O nobre caminho

Impermanência

A primeira característica que rege as ações do universo que precisa ser compreendido para que o espírito avance um passo no sentido da sua elevação espiritual é a impermanência. Por esse ensinamento devemos compreender que todas as coisas do universo alteram-se constantemente, ou seja, não permanecem iguais todo o tempo.

Os objetos, tenham eles aparente vida ou não, as situações e os próprios seres estão em constante processo de modificação. Não conseguimos encontrar nada que seja permanente. As flores nascem, alcançam o seu apogeu, traçam um caminho de declínio e um dia murcharão. Toda situação de vida começa, passa todo o seu ciclo e um dia extingue sua ação. Os seres alteram constantemente o seu achar sobre as coisas e cada vez que isso acontece transformam-se em pessoas diferentes.

Esse ciclo de existência de todas as coisas é inexorável, acontece e sempre aconteceu com tudo e com todos, portanto é verdade absoluta. No entanto, o ser que vive dentro de verdades relativas, dentro de um mundo onde está preso a falsas verdades que ele crê como verdadeiras, não consegue compreender essa qualidade. Seria preciso que alterasse a sua compreensão sobre as coisas para alcançar a mudança constante porque passam as matérias e seres do universo.

Um ser adquire uma flor, leva-a para a sua casa, coloca-a em um vaso e cria a verdade relativa de que ela estará sempre naquela determinada parte do seu clico impermanente. Preocupado com outras falas verdades que compõem sua vida, ele não presta atenção a impermanência da flor. No dia em que novamente a percebe, ela, pela sua impermanência, já está em outra etapa do seu ciclo de existência: murcha.

Para se defender de não ter prestado atenção na impermanência da flor, o ser acusa outros seres (‘me venderam uma flor velha’), a própria flor (‘as flores de hoje não duram mais como as antigas’) ou até o tempo. Na verdade nada disso aconteceu: a flor teve todo o seu ciclo como todas sempre tiveram. O ser é que por estar preso na verdade relativa da permanência, deixou de prestar atenção na evolução do ciclo da flor. Para defender suas verdades é que ele acusa outros.

A não compreensão dessa qualidade da vida faz com que o ser não sinta as alterações que se processam em tudo no universo. Uma mãe e um pai geram um filho. Enquanto ele é criança, os pais estão ocupados na verdade relativa que precisam construir sua vida (trabalhar, ganhar dinheiro, possuir bens) e imaginam que o filho permanecerá eternamente criança. Deixam de prestar atenção ao seu ciclo de evolução. Um dia os pais olham e encontram no lugar da criança um adolescente e se perguntam: ‘Onde foi parar o meu garoto’? Ele esteve lá no tempo que deveria existir, mas pela sua impermanência alterou-se. Os pais, que não viveram essa realidade e foram buscar outros sonhos é que não viram isso acontecer.

Todos possuem a característica da impermanência. Quem está vivo um dia irá morrer, quem tem saúde um dia irá adoecer, quem está passando por situações positivas um dia irá passar por negativas. A não compreensão dessa realidade universal traz o sofrimento, ou seja, a individualização dos acontecimentos universais.

O ser que não consegue enxergar essa realidade sofre. Quando um parente ou amigo morre, o ser sofre. No entanto, desde que nasceu esse ser, cada dia mais se aproximou da morte. A impermanência é a transformaçã0 de cada um para cumprir o seu ciclo existencial. Se a pessoa ia morrer e se o ser sabe que tudo que nasce morre, porque sofre quando o ciclo chega a este ponto? Porque cria verdade relativa que aquele ser irá permanecer vivo constantemente. Pela existência dessa verdade não presta atenção no ciclo dele e não compreende que cada dia mais se aproximou do túmulo. O ser sofre porque não viveu a vida com impermanência.

Toda verdade relativa é permanente. Quando o ser cria essa verdade ela passa a ser tratada como absoluta, ou seja, não se alterará jamais. Somente com o sofrimento ele poderá alterar a sua verdade relativa. Por isso existem as situações negativas: para que o ser possa tornar suas verdades impermanentes. Quando atingir essa qualidade da vida, alcançará a felicidade, pois entrará na verdade absoluta: tudo é impermanente.

Para que o ser possa entrar em contato com a impermanência das coisas, o Buda aconselha que se recite constantemente as “Cinco Lembranças”. Elas estão no sutta Anguttara Nikaya V.57 - Upajjhatthana Sutta - Temas para Reflexão:

Há esses cinco fatos que devem ser refletidos por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado. Quais cinco?

Eu estou sujeito ao envelhecimento, não superei o envelhecimento.Esse é o primeiro fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu estou sujeito à enfermidade, não superei a enfermidade. Esse é o segundo fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu estou sujeito à morte, não superei a morte. Esse é o terceiro fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu me tornarei diferente, separado de tudo o que é querido e amado. Esse é o quarto fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Eu sou o dono das minhas ações, herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações e tenho as minhas ações como árbitro. O que quer que eu faça, para o bem ou para o mal, disso me tornarei o herdeiro. Esse é o quinto fato que deve ser refletido por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Esses são os cinco fatos que devem ser refletidos por todos com freqüência, quer seja mulher ou homem, leigo ou ordenado.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que está sujeito ao envelhecimento e não superará o envelhecimento'? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez dos jovens com a juventude. Por causa dessa embriaguez com a juventude, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem e com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa embriaguez dos jovens com a juventude ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que está sujeito à enfermidade e que não superará a enfermidade? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez das pessoas saudáveis com a saúde. Por causa dessa embriaguez com a saúde, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa embriaguez das pessoas saudáveis com a saúde ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que se está sujeito a morte e que não superará a morte? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez das pessoas com a vida. Por causa dessa embriaguez com a vida, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa embriaguez das pessoas com a vida ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que se tornará diferente, separado de tudo o que é querido e amado? Há seres que sentem cobiça e desejo pelas coisas que consideram queridas e amadas. Por causa dessa cobiça e desejo, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, esse desejo e cobiça pelas coisas que são queridas e amadas ou é totalmente abandonado ou é enfraquecido.

Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que é o dono das minhas ações (carma), herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações e que tem as suas ações como árbitro. O que quer que faça, para o bem ou para o mal, disso se tornarei herdeiro'? Há seres que se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo, com a linguagem ou com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa conduta prejudicial com o corpo, linguagem, e mente ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.

Agora, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único sujeito ao envelhecimento, que não superou o envelhecimento, mas sempre há seres, indo e vindo, falecendo e renascendo, todos esses seres estão sujeitos ao envelhecimento, não superaram o envelhecimento. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Além disso, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único sujeito à enfermidade, que não superou a enfermidade. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Além disso, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único sujeito à morte, que não superou a morte. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Além disso, um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único que me tornarei diferente, separado de tudo que é querido e amado. Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.

Um nobre discípulo considera o seguinte: Eu não sou o único dono das minhas ações (carma), herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações, tendo as minhas ações como árbitro; que - o que quer que eu faça, para o bem ou para o mal, disso me tornarei herdeiro, mas sempre que houver seres, indo e vindo, falecendo e renascendo, todos esses seres serão os donos das suas ações, herdeiros das suas ações, nascidos das suas ações, relacionados através das suas ações e tendo as suas ações como árbitro. O quer que façam, para o bem ou para o mal, disso eles se tornarão herdeiros.’ Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o, cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.”

Sujeito ao nascimento, sujeito ao envelhecimento, sujeito à morte, pessoas comuns sentem repulsa por aqueles que sofrem daquilo a que elas mesmas estão sujeitas. E se eu sentisse repulsa por seres sujeitos a essas coisas, não seria digno, vivendo como eles vivem.

Enquanto mantinha essa atitude – conhecendo o dharma sem aquisições – eu superei toda embriaguez com a saúde, juventude, e vida, como aquele que vê a renúncia como segurança. Em mim, a energia foi estimulada, a libertação foi vista claramente. Não há modo pela qual eu desfrutaria de prazeres sensuais. Tendo seguido a vida santa, não retornarei.

 Como afirmamos tudo tem um ciclo e se altera constantemente. A vida de cada ser segue essa impermanência. Aquele que nasce não permanecerá permanentemente vivo, quem tem saúde não permanecerá nesse estado eternamente e tudo o que o ser possui hoje (lhe é caro) irá mudar, quer de aparência ou de proprietário. A não compreensão dessas verdades absolutas que compõem a qualidade da vida espiritual leva o ser ao sofrimento quando o ciclo das coisas cumprir a sua impermanência.