pode fazer é comer e beber e se divertir com o dinheiro que ganhou. No entanto, compreendi que mesmo essas coisas vêm de Deus. Sem Deus como teríamos o que comer ou com que nos divertir”? (Cap. 2,24-25)

“O que é que a pessoa ganha com todo o seu trabalho? Eu tenho visto todo o trabalho que Deus dá às pessoas para que fiquem ocupadas. Deus marcou tempo certo para cada coisa.” (Cap. 3,9-11)

Se fossemos transcrever todas as passagens do livro Eclesiastes que mostra que Salomão chegou à mesma conclusão que o Buda, teríamos que fazer um novo livro. Todo seu discurso sobre as conclusões que tirou de sua vida carnal chegam à seguinte conclusão: é ilusão, tudo é ilusão. É como correr atrás do vento.

Viver a vida carnal dentro das verdades relativas de cada um é como correr atrás do vento, pois nunca se chega a lugar nenhum. Quanto mais o ser busca a sua satisfação pessoal, mais Deus lhe intui novos motivos para poder ser feliz. O desejo e a vontade é dada por Deus para aqueles que querem impor motivos para serem felizes.

Quando esses desejos passam a reger os Cinco Agregados nasce o sofrimento.

O nobre caminho

Sofrimentos

“Nascer é sofrimento. Velhice é sofrimento. Doença é sofrimento. Morte é sofrimento. Tristeza, desgosto, angústia mental e perturbação são sofrimentos. Estar com aqueles de quem não gostamos é sofrimento. Estar separado de quem amamos também é sofrimento. Não conseguir atingir nossa aspiração mais profunda é sofrimento”. (Samyutta Nikaya V 20).

Buda no seu primeiro discurso relacionou os sofrimentos que passa o ser quando encarna. O primeiro deles é a própria reencarnação, ou seja, o nascimento.

Nascer é sofrimento porque o ser terá que trabalhar ativamente para vencer as tentações que marcam as suas provas na carne. Terá que passar pela ação dos seus Cinco Agregados sem apegar-se a elas para poder alcançar a felicidade. Como nos ensinou Cristo, terá que renascer na própria vida.

Somente reencarnar não eleva ninguém. A reencarnação é apenas uma chance que Deus dá a cada um para poder se elevar, mas o simples fato de voltar a habitar uma massa carnal não garante a elevação. Será preciso que o ser prove que se livrou do individualismo. Até que isso aconteça (despertar) ele já terá passado por muitas situações de sofrimento.

Com esse ensinamento, vemos que a consciência crística passa pelo conhecimento da reencarnação, mas seus valores devem levar o ser encarnado a querer libertar-se do ciclo reencarnatório. Os espíritas hoje conhecem a reencarnação, mas se apegam aos prazeres oriundos da vida carnal. Por esse motivo não buscam romper o ciclo reencarnatório, mas adiam mudanças para a próxima vida.

Porque passar novamente por todos os traumas do parto, da reencarnação e da infância da vida carnal? Porque passar novamente por toda uma infância e juventude para depois ter que fazer o que está adiando agora? Faça já, mude-se já. Para isso é necessário abrir mão de suas verdades e viver com os Cinco Agregados utilizando a verdade absoluta das coisas.

Velhice é sofrimento, mas não só pela decadência externa e interna do corpo físico. Ao envelhecer o ser com certeza irá perder vitalidade e sua forma física irá se deteriorar. Esse é um processo inexorável pelo qual todos passam. Você sabe disso? Então, porque sofre com rugas e outras marcas que aparecem no corpo físico?

O ser humano sofre com a impermanência do corpo físico porque imagina que ele será permanente. Quando jovem com vitalidade e vigor físico o ser humano imagina que jamais irá mudar-se: isso é uma verdade relativa. Se ele vivesse com a consciência de que sua forma irá alterar-se jamais sofrerá.

Mas, a velhice não é sofrimento apenas por esse motivo. Quanto mais o ser vai avançando na idade na matéria carnal sabe que mais vai se aproximando a hora de sua morte e morrer é sofrimento. Desse tema já falamos rapidamente quando abordamos a questão do agregado percepção.

Para aqueles que compreendem a vida universal através das Qualidades da Vida Espiritual não existe morte. Esse processo de transformação só é vivenciado por aqueles que não reconhecem na vida carnal a mesma essência da vida espiritual: Deus Causa Primeira de Todas as Coisas. Por isso, no Evangelho Segundo Tomé, Cristo dá a seguinte informação sobre os ensinamentos que ele trouxe:

“Aquele que descobrir a interpretação dessas palavras não experimentará a morte” (Logia 001).

A morte é um sofrimento apenas para aquele que não vive universalmente a vida material através da verdade absoluta do universo. Todos os seres que reencarnam e buscam a sua satisfação pessoal sofrem com a morte, pois não encontrarão um mundo que lhes satisfaça do outro lado. Na vida universal os seres trabalham por amor a Deus amando todos os outros seres, sem importar suas ações. Se a vida universal fosse composta do certo e errado que forma o individualismo do ser encarnado, esses não poderiam ser auxiliados nunca, pois estão sempre buscando apenas a sua satisfação individual.

É pelo medo da morte e pelas dores físicas que ela causa que a doença é sofrimento. No entanto, a dor física não existe. Como vimos no estudo do agregado memória a dor física jamais será combatida por remédios, mas sim pela reforma íntima que faz o ser viver sob o comando de Deus. Quando agir sempre dessa forma não mais sofrerá dores físicas.

Tristeza, desgosto, angústia mental e perturbação são sofrimentos, porque refletem um desgosto do ser. Sempre que seus anseios individuais não são contentados ele reage com uma dessas sensações. Elas são ilusões, porque o próprio anseio do ser encarnado é uma ilusão, um individualismo. Não conseguir atingir nossa aspiração mais profunda é sofrimento.

Estar com aqueles de quem não gostamos é sofrimento. Quem não gosta de nós quer sempre nos ferir, nos fazer o mau. Por isso o ser tem que estar sempre preparado para reagir, defender-se. Esse estado de vigília constante é um sofrimento.

O ser considera aquele que não gosta (seu inimigo) como um doente. O são é o próprio ser, aquele que sabe a verdade das coisas. Cristo nos avisou que a consciência crística é aquela que vem para atender os doentes e não os sãos. Por isso, aquele que quer viver como ser na carne precisa conviver com felicidade com seus inimigos.

Para isso precisa perder seus valores individuais que o leva à posição de juiz das atitudes alheias. Quando conseguir viver na verdade universal que nos diz que ninguém faz nada, mas que Deus é que comanda todos os acontecimentos, o ser poderá viver com felicidade junto àqueles que não gosta. Aí estará cumprindo o ensinamento do Mestre:

“Se vocês amam aqueles que os amam, porque esperam alguma recompensa de Deus? Até os cobradores de impostos amam aqueles que os amam! Se vocês falam somente com seus amigos, o que é que fazem de mais? Até os pagãos fazem isso! Portanto, sejam perfeitos em amor, assim como é Perfeito o Pai de vocês, que está no céu” (Mateus – 5,46,48)

Seu inimigo é o seu verdadeiro amigo, como, aliás, já conversamos anteriormente nessa obra. Gostar ou não gostar de alguém (individualismo) é que nos faz sofrer quando estamos com aqueles que não gostamos assim como estamos separados de quem amamos também é sofrimento.

O nobre caminho

Descoberta das raízes do sofrimento

Somente depois que o ser compreender que toda a sua existência é um sofrimento poderá alterar a utilização dos seus Cinco Agregados. O primeiro passo para se alterar essa utilização é a descoberta das raízes do sofrimento.

“Aqui, monges, está a Nobre Verdade da causa do sofrimento. O desejo de nascer de novo, o deleite em nascer de novo, o apego aos prazeres encontrados nisso ou naquilo. Uma necessidade premente de gozar dos prazeres sentidos, de se tornar algo ou de não se tornar”. (Samyutta Nikaya V 20)

No discurso Girando a Roda do Dharma, o Buda nos fala de algumas causas do sofrimento. Todas elas são baseadas no desejo individual, na verdade relativa que o ser nutre. Falamos muito desse assunto até agora, mas ainda não abordamos o tema profundamente.

Existe nos dias atuais uma procura pelos seres encarnados da promoção de suas reformas íntimas. Parte dos que estão buscando processar a sua alteração já compreenderam que não podem julgar os outros ou se ferir pelos acontecimentos. No entanto fazem isso com resignação e não com ação.

A busca da reforma íntima hoje não passa pelo fim das verdades individuais, mas apenas pela resignação quanto ao direito do outro utilizar suas verdades. Os seres procuram não reagir quando são se sentem atacados, mas acusam sofrimentos nesses momentos. Resignar-se é sofrer o seu sofrimento sem se revoltar contra Deus.

A reforma íntima tem sido buscada apenas com a não revolta contra os atos que os outros praticam, mas ainda com a geração de formações mentais (raciocínios) que condenam os atos praticados. No entanto, Jesus nos ensinou que não é preciso adulterar para pecar, mas apenas desejar já fará com que o ser quebre a lei de Deus.

O sofrimento que o ser sofre mesmo sem condenação externa já é um ato que fere a Lei de Deus. Não adianta apenas não punir, sofrer já é uma quebra ao mandamento divino, pois o ferimento expressa um não amar a Deus acima do que está acontecendo.

Quem ama sempre estará feliz e por isso mesmo que o ser não expresse sua contrariedade contra a ação do outro estará individualizando a situação. A reforma íntima tem que ser baseada na ação sobre o acontecimento. Essa ação tem que espelhar o amor que o ser tem por Deus e pelo próximo. Assim, a reação que expresse sofrimento não leva à elevação espiritual.

Se compararmos a vida do ser com uma árvore, a resignação aos acontecimentos, pessoas ou objetos é como uma poda. O ser apenas retira excessos, mas o cerne que impede o desenvolvimento permanece ativo. Esse cerne nós chamaremos de raízes do sofrimento.

Para que o ser elimine o sofrimento alcançado pela quebra de sua vontade individual é preciso que ele arranque fora essas raízes para que elas não continuem nutrindo a vida nos próximos momentos.

O nobre caminho

Raízes do sofrimento

As raízes do sofrimento consistem em três situações básicas da vida de um ser humanizado onde ele utiliza os Cinco Agregados espelhando o seu individualismo. A ação do ser substanciada por uma dessas raízes provoca sofrimento.

Primeira raiz

A primeira raiz que nutre o ser de infelicidade é a contrariedade. Toda vez que se contraria com algum acontecimento, pessoa ou objeto, ele sofre.

A contrariedade acontece quando os conceitos individualistas do ser não são contemplados pelos outros. O ser que quer que as coisas sejam de uma determinada forma, quando contrariado, sofrerá. Esse ser é aquele que acredita que na vida carnal existe certo ou errado, bom ou mal, bonito ou feio, limpo ou sujo.

O ser possui uma escala de valores próprios que determinam de que lado do binômio o acontecimento, pessoa ou objeto deverá estar. Acontece que esses valores se alteram de pessoa à pessoa, não havendo uma escala universal que possa mensurar corretamente o que está se sucedendo.

Assim, a aplicação desses conceitos baseia-se no individualismo, ou na escala individual que cada ser possui. Essa forma de utilizar os Cinco Agregados reflete uma verdade relativa e é por isso que o ser sofre.

A reforma íntima não pode passar apenas pela não condenação daqueles que possuem escalas diferenciadas, mas tem que ser realizada pela manutenção da felicidade mesmo nesses momentos. Para isso é preciso que o ser ame as condições que encontre nas pessoas, acontecimentos e objetos.

Com essa ação amorosa sobre tudo, dando a cada um a igualdade de ser diferente dele, é que o ser conseguirá eliminar a raiz contrariedade que nutre o sofrimento.

Segunda raiz

A segunda raiz que traz sofrimento para o ser é o sofrimento dos outros. O ser imagina que se solidarizar com outro é passar pelos mesmos sentimentos que ele está passando e, por isso, sofre junto com o amigo. Entretanto, quando age dessa forma dissemina mais sofrimento pelo planeta.

Imaginemos que uma pessoa não goste de jiló. Mesmo não gostando, essa pessoa está comendo. Por não gostar desse legume essa pessoa está sofrendo, pois está sendo contrariada. Cada garfada que ela dá mais esvazia o prato e mais esperança de chegar ao fim do sofrimento ela nutre. No entanto, em determinado momento chega você e coloca mais jiló no prato da pessoa.

É isso que faz o ser que sofre ao lado de quem já está sofrendo. Compartilhar a dor do outro ser não leva à felicidade, mas prende o outro ser ainda mais na infelicidade.

O sofrimento é um estado de espírito formado por sentimentos negativados. Quando um ser sofre sua matéria está encharcada desse sentimento que realça o seu individualismo. Cada vez que o ser sofredor utiliza um raciocínio gasta esses sentimentos e, lentamente, vai se positivando. Por isso se afirma que não há sofrimento que nunca acabe.

Quando o amigo chega ao lado dele e utiliza um sentimento negativado para raciocinar, repõe a carga sentimental do outro ser com sentimentos dessa polaridade. É o exemplo do jiló que falamos anteriormente.

Frente a um ser em sofrimento o ser humano deve lançar amor, felicidade. Esses sentimentos universais ajudarão o ser a eliminar os seus individualistas, acabando mais rapidamente com o sofrimento do outro. Ao invés de utilizar os Cinco Agregados para gerarem conceitos como coitadinho, que pena, o ser deve procurar universalizar o seu amigo.

Ao invés do sofrimento, mostre como pode existir felicidade, mesmo quando os seus conceitos são feridos. Demonstre toda a sua felicidade de estar dentro do mundo do Deus e faça o seu amigo compreender que o quer que tenha acontecido foi fonte de uma Justiça Suprema e de um Amor Sublime. Assim, nem você nem ele sofrerão mais.

Terceira raiz

A terceira raiz do sofrimento é o medo. Essa raiz é a mais ativa, a que mais provoca sofrimentos ao ser. No entanto, para aqueles que afirmam que possuem a fé, ela jamais deveria agir.

O medo é oriundo de uma desconfiança sobre o resultado da ação do ser. O ser humano não tem medo de avião, mas medo de sua ação: cair. Não tem medo de outro ser ou de qualquer situação, mas tem medo da ação que essas coisas possam provocar contra ele.

Fé é confiança e entrega absoluta a Deus, isso pregaram todos os enviados de Deus. Todos os mestres afirmaram que para alcançar a felicidade absoluta o ser precisa confiar e entregar sua vida na mão de Deus. Dessa forma, o medo de qualquer resultado de ação é uma prova de falta de fé.

Mesmo os seres que estão em busca da sua reforma íntima sentem medo. Isso porque eles não extinguiram dentro de si as verdades relativas para que a verdade absoluta regida pelas Qualidades da Vida Espiritual possa guiar a sua fé. Ainda acreditam que o avião pode cair por falha humana ou técnica, que o próximo pode feri-lo quanto desejar e que os objetos poderão agir independente de uma ação da Inteligência Suprema.

O medo é um sofrimento porque ele se baseia essencialmente nas verdades individuais do ser.

Elevar-se espiritualmente é alcançar a felicidade incondicional. Como nos ensinou Cristo, só chegará ao reino do céu aquele que conseguir as bem-aventuranças, ou seja, a felicidade que os santos sentem. Sem extirpar as raízes do sofrimento (contrariedade, sofrimento dos outros e medos) o ser jamais conseguirá sua elevação espiritual.

Verifique a vida dos santos, daqueles que viveram a bem-aventurança. Após a sua iluminação todos eles deixaram de se contrariar com o mundo, mantendo sempre a sua felicidade. Pararam de apenas sofrer com o sofrimento dos outros e passaram a agir com felicidade, não deixando de ampará-los. Não mais tiveram medo, pois compreenderam que sua vida era guiada por Deus.

Para acabar com as raízes do sofrimento o ser precisa deixar de se apegar aos Cinco Agregados e para isso terá que mudar a sua visão individualista das pessoas, dos acontecimentos e dos objetos, atingindo a verdade absoluta do universo que é representada pelas Qualidades da Vida Espiritual. Todos os ensinamentos são interdependentes e só o conjunto deles pode causar a impermanência do ser levando-o a compor um novo “eu” formado por elementos universais.

Essa é a real reforma íntima, aquela que traz o renascimento durante a própria existência, que faz surgir o homem novo do velho. Ela termina quando a felicidade incondicional é alcançada pelo ser.

O nobre caminho

Quatro âncoras

Podemos dizer que a elevação espiritual é uma viagem que o ser faz do porto da ignorância com destino ao da sabedoria. Para lá chegar o ser humanizado singra pelo mar do conhecimento levado pelo barco do ensinamento. No entanto, quando chegar ao porto da sabedoria o ser terá que deixar o barco e passar a viver nessa nova terra para poder aprender como se portam aqueles que lá vivem.

Para que isso aconteça, o ensinamento não deve ser adorado. Ou seja, chegará um determinado momento em que o ser humanizado terá que abandonar a cultura (acúmulo de ensinamentos) e passar a vivenciar os ensinamentos com simplicidade para poder se tornar um verdadeiro sábio.

Os seres humanos consideram sábios aqueles que possuem grande cultura, ou seja, muito conhecimento. Isso não é verdade. Esse ser vive singrando o mar do conhecimento dentro do barco do ensinamento, mas não desce em nenhum porto. Este ser humanizado não pertence mais ao povo da ignorância, mas ainda não vive no da sabedoria. A esses Cristo chamou de professores da lei.

Professores da lei são todos aqueles que querem ensinar os ensinamentos, mas não vivem a sua prática. Na verdade estes seres são movidos pela soberba, pois querem sempre aprender mais para serem louvados e não para promover a sua própria reforma íntima.

Não estamos falando apenas de seres a serviço de religiões (padres, pastores, bispos, médiuns mestres), mas de todos aqueles que em qualquer campo possuem conhecimento e além de não os colocarem em prática, utilizam sua cultura para se sobrepor aos outros.

 Cristo falou por diversas vezes sobre os professores da lei. Alertou-os sobre sobrecarregar os seus dependentes com fardos pesados, ou seja, de os tornarem culpado de atitudes. Pediu que não se copiasse a postura desses professores que buscam sempre a posição mais elevada do que a dos seus dependentes. O Mestre chegou a compará-los a tumbas: caiadas por fora, mas podres por dentro.

Quando se procura a elevação espiritual, ter a postura de professor da lei torna-se mais uma prova que Deus dá a este ser. Ele será alvo da atenção de diversos outros seres e deverá manter a prática de sua vida dentro dos ensinamentos para que Deus lhe dê mais compreensão que o levará a uma elevação ainda maior.

Para que os seres que estão na prova professores da lei consigam vencer mais essa etapa de sua evolução espiritual é preciso que se libertem das Quatro Âncoras que os aprisiona a figura de ser humano, levando-o a utilizar verdades individuais como absolutas. Vivenciar a vida apegado a estas âncoras representa o oposto daquele que quer se elevar.

A primeira âncora é à vontade de ganhar e o medo de perder.

O ser humano que age buscando ganhar sempre não conseguirá jamais viver no porto da sabedoria, pois os sábios sabem que já tem tudo o que precisam. Essa âncora é movida pelo desejo individual de possuir e não deixará jamais o professor da lei colocar em prática a felicidade que é alcançada com a evolução espiritual.

A segunda âncora é o desejo de alcançar o prazer e o medo do desprazer.

Esse tema já foi sobejamente debatido, mas sempre estará presente em nossas conversas, pois é a diferença entre o ser humanizado e o ser universal, aquele que vivencia os acontecimentos da vida com a consciência crística.

O prazer é a satisfação pessoal. O sábio jamais procura se satisfazer, nem tem medo da insatisfação. Para ele tudo é felicidade, pois vive em harmonia com o Universo.

A terceira âncora é à busca do elogio e o medo da crítica.

Aquele que ainda possui a raiz do sofrimento contrariedade está sempre procurando se satisfazer. Esse prazer ele alcança quando é elogiado, enquanto que a crítica serve como uma reprovação que lhe fere a soberba. Os professores da lei se preocupam com o elogio e temem a crítica, pois essa retiraria dele a posição de sábio.

O verdadeiro vivente no mundo da sabedoria, apesar de universalizado, é individualista. Afirmo isso porque ele vive independente dos outros seres do Universo, pois se preocupa apenas com sua própria elevação. O que os demais pensam sobre ele não lhe afeta, pois vive em contato constante com a fonte universal da aprovação: Deus. Os verdadeiros sábios vivem para Deus enquanto que os professores da lei vivem si, se satisfazer.

A quarta âncora é a busca da fama e o medo da infâmia.

O verdadeiro sábio não vive para si, mas dedica cada segundo de sua existência para servir a Deus. Os professores da lei são aqueles que buscam reconhecimento para os seus atos e exigem o reconhecimento do crédito da ação para si mesmo. Já os habitantes do porto da sabedoria creditam todo mérito a Deus.

O medo dos professores da lei é que eles sejam combatidos por suas posições, o que representaria uma infâmia para eles. Seus conhecimentos são verdades absolutas que não podem aceitar contradições. Quando isso acontece, os professores da lei impõem-se pela força, desacreditando quem o difamou.

O verdadeiro sábio não se impressiona com conhecimentos opostos ao que já possui. Ele não busca combater as novas informações, mas sim cada vez mais se aproximar de Deus. Ele sabe que novos ensinamentos sempre serão novas verdades relativas que Deus acrescentará as que possui para aproximá-lo da Verdade Absoluta do Universo: só Deus sabe...

O professor da lei luta contra novas verdades relativas sem sequer analisá-las. Na verdade não faz isso para defender suas idéias, mas a si mesmo. Faz isso porque sabe que se não se mantiver como o culto, perderá a fama, acabarão os elogios, deixará de ganhar e não mais terá prazer em ser superior aos outros.

Já o sábio sabe que não tem nada a perder, pois tudo lhe foi emprestado por Deus. Jamais alcança o desprazer, pois vive na felicidade universal (bem-aventurança) que só é alcançada pelos puros de coração. Não aceita as críticas que lhe são feitas, pois reconhece que suas verdades são relativas e que apenas Deus possui a Verdade Absoluta das coisas. Não tem medo da infâmia, pois sabe que para Deus ele é um famoso instrumento da obra do Senhor.

O nobre caminho

Quatro elos

O ser em evolução dentro da etapa humana precisa libertar-se das quatro âncoras (vontade ganhar e medo de perder, busca do prazer e medo do desprazer, busca da fama e medo da infâmia, busca do elogio e medo da crítica) para alcançar a evolução. Entretanto, para libertar-se destas coisas, o ser precisa quebrar os “Quatro Elos” que prendem essas âncoras a ele. Vamos ver alguns detalhes destes elos antes de falarmos deles especificamente.

Estes elos constituem-se de verdades relativas trabalhadas pela mente da personalidade temporária à qual o ser está ligado durante o processo de encarnação.

Apesar de eles serem em mesmo número que as âncoras isso não quer dizer que eles forme pares com elas (um elo para uma âncora). Na verdade, todas as âncoras são presas pelos quatro elos. Isso quer dizer que as âncoras serão abandonadas todas de uma só vez quando o ser libertar-se de todos os quatro elos.

Esses elos representam fundamentos de vida, ou seja, a forma como a personalidade humana o utiliza o processo raciocínio...

Durante este estudo estaremos falando de morte, mas quando abordarmos este tema não estamos nos referindo a desencarne, mas sim na ‘morte’ necessária ensinada por Cristo à Nicodemos (a morte do humano em vida) para o renascimento do espírito.

“Eu afirmo que ninguém pode entrar no Reino de Deus se não nascer da água e do Espírito. A pessoa nasce fisicamente de pais humanos, mas nasce espiritualmente do Espírito de Deus. Por isso não se admire de eu dizer que todos vocês precisam nascer de novo. O vento sopra onde quer e ouve-se o barulho que faz, mas não se sabe de onde vem nem para onde vai. O mesmo acontece com todos os que nascem do Espírito”. (João – 3,5)

Os seres humanizados possuem uma interpretação equivocada deste texto bíblico. Afirmam que aqui está um ensinamento da necessidade da reencarnação, mas não é a isso que Cristo se referia. Afirmo isso porque Nicodemos como mestre de uma tradição que conhecia o tema reencarnação não precisaria pedir a Cristo informação sobre isso. Na verdade o mestre estava falando em morte em vida, ou seja, o fim da consciência humana para a vivência com os valores espirituais.

O medo que o ser humanizado sente desse processo é originário da preocupação com a perda da sua identidade, do seu “eu”, do conjunto de valores que compõe a sua consciência. Apesar desse medo, Cristo nos afirma em todos os seus ensinamentos que este conjunto de valores deve ser alterado ainda na própria existência corporal para que se entre no gozo da felicidade universal. Ou seja, é preciso que o ser na carne ‘morra’ (altere sua consciência) para que renasça do espírito (universalização dos seus conceitos) para alcançar o reino de Deus. Este processo ficou conhecido como reforma íntima.

Alterar a consciência é deixar de utilizar os Cinco Agregados com objetivos individualistas. Quando isto acontecer, o ser não será mais o que é, ou seja, não terá a mesma consciência que possui hoje. Este é o temor dos seres humanos: deixar de ser quem é.

Portanto, a morte que abordamos quando falamos no ensinamento “Quatro Elos” é exatamente a alteração do sentido com que se utilizam os Cinco Agregados e isto não implica necessariamente em sair da carne. É do temor da promoção da reforma íntima (fim do “eu”) que vamos falar.

O ensinamento “Quatro Elos” é baseado em um suta budista sobre a “morte” (Suta Anguttara Nikaya IV.184 – Abhaya Sutta).

O brâmane Janussoni foi até o Abençoado e ao chegar, ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado ele se dirigiu ao Abençoado: “O meu entendimento e a minha opinião é de que não existe ninguém que face à morte, não sinta medo e terror da morte.”

[ O Abençoado disse ] “Brâmane, existem aqueles que face à morte sentem medo e terror da morte. E existem aqueles que face à morte não sentem medo e terror da morte.

“E qual é a pessoa que face à morte sente medo e terror da morte? É o caso da pessoa que não abandonou a paixão, desejo, afeição, sede, cobiça e ambição pelos prazeres sensuais. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o seguinte pensamento lhe ocorre, ‘Ah, todos esses prazeres sensuais que tanto amo serão tomados de mim e eu serei tomado deles!’ Ela se entristece, fica angustiada e lamenta, ela chora batendo no peito e fica perturbada. Essa é uma pessoa que face à morte sente medo e terror da morte.

“Além disso há o caso da pessoa que não abandonou a paixão, desejo, afeição, sede, cobiça e ambição pelo corpo. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o seguinte pensamento lhe ocorre, ‘Ah, este corpo que tanto amo será tomado de mim e eu serei tomado do meu corpo!’ Ela se entristece, fica angustiada e lamenta, ela chora batendo no peito e fica perturbada. Essa é uma pessoa que face à morte sente medo e terror da morte.

“Além disso há o caso da pessoa que não praticou o que é benéfico, não praticou o que é hábil, não deu proteção aos que sentem temor e ao invés disso praticou o que é prejudicial, foi selvagem e cruel. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o seguinte pensamento lhe ocorre, ‘Não pratiquei o que é benéfico, não pratiquei o que é hábil, não dei proteção àqueles que sentem temor e ao invés disso pratiquei o que é prejudicial, fui selvagem e cruel. Se existe algum destino para aqueles que não praticaram o que é benéfico, foram inábeis, não deram proteção àqueles que sentem temor e ao invés disso praticaram o que é prejudicial, foram selvagens e cruéis, é para lá que irei após a morte.’ Ela se entristece, fica angustiada e lamenta, ela chora batendo no peito e fica perturbada. Essa é uma pessoa que face à morte também sente medo e terror da morte.

“Além disso há o caso da pessoa que tem dúvida e perplexidade, que não está segura em relação ao verdadeiro Dhamma. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o seguinte pensamento lhe ocorre, ‘Tenho dúvida e perplexidade! Não tenho segurança em relação ao verdadeiro Dhamma!’ Ela se entristece, fica angustiada e lamenta, ela chora batendo no peito e fica perturbada. Essa é uma pessoa que face à morte também sente medo e terror da morte.

“Essas brâmane, são quatro pessoas que face à morte sentem medo e terror da morte.

“E qual é a pessoa que face à morte não sente medo e terror da morte?

“É o caso da pessoa que abandonou a paixão, desejo, afeição, sede, cobiça e ambição pelos prazeres sensuais. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o seguinte pensamento não lhe ocorre, ‘Ah, todos esses prazeres sensuais que tanto amo serão tomados de mim e eu serei tomado deles!’ Ela não se entristece, não fica angustiada e não lamenta, não chora e não bate no peito e não fica perturbada. Essa é uma pessoa que face à morte não sente medo e terror da morte.

“Além disso há o caso da pessoa que abandonou a paixão, desejo, afeição, sede, cobiça e ambição pelo corpo. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o pensamento não lhe ocorre, ‘Ah, este corpo que tanto amo será tomado de mim e eu serei tomado do meu corpo!’ Ela não se entristece, não fica angustiada e não lamenta, não chora e não bate no peito e não fica perturbada. Essa é uma pessoa que face à morte não sente medo e terror da morte.

“Além disso há o caso da pessoa que praticou o que é benéfico, praticou o que é hábil, deu proteção àqueles que sentem temor, não praticou o que é prejudicial, não foi selvagem nem cruel. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o pensamento lhe ocorre, ‘Pratiquei o que é benéfico, pratiquei o que é hábil,dei proteção àqueles que sentem temor, não pratiquei o que é prejudicial, não fui selvagem nem cruel. Se existe algum destino para aqueles que praticaram o que é benéfico, foram hábeis, deram proteção àqueles que sentem temor, não praticaram o que é prejudicial, não foram selvagens nem cruéis, é para lá que irei após a morte.’ Ela não se entristece, não fica angustiada e não lamenta, não chora e não bate no peito e não fica perturbada. Essa também é uma pessoa que face à morte não sente medo e terror da morte.

“Além disso há o caso da pessoa que não tem dúvida nem perplexidade, que está segura em relação ao verdadeiro Dhamma. E então ela é acometida de uma grave enfermidade. Tendo sido acometida pela grave enfermidade o seguinte pensamento lhe ocorre, ‘Não tenho dúvida nem perplexidade! Tenho segurança em relação ao verdadeiro Dhamma!’ Ela não se entristece, não fica angustiada e não lamenta, não chora e não bate no peito e não fica perturbada. Essa também é uma pessoa que face à morte não sente medo e terror da morte.

“Essas brâmane, são quatro pessoas que face à morte não sentem medo e terror da morte.”

[ Quando isto foi dito, o brâmane Janussoni disse: ] “ Magnífico Mestre Gotama! Magnífico! O Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de várias formas, como se ele virasse para cima o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para quem estivesse perdido, ou segurasse um lâmpada no escuro para aqueles que possuem olhos possam enxergar. Eu busco refúgio no Mestre Gotama no Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. Que o Mestre Gotama se recorde de mim como um discípulo leigo que tomou refúgio a partir deste dia pelo resto de sua vida.”

 Agora podemos começar a conversar sobre os quatro elos...

No suta citado, quando o brâmane Janussoni pede a Buda ensinamentos sobre o medo que sentem aqueles que estão face à morte (alteração da consciência), o Iluminado apontou os quatro elos que aprisionam as quatro âncoras. São eles:

A paixão pela posse moral (sensualidade);

A paixão pelas coisas materiais (corpo);

O individualismo (prática de coisas “más”);

A falta de fé (incompreensão dos ensinamentos).

Estes são os “Quatro Elos” que prendem o ser universal à visão ser humano, não permitindo a evolução espiritual. São eles que aprisionam o ser no desejo de ganhar, se satisfazer, ser elogiado e alcançar a fama.

PAIXÃO PELA POSSE MORAL

O primeiro elo que prende o ser humanizado as quatro âncoras é a paixão pela posse moral. O ser individualista imagina que apenas o que ele compreende das coisas é que está certo, é bom e belo. Tudo o que os outros acham diferente dele está errado, é mau ou feio.

A posse moral se caracteriza pela detenção da verdade. A paixão por possuir a verdade sobre as coisas é que leva o ser humanizado a querer ganhar sempre, se satisfazer, ser elogiado e ficar famoso. Sendo assim, quebrar este elo é abrir mão de possuir a verdade sobre as coisas. Para isso é preciso acreditar que todos os acontecimentos do Universo estão perfeitos porque partem da Inteligência Suprema, observados os parâmetros de Justiça Perfeita e Sublimação do Amor.

Este elo foi simbolizado na Bíblia Sagrada na história de Adão e Eva. A mulher foi tentada a comer a maçã (adquirir um conhecimento) para alcançar o poder de determinar o que é bom ou mau no Universo. As religiões que utilizam a Bíblia como livro básico afirmam que é necessário acabar com o pecado original (o ato de Eva) para alcançar o reino do céu. Assim sendo, a informação da quebra deste elo não é exclusividade do budismo, mas de todas as religiões que utilizam a Bíblia.

PAIXÃO PELAS COISAS MATERIAIS

O segundo elo que prende as quatro âncoras é a paixão pelas coisas materiais. O prazer advindo da posse das coisas materiais é que leva o ser humanizado a ter medo de perdê-las com o fim do eu transitório que vivencia. Enquanto houver a posse continuará havendo as âncoras, pois a posse leva necessariamente à vontade de ganhar e se satisfazer para poder ter a fama e o elogio.

Portanto, para acabar com a ação destas âncoras, o ser humanizado precisa despossuir todas as coisas materiais. Para que isto aconteça é necessária a compreensão de que o Universo é a casa de Deus e que tudo que aqui existe pertence a Ele.

Se o Universo foi criado por Deus para servir aos seres no seu processo de evolução, podemos afirmar que as coisas materiais são instrumentos para esta busca. Assim, enquanto o ser necessitar delas, o Pai as colocará à sua disposição, tornando-o guardião temporário delas. Elas não pertencem ao ser, mas estão à sua disposição enquanto isso for necessário.

Mas, o que são as coisas materiais. Como já vimos em outros momentos, elas valem pela essência que o ser humanizado aplica a elas. Desta forma, o elo na verdade é representado no pensamento humano pela idéia de que qualquer objeto é seu ou de qualquer outra pessoa.

Sendo assim, para o ser humanizado romper com esse elo é preciso alterar a essência de sua vida. Ao invés de dar propriedade de alguma coisa a um ser humanizado, inclusive a si mesmo, é preciso compreender que tudo pertence a Deus e está apenas à disposição do ser enquanto lhe for necessário para a evolução espiritual.

Só consegue se livrar da vontade de ganhar para se satisfazer e de ser elogiado para alcançar a fama aqueles que aplicarem a tudo a essência ‘é de Deus’ a todos os elementos materiais do mundo humano.

APREENSÃO QUANTO AO RESULTADO DA PROVAÇÃO

O terceiro elo é a apreensão quanto ao resultado da provação que o ser faz durante a vida carnal.

Todo o ser humanizado que acredita em reencarnação sabe que a vida é apenas uma etapa da existência eterna do espírito onde ele faz as provações necessárias para a sua elevação espiritual. Sabe, também, que estas provações têm a ver com o abandono do gozo individual para alcançar a bem-aventurança e assim aproximar-se de Deus.

Pela consciência que o ser possui de ter buscado durante a sua humanização apenas a sua satisfação pessoal ao invés de universalizar os acontecimentos, sabe que causou ferimentos aos demais seres. Pelos estudos que já fez, compreendeu que precisa ‘expiar’ essas faltas em nova encarnação. Para fugir deste destino o ser humanizado prende-se ainda mais à visão ser humano que está vivenciando no momento, imaginando que desta forma estará fora do alcance da ação justa de Deus, pois ela só ocorrerá depois da morte.

A expiação de erros é chamada de carma, ou seja, um acontecimento traçado no sentido de expiar a situação de sofrimento que se causou ao outro ser. A idéia da existência do carma (a reação a uma ação) leva o ser humanizado ao medo, porque ele sabe que o esta reação se constituirá de um acontecimento que não satisfará os seus conceitos, ou seja, não levará a um prazer individual.

Fala-se muito em carma de vida passada, ou seja, expiações de situações de sofrimentos causadas em vidas anteriores, mas existe também o carma da vida atual. Este último é expiado nesta própria vida. Como no ditado popular, aqui se faz, aqui se paga.

Deus providencia situações na vida do ser encarnado para que ele inicie a expiação de suas faltas nesta mesma vida. Apenas quando isto não é possível, o carma é transferido para uma próxima encarnação. Como o ser humanizado imagina que sua vida de encarnado independe da vontade de Deus, não compreende esta ação imediata do Pai.

Aquele que entende Deus como causa primária das coisas vê a ação do Pai a cada segundo na sua vida perde o medo de carmas futuros, pois compreende nas situações que está passando a expiação de faltas desta mesma vida. Quem vê no Pai não um juiz severo que distribui pena, mas uma fonte de Amor Sublime que proporciona situações para que o ser possa evoluir, não tem medo do carma, quer desta vida ou de outra. Ao invés de sentir-se apenado, o ser participa da felicidade que é ter Deus como Pai.

Portanto, a forma de se quebrar este elo é alterar a visão sobre Deus: não vê-lo mais como um Juiz Severo, mas um Pai Justo e Amoroso que só quer que os filhos consigam evoluir na sua existência espiritual.

Este foi o ensinamento máximo que Cristo nos enviou. A Boa Nova trazida pelo Mestre é a compreensão da ação de Deus sobre seus filhos no sentido de proporcionar-lhes a entrada no reino do céu (felicidade universal).

FALTA DE FÉ

O quarto elo é a “falta de fé”.

Este elo talvez seja o mais difícil de ser quebrado pelo ser humanizado, pois ele jamais será alcançado por comprovações materiais. Para alguns é fácil quebrar a posse moral, para outros, a posse dos objetos e muitos, ainda, conseguem perder o medo do carma, pois conseguem enxergar materialmente estes ensinamentos. O quarto elo, no entanto, jamais poderá trazer confirmações materiais, pois desta forma não existiria o merecimento.

A fé é um sentimento que foi descrito por Cristo no primeiro mandamento da constituição universal: ‘amar a Deus acima de todas as coisas’. A fé é expressa através do amor incondicional ao Pai e a resposta que Seus filhos podem dar a esse amor é a felicidade universal.

Não é esta a compreensão que os seres humanizados possuem da fé, pois eles costumam condicioná-las à satisfação dos seus desejos. Para amar a Deus (ser feliz), os seres humanos precisam de posses materiais, morais e de situações de não sofrimento. Estes, no entanto, não amam a Deus, mas a si mesmos. Apegado aos valores humanos, para que o ser alcance a fé em Deus é preciso que todos os outros três elos (posse moral e material e a não existência de situações de sofrimento) sejam satisfeitos.

Ninguém deve amar outra pessoa tendo motivos para isso, pois o amor não pode ter condições. Quem ama o outro porque é belo, ama a beleza e não o ser; quem ama porque o outro é amigo, ama a amizade; quem ama pela cultura, ama a sabedoria. Em qualquer caso que exista uma condição para o amor, não há este sentimento pelo outro ser, mas pela condição que ele representa.

Para quebrar o quarto elo o ser necessita não mais impor condições para o exercício do amor. A ruptura do quarto elo passa pelo fim da fé raciocinada, ou seja, pelo fim da análise do prazer que resultará por ter fé. Esta quebra só será alcançada com a fé incondicional a Deus: entrega e confiança total no Pai.

Para isto é preciso a perfeita compreensão dos ensinamentos deixados por todos os mestres. Nenhum deles criou condições para que se amasse a Deus, mas pediram que se tivesse uma fé incondicional no Pai. Todos os ensinamentos tiveram este objetivo, mas foram interpretados pelo ser humano de forma diferente, pois buscavam a satisfação pessoal.

QUEBRANDO OS ELOS

Para alcançar a elevação espiritual o ser humanizado precisa, então, quebrar os quatro elos para que se liberte das quatro âncoras. Este é o trabalho que todos terão que fazer algum dia, pois como ensinou Kardec, todos um dia terão que evoluir independente de sentirem medo ou não. Este processo de transformação foi que levou diversos seres à elevação em uma de suas encarnações.

É um processo inexorável que todo ser humanizado tem que passar. O medo de enfrentar o renascimento apenas retarda o momento, mas não pode eliminá-lo nunca, pois faz parte integrante da existência do ser, como a morte física faz parte da vida carnal.

Além do medo do desconhecido (em que se transformará depois do renascimento) o ser humanizado tem o conhecimento inconsciente de que os quatro elos não podem ser quebrados passo a passo, mas que precisam ser rompidos ao mesmo tempo, o que exige um grande esforço. Por isto, encarnação após encarnação, o ser tenta quebrar os elos, mas não consegue se desfazer deles todos ao mesmo tempo.

Todos os elos agem e são dependentes entre si. A posse moral nutre a posse material, pois o indivíduo certo quer determinar a como as coisas devem acontecer. Já o fim desses dois elos depende exclusivamente do fim do medo do carma, já que na maioria das vezes esta ação divina fere as posses do ser.

Como perder tudo isso sem perder o amor a Deus nas situações de contrariedade? Compreendendo Sua ação no universo, ou seja, tendo fé.

O ser humanizado que busca realmente quebrar os quatro elos precisa atacá-los todos de uma vez, ou seja, abandonar o poder de determinar o valor das coisas, para poder abrir mão das posses materiais. Para isso precisa perder o medo do carma, amando a Deus mesmo que suas vontades não sejam satisfeitas.

O nobre caminho

Renúncia

A Segunda Nobre Verdade do sofrimento que levou o Buda a alcançar a sua iluminação é a descoberta das raízes do sofrimento, ou seja, daquilo que leva o ser a sentir sentimentos diferentes da verdade universal.

Esses sentimentos nascem sempre da fuga da realidade universal, ou seja, da existência sendo conduzida por uma consciência que trate seus valores como verdade absoluta.

Essa consciência é nutrida por sentimentos que espelham uma contrariedade, um sofrimento pelo sofrimento dos outros e pelo medo ou falta de confiança em Deus. Essa consciência quer sempre ganhar e tem medo de perder, busca a satisfação e tem medo da insatisfação, quer a fama e teme a infâmia, busca o elogio e tem medo da crítica.

Age dessa forma porque possui moralmente as pessoas, acontecimentos e objetos, aplicando a elas a sua verdade relativa como absoluta. Pelo conhecimento intrínseco do motor do universo (lei de causa e efeito) sabe que um dia será alvo dessa mesma forma de proceder e por isso se protege da realidade universal atrás do escudo criado pelas suas verdades relativas (individuais).

Toda essa forma de proceder advém de sua consciência não conter a verdade absoluta do universo: Deus e Sua ação. Sem ela, o ser jamais alcançará a entrega e confiança absoluta no Pai necessária para ser feliz.

“Aqui, monges, está a Nobre Verdade da causa do sofrimento. O desejo de nascer de novo, o deleite em nascer de novo, o apego aos prazeres encontrados nisso ou naquilo. Uma necessidade premente de gozar dos prazeres sentidos, de se tornar algo ou de não se tornar”. (Samyutta Nikaya V 20)

Por isso, no “Discurso Girando a Roda do Dharma” o Buda nos diz que o desejo de nascer de novo nasce pelo deleite que o ser encontra durante a existência carnal. Esse deleite surge pelo apego aos prazeres encontrados quando se goza os prazeres sensuais (sentidos) de se tornar algo ou de não se tornar.

Por mais que um ser humano busque a sua elevação espiritual ele não conseguirá enquanto não renunciar ao deleite aos prazeres sensuais. Enquanto o ser deleitar-se em mostrar a quem lhe contraria que está certo, buscará sempre ganhar, ter prazer, pois assim será elogiado e alcançará a fama.

Enquanto o ser deleitar-se em sofrer com o sofrimento dos outros terá sempre o sentimento de que é superior, pois ganha mais felicidade e sente mais prazer que quem está sofrendo, o que lhe deixa famoso e provoca elogios a sua pessoa. Enquanto o ser tiver medo, poderá mostrar o quanto é mais corajoso ao enfrentar a situação, ganhando mais elogios e fama e, por isso, alcançando o prazer de ser superior.

Apenas a renúncia a esses prazeres pode levar o ser a começar a sua mudança. Querer preservar todos esses prazeres prenderá o ser entre humano e na carne o que o tornará um professor da lei.

O nobre caminho

Resumindo a segunda nobre verdade

O ser universal que vive no estágio ser humano, encarnado ou não, convive com sentimentos negativos que marca a sua existência dentro do estado de espírito sofrimento. Para fugir dessa realidade, o ser busca a satisfação individual que, da mesma forma, se traduz em um sofrimento.

Esse estado de espírito é mantido por três raízes (contrariedade, sofrer com o sofrimento dos outros e medo). Essas raízes existem porque o ser não consegue se libertar das “Quatro Âncoras” (ganhar ou perder, satisfação ou insatisfação, elogio ou crítica, fama ou infâmia). Essas âncoras são nutridas pelos “Quatro Elos” (posse moral e material, medo do carma e falta de fé).

É este o conjunto de sentimentos que aprisiona o ser na visão ser humano e que o leva ao estado de espírito sofrimento.

O nobre caminho

Eliminando o sofrimento

Até aqui falamos exclusivamente da “vida” como uma constância de sofrimentos. No entanto, se a “vida” fosse apenas sofrer, ela não poderia ser de Deus, pois o que o Pai deseja para todos os seus filhos é que eles sejam felizes. O ser “sofre” por quer, por escolhe esse grupo de sentimentos para nutrir, mas, se quiser, pode também ser feliz nas mesmas situações.

Não são as situações que geram sofrimentos, mas o espírito que escolhe reagir com determinado sentimento aos acontecimentos. Todas as situações da vida não são realidades, mas ilusões geradas por Deus de acordo com os sentimentos que os seres escolhem para reagir a acontecimentos anteriores.

Promover a reforma íntima, alcançar a evolução espiritual é simplesmente deixar de sofrer. Muito já foi falado até hoje a respeito da elevação espiritual e ela sempre foi colocada como algo difícil de ser atingido, que requereria muito conhecimento, mas a realidade é bem diferente.

Promover a reforma íntima independe de conhecimentos, mas requerer amor e fé em Deus. Quando o ser abandona sua visão sobre os acontecimentos e acata a verdade absoluta da situação (ação de Deus com Inteligência Suprema, Justiça Perfeita e Amor Sublime) encontra a felicidade universal. Por isso Cristo nos ensina que Deus mostra aos simples o que esconde dos sábios.

Essa é a essência da vida carnal:

 “...a vida humana não se destina ao gozo dos sentidos, mas a compreensão de Deus, do universo e de nossa própria identidade” (Bhaktivedanta Swami Prabhupãda – Elevação: a consciência de Krishna).

O ser não tem nada a conquistar ou realizar durante a sua encarnação a não ser a sua própria felicidade. Ele não encarna para se satisfazer, obter realizações materiais, ser famoso, rico ou bonito, mas para viver com felicidade as situações que Deus coloca durante a sua existência.

“O grande sábio Rsabhadeva instruiu seus filhos dessa maneira: meus queridos rapazes, nesta vida adquiristes esses belos corpos. Agora deveis saber que eles não são destinados ao gozo dos sentidos como os corpos dos porcos e dos cães, mas sim à realização espiritual” (Bhaktivedanta Swami Prabhupãda – Elevação: a consciência de Krishna).

Sidarta Gautama, além de compreender a nobre verdade do sofrimento, também aprendeu o caminho que leva à felicidade universal e nos deixou esse caminho para que todos os seres do universo possam percorrê-lo.

O nobre caminho

Despossuir

“Aqui, monges, está a Nobre Verdade do fim do sofrimento. É a dissolução e o término dos desejos sem deixar vestígios. É soltar, abrir mão, libertar-se, acabar com os desejos”. (Samyutta Nikaya V 20)

Buda afirma que o caminho para o fim do sofrimento é despossuir os objetos, as pessoas e os acontecimentos. É preciso libertar-se do individualismo para que o ser possa alcançar a felicidade de participar do Todo Universal.

Cristo também falou a mesma coisa:

“Certa vez um homem chegou perto de Jesus e perguntou: Mestre, o que devo fazer de bom para conseguir a vida eterna? Porque você me pergunta a respeito do que é bom? – respondeu Jesus. Bom só existe um. Se você quer entrar na vida eterna, guarde os mandamentos. Que mandamentos? – perguntou ele. Jesus respondeu: Não mate, não cometa adultério, não roube, não acuse os outros com falsidade, respeite o seu pai e a sua mãe e ame os outros como você ama a você mesmo. Tenho obedecido a todos esses mandamentos – respondeu o moço. Que mais ainda devo fazer? Jesus respondeu: Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres e assim terá riquezas no céu. Depois venha e siga-me”. (Mateus – 19, 16-21)

Cristo nos ensinou que para sermos perfeitos é necessário que não possuamos bens. Esse ensinamento tem sido individualizado e, por isso, sua compreensão foi alterada.

Muitos afirmam que para poder alcançar a Deus o ser não deve ter nenhum bem material. No entanto, o próprio Mestre em outro ensinamento afirma que Deus dá a cada um de acordo com as suas obras, com o merecimento de cada um. Portanto, os bens materiais foram dados por Deus a cada um como fruto de um merecimento.

A casa, o carro, o emprego, as roupas, tudo que o ser humano detêm lhe foi dado pelo Pai como instrumento de sua elevação (merecimento). Dar o que lhe foi presenteado é ingratidão, desfazer-se de algo que Deus julga necessário para a evolução é dificultar a própria missão.

“881. O direito de viver dá ao homem o direito de ajuntar o que necessitar para viver e repousar, quando não puder mais trabalhar? Sim, mas deve fazê-lo em família, como a abelha, por um trabalho honesto e não amontoar como um egoísta. Mesmo alguns animais lhe dão o exemplo da previdência”. (O Livro dos Espíritos)

Portanto, despossuir não é desfazer-se dos bens que Deus lhe confiou, mas essa ação deve ser executada de outras formas.

“Há homens insaciáveis e que acumulam sem proveito para ninguém, ou para satisfazer suas paixões. Crês que isso seja bem visto por Deus? Aquele que ao contrário amontoa por seu trabalho para ajudar seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade e seu trabalho é abençoado por Deus”. (O Livro dos Espíritos – pergunta 883b).

Por essa resposta da espiritualidade dada a Kardec podemos compreender o possuir: acumular para benefício próprio ou para satisfazer paixões individuais. A partir daí podemos entender que despossuir é acumular bens para benefício coletivo e não buscar satisfazer as paixões individuais com a posse.

Cristo não disse ao homem rico que ele devia vender todos os seus bens e com o resultado obtido ajudar os pobres. Disse que devia colocá-los à disposição de todos.

Aquele que, apesar de possuir uma propriedade individual a franquear para ser utilizado pela coletividade estará ajuntando bens em “família, como a abelha”. Todos os bens consignados à disposição do ser encarnado são, antes de tudo, instrumentos de uma prova de “universalismo”: Deus concede a posse temporária do bem ao ser para ver se ele universaliza esse instrumento ou o individualiza.

A casa não é do proprietário, mas Deus gerou a aparente propriedade para ver se o ser a universaliza, dando abrigo a quem precisar dele. As outras pessoas não podem ser possuídas sentimentalmente, mas são colocadas ao lado do ser para que ele a trate universalmente, ou seja, permita que ela tenha a sua independência. As verdades relativas que cada um tem devem ser universalizadas, não no sentido de serem impingidas aos outros, mas dando a cada um o direito de possuir as suas.

Despossuir é ter, mas não se imaginar como único a auferir os lucros.

Alguns já conseguem compartilhar as suas posses, mas ainda o fazem buscando satisfazer as suas paixões. Essa forma de agir ainda é possuir.

Buscar satisfazer as suas paixões é querer alcançar a satisfação individual, o prazer. Para que esse sentimento seja alcançado é necessário que o ser tenha seus conceitos individuais satisfeitos. Assim, possuir, além de individualizar a posse é querer determinar a ação dela.

Mesmo que o ser franqueie a sua casa para os necessitados, ainda continuará a possuindo enquanto se imaginar a causa primeira para a casa. O ser que imagina que pode construir, alterar, embelezar ou destruir uma casa ao seu bel prazer a possui. Despossuir a casa é entregar a Deus a posse dela. Assim, todas as ações que a casa sofra não foram feitas pelo ser, mas por Deus (Causa Primeira de todas as coisas) utilizando-se do ser para tanto.

Isso é despossuir realmente. Enquanto o ser imaginar que ele pode exercer ação sobre os objetos, acontecimentos ou pessoas, estará possuindo-os. Para despossui-los é necessário entregar o comando das ações ao Pai. Se o ser conseguiu pintar uma parede foi porque o verdadeiro Proprietário de tudo assim determinou. O ser é apenas um instrumento que o Proprietário utilizou.

Esta forma não satisfaz os desejos do ser, mas o leva a penetrar na felicidade universal. Se houve o “desejo” de embelezar uma casa, o ser que possui a casa sofrerá enquanto não conseguir fazer da sua forma. Despossuindo a casa, o ser sabe que o desejo foi dado por Deus e que a realização também dependerá Dele. Dessa forma, não se angustia enquanto não realiza o desejado e alcança a felicidade plena.

Quando o ser ainda possui, mesmo que consiga praticar a reforma, o sofrimento será inevitável, pois o prazer é efêmero e fugaz. Mal o ser termine a reforma logo terá outra intuição para desejar algo a mais e perderá a felicidade com o que já conseguiu. Esse novo desejo é dado por Deus para aqueles que se acham capazes de desejar individualmente, ao invés de ser feliz com o que o Pai lhe dá.

Despossuir uma coisa é amá-la da forma que se encontra. Viver sem posses é amar tudo o que se possui, não egoisticamente, mas dentro da família universal, “como a abelha”.

“Não há propriedade legítima, senão aquela que foi adquirida sem prejuízo para outrem” (O Livro dos Espíritos – pergunta 884)

O nobre caminho

Mundo material e espiritual

“Diremos, pois, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípios as relações do mundo material com os espíritos ou seres do mundo invisível” (O Livro dos Espíritos – Introdução I)

Os ensinamentos dos mestres dividiram o universo em mundos diferenciados. O mundo invisível não é criação do espiritismo, mas advém desde a antiguidade quando os seres acreditavam em deuses que viviam de forma não visível para os encarnados. Quando um católico ora para um santo está se comunicando com um ser do mundo invisível, assim como os evangélicos e islamitas quando oram para Deus. O espiritismo veio apenas apresentar como o ser encarnado deve se relacionar com os desencarnados.

Todas as religiões falaram desse mundo invisível e todas as trataram como um “mundo” isolado do planeta Terra. Em linhas gerais todas colocaram esse “mundo” acima do planeta, no céu. Os próprios espíritas falam nas cidades espirituais e as colocam “sobre” as cidades materiais.

No entanto, Cristo nos ensinou de modo diferente.

“Jesus disse: Se aqueles que vos guiam vos disserem: vê o Reino está no céu, então os pássaros vos precederão. Se vos disserem: ele está no mar, então os peixes vos precederão. Mas o reino está dentro de vós e está fora de vós. Se vos reconhecerdes, então sereis reconhecidos e sabereis que sois filhos do Pai Vivo. Mas se vos não reconhecerdes, então estareis na pobreza, sereis a pobreza” (Evangelho Segundo Tomé – Logia 003)

O mundo invisível não se encontra em outro lugar físico diferente do mundo material, mas sim dentro de cada um. Os “mundos” de existência dos seres não são determinados por um espaço físico, mas pelo estado de espírito (sentimentos) que o ser nutra. O céu é a felicidade universal e o inferno ou umbral é o sofrimento.

Quando o ser vive em um estado de infelicidade, não importa se está habitando o mundo carnal ou não, estará no umbral. Este ser encontra-se no mesmo lugar físico daqueles que, encarnados ou não, estão no céu (felicidade universal). Existe um único espaço físico no universo onde habitam todos os seres.

Este ensinamento é muito importante para a formação da consciência crística que determina a reforma íntima. Enquanto o ser acreditar que só chegará ao reino do céu quando abandonar a massa carnal, ele esperará para colocar em prática os ensinamentos quando isso acontecer. Entendendo a verdade universal sobre os espaços físicos, o ser poderá, então, ser feliz ainda encarnado.

Por isso Cristo ensinou:

“Disse Jesus: levai em consideração o Vivo enquanto estais vivo, senão morrereis e tentareis vê-lo e não o conseguireis” (Evangelho Segundo Tomé – Logia 059)

Achar o Vivo (Jesus Cristo) é viver com os valores que ele viveu, possuir a consciência crística, viver na felicidade universal. O ser que imagina que o reino do céu ou mundo invisível é outro espaço que só será alcançado com o desencarne não fará a reforma íntima durante a encarnação.

O local físico onde o ser tem que alcançar a felicidade é o planeta Terra vivendo dentro da matéria carnal. Depois do desencarne não será alcançada a reforma íntima, pois não haverá merecimento. Somente a transformação em vida (como Cristo falou a Nicodemus) garante a felicidade eterna.

O nobre caminho

Caminho para a felicidade universal

A partir da constatação do sofrimento e da necessidade da transformação ainda encarnado, o Buda traçou um “caminho” que o ser deve percorrer (viver) para alcançar a felicidade universal. Ele chamou de Nobre Caminho Óctuplo.

“Aqui, monges, está a Nobre Verdade do Caminho que conduz ao fim do sofrimento. É o Nobre Caminho Óctuplo de Compreensão Correta, Pensamento Correto, Fala Correta, Ação Correta, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Plena Correta e Concentração Correta” (Samyutta Nikaya V 20).

Antes de analisarmos o caminho em si, precisamos compreender o termo “correto” atribuído a cada uma das etapas do Nobre Caminho Óctuplo.

Vimos anteriormente que a consciência crística é formada por verdades absolutas (Deus e Sua ação) enquanto que a consciência do ser humano é formada pelas verdades relativas (“eu acho”). O termo “correto”, portanto, não se aplica ao “certo” mas no sentido de afirmar que existe um caminho que contempla a verdade absoluta.

Quando o ser humano vive dentro de uma verdade relativa como absoluta, ele sempre se imagina “certo”, pois acredita que possui a verdade das coisas. Afirmar que o ser deve percorrer um caminho “correto”, nesse caso, seria o mesmo que dizer que cada ser humano já se encontra dentro desse caminho, pois todos acreditam que a verdade relativa em que vivem está correta. Sabemos que isso não é realidade.

Existe apenas uma realidade no universo (Deus e Sua ação), mas o ser que não compreende os acontecimentos dessa forma, pelo termo “correto”, teria a visão que deveria persistir na sua realidade e alterar a dos outros de acordo com o seu entendimento para ser feliz. Mesmo que isso acontecesse, o ser não seria feliz, pois acabaria se cansando da monotonia dos acontecimentos.

A felicidade jamais será alcançada pela mudança externa (dos acontecimentos, objetos e pessoas), mas dependerá exclusivamente da alteração dos sentimentos com que o ser recebe os acontecimentos. É preciso alterar a realidade (de relativa para absoluta) para que se alcance a felicidade.

Quando Sidarta nos diz que existe uma “compreensão correta das coisas”, está afirmando que existe também uma “não correta”. Assim, se temos a “fala correta”, temos também a “fala não correta” e, em todos os outros aspectos do Nobre Caminho Óctuplo existe o “correto”, que é composto pela verdade absoluta e o “não correto”, onde é utilizada verdade relativa.

Além disso, precisamos compreender que todos os itens do Nobre Caminho Óctuplo correspondem a ações que o ser executa a cada segundo de sua vida. Sempre que algum acontecimento ocorre, o ser exerce uma atenção e concentração, atingindo, pelo pensamento, uma compreensão das coisas. Baseado nessa compreensão, o ser irá reagir falando e agindo fisicamente. Toda essa ação necessita um trabalho (esforço) do ser, seja na sua vida privada como no seu local de trabalho (meio de vida).

Portanto, o Caminho Óctuplo representa tudo o que o ser pratica a cada segundo no universo (existência), encarnado ou desencarnado. Ele pode exercer essas atividades baseando-se na verdade absoluta ou na relativa. Quando ele exerce as atividades vendo nos acontecimento, objetos e pessoas Deus e Sua ação, percorre o caminho “correto”, quando confere às coisas a origem do acontecimento está vivendo o caminho não “correto”, relativo.

O Nobre Caminho Óctuplo para um ser é viver a sua existência dentro da verdade absoluta do universo: Deus e Sua ação.

O nobre caminho

Compreensão correta

“COMPREENDER – Alcançar com a inteligência” (Mini Dicionário Aurélio – 3a. Edição)

Sempre que alguma percepção é recebida pelo ser, ele a analisa através do processo raciocínio da sua propriedade inteligência. Nada que aconteça escapa a essa análise. O resultado dessa análise será a “compreensão” que o ser terá sobre a percepção.

Nesse processo influirão os conceitos que o ser formou anteriormente. Se esses conceitos forem individualistas (contemplarem a verdade relativa), a compreensão estará dentro da mesma verdade. Assim, a compreensão alcançada pelo ser que viva dentro da realidade relativa será sempre uma nova realidade relativa. Apenas o ser que universalize seus conceitos atingindo a verdade absoluta do universo conseguirá compreender universalmente a percepção.

A verdade absoluta do universo nos ensina que Deus é a Causa Primária de todos as coisas, ou seja, que Ele comanda todas as ações dos seres para que a Justiça Perfeita e o Amor Sublime existam no universo. Essa é a “compreensão correta” que um ser pode ter de qualquer acontecimento.

Aquele que vive na “compreensão não correta” acredita que o ser possa agir por vontade própria, independente de um comando superior. Percorrer o Nobre Caminho Óctuplo começa por conferir a Deus a ação e aos outros seres o papel de intermediário nos desígnios do Pai para a existência universal.

O homem se considera o ser supremo do planeta, imagina que possui o “livre arbítrio” de praticar qualquer ato que queira, mas isso é uma verdade relativa. Se isso fosse verdade absoluta, a justiça e o amor do universo seriam individualistas, ou seja, sempre beneficiaram o próprio ser em detrimento do “querer” dos demais. Apenas Aquele que possui a Inteligência Suprema pode guiar os acontecimentos de forma que a Justiça Perfeita e o Amor Sublime prevaleçam sempre.

O ser humano, que vive na verdade relativa do “eu posso”, acusa os outros que praticam atos onde ele percebe uma causa de sofrimento, porque não compreende a verdade absoluta (ação de Deus). Ao atribuir ao outro a origem dos acontecimentos, o ser foge da verdade absoluta do universo e compreende injustiça e desamor.

O outro ser é uma individualidade que possui verdades diferentes do ser. Quando eles se relacionam (direta ou indiretamente), existe um duelo, muitas vezes inconsciente, para ver quem está com a razão. Na verdade, sempre que um relacionamento entre dois seres que vivem na realidade relativa acontece, cada um tenta defender as suas verdades e as impor ao outro. Quando sua verdade é quebrada (o outro age diferente do que ele queria), o ser afirma que foi injustiçado (não merecia) ou que foi ferido (maldade). Essa é a “compreensão não correta” dos acontecimentos.

Se Deus é a Causa Primária de todas as coisas, tudo que um diz ou faz frente ao outro é comandado por Deus. Cada um age dentro da justa medida que o outro merece (justiça) e precisa (amor). Ninguém consegue provocar uma ação sem que Deus a comande dentro da justa medida que os envolvidos necessitem para a sua felicidade. Essa é a “compreensão correta” das coisas.

Se em algum acontecimento existe um culpado, este é Deus; se existe uma vítima; esta é Deus. Ele é culpado do acontecimento no sentido de ter sido Aquele que o provocou; é vítima, pois quando Sua lei é quebrada todo universo se desequilibra com essa ação.

Jesus nos ensinou que devemos amar a Deus acima de todas as coisas. Essa lei demonstra perfeitamente a “compreensão correta” que o ser deve ter. Não importa o que aconteça, o que possua, o que ouça ou fale, o ser tem que amar a Deus. Quando ele alcança uma “compreensão não correta” (ofensa, mágoa, ferimento), ainda está impondo condições a Deus para ama-Lo e não amando-O acima das coisas.

O resultado de uma análise do processo raciocínio que contemple a verdade absoluta das coisas (“compreensão correta”) será sempre: ação de Deus através de outros seres ou matérias com a intenção de proporcionar ao ser que percebeu o acontecimento o necessário para a sua felicidade. Cada segundo da existência de um ser é projetado minuciosamente pelo Pai para que ele alcance a felicidade universal. Todos os detalhes são avaliados pelo Ser Supremo para que possam proporcionar ao ser em evolução a chance de alcançar a elevação espiritual.

O ser humano, algumas vezes, alcança essa compreensão, mas só quando o acontecimento lhe satisfaz (supre suas verdades relativas). Quando o que ocorre lhe traz prazer, o ser humano afirma que foi Deus quem fez acontecer dessa forma. No entanto, quando a situação não favorece seus conceitos individualistas, o ser acusa Deus de ter cometido uma injustiça ou maldade.

Para que o ser alcance a “compreensão correta” do acontecimento é preciso que ele não tenha nenhuma expectativa sobre os acontecimentos. Enquanto ele quiser, desejar ou possuir verdades relativas dependerá de que elas sejam satisfeitas para alcançar a felicidade. Portanto, o caminho que leva a uma “compreensão correta” é eliminar o querer, desejar e possuir.

Além da universalização de seus conceitos, o ser para alcançar a “compreensão correta” dos acontecimentos precisa viver dentro das Qualidades da Vida Espiritual, compreendendo tudo no universo como causado por Deus. Esta Causa Primária deve se manifestar inclusive nos outros seres e não apenas nas coisas materiais.

“525. Os espíritos tendo uma ação sobre a matéria podem provocar certos efeitos para que se cumpra um acontecimento? Por exemplo, um homem deve perecer; ele sobe em uma escada, a escada se quebra e o homem se mata; são os espíritos que fazem a escada quebrar para cumprir o destino desse homem? É bem verdade que os espíritos têm uma ação sobre a matéria, mas para o cumprimento das leis da Natureza e não para as derrogar, fazendo surgir no momento oportuno um acontecimento inesperado e contrário a essas leis. No exemplo que citas, a escada se rompe porque ela esta carcomida ou não bastante forte para suportar o peso do homem. Se estava no destino desse homem perecer dessa maneira, eles lhe inspirarão o pensamento de subir por essa escada que deverá se romper sob o seu peso, e sua morte terá lugar por um efeito natural sem que seja necessário fazer um milagre para isso”. (O Livro dos Espíritos)

Na explicação pedida por Kardec aos espíritos fica bem clara a ação de Deus como Causa Primária das Coisas. Para que o livro da vida de um ser seja cumprido, Deus não precisa operar milagres, ou seja, fazer o impossível acontecer, mas direciona o pensamento do ser para que ele aja da forma que seu destino seja cumprido.

É Deus que causa a deterioração da escada, mas dentro de seu tempo, sua época precisa. O Pai não precisa deteriorar uma escada específica próxima onde o ser esteja para que o seu destino se cumpra, pois Ele comanda o próprio pensamento que leva o homem a subir pela escada deteriorada. Da mesma forma, Deus não precisa ficar alterando o lugar onde esteja a escada deteriorada na esperança que o ser passe por aquele lugar para que possa intui-lo a subir. Deus comanda o ser para o lugar onde Ele sabe que existe uma escada nessas condições e lhe dá a intuição para que suba.

“527. Tomemos outro exemplo em que o estado normal da matéria não seja relevante; um homem deve perecer pelo raio; ele se refugia sob uma árvore, o raio brilha e ele é morto. Os espíritos podem provocar o raio e dirigi-lo sobre ele? É ainda a mesma coisa. O raio explodiu sobre essa árvore e nesse momento, porque estava nas leis da Natureza que fosse assim. Não foi dirigido propositalmente sobre essa árvore porque o homem estava debaixo, mas foi inspirado ao homem o pensamento de se refugiar sob uma árvore, sobre a qual o raio devia desabar. A árvore não seria menos atingida por estar ou não estar o homem debaixo dela”. (O Livro dos Espíritos)

Quando se fala em “lei da Natureza” não se deve entender como algo independente de Deus, mas também fruto de Sua ação primeira.

“Freqüentemente dizemos que Deus criou este mundo material e isto significa que Deus existia antes do mundo. Uma vez que o Senhor existia antes desta manifestação material, Ele não está sujeito a esta criação. Se Ele ficasse sujeito às leis do mundo material, como poderia tê-lo criado?” (Bhaktivedanta Swami Prabhupãda – Elevação: a consciência de Krishna).

A “compreensão correta” de todos os acontecimentos do universo, sejam provocados por leis materiais ou por sentimentos do ser, é que eles só existiram porque Deus comandou a execução desses acontecimentos independente da vontade individual do ser, objetivando a manutenção da Justiça Suprema e do Amor Sublime. A reforma íntima que o ser vem fazer na carne é alterar a sua compreensão sobre os acontecimentos, amando a Deus (mantendo a felicidade) acima de todas as coisas.

O nobre caminho

Atenção plena correta

“ATENÇÃO – Aplicação cuidadosa da mente a alguma coisa” (Mini Dicionário Aurélio – 3a Edição)

Toda compreensão começa com uma percepção que é recebida quando o ser está atento (consciente) do objeto da percepção. Quando o ser está desatento ao acontecimento presente, não conseguirá alcançar a compreensão correta do acontecimento.

Alcançar a “atenção plena correta” é estar vivendo o agora, prestando atenção ao que está se passando aqui e não em outro lugar ou em outra época. A “atenção plena não correta” é estar vivendo o aqui com o pensamento em acontecimentos passados ou futuros, ou ainda em outros assuntos.

Dificilmente o ser humano vive o aqui e agora. Sempre seu pensamento foge para os conceitos gerados em acontecimentos anteriores ou projeta resultados futuros dos acontecimentos atuais, criando novos conceitos individualistas. Essa forma de proceder facilita a compreensão não correta do acontecimento, ou seja, a ação dos seus conceitos individualistas.

Quando o pensamento do ser está preso em acontecimentos anteriores a compreensão do agora está sendo influenciada pelos conceitos individualizados formados àquela época. Quando ele se prende em conjecturas dos reflexos futuros do acontecimento, sempre utiliza o seu “achar” para projetar esses reflexos e por isso foge à compreensão correta. Além disso, ao se projetar para o futuro, o ser estará criando agora um conceito individualista que será utilizado naquele momento. Se o conceito não for satisfeito quando o momento chegar, o ser não conseguirá alcançar a felicidade.

“Agora está claro e evidente para mim que o futuro e o passado não existem e que não é exato falar de três tempos – passado, presente e futuro. Seria talvez mais justo dizer que os tempos são três, isto é, o presente dos fatos passados, o presente dos fatos presentes, o presente dos fatos futuros. E estes três tempos estão na mente e não os vejo em outro lugar. O presente do passado é a memória. O presente do presente é a visão. O presente do futuro é a espera. Se me é permitido falar assim, direi que vejo e admito três tempos e três tempos existem. Diga-se mesmo que há três tempos: passado, presente e futuro, conforme a expressão abusiva em uso. Admito que se diga assim. Não me importo, não me oponho nem critico tal uso, contanto que se entenda: o futuro não existe agora, nem o passado. Raramente se fala com exatidão. O mais das vezes falamos impropriamente, mas entende-se o que queremos dizer” (Confissões – Livro XI – Cap, 21 – Santo Agostinho).

Nota: No texto de Santo Agostinho o termo “mente” deve ser compreendido como o ser que habita a matéria carnal.

Se Deus é a Causa Primária de todas as coisas, Ele só pode estar presente no agora, pois já agiu no passado e ainda não causou o futuro. Quem vive do passado ou no futuro não encontra Deus e não alcança a compreensão correta dos acontecimentos. Para que a compreensão correta aconteça o ser deve estar presente no aqui e agora compreendendo que tudo é ação de Deus para a sua felicidade.

“Imaginamos injustamente que a ação dos espíritos não deve se manifestar senão por fenômenos extraordinários. Quiséramos que nos viessem ajudar por meio de milagres e nós os representamos sempre armados de uma varinha mágica. Não é assim; eis porque sua intervenção nos parece oculta e o que se faz com seu concurso nos parece muito natural. Assim, por exemplo, eles provocarão a reunião de duas pessoas que parecerão se reencontrar por acaso; eles inspirarão o pensamento de passar por tal lugar; eles chamarão sua atenção sobre tal ponto, se isso deve causar o resultado que querem obter; de tal sorte que o homem, não crendo seguir senão seu próprio impulso, conserva o seu livre arbítrio” (Comentários de Kardec à pergunta 525 – O Livro dos Espíritos)

Um dos ensinamentos mais fortes que compõem a consciência crística e que estamos falando a todo instante nesse livro é que Deus é a Causa Primária de todas as coisas. Todos os atos do ser possuem como causa primária os desígnios do Pai para que possam acontecer. Assim sendo, toda atenção do ser será dirigida para determinado objeto, assunto ou pessoa, somente quando Deus comande e essa atenção nunca será alcançada por livre vontade do ser. O ser só percebe o que Deus quer que seja percebido.

Quando falamos em atenção plena correta não se fala em prestar atenção a um determinado objeto, pois o que cativará a atenção será determinado por Deus, mesmo que o ser não consiga “ver” este direcionamento. A atenção que estamos debatendo não é às coisas externas, mas a compreensão que está sendo alcançada pelo pensamento enquanto se recebe a percepção.

A atenção deve ser à compreensão que o ser alcança quando Deus o coloca frente ao outro. “Ver” roupa amassada ou passada, limpa ou suja, se o ser é bonito ou feio, gordo ou magro, se está ali para atacar ou elogiar é ter “atenção plena incorreta”. Todos esses adjetivos são frutos de uma compreensão não correta que utiliza seus conceitos individualistas.

Com a “atenção plena correta” na sua compreensão o ser é capaz de alterá-la, atingindo a verdade absoluta: Deus e Sua ação. Não importa qual seja a forma do corpo ou das vestimentas nem do ato que esteja sendo praticando, a compreensão correta será sempre um filho de Deus praticando atos sob o comando do Pai para auxiliar o ser a alcançar a felicidade universal. Essa é a compreensão correta de qualquer relacionamento entre dois seres, que só será alcançada através da “atenção plena correta”.

A atenção plena correta ao resultado do raciocínio permite ao ser altera-lo, levando-o a alcançar a compreensão correta que possibilita alcançar a felicidade universal. A atenção plena incorreta deixa a inteligência do ser livre para agir com os seus conceitos individualistas durante o processo raciocínio. A atenção plena correta leva à aplicação cuidadosa do processo raciocínio no sentido de aproveitar todas as situações projetadas por Deus para a felicidade do ser. Enquanto o ser permanecer atento não corretamente não aproveitará essas situações e, através de seus conceitos individualistas, gerará situações onde alcançará o sofrimento.

O nobre caminho

Concentração correta

“CONCENTRAR – Fazer convergir para um centro ou para um mesmo ponto” (Mini Dicionário Aurélio – 3a Edição).

Quando um ser utiliza a “atenção plena não correta” chega a uma “compreensão não correta”. Porém, isto só ocorre porque houve uma “concentração não correta”, ou seja, todo o processo raciocínio da sua propriedade inteligência convergiram para as suas verdades relativas, ou seja, seus conceitos individualizados.

Quando um ser recebe uma percepção ele foge da realidade absoluta e vive dentro de conceitos que foram formados anteriormente. Se essa percepção for um outro ser, ele não se concentra no acontecimento atual, mas em todo “histórico” sobre atitudes anteriores desse ser, códigos de ética ou moral, ou seja, em verdades relativas arquivadas na memória.

“Não julguem os outros para não serem julgados por Deus. Porque Deus os julgará do mesmo modo que vocês julgarem os outros e usará com vocês a mesma regra que usarem com os outros. Porque é que você olha o cisco que está no olho do seu irmão e não vê o pedaço de madeira que está no seu próprio olho? Como pode dizer ao seu irmão: deixe-me tirar esse cisco do seu olho, quando você tem um pedaço de madeira no seu próprio olho? Hipócrita! Tire primeiro o pedaço de madeira que está no seu olho e então poderá ver bem para tirar o cisco que está no olho do seu irmão” (Mateus – 7,1-5).

Os conceitos individualistas que o ser possui é o pedaço de madeira que ele tem em seu olho. Esses conceitos impedem o ser de alcançar a compreensão correta do acontecimento. Para que isso ocorra, o ser precisa ter a “concentração correta”, ou seja, concentre-se apenas em aplicar a verdade absoluta aos acontecimentos: Deus e Sua ação.

Ninguém consegue praticar nenhuma ação a não ser que Deus a comande. Dessa forma, quando o ser aplica os seus conceitos individualistas aos acontecimentos não alcança a verdade absoluta do acontecimento: uma ação de Deus para quem precisa e merece.

Todos os acontecimentos que compõem uma existência de um ser são programados para que ele promova a sua reforma íntima e, com isso, alcance a sua elevação espiritual: essa é a “compreensão correta” de todos os acontecimentos. O ser que não se concentra nessa verdade absoluta fica preso na “atenção plena incorreta” e alcança uma “compreensão incorreta” do acontecimento.

Portanto, praticar a “concentração correta” é utilizar a sua “atenção plena correta” para compreender o ensinamento que Deus está mandando através de um instrumento. Praticar a “concentração incorreta” é utilizar a sua “atenção plena” para julgar o acontecimento dentro dos seus conceitos individualizados.

O nobre caminho

Pensamento correto

Através da concentração e da atenção plena o ser chega a uma compreensão. Esse processo (percepção) é realizado pelo pensamento. Se o ser passa pelos acontecimentos de sua existência com uma concentração não correta e atenção plena não correta, terá um “pensamento não correto” que levará a uma compreensão não correta do acontecimento.

Como já vimos, o pensamento é dado pela espiritualidade seguindo as ordens do Pai para que os acontecimentos que resultem desse pensamento sejam justos e amorosos. A ação de Deus visa transformar os acontecimentos em oportunidades de evolução para o próprio ser. Para que a oportunidade seja aproveitada é preciso que a compreensão correta seja alcançada: Deus e Sua ação justa e amorosa.

O “pensamento correto” é aquele que espelha essa verdade absoluta. Para isso o ser precisa ter a concentração correta e a atenção plena correta. Sem esses dois fatores jamais conseguirá ter um pensamento correto.

A concentração e atenção do ser em seus conceitos (valores individuais), levará Deus a gerar pensamentos que espelhem esses valores. Se um ser concentra-se em seus conceitos e presta atenção ao próximo para julgar se seus conceitos estão sendo contemplados, Deus lhe dará o pensamento dentro dessa linha de ação. O ser chegará a um resultado do julgamento e, com isso, aplicará uma pena ao objeto de sua atenção: crítica, afronta, briga.

O pensamento justificará a ação, ou seja, servirá de base consciente para a ação. No entanto, a origem desse pensamento não foi o ato praticado pelo outro, mas a concentração do ser nos seus próprios conceitos e a atenção no ato do próximo.

O pensamento correto só acontecerá quando o ser concentrar-se na utilização de seus conceitos. Jamais o ser conseguirá enxergar o ensinamento que Deus está mandando enquanto não compreender que ele mesmo foi o causador da ação do próximo por compreensões não corretas obtidas anteriormente.

Se alguém consegue praticar atos que feriam o conceito de um ser é porque, anteriormente, esse ser praticou atos que feriram o conceito do próximo. Assim, quando agora sofre a reação de uma ação anterior sua, o ser que tem a concentração correta não reage negativamente, mas louva a Deus por lhe dar a chance de reparar uma compreensão não correta anteriormente formada.

Enquanto o ser tiver uma atenção plena no ato do próximo e uma concentração em seus conceitos individualizados, não verá as compreensões não corretas que já teve anteriormente e, por isso, não alcançará o pensamento de que o ato de agora é ação de Deus para novamente equilibrar a balança universal. Ficará preso no pensamento incorreto, aquele que culpa o outro de praticar uma atitude injusta ou maldosa contra ele.

O pensamento de um ser não pode ser livre, independente, pois todo o universo é interdependente. Se um ser pudesse pensar livremente, obedecendo apenas aos seus desejos (conceitos individuais) o universo seria individualizado e aconteceria a injustiça, pois não existem dois seres que tenham pensamentos perfeitamente iguais. Os pensamentos de todos os seres interagem com o pensamento dos outros e há a necessidade de Alguém para dirigi-los para que a neutralidade do universo mantenha-se no fiel da balança.

Apenas Deus possui a compreensão universal capaz de administrar toda essa interação. Dessa forma, se o pensamento não refletir essa verdade absoluta, jamais levará o ser a evolução espiritual.

Os elementos que compõem o Nobre Caminho Óctuplo também se interagem. Para que seja justo Deus só poderá dar um ser um pensamento que reflita a concentração e atenção que esse teve durante o acontecimento. Esse pensamento será construído pelo Pai com elementos que provoquem uma compreensão que não fira a Justiça Suprema.

Assim, o pensamento justificará para o ser o alvo e intensidade da ação que acontecerá. O ser não pode pensar o que quiser de uma pessoa, pois ao executar o processo raciocínio, o sentimento utilizado pelo ser será enviado contra o alvo do pensamento. Se uma pessoa tem pensamentos de raiva sobre outro ser, esse sentimento será enviado contra aquela.

Se o pensamento fosse livre, o ser poderia sentir raiva de qualquer um e, com isso, influenciar negativamente na vida de quem não merecia aquele sentimento. É por isso que Deus precisa dar o destinatário do pensamento. Quando o ser quer sentir raiva, Deus lhe dá o pensamento para que direcione essa raiva contra quem precisa ou merece receber esse determinado sentimento. Dessa forma, a Justiça Perfeita e o Amor Sublime continuam regendo o universo e a balança universal permanece estável.

Da mesma forma, a intensidade do ato do ser será regido pelo pensamento que Deus dará. O Pai cria as “histórias” que compõem o pensamento dando a intensidade da reação que o ser terá. Assim, se quem vai receber o ato do ser merecer apenas um grito, Deus comandará o pensamento para que esse ato ocorra. Mas, se quem está recebendo mereça mais (agressão verbal ou física), será Deus quem comandará o ser para que pratique o ato.

Todo pensamento é dirigido por Deus, utilizando quem merece praticar o ato para faze-lo para quem merece receber. Todo “achar” que o ser alcança no pensamento que justifique seu ato, são histórias que Deus remete para o consciente do ser encarnado de tal forma que, imaginando manter seu livre arbítrio, o ser faz o que Deus quer.

No entanto, Deus não pode criar os sentimentos dentro do ser. Como já vimos, o ser possui o livre arbítrio de escolher o sentimento que quiser para reagir aos acontecimentos. Como Buda ensinou, todos os sentimentos moram “dentro” do espírito como sementes. Quando uma percepção chega ao ser ele rega uma dessas sementes para reagir à percepção.

Portanto o “pensamento correto” não espelha fatos ou acontecimentos, pois tudo isso é dado por Deus, mas deve refletir a ação do Pai. Para que um pensamento seja correto, ele tem que espelhar o seguinte: o que estou achando é irreal.Tudo isso me é dado por Deus para que eu não volte a ter os mesmos sentimentos que me levaram a praticar esses atos contra o próximo.

Pensar que uma pessoa lhe agride, que alguém lhe fere, que alguém lhe faz o bem, é irreal: são verdades relativas que o ser cria a partir dos seus conceitos individualizados. Pensar que o que está acontecendo é realizado por Deus para que sirva de lição para a evolução, é verdade absoluta. Esse é o pensamento correto que leva a evolução espiritual. Esse pensamento leva à compreensão correta que faz o ser escolher sempre sentimentos positivos (amor) para viver.

O nobre caminho

Fala correta

Todo o processo até aqui analisado é intrínseco do ser. A concentração correta, a atenção correta, o pensamento correto e a compreensão correta são processo que o ser não exterioriza. No entanto, são esses processos que comandaram a exteriorização que o ser fará para viver. Esta exteriorização pode se dar de duas formas: através da fala ou da prática de atos físicos. Portanto, a fala e o ato físico dependem de todo o processo anteriormente analisado.

Ninguém fala o que quer, mas verbaliza o “recado” que Deus quer enviar para a outra pessoa. Tudo o que um ser ouve lhe é direcionado por Deus como auxílio para a sua evolução.

Quando alguém verbaliza conceitos que firam o do ser, é Deus avisando que esse possui aqueles conceitos e que precisa eliminá-los para alcançar a felicidade. Toda fala é “escrita” por Deus e não pelo outro ser, portanto não existe erro no que ele está falando.

Quando uma pessoa aponta, por exemplo, um defeito no ser (“você é gordo”) não se trata de uma crítica que aquela pessoa faz de livre arbítrio, mas Deus conversando com o Seu filho. Deus está dizendo: “você se sente gordo e enquanto se sentir dessa forma não será feliz”. Tudo o que o ser ouve deve servir para reflexão interna sobre as compreensões que ele tem.

Mesmo que não admita publicamente, dentro de si o ser tem o conceito de que é gordo. Mas, como vimos, não existe gordo ou magro, mas um corpo projetado pelo próprio ser como o melhor instrumento de sua evolução. Quando o ser cria o conceito de que seu volume corporal não é bom, Deus coloca alguém para lhe dizer isso, com a intenção de que o outro acabe com esse sentimento.

O ser que ouve, se estiver com a atenção plena correta e com a concentração correta, ouvirá essas palavras e conseguirá desenvolver o raciocínio correto (“é Deus falando comigo”). Essa forma de proceder lhe levará a compreensão correta e, com isso, buscará acabar com aquele conceito. Se o ser não estiver trilhando o Nobre Caminho Óctuplo, sentir-se-á acusado e reagirá negativamente contra o outro.

Dentro da compreensão que já alcançamos da existência do ser nesse estudo do Nobre Caminho Óctuplo, podemos afirmar que toda fala é “escrita” por Deus. Se Deus é a Inteligência Suprema, podemos afirmar que não existe “fala incorreta”, pois tudo é minuciosamente planejado pelo Pai. O que seria, então, dentro do Nobre Caminho Óctuplo a “fala correta”?

A fala correta não se traduz em palavras corretas, mas em sentimentos corretos. Tudo o que tiver que ser dito Deus comandará para que seja dito, mas o sentimento com que as palavras serão proferidas depende exclusivamente do ser. As palavras que sejam proferidas com sentimentos positivos constituirão uma fala correta, mas todas que surgirem de sentimentos negativos serão falas incorretas.

“O que entra pela boca vai para o estômago e depois sai do corpo. Mas o que sai da boca vem do coração. É isso que faz alguém ficar impuro. Porque é do coração que vêm os maus pensamentos que levam ao crime, ao adultério e às outras coisas imorais. São os maus pensamentos que levam também a pessoa a roubar, mentir e caluniar. São essas coisas que fazem alguém ficar impuro, mas comer sem lavar as mãos não torna ninguém impuro” (Mateus – 15,17-20)

Um ser pode falar para outro que ele está gordo com jocosidade, soberba, raiva, poder ou outros sentimentos negativos, mas pode também falar naturalmente, sem acusações. Essa última forma de exprimir-se é dada por Deus para aqueles que têm compaixão como sentimento básico de vida. As palavras, em todos os casos poderão ser as mesmas, mas o sentido da comunicação será diferente.

A fala correta sempre exprime uma compaixão. Esse sentimento é mal compreendido pelos seres humanos. Ter compaixão de uma pessoa não se traduz em sofrer junto com o próximo, mas ter a consciência do sofrimento que está sentindo sem sofrer com ele. O ser que utiliza compaixão não sofre porque os outros estão nutrindo sofrimentos, mas mantém a sua felicidade para poder transmiti-la ao próximo.

Assim, quando Deus comanda um ser que possua a compaixão para falar com o próximo, não está atacando-o, ferindo-o, mas tendo a consciência do sofrimento que ele passa por causa dos conceitos individualistas que possui. É o Amor Sublime em ação.

Comentamos nessa obra que os seres escolhem os sentimentos para reagir aos acontecimentos da vida. Esse processo existe no chamado inconsciente do ser encarnado. O ser humano não tem consciência da escolha dos sentimentos que faz antes que o pensamento seja dado por Deus. Acredita que esse sentimento surja depois que o raciocínio foi executado, mas isso não é verdade. A escolha sentimental é que baseia o pensamento e não ao contrário.

Dessa forma, fica muito difícil para o ser encarnado descobrir que sentimentos estão sendo utilizados. Uma pessoa diz que “briga” com o outro para emagrecer porque gosta dele, quer o seu bem. Pensa que toma essa atitude por sentimentos positivos, mas isso não é realidade.

Quem quer impor ao próximo determinadas posturas nunca quer o bem da pessoa, mas sim impor o seu conceito a ela. Ele está utilizando o sentimento do poder, da crítica, de querer ser a causa primária das coisas daquele ser. Na verdade, quem age dessa forma o faz para se contentar, ficar feliz, alcançar a fama e receber elogios: é um prisioneiro das Quatro Âncoras. Amar uma pessoa é dar a ela a liberdade de ser quem quiser, amá-la da forma que ela é e não impor realidades para que o amor exista.

Portanto, a fala correta (verbalização com sentimentos positivos) não é uma conquista fácil para o ser humano, mas virá da constante utilização da atenção e concentração correta, alcançando um pensamento correto que leve a uma compreensão correta da existência espiritual. Enquanto o ser não atingir a plenitude das outras etapas ainda pronunciará palavras incorretas.

Esse é um mundo de proas e não um local onde a perfeição deve ser alcançada. Todo o processo de evolução do ser é dado em “perfeições” que se tornarão mais perfeitas a cada dia. Assim, a própria fala do ser tem que passar pelo processo de atenção, concentração, pensamento e compreensão corretos para que não gere desânimos na caminhada do ser.

Se um ser ainda não consegue conscientizar o sentimento antes da fala, pode conscientizá-lo posteriormente. Deus dará a fala e o ser poderá transformá-la em correta não se culpando com o que fala, mesmo que utilize nessa ação sentimentos negativos.

Ninguém fala o que o quer, mas as palavras são formadas por Deus de acordo com o merecimento e necessidade do próximo. Assim, não importa o que o ser diga nem o sentimento que utilizou, tudo o que sair de sua boca será justo e amoroso para quem está ouvindo, mesmo que ele não compreenda dessa forma.

Aquele que se culpa por palavras ou sentimentos que teve, permanecerá no círculo incorreto de existência. Ao culpar-se (sentimento negativo) afundará ainda mais em sofrimentos que influenciarão no próximo comando de Deus. Se, ao invés de culpar-se, o ser atingir a compreensão correta (“fui instrumento de Deus”) estará positivando o negativo que utilizou e, no próximo instante, merecerá uma atitude diferente.

 Portanto, a fala correta é proferir palavras sem culpas, atingindo a compreensão correta de que foi um instrumento de Deus para o próximo.

O nobre caminho

Ação correta

Esse tópico fica mais fácil de ser compreendido quando entendemos perfeitamente a fala correta, pois todos os argumentos explanados no outro ensinamento servem para esse. Na verdade a fala é também uma ação, apenas não cria movimentos com os membros do corpo físico.

Quando falamos em ação, estamos falando em movimentos de braços e pernas, ação física. Esse movimento é dado por Deus através do pensamento e depende do sentimento que o ser utilize e do sentimento de quem vai receber a ação. Ninguém jamais receberá uma ação que não mereça.

A “ação correta” para os seres humanos é aquela que é baseada na máxima de Jesus: fora da caridade não há salvação. Portanto, os seres humanos entendem a ação caridosa como a ação correta para a sua existência. No entanto, o que é caridade?

Para os seres humanos a ação caridosa é aquela que leva o ser a trazer felicidade para a existência de outro ser. Imaginam os seres que suprindo as necessidades materiais e espirituais do outro ser trarão felicidade para esse. Esse pensamento é não correto, pois nem sempre suprir as necessidades de alguém é proporcionar felicidade. Vejamos um exemplo bem comum entre os seres encarnados: dar de comer a quem tem fome.

Para os seres, a ação caridosa que pode se fazer a quem está passando fome é dar um prato de comida que elimine a sua fome. Essa visão leva o ser que tem essa compreensão a sentir-se obrigado a realizar esse ato para ser feliz. No entanto, se aquele que estiver passando fome não merecer nem precisar do prato de comida, jamais Deus deixará ele receber o alimento.

A fome, como todas as situações da vida, foi pedida pelo ser antes de encarnar no seu livro da vida. Ele agiu dessa forma porque compreendeu que essa seria a situação perfeita para que ele pudesse alcançar a felicidade universal. Quando na carne e passa pela prova, ele escolhe sentimentos diferentes (raiva, revolta) para passar pela situação e aí sofre.

Dar um prato de comida a esse ser seria atrapalhar a sua prova. É por isso que Deus não permite que ele receba a comida, ou seja, que nenhum outro ser pratique o ato de alimenta-lo. Essa não alimentação é um ato caridoso, pois visa manter a situação necessária para que o ser seja feliz universalmente. Se ele recebesse alimentação alcançaria o prazer, a satisfação material, mas perderia a sua chance nessa encarnação.

É por isso que Deus comanda os atos de todos os seres: para que a Justiça e o Amor prevaleçam. A ação caridosa (correta) é executar ou deixar de executar os atos que Deus comanda sem sofrimento. Enquanto o ser não atingir a compreensão correta (“sou um instrumento de Deus”) ainda sofrerá por não poder executar o que ele quer, o que seus conceitos individualizados ditam.

Existe um conto budista que afirma que dois monges foram dormir em um casebre muito pobre, onde viva uma família grande em condições de subnutrição. O pai, conversando com o monge mais velho afirmou que só se conseguiam manter vivos graças a uma vaca magérrima que ainda lhes dava o leite para tomarem.

No dia seguinte, antes do raiar do sol, o monge mais velho ordenou ao mais novo que pegasse a vaca e a atirasse no abismo, levando o animal a perecer. Depois disso feito foram embora. O monge mais novo achou aquilo uma injustiça muito grande e passou a viver com a culpa de ter acabado com a única fonte de sustento daquela família paupérrima.

Passados muitos anos, o monge mais novo já era um velho e, passando pelos arredores do casebre onde havia matado o animal da família, resolveu visitá-los para tentar se explicar e reparar o seu “erro”. Ao chegar no lugar não encontrou mais o casebre, mas um palacete cercado de muros e com muita movimentação. O monge imaginou que a família, não tendo mais do que se alimentar, tivesse abandonado as terras ou vendido-as.

Chegando ao portão encontrou um empregado pe perguntou pela família que morava ali em um casebre pobre. O empregado disse que a família era a mesma, mas que agora possuíam muitas riquezas. Entrando na casa encontrou o pai da família e soube, então, o que aconteceu depois da partida dos monges.

Como não tinham mais o leite da vaca, o pai da família teve que procurar outro meio de sustento. Assim, começou a fazer uma plantação e descobriu que o solo era fértil e produzia alimento suficiente para o sustento da família e ainda sobrava para comercializar. Safra após safra, o homem foi aumentando sua produção até atingir o ponto que estava hoje.

Tudo isso só aconteceu porque o monge matou a vaca. A ação que aparentemente era não correta (não caridosa), transformou-se em fonte de alegria para os habitantes do casebre. Mas, tudo isso só aconteceu porque o monge seguiu o pensamento que Deus lhe deu pela compaixão que possuía.

Da mesma forma que a palavra, a ação física depende do sentimento que o ser possua, mas só será praticado contra quem precisa ou mereça. Se o ser que está praticando a ação não consegue definir conscientemente qual o sentimento que está utilizando, pelo menos não se culpe com os atos que pratica, pois todos são ações corretas guiadas por Deus para auxiliar o próximo a atingir a felicidade universal (ação caridosa).

O nobre caminho

Meio de vida correto

Como meio de vida compreendemos as atividades profissionais de um ser, as suas ações no sentido de promover o sustento material para a sua existência. Existe um meio de vida correto e outro incorreto, mas isso nada tem a ver com a profissão ou o ato em si, mas com que finalidade o ser executa os seus serviços profissionais.

Para os budistas, o “meio de vida incorreto” é aquele que promove condições que possam fazer o ser escolher sentimentos de infelicidade. Os budistas afirmam que não se deve alimentar de carne, por isso, o meio de vida açougueiro seria um meio de vida incorreto, pois facilitaria às pessoas a comerem carne. Segundo os ensinamentos dessa religião, praticar um “meio de vida correto” é encontrar um meio de vida que não transgrida aos ideais de amor e compaixão.

Para compreendermos os ideais de amor e compaixão, temos que voltar à compreensão da ação caridosa: sentir-se instrumento do Pai proporcionando a quem precisa e merece o que Deus determina. Fora essa compreensão, o ser estará querendo ditar o que é amor e compaixão para com o próximo.

No caso do açougueiro ele existe porque há seres encarnados que precisam comer carne e, por isso, a sua ação de vender esse alimento é um ato de amor e compaixão. O açougueiro que vende carne com essa compreensão pratica um meio de vida correto, mas o que vende carne para auferir lucros, esse pratica um meio de vida não correto.

A perfeição do meio de vida não se dá pelo que se faz, mas sim com que intenção se pratica: servir a Deus ou auferir lucros pessoais. Qualquer que seja a atividade profissional, desde as mais simples até as que exigem mais conhecimento, passando inclusive por aqueles que não recebem dinheiro pelas suas atividades profissionais, sempre que a intenção ao praticar o ato for a de lucrar estará praticando um meio de vida não correto.

Todas as atividades profissionais de um ser devem ser executadas com a compreensão que elas são instrumentos de Deus para proporcionar as condições necessárias ao próximo para alcançar a felicidade universal. O pedreiro não constrói casas, mas serve de instrumento para Deus para criar habitações que o Pai designará para quem precisa ou merece. O advogado não defende um cliente, mas serve de instrumento para Deus dar a justiça que o seu cliente merece.

O médico não cura, mas serve de instrumento para que Deus cure. O padre não salva ou converte, mas serve de instrumento de Deus para a salvação. O médium não faz desobsessão, mas serve de instrumento a Deus para que Ele retire o obsessor. Não importa qual a atividade física que o ser pratique, se não houver a compreensão de que o que faz é apenas um instrumento de Deus para levar a chance do próximo ser feliz, haverá um meio de vida não correto.

Não existe meio de vida não correto quanto a atividade que o ser exerça, pois todas as atividades foram criadas por Deus para que a vida material sirva como oportunidades para o ser alcance a felicidade universal. Dizer que um açougueiro possui um meio de vida não correto é dizer que Deus, que lhe deu essa profissão, foi incorreto. Quem afirma dessa forma utiliza um conceito individualista que afirma que comer carne é errado.

Tudo que acontece é gerado por uma Inteligência Suprema e por isso não pode haver nada errado, mas tudo tem que ser Perfeito. Para que os acontecimentos ocorram são necessários os instrumentos adequados. Quem come carne é porque recebe de Deus o comando para essa ação. Para que ele possa se nutrir desse alimento é necessário que haja quem mate e quem comercialize o animal. Esses são instrumentos dos desígnios de Deus: que o ser se alimente de carne.

Aqueles que acreditam que existam meios de vidas não corretos dão asas aos seus conceitos e julgam as ações dos outros. O ser que comercializa a carne não faz isso porque quer, mas foi direcionado por Deus, que se baseou no livro da vida, que é o planejamento das oportunidades para que o ser seja feliz. Apontar qualquer ação para subsistência como não correta é acusar o próprio Deus.

Um dos maiores individualismos que o ser possui é a busca do seu lucro individual. Tudo que ele faz busca sempre ganhar e se satisfazer. Dessa forma, muitos são os seres que encarnam com a proposta de não buscar essa lucratividade individual, mas que quando chegam nessa densidade de matéria, acabam não conseguindo superar a prova que pediram. Neste momento, é preciso que Deus lhes mande o recado para que eles parem de buscar o individual e pensem em universalizar os lucros.

Para esses seres que não conseguem abrir mão da posse material, Deus tem que agir lhe mostrando que não são senhores do destino de seus bens. Assim, o Pai utiliza outros seres que alteram o destino pré-fixado pelo ser para o bem, com a intenção que o ser aprenda que não pode possuir os bens. Muitas vezes essa alteração do destino se faz com a perda do bem através do roubo. Deus comanda um ser para que ele roube o bem daquele que está possuindo-o, ao invés de utilizá-lo para a felicidade universal.

  Sendo isso uma verdade universal, podemos afirmar que aquele que tem como meio de vida ser um assaltante também possui um meio de vida correto, pois suas ações são executadas como um caminho para que o ser alcance a felicidade universal. Ao ficar sem a posse material do objeto, o ser pode escolher ver no ladrão um instrumento de Deus lhe mostrando que ele estava possuindo, ou sofrer porque “perdeu” o objeto. Todos os acontecimentos são provas para o ser.

Portanto, mesmo as profissões taxadas de maus, erradas, recebem essa denominação como preconceito, ou conceito individualizado. Todos são instrumentos de Deus para realizar as provas que o ser precisa passar para alcançar a felicidade universal. Por isso Jesus teve em seu círculo mais íntimo uma prostitua e um cobrador de impostos, meios de vida considerados não corretos ao seu tempo.

O próprio budismo que fala em profissões não corretas conta que um monge que morava na frente de uma prostituta acusou-a da profissão que tinha, dizendo que era contrário aos ditames de Deus. Essa, que não sabia desse detalhe, sofreu bastante e, orando ao Pai, pediu perdão e prometeu nunca mais voltar a se prostituir.

No entanto, não conseguindo outro meio de subsistência teve que retornar à prostituição, mas cada vez que terminava um trabalho penitenciava-se orando ao Pai. O monge, vendo que a mulher havia voltado às suas atividades anteriores, visitou-a novamente. Depois das acusações, o monge propôs uma penalidade para a mulher. A cada cliente que ela recebesse o monge colocaria uma pedra na sua porta, para que ela sentisse o peso dos seus atos.

Conta a lenda que um dia os dois, monge e prostituta, desencarnaram no mesmo minuto. Amparado por um anjo o monge descia em direção ao plano espiritual inferior. Na descida passou por outro anjo que amparava a prostituta, só que esse subia em direção ao céu. Revoltado o monge perguntou ao anjo como isso podia acontecer. O amigo espiritual respondeu que ele tinha que descer porque o seu coração estava pesado das pedras que havia colocado na porta da prostituta.

Essa história nos narra perfeitamente a compreensão perfeita que se deve ter sobre o meio de vida: instrumentos de Deus. O importante não é o que cada um faz, mas qual sentimento se coloca em cada ato. Existem ladrões porque existem seres que possuem cobiça, mas eles só conseguem agir contra quem quer auferir lucros individuais com os instrumentos que Deus coloca para a sua elevação.

No dia em que ninguém mais merecer ser roubado essa profissão será extinta por determinação de Deus. Para que isso aconteça é preciso que os seres encarnados vivam dentro da verdade absoluta (Deus e Sua ação) alcançando o amor universal. Nesse momento não haverá mais posses e, por isso, também não haverá mais ladrões.

Enquanto os seres encarnados quiserem combater a violência com violência, merecerão cada vez mais violência. Ao invés de acusar o ladrão, o ser deve amá-lo por tê-lo roubado. Isso só acontecerá quando o ser entender que foi o próprio Deus que retomou o que é Seu e que fora emprestado ao ser que o estava utilizando para benefício próprio.

O nobre caminho

Esforço correto

Deus é a Causa Primeira de todas as coisas que acontecem. Ele comanda os pensamentos e os atos dos seres com a intenção de que os acontecimentos não firam a Justiça Perfeita e o Amor Sublime. No entanto, Deus não pode agir por sua própria vontade. Ele dá a cada um de acordo com suas obras.

Assim, tudo o que o ser pratica e recebe são frutos do que ele mesmo plantou, ou seja, são efeitos de causas provocadas pelo próprio ser. Essa lei (causa e efeito) é o motor que move todas as engrenagens (seres e matérias) comandas pelo operador Deus. Por isso, o esforço correto é uma das peças importantes do Nobre Caminho Óctuplo.

Esforçando-se o ser no caminho da busca da verdade absoluta receberá de Deus a felicidade universal, mas enquanto o ser esforçar-se para ter satisfação, fama e elogio, só receberá isso do Pai. Esse esforço não correto do ser não poderá levá-lo a evolução espiritual.

Por isso Jesus nos ensinou:

“Um escravo não pode servir dois donos ao mesmo tempo, pois detestará um e gostará do outro; ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e também ao dinheiro” (Mateus – 6,24).

O esforço incorreto do ser é aquele que busca satisfazer as quatro âncoras (ganhar, satisfazer-se, buscar a fama e o elogio). Tudo isso leva a uma satisfação material. Mesmo que temporariamente consiga o prazer, o ser jamais alcançará a felicidade, pois continuarão a existir os momentos de infelicidade.

Para alcançar esse prazer o ser esforça-se em realizar os seus desejos. Busca possuir objetos, pessoas e verdades para que se satisfaça. Além disso, procura ampliar o período de permanência na matéria carnal para não ter que abrir mão desse prazer.

Por mais que busque esses dois objetivos, eles sempre estarão fugindo do ser. Os objetos são subtraídos por outros seres ou pela natureza, as pessoas partem e as verdades são questionadas a cada segundo da existência. A vida, por mais longa que seja, ainda tem a velhice e a doença. Dessa forma, por mais que busque o prazer, a existência do ser ainda é composta por infelicidades.

Esforçar-se para ampliar o padrão material ou a duração da vida que de nada adianta ao ser, pois a qualidade de felicidade que é adequada para a nossa constituição é diferente da felicidade que se obtém das atividades materiais. Por isso Jesus nos ensinou:

“O homem é como o pescador sábio que joga a sua rede no mar e a puxa cheia de pequenos peixes; no meio deles, acha um peixe tão grande e bom que o pescador sábio devolve todos os pequenos peixes, escolhe o peixe grande sem remorsos” (Evangelho Segundo Tomé Decodificado pelo Espiritualismo Ecumênico Universal – Logia 008).

A felicidade universal é o peixe grande que Jesus cita nessa logia. Ela satisfaz, enquanto que o prazer, peixe pequeno, necessita de ser ingerida diversas vezes para poder saciar a fome do ser. A satisfação é uma ilusão, uma verdade absoluta, que perde o valor tão logo o desejo do ser tenha sido conquistado.

“Nenhum arranjo na terra pode fazer feliz um peixe que é tirado da água. Devemos proporcionar-lhe água. Da mesma maneira, a entidade viva neste universo material não pode realmente ser feliz mediante qualquer quantidade de planos concebidos por seu cérebro iludido. Portanto, deve-se dar a ela um tipo diferente de felicidade que seja espiritual em essência. Devemos ter como objetivo e ambição desfrutar da bem-aventurança espiritual e não desta felicidade temporária” Bhaktivedanta ;swami Prabhupãda – Elevação, a consciência de Krishna).

Nota: No texto acima consideramos como entidade viva o ser universal e como cérebro o processo raciocínio da propriedade inteligência do ser.

Toda satisfação inicia-se em um desejo. Para que o ser se satisfaça, anteriormente ele teve que determinar qual o valor lhe traria esse sentimento. Portanto, o esforço não correto é desejar bens (materiais, morais ou sentimentais).

“Não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho”. Esse ditado popular não traduz uma verdade absoluta. Todo mundo que ame (deseje) algo que não possua não pode amar (ser feliz) com que tem, pois o desejo por outro objeto nasce da insatisfação com o que tem. A felicidade universal não é alcançada pela conquista dos desejos, mas com a convicção que tudo que está acontecendo nesse momento foi determinado por Deus. É da ação do Amor Sublime e da Justiça Perfeita que nasce a felicidade universal.

Estando o ser em um determinado lugar, praticando um determinado ato, de posse de certos bens, com certeza permanecerá feliz se souber que o lugar, o ato e a posse são as que merecia e precisava e constituem-se no que ele precisa para ser feliz. Essa convicção só será alcançada se o ser abrir mão de determinar o lugar que gostaria de estar, do ato que queria praticar ou da posse que gostaria de ter.

O desejo ou vontade é uma afronta ao Pai, porque na realidade o ser quer dizer que sabe melhor do que Ele o que lhe faria feliz. O ser não possui a universalidade suficiente para poder saber qual lugar, ato ou posse seria o mais importante para a sua felicidade eterna. Apenas Deus, que possui a Inteligência Suprema pode avaliar todas as necessidades do ser.

O Supremo Senhor fala:

Quando um homem renuncia aos desejos dos sentidos engendrados pela mente, obtendo contentamento unicamente no Eu, diz-se então que alcançou a consciência divina.

 Quem está sempre tranqüilo apesar das três misérias; quem não se deixa exaltar quando há felicidade; quem está livre do apego; quem não tem ódio nem medo; merece o nome de sábio.

Neste mundo transitório quem não se deixa afetar pelo bem ou pelo mal que poderão sobrevir, sem louvá-lo ou maldizê-lo, já se encontra situado na consciência divina.

Aquele que for capaz de retirar os sentidos de todos os seus objetos assim como a tartaruga recolhe os membros no casco, deve ser considerado um ser auto-realizado.

A alma corporificada consegue renunciar aos prazeres dos sentidos muito embora ela não perca o sentido do prazer. Porque, depois de provar o gozo transcendental, ela fixa a consciência.

Os sentidos são tão forte que conseguem arrastar mesmo a mente do homem sóbrio que se esforça por domá-los.

Quem controla os seus sentidos concentrando-se em Mim (Deus), pode ser considerado um homem de mente estável.

Ao contemplar os objetos a eles nos apegamos, do apego vem a luxúria e da luxúria a ira.

Da ira vem a ilusão, a ilusão turba a memória. A memória confundida desbarata a inteligência e quando esta destrói cai-se de novo no poço.

Quem controla os seus sentidos por praticar os princípios da liberdade regrada recebe misericórdia e então fica liberado da aversão e do desejo.

E para quem recebeu misericórdia divina já não existem misérias e a inteligência fixa-se nessa condição feliz.

Sem a consciência divina a mente não se controla nem se fixa a inteligência, sem o que, não existe a paz. E onde não existe a paz, pode haver felicidade?

Assim como um vento forte leva um barco mar a fora, apenas um dos sentidos em que a mente se detenha pode levar para longe a inteligência do homem.

Arjuna de braços fortes, aquele cujos sentidos estão livres dos objetos, têm a inteligência firme.

O que é noite para todos é tempo de despertar para os auto controlados. E o que é manhã para todos, para o pensativo é noite.

Quem não se deixa agitar pelo fluir dos desejos que entram qual rios no mar, que no entanto fica estável, é o único que tem paz; não aceite aquele que se esforça por saciar seus desejos.

A pessoa que abandona o sentimento de posse e os desejos dos sentidos, desprovida de egoísmo, alcança a paz verdadeira.

 Eis o caminho da vida, divina e espiritual, onde não existe engano. Indo por este caminho, mesmo na hora da morte, chega-se ao Reino de Deus.

(Bhagavad Gita – Canto II, 55-72)

Apesar da existência de termos cujo sentido alteramos no transcorrer do estudo dos elementos formadores da consciência crística (mente, eu, inteligência, memória), o texto sagrado dos hindus mostra claramente o processo raciocínio por que passa os seres que possuem desejo.

Quando Krishna fala na ira que turba a memória, entendemos a ação dos conceitos durante o processo raciocínio. Se a memória é composta pelos conceitos individualizados armazenados pela inteligência do ser, quando eles são utilizados todo o processo raciocínio é influenciado. Esse raciocínio individualista afasta o ser da felicidade universal,

Essa felicidade, que no texto foi chamada de paz por Krishna, só é alcançada por aqueles que abrem mão dos desejos dos sentidos. Aqueles que alcançam a felicidade universal não vêem certo ou errado, não cheiram aromas agradáveis ou desagradáveis, não ouvem sons desejados ou indesejados, não provam sabores gostosos ou ruins e nem tateiam coisas boas ou ruins. Para esses tudo é Perfeito porque é fruto da ação de uma Inteligência Suprema com Amor sublime e Justiça Perfeita.

Apenas aqueles que abandonam o desejo dos sentidos alcançam a verdadeira felicidade.

A partir dessa constatação fica fácil compreender o esforço correto que leva a felicidade universal: buscar a cada segundo da existência suprimir os desejos e viver na realidade absoluta (Deus e Sua ação) que está ocorrendo.

O nobre caminho

Felicidade correta

Quem vive dentro do Nobre Caminho Óctuplo com a Concentração Correta, Atenção Plena Correta e Esforço Correto, possui um Pensamento Correto e alcança a Compreensão Correta. A partir dessa compreensão o ser pratica a Fala Correta, a Ação Correta e tem um Meio de Vida Correto. Esse ser vive a felicidade correta.

Essa existência pode ser alcançada e muitos são os exemplos nesse sentido. Todos aqueles que chamamos de “santos” viveram dentro dessa felicidade. Não estamos aqui falando dos santos das religiões, mas aqueles que viveram com consciência crística, praticando os ensinamentos dos Mestres. Podemos, então, dizer que a felicidade correta é a que foi alcançada pelos “santos”, ou seja, é a felicidade dos santos.

Essa definição é dada ao vernáculo “bem-aventurança”. Bem-aventurados são aqueles que viveram com a felicidade correta alcançada com a prática do Nobre Caminho Óctuplo. Quem nos ensinou sobre essa bem-aventurança foi Jesus Cristo.