Choque de realidade

Choque de realidade

Série de e-mails que foram trocados na lista do Espiritualismo Ecumênico a respeito do trabalho da reforma íntima

Choque de realidade

Choque re realidade

Joaquim tem nos falado a respeito da busca da felicidade. Não é um assunto novo – aliás, nem esta idéia de se estudar os acontecimentos da vida é nova, pois já está presente no estudo Carmas humanos, mas, vejo as pessoas perdidas com as informações que ele passa. Por isso, gostaria de passar a vocês algumas idéias que foram se formando na minha mente ao longo dos anos e que contempla tudo o que ele está falando e que já falou até hoje. Chamo esta técnica de choque de realidade.

Antes de falar da técnica em si, quero dizer que já a venho colocando em prática algumas vezes comigo mesmo e quando consigo fazer isso dá resultado. Ou seja, consigo passar pelo momento com certo grau de tranqüilidade e paz.

Mas, vamos lá...

Krishna ensina que devemos assistir a nossa vida. Este ensinamento tem sido a base de tudo o que Joaquim nos falou desde aquele remoto dia de 2004 quando estudamos o Bhagavad Gita. Essa também é a base da técnica Choque de Realidade.

Assistir a vida é assistir aos acontecimentos dela. Ver o que está acontecendo sem participar das ações. Mas, como participamos das ações ao invés de apenas observá-las? Querendo nos intrometer no fluxo dos acontecimentos... Por isso, a primeira premissa para se alcançar a tranqüilidade é não querer influir no fluxo dos acontecimentos da vida.

O que são os acontecimentos da vida? Eles ocorrem em dois planos: mental e físico. Tudo aquilo que vivemos é determinado por uma ação externa e por uma consciência interna. A primeira dá a percepção; a segunda, dita o que está acontecendo.

A primeira é simples de entender do que se compõe: daquilo que percebemos através dos órgãos dos sentidos. A segunda é um pouco mais complexa. Ela é composta daquilo que sabemos pela razão (pensamentos) e daquilo que sentimos (inteligência emocional). A soma do que percebemos mais o que a razão nos diz que está acontecendo e o que estamos sentindo naquele momento é o acontecimento de nossas vidas.

É a isso que devemos assistir, segundo o ensinamento de Krishna encampado por Joaquim. Por isso essa é a base do choque de realidade. Para isso, utilizo três passos distintos. Para falar deles, vou usar um exemplo: alguém lhe rouba...

Primeiro passo: excluir o agente causador do acontecimento, seja você ou outra pessoa ou objeto.

Somos seres humanos e por mais que digamos que entendamos e acreditamos nos ensinamentos fatalistas, ainda achamos que os acontecimentos precisam de um agente causador. Mas, se a vida vive por si mesmo ou se Deus é a Causa Primária de todas as coisas, não existe agente causador dos acontecimentos. O acontecimento acontece por ele próprio e não porque alguém o faz a acontecer.

Sendo assim, dentro do exemplo que estou utilizando a primeira coisa é retirar a figura de um ladrão, de alguém que tenha roubado. Não foi uma pessoa que tirou o dinheiro, mas sim a própria vida. Foi ela, ou melhor, o acontecimento dela, que criou a percepção de você ter perdido um bem.

Essa ação é necessária para não participarmos do acontecimento. Se ainda achamos que alguém foi o agente causador daquele acontecimento, nós vamos nos imiscuir na vida criando conceitos sobre ele. Vamos interferir na vida criando rótulos para as pessoas que participam dela. Se não houver agentes, continuamos apenas observando as pessoas que transitam nos acontecimentos de nossa vida como elas são: pessoas...

Portanto, ao vivermos o acontecimento que está nos servindo de exemplo devemos apenas ter a consciência de que não possuímos mais o bem ao invés de dizer que ele foi roubado por alguém.

Segundo passo: encarar a realidade...

 Assistir ao acontecimento é saber o que está acontecendo. Participar da ação é viver as emoções que a mente está criando e as conseqüências que ela mesma cria para ele. Por isso, é preciso encarar a realidade frente. Quando fazemos isso, ou seja, sabemos apenas do acontecimento, mas não vivemos as conseqüências dele, conseguimos a paz. Vou explicar...

Quando a mente cria um acontecimento, ela não se limita apenas a criá-lo, mas fala dele. Criando uma situação de roubo, vai dizer que aquilo é injusto, que aquele acontecimento não deveria ter acontecido, que ele poderia ter sido evitado, que aquilo lhe causará prejuízo futuro, etc. Além disso, cria determinadas emoções para quem participa da ação que não podem ser evitados: sentir-se injustiçado, sentir-se injuriado, sentir medo, etc.

Quem vive o acontecimento vive tudo isso; quem assiste o acontecimento não participa dessas coisas. Quem assiste ao acontecimento encara a realidade de frente: 'Fui roubado sim, e daí? O que eu posso fazer? O presente do roubo já aconteceu e não pode ser mudado. Se foi justo ou não, não sei: sei apenas que fui roubado e isso não pode mudar'. Quem assiste ao acontecimento de frente não se deixa levar pelos comentários da mente: 'Sei lá se eu vou ser assaltado de novo... Sei lá se o que me foi roubado fará falta no futuro'.

Quem assiste a vida vê o roubo acontecer, mas não se sente roubado. Por isso não aceita nem as emoções que a mente cria no momento nem as declarações que ela faz sobre o acontecimento. Mas, para encarar a realidade de frente é preciso ainda algo importante: descobrir o que a mente está usando para criar toda a declaração e as emoções daquele momento. Isso sempre tem a ver com os desejos...

Terceiro passo: identificar o desejo

Falar em retirar do acontecimento as conclusões e emoções que a mente cria é chover no molhado, é óbvio. Se não queremos sofrer e se fazemos isso porque a mente nos propõe esta postura sentimental, se extinguimos estas coisas, deixamos de sofrer. Mas, esta ação que aparentemente é tão simples torna-se muito difícil. Por quê? Porque não secamos a fonte da mente...

Ser assaltado é um acontecimento normal da vida de qualquer um. Milhares de pessoas todos os dias são assaltadas nas ruas de todas as cidades do mundo. Sendo assim, todos estão sujeitos a passar por esta situação. Se isso é verdade, ou seja, se sabemos disso racionalmente, porque a mente ainda cria sofrimentos quando este acontecimento ocorre? Porque ela está presa em razões escondidas... Estas razões são os desejos...

A mente só cria estas emoções sofredoras porque contém uma verdade que diz que aquela pessoa não deve ser assaltada. Mas, por que não deve, se muitos são? Será que ela é melhor que os outros seres humanos? Será que ela é mais pura e por isso não precisa passar por esta situação?

Aí está, no meu entender, a grande sacada para não sofrer: encarar de frente a realidade, mas principalmente encarar de frente os desejos da mente. Encará-los de frente é ver que a mente trata a pessoa como ser especial, muito digno, uma pessoa que não deve receber nada além daquilo que os seus desejos dizem que ela tem que receber. Mas, não existem pessoas assim. Todos somos seres humanos, todos dividimos a responsabilidade de viver e construir a história deste planeta sem privilégios. Portanto, tudo o que acontece aos outros, pode acontecer conosco, independente do que os desejos queiram...

Aí está o choque de realidade e ele tem este nome porque se resume a enfrentar a realidade que está acontecendo ao invés de viver o que a mente está dizendo ou sentindo naquele momento. Como disse, isso tem me ajudado muito a manter a paz, a calma e o equilíbrio em muitos momentos da vida. Por isso quis compartilhá-lo com vocês.

Choque de realidade

Negociatas

Hoje sai para comprar minha passagem para Brasília neste final de semana e ouvi a seguinte conversa entre duas senhoras na fila.

'Eu estou muito bem. O pastor da igreja que estou freqüentando agora nos ensinou que, além do dízimo, que é obrigação de todo fiel, devemos doar o valor de um dia do salário como doação espontânea. Tenho feito isso e Deus tem tirado leite de pedras para mim. No último domingo do mês passado, que não é um dia bom, precisava de quinhentos reais para poder fechar o mês. Minha sócia estava preocupada, mas eu disse a ela que Deus ia obrar por nós. Vendi os quinhentos e ainda mais cem'...

Não ouvi o resto da história porque chegou a minha vez e fui para o balcão comprar o bilhete. Saindo da rodoviária me deparei com uma unidade do resgate que estava atendendo a uma pessoa que tinha passado mal na rua. Na mesma hora venho na minha mente: 'Ela não deu a contribuição espontânea'...

Claro que isso é só uma história, mas que nos ajuda a pensar no choque de realidade. Passar mal na rua e precisar ser atendido pelo resgate é uma situação da vida. Não é exclusividade de ninguém: pode acontecer com todos nós, paguemos ou não a nossa contribuição espontânea ao pastor...

Isso porque, com a realidade, não se pode fazer negociatas. Nada que fizermos nos deixará impune de acontecer aquilo do qual pretendemos escapar.

Sabe, de nada adianta fazer negociatas com Deus – rezar, fazer penitência, praticar atos bons, auxiliar em trabalhos espirituais, etc. O que tiver que ocorrer com nossa vida vai acontecer.

Lembro-me que no início deste trabalho estávamos fazendo uma reunião na casa de um amigo no centro de São Paulo e eu esqueci o celular da minha sogra dentro do carro. Alguém atirou uma pedra e quebrou o vidro do motorista para levar o celular. Acontece que naquele dia estava chovendo e tínhamos que levar uma amiga que estava conosco em Barueri, onde ela morava. Por isso lá fui eu do centro de São Paulo a Barueri e depois de volta até Itaquera, onde morávamos, com o vidro quebrado e chovendo em mim – para quem não conhece São Paulo este percurso dá mais de 100 quilômetros – pela madrugada afora.

Lembro que esbravejava: 'Eu estou fazendo trabalho para Deus e Ele deixa isso acontecer'. Depois veio o recado de Joaquim: 'Não pense que por estar fazendo o trabalho para Deus você está imune de qualquer coisa. Você tem que beber até o último gole do seu cálice'. Portanto, não adianta nada se fazer negociata com Deus para prevenir qualquer coisa. Mas, também não adianta se fazer negociata com a vida para garantir imunidade.

A negociata com a vida, dentro da história que contei, é cuidar de sua saúde. Tomar remédios, vitaminas, visitar periodicamente o médico, fazer exercícios físicos, não fumar, não comer gordura, etc. Nada disso garante que uma pessoa não terá um mau súbito. A única coisa que pode realmente ajudar é estar preparado para tê-lo em qualquer momento, pois quando a realidade for acontecer o que não se espera, a pessoa não será pega de surpresa.

Não estou dizendo que devemos viver preocupados com a idéia de que poderemos ser acometido de um mal súbito a qualquer momento. O que estou falando é que não podemos viver com a certeza de que nós, ou qualquer pessoa chegada a nós está imune a isso. O que estou falando é que nada pode nos prevenir de acontecimentos como estes, se eles tiverem que ser realidades em nossas vidas.

Aquele que vive o choque de realidade está sempre preparado para tudo. Ele não se prende ao ter que acontecer, mas nunca é pego desprevenido. A tranqüilidade e a paz nestes momentos só podem ser alcançadas se o ser humano estiver preparado para qualquer acontecimento.

Portanto, estejamos sempre preparados para viver tudo, mas atento para a mente não fazermos vivenciar coisas que não gostamos antes da hora.

Choque de realidade

Fatalidade

Aprendemos com Joaquim, sob diversas formas, que tudo está escrito, ou seja, que a vida é fatalista. Mas, para observar a vida alcançando o choque de realidade, isso é de somenos importância. Aliás, pode atrapalhar...

Quando mentalmente dizemos a nós mesmos que aquilo que está ocorrendo é porque tinha que acontecer, estamos criando elementos estranhos à realidade que nos fazem fugir dela. Por que tinha que acontecer exatamente isso? Quem decidiu que isso era o que tinha que acontecer? Será que não podia estar acontecendo outra coisa se tivesse agido antes? Estas são perguntas que sempre ficam no ar e que buscamos responder sem sucesso. Enquanto estamos buscando essas respostas, escapamos da realidade e nos deixamos levar por todos os devaneios da mente.

A fatalidade do choque de realidade é diferente de uma previsão de futuro: é a constatação do que está acontecendo agora. Ao invés de querer determinar valores para o momento de agora, apenas constato que isto está acontecendo.

Neste momento, estou escrevendo no computador. Isso é real. Não sei se estava determinado escrever, não sei se poderia estar fazendo outra coisa, não sei quem decidiu que tinha que escrever: a única coisa que sei é que estou escrevendo. Quando simplesmente constato que estou escrevendo sem querer determinar valores para este acontecimento, posso realmente entrar no presente. Isso porque este é o meu presente. Querer atribuir valores ao presente, mesmo que sejam aqueles ensinados por Joaquim, ainda é interpretar o momento atual. Esta forma de agir acaba com o assistir e nos faz divagar sobre os motivos porque estou escrevendo agora.

Outra diferença no trabalho do choque de realidade com relação ao fatalismo é que o futuro não está escrito: ele acontecerá, quando acontecer, da forma que ocorrer. Vou dar um exemplo...

Estou escrevendo agora e pensando que ao terminar vou tomar um café. Este é o meu presente que devo constatar para assistir a vida. Se disser que isso não é real, estarei querendo interferir em mim mesmo e o trabalho do choque de realidade não aceita isso.

Pensar que tomarei o café daqui a pouco é o meu momento atual. Negá-lo é fugir da realidade. Tenho que conviver com a idéia que vou tomar este café. O que não posso é ter certeza que vou...

Realidade é o momento presente e ela acontece quando ocorre. Quando acontece ela é composta por tudo que está envolvida nela, inclusive o que estou pensando naquele momento. Por isso não busco afastar uma verdade que está presente naquele momento. Mas, também não vivo esta verdade futura como se já fosse realidade, como se fosse concretizar-se realmente. Só quando o futuro chegar, eu posso saber o que ele reserva como realidade.

Sendo assim, enquanto estou aqui escrevendo pensando em tomar o café, estou aqui escrevendo completamente, inclusive pensando que vou tomar o café. Quando acabar de escrever e sair daqui verei o que acontece.

Choque de realidade

Decisões

Com relação ao que escrevi no tema ‘Fatalidade', uma pessoa me respondeu o seguinte: 'Mas, tomar café não será uma decisão sua, ou seja, se vai tomar ou não, você não sabe, mas se toma é porque tinha que tomar. Para que? Para poder vir outro pensamento dizendo, por exemplo, que dá gastrite, que tira o sono, etc. Mais verdades das que se libertar'.

Que me desculpe o amigo, mas todas as decisões de minha vida, quem toma sou eu. Sou eu que escolhi nesta manhã escrever este texto, fui eu que decidi ao acordar ligar o computador, sou eu que estou escolhendo quais palavras vão ser escritas. Aliás, também é ele, como todos nós, que toma as decisões na vida dele. Ele escolheu ler o texto, ele escolheu respondê-lo. Ou não é isso que acontece na vida de cada um?

Andamos pelo mundo vivenciando acontecimentos e em cada um deles tomamos decisões. Decidimos comer porque estamos com fome, decidimos dormir porque estamos com sono, decidimos ver televisão ou qualquer outra coisa porque estamos de saco cheio de ouvir Joaquim, etc.

Tomar decisões é um acontecimento da vida. Negar esta ação é negar a própria vida, a própria realidade. Tomar decisões é uma atitude mental que acontece como parte das realidades que vivemos. Negá-las é negar a própria realidade que se vive. Isso eu não consigo...

Aquele que busca tomar o choque de realidade para poder libertar-se do prazer e da dor e alcançar a felicidade precisa encarar o momento presente de frente. Como diz Joaquim: estar presente no aqui e agora. E nele existe a mentalização de estar tomando uma decisão.

Mas, veja bem o que eu disse: tomar a decisão como um processo mental e não físico. Tomar a decisão de fazer algo é um processo mental que ocorre no aqui e agora, mas a execução do que se decide fazer é uma atitude física que ocorre em outro momento, em outro presente, em outra realidade.

Quando se trabalha para viver a realidade se encara o fato de estar tomando decisões, mas não se vive o sonho de que elas acontecerão. Acho que aí é que está o problema.

Muitas vezes a mente coloca a decisão com a certeza da execução. Isso é irreal, isso não pertence ao momento presente e a isso eu não me entrego. Posso, no agora, tomar qualquer decisão, inclusive de ir tomar café, mas não acredito que conseguirei tomá-lo. Quem sabe o que vai acontecer nas realidades entre o momento que decido tomar o café e o de executar esta ação? Podem acontecer presentes que transformem esta decisão e a ação não mais ocorra.

Este é o choque de realidade que estou falando: viver todos os elementos mentais e físicos que estão acontecendo e não camuflá-los com verdades que não são reais. Chamo a estas verdades de 'devaneios da mente'.

A mente, além de falar sobre o presente, devaneia com verdades que não estão presentes no aqui e agora. É o caso da gastrite ou tirar o sono que a pessoa falou na resposta. Tomar a decisão de beber café está presente no momento, mas se logo depois a mente diz que se fizer isso posso ter gastrite ou perder o sono, constato que tais ações não estão presentes naquele momento e, por isso, busco não vivenciá-las como realidade, mas apenas uma possibilidade que virará ou não realidade futuramente.

É a mesma coisa que tomar remédio de forma preventiva. Depois do meu infarto tenho três remédios que tenho que tomar diariamente Estes remédios são de ação preventiva, ou seja, buscam produzir um determinado momento futuro que eu não sei se vai acontecer. Como sempre fui rebelde com relação a remédios, muitas vezes esqueço-me de tomá-los. Quando mentalmente em um determinado momento a mente constata que eu não os tomei, simplesmente digo a ela: 'É, não tomei, e daí?' Isso é realidade para mim...

Só que a mente não sossega e aí começa a devanear sobre o tema: 'Você não tomou, a veia vai entupir, você vai ter um novo enfarte e vai morrer'. Estas idéias busco não aceitar porque no meu presente não existe veia entupida, não estou tendo um enfarte e não estou morrendo...

Eis aí, então, algo muito importante para aquele que busca tomar um choque de realidade para poder alcançar a verdadeira felicidade: saber separar o que é realidade do que é devaneio da mente. Mas, isso só vou fazer quando voltar de Brasília, pois hoje decidi que vou tirar o dia para descansar e me preparar para a viagem.

Será que vou conseguir? Só os próximos presentes poderão dizer. Por isso aguardo os próximos capítulos da novela minha vida para saber o que vai acontecer, apesar da minha decisão agora...

Choque de realidade

Viajando nas realidades

Hoje viverei um acontecimento longo. Por volta das oito e meia da noite eu devo embarcar num ônibus que me levará até Brasília, aonde chegarei só no outro dia às oito da manhã. Participarei, então, de uma realidade que deverá durar doze horas. Mas, será que a viagem toda é só uma realidade?

Não. A realidade viagem é formada de milhares de presentes que poderei viver. Viverei o chegar à rodoviária, o esperar o ônibus, o entrar nele, o achar a minha poltrona e o sentar nela. Depois disso, eu viverei diversos outros presentes enquanto o ônibus vive os seus: o de sair de um lugar para outro. Durante os meus momentos haverá alguns que serão vivenciados com a realidade de estar acordado, outros de estar dormindo; alguns dentro do ônibus, enquanto ele estiver andando, outros fora, nas paradas. Em alguns estarei lendo, em outros comendo e bebendo, em outros mais fumando...

Enfim, a viagem, que muitos tratam como um evento de suas existências, é composta por diversos outros onde a realidade é diferente entre eles. Este é um fato que aquele que busca alcançar a felicidade através do choque de realidade precisa estar atento. Este não é um trabalho que pode ser realizado no atacado: ele precisa ser executado no varejo. É preciso a cada momento estar atento ao que o presente lhe traz para não devanear com a mente.

Um dos devaneios mais constantes que a mente faz neste caso é o da distância e do tempo que se leva para percorrê-lo. Ela afirma que você já está a tantas horas trancado dentro daquele ônibus e que por isso deve estar cansado, por exemplo. Ela fala que a ultima parada já foi há não sei quanto tempo e que por isso você deve estar com vontade de fumar. Mas, nada disso é real.

Na realidade, só vivemos um momento a cada momento. Não existe a viagem, mas apenas cada momento dela. Por que tenho que me sentir cansado por estar dentro do ônibus se de qualquer maneira passaria este tempo em outro lugar? Ou será que se não estivesse viajando minha vida estria suspensa naquele momento e por isso não me cansaria? Por que tenho que ter vontade de fumar por não fazê-lo a não sei quanto tempo, se normalmente durmo a noite inteira e não fumo?

Essas posturas que a mente cria só são reais para aqueles que vivem a viagem como um acontecimento só. Se encararmos cada momento como um e vivermos completamente presente nele sem aceitar os devaneios da mente, não haverá cansaço, não haverá desgaste.

Viver cada momento a cada momento, para mim, é a única forma de escapar das armadilhas da mente.

Choque de realidade

Realidade

Estamos falando de choque de realidade, mas o que é real para mim, enquanto ser humano?

Tudo que aquilo que me é percebido pelos órgãos de sentido do corpo físico.

Tudo aquilo que vejo, escuto, sinto o cheiro, provo o sabor ou sinto através das sensações do corpo, me são reais. O ambiente onde estou e todas as coisas que são percebidas pela visão dentro dele, são reais para mim. Todos os sons que escuto, todos os aromas que percebo, todos os sabores que provo e todas as sensações físicas, são reais para mim. Dizer que estas coisas não existem, é fugir da realidade.

Lembro bem de um amigo que recebeu a seguinte resposta de Joaquim: 'A cadeira não existe'. Este amigo me ligava sempre perguntando: 'Não consigo entender isso; onde ponho, então, minha bunda?'

Querer retirar de sua realidade aquilo que é percebido, me leva a viver um nada e eu não posso existir no nada, pois tudo ainda continua existindo, apesar do discurso mental querer afirmar que não. Quantas vezes tentei me livrar do frio dizendo que ele não existia. Nunca consegui... Só quando aceitei a idéia de estar com frio e me libertei das conseqüências mentais disso – sofrer com o frio que estava sentindo ou viver a possibilidade de estancá-lo de alguma forma – é que consegui ficar em paz.

O frio não se estancou quando tomei o choque de realidade – 'estou com frio' – mas, me ajudou a me libertar das conseqüências dele. Como fiz isso? Conscientizando-me da realidade... 'Está frio... Sim, está frio, mas o que posso fazer? Não tenho um casaco para vestir, se tivesse o vestia; não posso mudar a temperatura, se pudesse mudava; e nem posso ir para outro lugar onde esteja mais quente, se pudesse ia. Então, só posso sentir frio'...

Tal pensamento, que é o que chamo de choque de realidade: encaro a realidade de frente sem deixar que a idéia de que o frio de hoje não exista nem que eu poderia naquele momento não estar sentindo-o.

Tudo aquilo que a mente diz que está acontecendo.

Querer negar o discurso da mente que cria uma situação de vida é querer fugir da realidade. Se fugirmos dela, como poderemos ser feliz no aqui e agora? Como ser feliz no aqui e agora se retiramos da realidade o verdadeiro aqui e agora, que é aquilo que a mente nos diz.

Reparem uma coisa: o aqui e agora não é o que é percebido, mas o que a mente diz que está existindo. Ninguém vive, por exemplo, o momento que estou vivendo, dizendo que está apertando teclas. Todos vivem este momento dizendo: 'estou escrevendo'. O que é viver o estou escrevendo senão o que a mente diz que está acontecendo? Se retirar isso do meu aqui e agora, acabo com ele e, nesse caso, não tenho instrumento nenhum para ser feliz, pois a felicidade se alcança no aqui e agora...

Mesmo que eu troque o que a mente me diz – 'estou assistindo a mão tocar na tecla' ao invés de 'estou escrevendo' – qual a diferença? Ainda estou vivendo o que a mente diz que está acontecendo. O que aconteceu foi apenas que troquei uma verdade por outra, mas ainda não estanquei o fluxo do pensamento, o pensar.

Portanto, para mim não importa se mentalmente uso os ensinamentos ou não: busco viver o que a mente está dizendo que está acontecendo. Isso para mim é um choque de realidade. Com isso tenho um aqui e agora para agir...

Tenho conversado com muitos amigos que me dizem que não estão conseguindo colocar em prática os ensinamentos de Joaquim. O que é colocar em prática o que ele fala? É viver um aqui e agora que é fruto de uma criação mental (pensamento) que contenha os ensinamentos que cada um ouviu dele.

Qual a diferença entre viver um aqui e agora criado por verdades humanas ou viver um aqui e agora criado pelas verdades ouvidas de Joaquim? Nenhuma... O que precisamos é viver o aqui e agora estancando as conseqüências desse e não sermos sábios, ou seja, colocar em prática os ensinamentos. Mesmo que não coloque em prática os ensinamentos, quando consigo estar presente no aqui sem viver os devaneios que a mente cria, faço que tinha que fazer, ou seja, consigo estar em paz e tranqüilo...

Todas as emoções que surgem no momento

Eis aqui um ponto polêmico. Isso porque muitas pessoas acreditam que viver a felicidade é parar de sofrer. Joaquim nunca falou isso. Pelo contrário: ele sempre disse que temos que aprender a viver felizes os nossos sofrimentos...

Negar o que se está sentindo num determinado momento, assim como negar a descrição do acontecimento que a mente faz, é não viver a realidade. Da mesma forma que o item acima, se não se tem realidade para agir, como conseguir ser feliz?

A confusão acontece porque muitas pessoas acreditam que ser feliz é uma realização do ser, humano ou não. Não é isso que está no fundamento do ensinamento de Joaquim.

Em O Livro dos Espíritos, quando se fala da elevação do espírito, é dito que 'na perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade' (pergunta 115). A felicidade é encontrada pelo ser e não criada. A felicidade não é um substituto para o sofrimento ou prazer, mas aquilo que se encontra quando se alcança a perfeição. Neste momento, não mais se sofre...

Mas, como deixar de sofrer sem reconhecer que se está sofrendo? É isso que busca o choque de realidade: constatar que está se sofrendo... Sem constatar que se está sofrendo, como libertar-se do sofrimento? Por isso, ao invés de negar que estou sofrendo, que estou com medo, que estou chateado, que estou com ganância, constato e afirmo a existência destas sensações. Com isso, vocês podem não acreditar, mas elas somem...

Lembro-me um dia em que, conversando na comunidade, afirmei que estava com medo do crescimento de nosso trabalho. Alguém me disse: 'Você não pode ter medo'. Perguntei, então, à pessoa: 'Como posso fazer para não tê-lo?' Todas as respostas nada mais foram do que criações mentais: 'Você tem que ter fé. Tem que ter confiança'... Ou seja, como se a razão pudesse alterar o que estou sentindo. Melhor: como seu eu pudesse alterar minha razão de uma forma não racional... Será que isso é possível?

Ainda tem muita gente que está buscando apenas mudar a realidade. Isso é impossível. Querer mudar o discurso da mente é apenas criar uma nova realidade, mas que ainda é mental. Não está se fugindo de nada: está apenas se criando mais um devaneio, ou seja, algo que não é real e que, portanto, não poderá ser combatido.

Não sei lhes explicar como isso funciona, mas pelo menos para mim, cada vez que enfrento de frente minha realidade (não estou sofrendo) e estanco as conseqüências dela (poderia deixar de estar, isso vai me fazer mal, etc.) o pensamento seguinte, ou seja, a nova realidade descrita pela mente, não contém a mesma carga emocional da anterior...

Aí está, com alguns comentários, o que é realidade, ou seja, aquilo que se deve vivenciar ao invés de fugir dela com idéias que não são reais para mim. Por isso chamo a isso de choque de realidade.

Mas, nesta realidade podem aparecer outras formações mentais. Estas formações ou pensamentos que não estão presas a estes elementos que citei chamo de devaneios. Vamos falar sobre daqui a pouco, pois isto ainda não é a minha realidade...

Choque de realidade

Devaneios

Na última conversa disse que o que não é realidade, é devaneio da mente. Mas, o que quer dizer a palavra devaneio? 'Capricho da imaginação, sonho, fantasia' (Minidicionário Aurélio). Quem devaneia, segundo a mesma fonte, é quem divaga, delira, pensa em coisas vãs.

Quem não vive a realidade, realmente vive coisas vãs, pois são coisas que não importam para a felicidade. Se o importante é o aqui e agora para se conseguir este estado de espírito, no que pode contribuir aquilo que é apenas um capricho da imaginação, um sonho, uma fantasia? Portanto, o devaneio é algo completamente inútil para quem busca a felicidade.

Mas, na prática, o que é devanear? É viver algo que não é perceptivo pelos órgãos do corpo; é viver formações mentais que não condizem com aquilo que é percebido; é viver uma emoção que não está sendo sentida. Vou exemplificar para podermos conversar melhor...

Um devaneio que tenho visto muito comumente aceito pelos amigos é o seguinte: 'aquilo está acontecendo porque tinha que acontecer'. Quem disse que tinha que acontecer? Quem pode assegurar que não podia estar acontecendo outra coisa? Querer justificar o presente é deixar-se levar pela mente, que usa uma aparente e aceita verdade como algo real.

Na minha realidade de agora não existe o tinha que acontecer, porque eu não sei se tinha. Por exemplo: será que eu tinha que escrever isso? Não sei, não posso afirmar. O que posso afirmar é que estou escrevendo. Isso posso constatar, mas se tinha ou não, não posso.

Quem busca viver a realidade, o aqui e agora, não busca saber por que está fazendo, mas apenas constata o que está acontecendo. Dentre as verdades que tenho visto serem usadas para explicar o momento – o que claro, não se explica, mas apenas constata-se, assiste-se – é o ensinamento que diz que Deus é Causa Primária de todas as coisas. Esse é um grande devaneio...

Deus não está presente na minha realidade. Isso posso constatar, pois não O estou vendo, não O estou percebendo com qualquer dos meus sentidos. Como, então, posso dizer que Ele é que me fez escrever?

Querer adivinhar o que causou o presente momento é viver fora da realidade. Quem busca viver o aqui e agora sem apegar-se à mente, não se preocupa com o que aconteceu antes, ou seja, a causa do que está acontecendo, mas apenas com o que está ocorrendo. Nem que essa explicação seja cientificamente comprovada.

Quando sinto que melhorei de algum mal que me afligiu, não me preocupo em saber se foi o remédio, o descanso ou qualquer coisa que fez isso acontecer. Apenas sinto que estou bem naquele momento. Quem atribuir o seu bem estar de agora ao remédio, outro dia pode tomá-lo e não melhorar. Neste momento, não conseguirá estancar o fluxo do pensamento e não viverá o presente e com isso não conseguirá estar na felicidade.

São muitos os devaneios da mente. Outro deles é querer descobrir o que o acontecimento presente poderá acarretar no futuro. Neste exato momento não posso dizer que acabarei este texto hoje, por exemplo. Será que só porque estou escrevendo ele ficará pronto? Quantas vezes já comecei a escrever um texto e não consegui acabá-lo no mesmo dia?

Quem busca viver um aqui e agora não pode pensar no futuro nem no passado. Precisa concentrar-se no presente que é apenas o que se percebe, o que descreve este agora e o que se sente neste momento. Aliás, achar que poderia estar vivendo este momento com outro sentimento ou pensando outra coisa a respeito dele é querer interferir no momento e não apenas vivenciá-lo.

Não posso mudar o que estou pensando agora. Sabem por quê? Porque estou pensando isso... Não posso mudar o que estou sentindo agora. Sabem por quê? Porque estou sentindo isso...

Isso é viver o agora: constatar o que está acontecendo neste momento. Todos outras coisas que falem do que vai acontecer no futuro, do que deveria estar acontecendo no presente ou do que causou no passado o momento atual, são sonhos, fantasias, idéias vãs que não nos faz aproveitar o momento de agora para ser feliz.

Todas as verdades que expliquem o momento de agora e todas as que confiram um futuro como resultado da ação de agora, são fantasias. Apenas o que está no momento de agora é real.

Sabem por que vou parar por aqui? Porque estou teclando o ponto final. Falamos de outros devaneios mais tarde, porque descobrir o que é devaneio e o que é realidade é o fundamental para aproveitar o momento de agora para ser feliz.

Choque de realidade

Dualismo

Segundo as tradições orientais, o dualismo é causa principal da não felicidade do ser. O ser humano não consegue ser feliz porque vive num mundo dualista. Para alcançar este estado, ainda segundo estas crenças, é preciso que o ser entre em unidade.

Mas, o que é o dualismo? 'Doutrina que admite a coexistência de dois princípios, geralmente opostos' (Minidicionário Aurélio). Já unidade é 'qualidade do que é um ou único' (idem). De posse destas duas definições, pergunto: o que é único na nossa vida? A realidade que estamos vivendo. O que é dual? Os devaneios da mente...

Na verdade a vida não é dualista. O que cria outro princípio para a existência não é a realidade, mas sim os devaneios da mente. São eles que criam a possibilidade de estar ocorrendo algo diferente do que está acontecendo. A realidade é única: é o que é. São os devaneios ou fantasias que a mente cria que transformam o que é único em algo dual.

Sendo assim, quando vivemos a realidade, ou seja, apenas aquilo que estamos percebendo, a descrição que a mente faz do que está ocorrendo e as emoções que se está vivendo, nos encontramos na unidade. Com isso, segundo as tradições orientais, existe, então, o preceito necessário para se alcançar a felicidade.

O que estou fazendo agora? Estou escrevendo. Isso é real. Isso é único na minha vida neste momento. Pensar em porque estou escrevendo, para que estou fazendo isso, como isso acontece ou o que vai acontecer a partir desta ação, me leva ao dualismo, pois admite respostas que possam conter dois princípios, geralmente opostos.

Por isso, aquele que vive o choque de realidade, ou seja, silencia de sua mente tudo que não é realidade, consegue entrar em unidade e pode, então, encontrar a felicidade. Além do mais, admitindo-se como real a teoria que afirma que tudo que acontece é emanação de Deus, quando se vive apenas a realidade se entra em unidade com Deus.

Não importa: por qualquer ângulo que se busque alcançar a felicidade o que temos que fazer é viver o que está acontecendo. Para isso é preciso tirar os devaneios do pensamento.

Choque de realidade

Fatalidade

Como disse antes, o mais importante é se reconhecer o que é devaneio e retirá-lo do nosso fluxo de pensamento para que possamos viver a realidade. Um desses devaneios diz respeito à fatalidade.

Será que a vida é fatalista? Será que a fatalidade existe? Os adeptos das teorias expressas por Joaquim se apressariam a dizer que sim, mas será que isso é real na nossa vida ou só um devaneio? Vamos ver...

Falar que tudo está escrito, que Deus é que causa tudo, que o destino está predeterminado ou dizer que aquilo está acontecendo porque tinha que acontecer é fugir do momento presente. Na verdade isso são apenas suposições ou elucubrações mentais. Ninguém que viva a realidade por ela mesmo se atreveria a dizer isso, porque o que é percebido, descrito pela mente e vivenciado com um determinado sentimento não embute em si tal presunção.

O presente não é fatalista, ou seja, não estava escrito. Ele é o que é. Ele não está ocorrendo por causa disso ou daquilo: está ocorrendo desta forma porque está. Viver o presente é constatar a vida e não viver declarações sobre ele.

Ao dizer isso parece que estou indo contra tudo o que foi ensinado por nosso amigo espiritual, mas isso também não é real. Estou escrevendo porque estou e não porque sou contra ou a favor.

Além disso, quando escrevo isso, estou me prendendo aquilo mesmo que ele disse: é preciso viver o aqui e agora com o que existe nele e não entender o que está acontecendo. Quem quer aplicar fórmulas ou teorias para explicar o presente não o vive: pensa na explicação enquanto ele ocorre.

Eu não sei por que faço, para o que faço ou no que vai dar o que estou fazendo: apenas faço. Apenas vivo o que está sendo feito.

Portanto, a vida não é fatalista: ela é o que é. O presente não é decorrência de uma pré programação ou dos desígnios de Deus: ele é assim porque foi assim que me foi apresentado...

Choque de realidade

Despersonalizando-se

Já é madrugada. Tudo ao meu redor dorme. Deixei para escrever este texto nesta hora porque tenho certeza que será difícil de fazer este texto. Não porque o que nele está dito seja difícil de compreender ou de explicar – pelo contrário, é simples demais – mas, porque poucas são as palavras para explicar o que quero dizer.

Antes de falar exatamente do assunto desta conversa, vou resumir algumas das coisas que ouvi até hoje nesta vida. Não que estas coisas tenham a pretensão de explicar, justificar ou até conferir a esta informação o cunho de verdadeiro. Vou falar delas apenas porque esta é a idéia que está me vindo agora. Não preciso explicar nem comprovar nada do que digo abaixo, pois estou sentindo isso, e é isso que importa...

Somos o que a mente diz que somos. Todo reconhecimento que fazemos de nós mesmos, que chamamos eu, é aquilo que a mente, através de idéias nos diz que é este eu.

Tudo o que vivemos é aquilo que a mente cria. Todas as percepções, todas as descrições de cada momento e tudo o que sentimos durante estes acontecimentos são frutos da mente.

Estas coisas que a mente cria chamamos de vida. Vida é tudo aquilo que nos acontece. Mas, se o que somos também é criação da mente, como aquilo que nos acontece, quem somos nós? Somos a vida...

Nós somos a vida. Não vivemos nada. Aliás, não há nada a ser vivido: somos aquilo que acontece. Não há um ser que viva uma vida. Tudo que pertence à vida é ela. Portanto, o que chamamos de ser, de identidade, de personalidade, de eu, é a própria vida.

Se este ser não existe, que dirá o que pertence a ele. Não há mente, ego ou espírito: tudo é mente... Não há objetos materiais, verdades ou sentimentos: tudo é vida.

Ninguém ama, anda, vê ou corre: tudo isso é vida. O ser que vê é uma criação da própria mente, assim como a idéia de ver que, em última análise, é a própria vida.

Não sentimos tristeza, saudade, pena, alegria ou felicidade: a vida é isso em determinados momentos, assim como é outras coisas em outros momentos. Mas, o que é cada momento se não a própria vida? Portanto, tudo é vida...

Não existe um observador, um observado nem uma observação: tudo é vida. É vida existindo como sendo estas coisas... Mas, a própria idéia de existir também é vida.

Não existem as outras pessoas ou as outras coisas, pois tudo que existe é a própria vida. Nem sei se existem outras vidas, pois mesmo que existam, este saber não existe: ele é a vida...

Isso atende a todos os ensinamentos que a vida 'eu' até hoje ouviu. É a unicidade perfeita, pois tudo é um só. É unidade, pois só existe uma coisa: a vida...

Na vida não existe nada. Ela é como uma tela onde se projeta tudo o que existe. Mas, esta projeção não é alheia a ela, mas é ela mesma.

Como a vida eu disse acima, é muito simples: tudo é vida. Não existe ação nem inação, não existe dor ou prazer, não existe existência ou não existência, não existe certo nem errado: tudo é a vida dizendo que ela é isso... Alcançou-se tudo o que a vida diz ser monista...

Como disse, faltam palavras, porque elas possuem valores múltiplos, mas como descrever de uma forma múltipla aquilo que apenas é? A vida é vida apesar de dizer que ela é múltiplas coisas...

Quando uma compreensão dessas entra numa vida eu, tudo deixa de existir e apenas a vida existe. Neste momento a vida não precisa de definições, mas apenas é...

Quando uma compreensão dessas alcança a vida, ela flui como água de um rio calmo e não mais turbulento. Ela interpenetra a si mesmo e traz a si mesmo para si mesmo...

Erros de português? Erros de concordância? Repetir as mesmas palavras? Que influência tem essas coisas quando se compreende que você e as palavras não são diferentes: são vida...

Sentir isso é como deixar de ser apenas uma gota d'água que navega num rio e integrar-se ao oceano completo que nada mais é do que a própria vida.

Agora a vida 'eu' para por aqui esta vida escrever. Por quê? Porque a vida, que continua sendo apenas a mesma coisa, vai continuar sendo aparentando o parar de escrever... Tomara que ela continue sendo o que a vida 'eu' está sentindo...

Choque de realidade

É proibido proibir

Se tudo é vida e a vida é o que ela é, o que proibir? O que evitar? Do que fugir? O que mudar? Nada existe que não seja vida...

Quando a vida eu pensa que deve deixar de fazer uma coisa, isso é apenas a vida e não um desejo. Ao invés de querer deixar de fazer, viva o desejo de fazer, pois ele é a sua vida.

Quando a vida for querer evitar que alguma coisa aconteça nela, isso é apenas vida. Viva este momento como vida e não como acontecimento. Não tente evitar que alguma coisa aconteça, pois a vida será o que ela for.

Quando a sua vida for querer fugir de algo ou de alguém, viva intensamente isso, pois essa é a sua vida, a vida que cria o próprio eu. Não evite o fugir, mas viva-o com toda intensidade, pois esta vontade é você.

Para que mudar? Ou melhor: mudar do que para quê, se no fim das contas um e outro será sempre vida? Viva você, viva o que você é, pois se não fizer isso, continuará vivendo a vida e nada mais.

Não existe certo nem errado, pois a vida é sempre vida.

No texto anterior disse que a vida é uma tela onde se projetam as coisas que chamamos de vida. A projeção não é a vida, mas apenas uma projeção. O que é projetado não é nem a película, porque ela está dentro do projetor: é apenas a sombra que a luz cria sobre a tela.

A vida é a tela. E se isso é real, qualquer coisa que se projete sobre a tela continuará sendo sempre a tela.

Por isso é proibido proibir. É proibido querer mudar, evitar ou fugir. Viva tudo que acontece com você com a mesma gana que viveria o que quisesse que acontecesse. Não há nada a ser mudado, não há nada ser evitado ou do que possamos fugir.

Mas, se analisarmos mais a fundo, o próprio desejo de proibir também é vida. Se você não consegue evitar de querer criar o proibido, viva isso com a mesma intensidade. O que vale não é o que se faz, mas a intensidade com que se vive o que acontece.

Portanto, proíba tudo o que proibir e libere tudo o que liberar: nada depende de você mesmo, pois a vida vive por ela mesmo.

Choque de realidade

Viver com medo do sofrimento

Logo quando comecei esta série de textos, uma pessoa me colocou uma questão. Pedi licença para responder publicamente e ela me concedeu. Demorei, mas acho que agora posso respondê-la.

A pergunta dela foi:

...vou aproveitar a ocasião para lhe pedir uma ajuda relacionada com o tema. Eu me sinto tão covarde em relação ao sofrimento! Eu queria ter a capacidade de me distanciar do sentimento de apego aos meus filhos, mas não consigo! Tento mentalizar que tudo que vier é na justa medida, mas sofro um sofrimento por antecipação do que poderá acontecer com eles no futuro.... É mais forte do que eu, e crio uma ansiedade terrível! Vou buscar acontecimentos passados para relacionar com um futuro acontecimento que poderá vir ou não... É muito estúpido esse sentimento de covardia. Antes de eu conhecer vocês e as palestras eu dizia que queria ser velhinha porque era um sinal que eu já tinha passado tudo que tinha que passar... É dose não é?

Respondendo, digo que a dose não é o seu sofrimento, mas você lutar tanto pela vida para no final negá-la.

Todos querem estar vivos, mas para quê esse desejo? Quando a vida vem trazendo ela mesma, nós lutamos para nos afastar dela, lutamos para negá-la...

Tudo o que você está sentindo é sua vida. O medo, o sofrimento por antecipação, não são nada externos à vida, mas apenas ela mesma. O que você quer ser, o não ter mais medo, o não sofrer, é que não é. Se eles fossem a sua vida, estariam presentes neste momento. Como não estão, é sinal de que eles são coisas que não existem. Esta é a ilusão.

Iludir-se é achar que poderia evitar o que está acontecendo. Iludir-se é achar que deveria viver algo que não se está vivendo naquele momento. É isso que é o choque de realidade. Viver a realidade é viver o que a vida é e não o que queríamos que fosse. Ela não é aquilo que desejamos, mas apenas aquilo que ela é.

Como disse, lutamos para estar vivos, mas renegamos a vida quando ela se apresenta. Com isso, sobra o que para viver? Nada. Se não vivemos o que temos, o que iremos viver?

Viva seus medos, seus sofrimentos antecipados com toda a sua força sabendo que eles são a vida que você tanto quer preservar. Mudanças? Isso é apenas para aqueles que querem viver castelos de sonhos, que querem viver irrealidades.

Mas, você poderia me dizer, com isso vou continuar sofrendo. Quem disse? Já experimentou viver o medo ao invés de combatê-lo?

Na verdade, o que lhe faz sofrer não é o medo, mas a ausência de vida na sua vida. Quando vivemos os sonhos como algo necessário de estar acontecendo, de ser vida, sofremos o sofrimento que isso cria. Quando aceitamos a vida como ela é e a vivemos com toda intensidade de nosso ser, vivemos vida, e ela sempre é paz e felicidade.

Além disso, para que mudar, se qualquer coisa para que se mude será sempre o que é agora: vida. Ao invés de querer parar de sofrer, viva o sofrimento como vida, como um presente de Deus, seja lá o que for que esta palavra queira dizer para você.

Para aqueles que acreditam em Deus, este é o grande barato da vida: vivê-Lo. E Ele, para nós, é a própria vida. Tudo é Ele, portanto, o sofrimento é Ele. Quando negamos querer viver a vida, negamos vivê-lo.

 Agora, se apesar destas palavras você ainda quiser continuar fugir da vida, isso não tem problema, pois o seu querer fugir é a sua vida. Viva isso como vida e não como uma vontade, um desejo de que as coisas fossem diferentes.

Choque de realidade

Despertar

O que acontece na vida? Nada... Na vida não existem acontecimentos, só vida... Quem vê alguma coisa acontecendo (eu ou outro fazendo algo) ainda não está vendo a vida, mas sim os acontecimentos.

Como já disse antes, a vida é a tela onde se projeta o filme, ou seja, os acontecimentos que participamos. Por isso, quem ainda vê alguma ação, ou seja, acontecimento, ainda está atento à projeção e não à vida.

O personagem da projeção que alcança esta consciência não mais se preocupa com os acontecimentos. Para ele tanto faz estar de pé ou sentado, andando ou parado. Ele não quer saber se está ganhando ou perdendo, sendo feliz ou infeliz, tendo prazer ou dor. Para o personagem que alcança esta consciência tudo o que possa ser vivido através de acontecimentos não tem importância, pois ele sabe que são apenas projeções que acontecem na tela vida.

Este ser não mais se preocupa em se atentar nos acontecimentos porque sabe que atrás do cenário existe algo muito maior: a própria vida. Por isso, ao invés de observar os acontecimentos, procura, através de nesgas do cenário, ver a tela, a vida.

Ele sabe que enquanto a projeção é formada por múltiplas sensações, a tela repousa atrás do cenário, plácida e mansa. Ele sabe que enquanto na projeção há correria, vontade de ganhar e a busca do reconhecimento, por trás existe um pano branco que jamais se altera, não importando o é projetado.

Da mesma forma, quando o personagem compreende que o acontecimento não pertence à vida, ele não mais busca explicá-los. Para ele todas as teorias a respeito da movimentação perdem o poder de seduzi-lo, pois sabe que elas apenas falam a respeito dos acontecimentos e não da vida. Ele não se preocupa em investigar porque aquilo está acontecendo, no que vai dar aquele acontecimento, etc. Ele não quer saber o que causou o acontecimento nem se irá influenciar no próximo.

Ao personagem que alcança esta consciência chamo de desperto. Despertar é entender que toda movimentação que pode ser vivida por um personagem é apenas uma projeção que está sendo realizada pelo projetor sobre a tela. O personagem desperto sabe que nem filme ele é, pois no filme não existe acontecimento, mas apenas fotos estáticas.

Isso é sair do sonho. É acordar. Ter a certeza de que se vive apenas uma projeção, uma ilusão criada pela luz do projetor, e não uma vida é despertar do sonho do 'eu sou'.

Mas, se o próprio personagem é uma projeção, que dirá o despertar. Ter uma consciência desperta não pode ser alcançado pelo próprio personagem, se não for esta a história escrita pelo roteirista.

Por isso o personagem sabe que a única coisa que ele pode fazer é viver os acontecimentos livre da consciência de que eles são reais e abrir mão de investigá-los. Além disso, ele sabe que só pode esperar que o roteirista escreva um roteiro onde ele desperte.

Choque de realidade

Explicando o nada

Explicar o nada... Que trabalho difícil Deus me deu...

A vida é o nada. Ou como diz minha esposa, nada que se possa conhecer. Mas, tudo que não se pode conhecer é nada para nós...

De onde vem o nada? Do nada...

Para onde vai o nada? Para lugar nenhum, pois se nada existe, para onde ele poderia ir?

Por que existe o nada? Não há razões para ele existir, pois nada há antes do nada.

Para que existe o nada? Por nada...

De que é feito o nada? De nada.

O que vai acontecer depois do nada? Nada...

Para que serve o nada? Para nada...

O que vai acontecer se vivermos o nada? Nada...

Quando existe o nada? Quando nada existir...

Onde existe o nada? No nada...

Explicar o nada... Que trabalho fácil que Deus me deu...

Choque de realidade

O nada e o tudo

Os últimos textos que tenho escrito sobre a vida, o nada, têm causado alguma polêmica. Isso porque as pessoas ainda confundem o nada com o vazio. Mas, o nada não é vazio: tudo está dentro do nada.

Quem observa a tela onde são projetados os acontecimentos, ainda vê a projeção, ou seja, os acontecimentos. Percebe tudo e todos que existem, percebe tudo que acontece, mas tudo isso perde a significância. Tudo isso passa a não ter valor.

É isso que digo quando falo em viver o nada, despertar: neste estado as coisas perdem o valor que têm. Quem vive o nada não vivencia um vazio, não vive uma existência oca: continua a vivenciar tudo, só que todas estas coisas viram nada.

O ser que vivencia o nada continua vivendo a sua existência normalmente. Continua conversando, comendo, bebendo. Ele participa da existência normalmente, só que os valores que os seres humanos costumam dar às coisas não mais existem para ele.

Não há mais o ganhar, o buscar o prazer, o querer o reconhecimento, o precisar do elogio. Com isso somem também o medo de perder, de sofrer, de não ser reconhecido, de ser criticado. Enfim, tudo aquilo que é intrínseco à natureza humana perde o valor quando se encontra o nada.

O nada contém o tudo, ou seja, nada deixa de existir: apenas perde o valor que tem.

Tenho, propositalmente, falado de um nada que aparentemente está vazio. Fiz isso apenas com um propósito: para mostrar que por mais que digamos que não queremos nada, ainda estamos apegados a tudo.

É preciso abrir mão de todas as coisas e para isso é preciso encarar de frente a existência do nada. Além do mais, este nada a que me referi, a tela onde são projetados os acontecimentos, é a vida eterna. Aquilo que dizemos que é a vida espiritual.

O mundo terrestre é uma projeção de um filme, mas em que será que ele se projeta? Na vida eterna, no Universo. Ele é um filme que passa na tela do Universo. Para alcançarmos esta vida é preciso que abandonemos a projeção e olhemos só para a tela. Mas, este abandonar não é restrito: abandonar o que quero, o que acho que devo, o que alguém disse que tenho que abandonar. É preciso abandonar tudo: isso é cair no nada.

Quando se fixa na tela, ainda vemos a projeção. É impossível deixar de ver a projeção, por mais que se fixe o olhar na tela, enquanto os acontecimentos estiverem sendo projetados. Por isso, o nada vazio não existe.

Como disse, fiz propositalmente. Fiz para mostrar que apesar de aceitarmos que temos que abandonar tudo, temos medo do nada. Quem tem medo do nada não consegue se libertar de tudo o que precisa. Ainda retém verdades, idéias e questionamentos que são humanos.

Mas, no nada tem tudo isso. Por que, então, o medo? Todas as nossas idéias, todas as verdades que ouvimos até agora, tudo e todas as pessoas com quem vivemos até agora continuaram existindo no nada. Apenas o que vai sumir é o valor ou importância das coisas...

Vou dar um exemplo. Em resposta ao texto anterior (explicando o nada) alguém me disse assim: 'E a lei do carma, onde fica'? No mesmo lugar que sempre esteve: na projeção humana, na vida humana, no mundo humano.

No nada existe uma lei do carma, pois ela está sendo projetada sobre a tela, mas esta nada tem a ver com aquilo que nós humanos acreditamos. Quando encaramos o nada de frente, a vida universal, a força e a interpretação que se dá a este tema some. Não há mais como compreendê-la e com isso podemos vivê-la na sua realidade. Vivê-la sem saber que a estamos vivendo, bem entendido...

Seria muito hipócrita de minha parte dizer que minha casa, minha família ou meus amigos tenham deixado de existir para mim. Quem conversa comigo sabe que isso não é verdade. Continuo me comunicando com todos, brincando, trocando sorrisos. O que mudou dentro de mim foram os valores que estas coisas tinham, a importância que se dá a elas na existência.

Por isso, dentro deste trabalho que fala do choque de realidade, foi importante esta parte. Quando se fala em choque de realidade não se fala em compactuar com a vida humana. Em seguir ditames, leis ou verdades ditadas por quem quer que seja, mas em encarar o nada. Em encarar o ter que se libertar de tudo.

Vamos continuar conversando a respeito do tudo, mas entendendo que é preciso se afastar dele para chegar à realidade, que ao final, será nada do que conhecemos...

Choque de realidade

Síndrome de princesa

O complemento da frase 'quando a vida lhe dá um limão' invariavelmente é: faça uma limonada. Essa postura denota uma coisa comum nos seres humanizados: o medo do sofrimento. Todos querem sempre 'adoçar' a vida, viver felicidade e, por isso, fogem do sofrimento.

Mas, por que isso? Por que fugir do sofrimento se ele é parte da vida humana, se ele está presente na vida. Fugir dele é negar-se a viver momentos da vida... Dizemos que queremos viver, mas queremos também escolher o que viver: isso é impossível.

Pensar em 'adoçar' a vida é uma atitude infantil, que denota o quanto somos imaturos emocionalmente falando. Como ensinou Joaquim, como fazer uma limonada se a vida não nos oferece nem a água nem o açúcar?

Chamo tal postura de síndrome de princesa. Todos nós, homens ou mulheres, vivemos como as princesas dos contos de fada que sonham esperando o dia que o príncipe encantado virá lhes buscar e eles serão felizes para sempre. Infelizmente, isso só existe nestes contos. Na vida real, a situação é bem diferente...

O que precisamos não é tentar viver só felicidade, mas sim aprender a encarar o sofrimento de frente. Ele existe e não pode deixar de acontecer em nenhuma vida humana. Para mim, isso se faz sabendo que a tristeza está no tudo, na projeção, mas que por baixo dela existe o nada, a vida. Estar ligado na tela nos faz passar pelo sofrimento sem sofrer.

Enfrentar o sofrimento de frente é dizer a si mesmo: 'Estou sofrendo. E daí? Isso faz parte da vida. Eu não posso escolher o que viver, por isso tenho que enfrentar o que está acontecendo comigo agora'.

Parece tão óbvio e simples, não? Mas, porque não fazemos? Porque desejamos ser sempre felizes, porque sonhamos com o final feliz sempre, porque nos iludimos achando que somos capazes de viver uma existência onde só haja felicidade.

É aí que se deve agir para poder, pelo menos, não ter medo do sofrimento. Precisamos acabar com a síndrome de princesa e cair na realidade: a vida humana é feita de altos e baixos, de felicidade e de sofrimento. Não dá para se viver apenas de um lado da moeda.

Vivemos querendo afastar a tristeza de nossas existências, mas não atacamos a raiz do problema: o que causa o sofrimento é o desejo da felicidade. Se não desejarmos apenas ter felicidade, poderemos viver com o sofrimento sem sofrer o desgosto de estar sofrendo.

Por isso o termo 'desperto' que dei para aqueles que conseguem acordar para a vida tela. Estes não sonham mais, ou seja, não têm mais a ilusão de que não sofrerão. Eles estão conscientes de que o sofrimento virá, mais dia ou menos dia, e podem assim, encará-lo de frente. Com isso encerra-se o desejo de só ter felicidade e a tristeza dói menos...

Quando se está desperto se tem a consciência de que o amigo um dia irá puxar a brasa para a sardinha dele; que o filho não vai fazer aquilo que esperamos dele, que a chuva torrencial não irá cair só em outra cidade ou bairro, que conseguiremos sempre voltar ilesos quando sair de casa. Quem se prepara para sofrer sabe que tudo isso pode acontecer com ele mesmo. Por isso, sofre menos quando acontece.

Já aquele que está vivendo o sonho provocado pelos desejos, não se prepara para estes a acontecimentos e quando eles inexoravelmente acontecem na existência de cada um, sofrem muito mais. Nos dois o acontecimento é o mesmo, mas um, por estar desperto, ou seja, por estar preparado para a viver a vida dentro da realidade e não no sonho da princesa dos contos de fada, consegue passar por isso sem sofrer, enquanto o outro se sente traído pela vida e por isso sofre mais.

Choque de realidade

Para que ser feliz?

Muitos estão buscando viver a felicidade, alcançar o nada, mas destes poucos se perguntaram para que estão fazendo isso. Perguntando-se obteriam uma resposta que certamente lhes mostraria que ainda não estão no caminho do nada: para ter felicidade nesta vida.

Ser feliz é viver o nada, a tela. É estar livre das emoções que existem na projeção. Ser feliz não tem nada a ver com a projeção, com a vida humana e nem provoca qualquer mudança na projeção.

Como já disse, para mim a vida humana é a projeção de um filme pelo projetor. Este filme já está escrito, gravado e agora só está rodando, passando na tela. Nada do que está nele poderá ser mudado.

Quem acredita que ao atingir a felicidade, o viver a tela, poderá alterar qualquer coisa na projeção está completamente enganado. Ainda está lutando por uma causa perdida...

Ainda ressoa em meus ouvidos a conversa que tive com um amigo. Ele me disse assim: 'Por que não posso provar o sabor gostoso da comida se já sei que não posso me desgostar da comida ruim'? Esta frase é uma síntese do que muitos querem quando se jogam na busca da felicidade: mudar o filme para que a projeção só contenha aquilo que lhe satisfaça.

Esse caminho não vai levar este ser a lugar nenhum. Isso porque os acontecimentos considerados desagradáveis continuarão acontecendo e quando isso ocorrer poderá vir a decepção. Com ela virá o desânimo e dele ou a desistência ou a busca de uma nova forma para ser feliz. Mas, como não existe outra forma para se viver a tela senão libertando-se de tudo que está na projeção, este ser ficará rodando na projeção enquanto durar a sua aparição.

Por isso conclamo a todos se perguntarem o que esperam desse trabalho. Se for mudar a sua vida, se for ainda continuar vivendo o tudo como importância, pare de buscar, pois nada será alcançado. É preciso atirar-se no vazio, no nada.

Por isso fiz questão daqueles textos onde falava no nada. Não há outra condição para se alcançar a felicidade a não ser entregar-se ao vazio. Para isso é preciso libertar-se da projeção, apesar do filme continuar rodando. Quem ainda espera que o despertar vá provocar alguma influência nesta existência, ou seja, na projeção, acabará se decepcionando e nada conseguindo.

Quando falo em buscar a felicidade nesta vida não estou me referindo apenas ao que chamamos acontecimentos, mas em ver suas idéias proclamadas como certas, ser bem tratado por aquele que ama, etc. Enfim, é esperar que os seus desejos sejam realizados.

Dizemos que não acreditamos em milagres, que precisamos trabalhar para conquistar as coisas, mas ainda atiramos moedas nas fontes esperando que nossos desejos se tornem realidades. É isso que muitos estão fazendo quando se entregam a esta busca.

Choque de realidade

Plim!

Nestas conversas estou querendo fugir um pouco dos termos usados por Joaquim, apesar de falar a mesma coisa. Mas, num ponto que ele fala temos que tocar diretamente: os desejos...

O que é um desejo? É a vontade que determinado acontecimento ocorra dentro daquilo que queremos, que achamos bom para nós, que nos satisfaça. O desejo é a esperança que a vida ocorra em paz, na nossa paz. Dentro do simbolismo que estamos adotando, o desejo é a vontade que um personagem da fita tem de interferir na projeção, de dizer à projeção o que deve ser projetado.

Infelizmente isso não é possível. Isso porque, o filme já está filmado, as cenas já foram gravados. Agora elas estão apenas sendo projetadas. Como alterar o que já está pronto?

Não falo em pré-destinação, mas em constatar a nossa realidade. Quantas vezes tentamos de todas as maneiras mudar as cenas que participamos e não conseguimos? Quantas vezes agimos fortemente num sentido e quando a fita se projeta o acontecimento é completamente o oposto do que sonhávamos que ia acontecer?

Aceitar a projeção como ela acontece não é acreditar em nenhum ensinamento que fale em pré-destinação, mas apenas aprender a constatar que a projeção segue apenas o que está no filme e não os desejos ou ações dos personagens. Mas, isso só acontece quando aprendemos que o desejo não influi na projeção.

O desejo é danoso para quem quer alcançar a tela porque muda o foco do trabalho. Quem quer alcançar a tela fixa-se apenas nela, enquanto que quem dá asas ao desejo, vive esperançoso que ele aconteça, está focado na própria projeção.

Isso já nos foi ensinado, isso já pôde ser constatado por quem já viveu muito tempo, mas persistimos na vontade de mudar a projeção de acordo com nossos desejos. Na verdade, passamos a existência inteira buscando uma lâmpada de Aladim de onde saia um gênio que realize nossas vontades ou à procura de uma fada que venha com a sua varinha de condão e faça um 'plim' e tudo que queremos aconteça. Sonhos infantis...

Durante esta busca, como não conseguimos materialmente achar isso, acabamos nos voltando para o lado místico, para o sobrenatural, para aquilo que está além da projeção. Mas, no nada não existe nada: só a própria projeção.

Por isso vamos de religião em religião apelando aos deuses que se tornem o nosso gênio da lâmpada mágica ou a fada com sua varinha de condão. Isso é tão forte no ser humano que Allan Kardec fala o seguinte em O Livro dos Espíritos: “Imaginamos erradamente que aos Espíritos só caiba manifestar sua ação por fenômenos extraordinários. Quiséramos que nos viessem auxiliar por meio de milagres e os figuramos sempre armados de uma varinha mágica” (pergunta 525).

Rezamos, fazemos penitência, estudamos e trabalhamos na esperança que esse sacrifício faça os deuses atenderem a nossos pedidos. Ledo engano: os deuses são parte da projeção, como podem mudá-la?

Desiludido de cada um dos lugares que passamos buscamos correntes mais místicas. Aí ouvimos falar de algo chamado evolução espiritual, de algo que pode nos trazer paz e felicidade. Entregamos-nos a esse deus salvador, mas esquecemos do principal: eles falam em desapego total...

Mas, como nos desapegarmos se ainda vamos buscá-los apenas pelo apego aos desejos? Como atingir o nada se ainda esperamos que o tudo se mude? E o que é esse apego senão o desejo que nutrimos para cada coisa que participa da projeção conosco?

Temos desejo de tudo: de comer, de vestir, de fazer, de receber, de entender. Para cada acontecimento da projeção temos um desejo. Por isso nem o gênio da lâmpada poderia nos satisfazer, pois ele só teria três desejos para nos dar...

Como ainda buscamos nestes novos deuses a realização de nossas vontades nos desiludimos deles. Mas, o que mais há para buscar? Tudo já falhou, nada foi capaz de satisfazer nossos desejos?

Neste ponto nos desiludimos de tudo e aí paramos de desejar. Já que não há santo, deus, gênio ou fada que venha nos salvar, nos damos como derrotados. Neste momento, porém, encontramos a vitória.

Quando desistimos de lutar contra a vida para que ela aconteça do jeito que queremos é que começamos a nos desinteressar da projeção e começamos a mirar a tela. Aprendemos a esperar a vida chegar e vivê-la do jeito que ela vier ao invés de continuar como crianças sonhando com mundos encantados onde tudo se resolve num simples 'plim'.

Para que esperar tanto, se o final é certo? Repare se não é assim que os mais velhos vivem. Repare que aquilo que chamamos sabedoria da idade nada mais é do que a simples constatação que por mais que se deseje algo, nada podemos fazer a não esperar que a projeção a traga? Isso é constatar o presente, é viver o aqui e agora, é tomar um choque de realidade.

Sabendo disso, porque não começamos agora mesmo a ter a sabedoria dos velhos ao invés de ficar esperando encontrar a lâmpada maravilhosa ou pelo 'plim' da fada?

Choque de realidade

De volta para o futuro

Para poder se viver o nada, a tela, a felicidade, é preciso estar completamente concentrado no aqui e agora. Este, como já falei, é aquilo que está acontecendo neste momento. Mas, nós não conseguimos ficar presente no agora e estamos sempre indo de volta para o futuro.

O que é o futuro? É aquilo que ainda não é presente, que ainda não chegou no aqui e agora. Dito assim, parece fácil se entender o que é futuro e isolar-se dele, mas será mesmo assim?

Você já pensou em quem vai votar para presidente? Já leu informações sobre os candidatos, já viu pesquisas, já tomou posição? Para que? A eleição é hoje, está no seu aqui e agora? Não, mas quando o assunto surge, lá vamos nós pensar e se preocupar com ele, não?

Influenciados pela mídia, para quem o futuro é notícia, acabamos sendo levados de volta para o futuro. Mas, para que preocupar-se com isso? Será que você pode afiançar que estará vivo até a eleição? E se não tiver, de que adiantou essa preocupação de agora? Só serviu para perder o seu presente...

O presente é o que o próprio nome diz: um presente. Ele é uma dádiva que você tem, pois se consiste na sua vida. Se você não vive o presente e está sempre de volta para o futuro, o que tem para viver?

Será que o Rio de Janeiro terá condições de sediar a copa do mundo de 2014? Por que vou me preocupar com isso se não sei nem se assistirei a deste ano? Mas, como a televisão já começou a contagem regressiva, lá vamos nós de volta para o futuro contando com ela.

Até à copa de 2010, quanta água há de passar debaixo da ponte de nossa vida? Se estivermos preocupados e ansiosos com o futuro perdemos a vida que tanto nos esforçamos para manter...

Sei que estou falando de acontecimentos genéricos e que muitos podem não estar ligados a eles. Mas, pergunto: você sabe o que vai fazer amanhã? Já marcou compromisso para o próximo final de semana? Está ansioso aguardando-o? Para quê? Você pode morrer hoje...

Costumo dizer aos meus amigos que gostaria que cada um de vocês tivesse um infarto. Tive um há quatro anos e depois disso minha perspectiva de presente mudou...

Quando acontece um fato desses na sua vida, a medicina logo lhe coloca no famoso 'grupo de risco'. Os médicos lhe dizem que se fizer isso ou aquilo você pode morrer a qualquer momento. Mesmo que não se queira viver o futuro, esta informação é utilizada pela mente. Ou seja, você dorme sem saber se vai acordar e vive o dia inteiro sem saber se vai dormir.

Muitos pensam que esta situação (ter uma espada sobre o pescoço), é ruim, mas é o contrário. Ela não lhe deixa viver muito longe do momento presente. Ela não lhe faz vivenciar com antecedência o futuro.

A vida é o momento presente. Só ele existe para ser vivido. Quando nos prendemos a expectativa de acontecimentos futuros deixamos de viver a única vida que temos: o aqui e agora.

Isto é um fato sabido de todos, mas a vida está sempre colocando perspectivas de futuros e nos deixamos levar por elas. Quando o seu futuro já não é tão grande quanto a perspectiva, aí fica mais fácil concentrar-se no aqui e agora.

Quando isso acontece, você realmente vive. Não faz nada de extraordinário, mas vive o seu momento com toda a sua intensidade, sem querer se afastar dele e voltar para o futuro.

Choque de realidade

Deus - o homem morcego

Tem uma coisa que não sei se ainda entendemos direito: a vida é completamente apática. Ela é completamente desprovida de qualquer emoção... Os acontecimentos apenas acontecem, mas não trazem consigo nenhuma emoção.

Se isso não fosse verdade, como poderiam duas pessoas participando de um mesmo acontecimento ter emoções diferentes? Se a emoção fizesse parte da vida, como poderia alguém sentir diferente do que a vida diria que deve ser sentido?

A emoção não está na vida: ela está dentro de cada um. Cada um que participa de um acontecimento da vida escolhe, além de uma descrição para o acontecimento, uma emoção para vivenciá-la.

Se o acontecimento nos faz mal, não foi a vida que nos fez mal, mas nós mesmos que escolhemos o mal para viver aquele momento. Se o acontecimento nos faz bem, não foi a vida que nos fez bem, mas fomos nós que escolhemos bem para viver aquele momento.

Isso é fundamental para quem quer sair do tudo e atingir o nada. Isso porque esse tudo que precisa transformar-se em nada não está na vida, mas em nós mesmos. Para podermos nos libertar destas emoções pergunto: porque escolhemos este ou aquele sentimento? O que nos leva a viver como bem ou mal um acontecimento?

A emoção que cada um vivencia num acontecimento está diretamente ligada aos desejos. São os desejos que estão em nós que ditam se tal momento será vivido como bem ou como mal.

Todo o lado emocional que vivemos durante os acontecimentos é decidido pelo confronto entre os desejos e a descrição que a mente cria do momento. Se a descrição do momento satisfaz um desejo, vivemos o bem; se a descrição não satisfaz este desejo, vivemos o mal.

Portanto, nosso estado emocional não está na vida, mas dentro de cada um e ele está ligado diretamente à capacidade de desejar... Mas, vamos mais além: de onde surgem os desejos?

Porque você quer um bem material? Para que você quer estar em paz? Porque deseja que a situação ocorra de tal jeito? Enfim, porque você quer o que quer e não quer o que não quer? Por causa de suas verdades...

Sempre que existe uma verdade ela torna-se num código de lei, numa regra. Comer de boca fechada é certo; correr faz bem para a saúde; em determinados lugares só se pode ir de terno e gravata; gritar com os outros é falta de educação.

Isso são verdades de cada um, verdades individuais. O total destas verdades cria um código legal que baliza a sua vida. É porque achamos errado comer de boca aberta que queremos que os outros comam de boca fechada; é por achar que correr faz bem para a saúde que queremos que nós e todos corramos; é por achar que se deve ir de terno e gravata que criticamos quem não vai; é por achar falta de educação gritar com os outros que acusamos o outro de sem educação...

São as verdades, que usamos como leis, que nos fazem ter o desejo de viver o que se acha certo e de não viver o que se acha errado. Ora, se o choque da realidade descrita pela mente com o desejo é que cria a emoção que vivemos e se o desejo depende da verdade, posso dizer que são estas leis que nos fazem sofrer ou ter prazer.

Quando a lei é acatada por mim ou pelo próximo, vivo a emoção de bom; quando a lei é desacatada, vivo a emoção de mal.

A partir de tudo isso, posso dizer que para se atingir o nada é preciso se libertar das leis, do achar que as verdades tem poder de legislar sobre a vida, para poder se viver a equanimidade. Quando não houver mais verdades que gerem desejos, não haverá emoções a serem vividas...

Por isso declaro também que, além de ateu, sou anarquista, graças a Deus. Ou seja, vivo para me libertar de todas as leis (verdades) que me levem a ter alguma emoção.

Mas, eu disse de todas, inclusive a lei que diga que eu tenho que me libertar de todas as leis...

Ser anarquista não é ser contrário às leis ou estabelecer leis anárquicas. Ser anarquista é não estar nem aí para o tem e viver apenas o que está acontecendo.

Para ser anárquico eu não preciso comer de boca aberta. Posso comer de boca fechada sem achar que isso é o certo a ser feito.

Para ser anárquico não preciso deixar de fazer exercícios físicos. Basta não achar que tenho que fazê-los.

Para ser anárquico não preciso ir de bermuda ao trabalho, mas ir de terno e gravata porque é esta a roupa que estou usando.

Para ser anárquico não preciso gritar com ninguém. Basta gritar comigo mesmo que falar em voz alta faz parte da vida...

O anárquico não cria regras anarquistas, mas vive a vida sem ter leis. Se ele criar leis anárquicas, ou seja, contrárias ao que está pré-estabelecido, e segui-las, não estará sendo anárquico, mas bem comportado, pois segue um padrão.

Quando se atinge o verdadeiro estado anárquico, ou seja, vive-se a vida sem deixar que os códigos de leis criem emoções, se atingiu o nada, o vazio, a equanimidade...

Choque de realidade

Anarquista graças a Deus

Deus... Coisa difícil de compreender! Coisa difícil de explicar! Por isso, quando o assunto é Deus, busco sempre me esquivar.

Mas, para que querer compreender Deus? O que posso ganhar se souber que Deus é isso ou aquilo? Mais: será que essa compreensão pode me levar à felicidade? Claro que não.

O que pode me ajudar é aprender a relacionar-me com ele dentro da idéia do nada... Mas, para isso, preciso entender como me relaciono no tudo...

Como nos relacionamos com Deus dentro do tudo hoje? Costumo dizer que Deus para nós humanos é como o Cavaleiro Mascarado: Batman... Nós somos como o povo de Gotham City que, quando em perigo, chamamos o paladino da justiça acendendo nos céus o sinal do morcego.

Sim, nossas orações são sempre no sentido de chamar o justiceiro para que venha fazer justiça, nos dando aquilo que achamos que merecemos. Quando não apelamos a ele para isso, queremos que venha realizar os nosso desejos...

Alguém já foi sistematicamente atendido por Deus? Ou seja, alguém já conseguiu do paladino da justiça tudo aquilo que pediu? Acho que não... Na verdade pedimos muitas vezes para conseguir algumas migalhas, não? Será, então, que ele é tão confiável assim? Acho que não...

Precisamos mudar isso... Quem coloca Deus como o super-herói capaz de realizar todos os seus desejos nunca vai conseguir enxergar o nada, não vai conseguir ser feliz. Isso porque ainda está vivendo o tudo.

Por isso declaro desde já em alto e bom som: sou ateu, graças a Deus... Na minha realidade não existe Deus ou qualquer super-herói que possa vir me salvar. Na minha realidade existo eu e o mundo e apenas um destes dois elementos pode agir... Como sei que a vida vive a vida, vejo-a sempre agindo e não eu.

Deus não participa do meu presente, nem causando, nem abençoando. Tudo que acontece para mim é vida existindo no aqui e agora. Por isso não tenho nada a pedir, não tenho nada que precise de aprovação...

Vivo o momento pelo momento, o presente pelo presente. Para que vou precisar de Deus?

Os mais apegados aos ensinamentos diriam: 'Mas, não é Deus quem cria o momento'? Sei lá... Neste momento estou vendo meus dedos apertando as teclas e as letras aparecendo. Cadê Deus?

'Ele está no invisível, ele está por trás, ele é a tela', me diriam os sonhadores, aqueles que não vivem o momento presente. Mas, eu sou projeção, eu sou humano. Quando chegar à tela pode ser que eu o encontre e neste momento, com minha percepção ampliada da realidade, possa me relacionar com ele de mãos postas como todos ensinaram e não estendidas como fazemos...

Choque de realidade

Tocar a vida ao vivo

Assistindo a um filme ('Sempre ao seu lado') me veio uma idéia para mais uma explicação do que é viver a realidade que gostaria de compartilhar com vocês. No filme, um professor de música fala aos seus alunos sobre um autor de marchas americanos que não gostava de gravações de suas músicas. Justificativa esta predileção afirmando que quando se executa uma música ao vivo está se criando ela novamente.

Sim, a música executada ao vivo sempre é uma nova criação dela. Quando alguém executa a música ao vivo sempre acrescenta a ela o seu toque especial, seja no arranjo ou até mesmo na simples forma de tocar as notas. Isso faz a música tornar-se pessoal, tocada para você. Quando ouvimos uma gravação ela torna-se impessoal.

Esta é uma simbologia que nos ajuda a compreender como viver o dia a dia da vida, como estar presente no aqui e agora: é preciso 'tocar' a vida ao vivo e não reproduzi-la a partir de gravações. Como isso o aqui e agora fica pessoal, é seu; reproduzindo apenas o que outro gravou, ele torna-se impessoal.

Tornar um momento pessoal é fazê-lo ser seu. É saber o que está acontecendo; é participar completamente do presente. Quando não executamos o momento, ele torna-se apenas repetição mecânica e isso nada nos ajuda a alcançar a tela, o nada.

Estamos aprendendo que precisamos vencer a mente no momento de agora. Mas, como fazer isso se nem sabemos o que a mente está dizendo? Como superar as emoções propostas pelo personagem se nem as conhecemos? Só quando a vida for sua, pessoal, é que podemos ter consciência profunda do que está acontecendo para podermos nos libertar.

Mas, o que seria viver o aqui e agora apenas executando gravações? Viver tentando, mentalmente, usar ensinamentos que não estão presentes no momento. Por exemplo: quando a mente me diz que eu estou escrevendo dá para se ver a presença de Deus com sua Causa Primária? Claro que não, sou eu que estou escrevendo... Neste momento dá para, racionalmente, se ter a certeza de que este texto tinha que ser assim? Mas como, se muitas vezes aperto o backspace e escrevo de forma diferente?

É preciso viver o presente ao vivo. Neste momento eu estou escrevendo e escrevo estas letras porque são elas que estão sendo digitadas e não outras. Neste momento estou sentindo ansiedade, pois ao mesmo tempo que estou escrevendo, estou publicando arquivos de som e toda hora vou ver se já acabou o upload. Ter esta consciência é viver a vida ao vivo... Qualquer outro elemento que agregue a este momento, transformará o presente apenas numa reprodução de algo que não está presente.

Estando presente ao vivo no meu aqui e agora posso conhecê-lo e, conhecendo-o, posso, então saber do que me libertar. Reproduzindo apenas o que já foi gravado anteriormente posso estar sendo levado pela mente sem saber, pois não consigo separar o que é real do que é apenas criação da própria mente.

Nestas conversas sei que já falei muitas vezes sobre viver o aqui e agora querendo aplicar a eles ensinamentos que não pertencem à nossa realidade. Faço isso não para desacreditá-los ou desmerecê-los, mas sim porque tenho observado muitos amigos dizendo que estão conseguindo libertar-se da mente, mas, por estarem vivendo o presente de maneira impessoal, prendem-se à criações mentais e nem estão conscientes disso.

Para poder realmente se libertar é preciso viver a vida ao vivo, de maneira pessoal. Afinal de contas, a vida é sua, é de cada um. Só isto já deveria nos levar a viver apenas o que nos pertence, aquilo que realmente está presente neste momento.

Este é um resumo do que é o 'choque de realidade': viver a vida de uma forma pessoal, completamente presente no aqui e agora e não executar gravações de outros. Com isso, de alguma forma estamos criando a vida. Não criando no sentido de fazê-la surgir do nada, pois a vida vive por si só, acontece por suas próprias vontades, mas sim no sentido de criar uma vida, uma realidade, para que possamos saber contra o que lutar.

Choque de realidade

Moldando o barro

Quando a água se mistura com a terra forma o barro. O barro é algo sujo, pegajoso, que nos incomoda.

Da mesma maneira, quando nossos desejos se encontram com a realidade, surge o sofrimento. O sofrimento também é algo sujo (ruim), pegajoso e que nos incomoda.

Muitas vezes tentamos limpar o barro de nossas vidas através de técnicas de auto ajuda, de orações, de pensamento positivo, mas dificilmente conseguimos resultado. Por quê? Porque esse barro não se lava: é preciso moldá-lo.

Assim como alguns conseguem transformar o barro em peças belíssimas, nós também precisamos aprender a moldar o barro do sofrimento de nossa vida. Como fazer isso? Encarando-o de frente, interagindo com ele de uma forma madura, lógica.

Muitos se enganam imaginando que existe um momento de sofrimento. Isso acontece porque sempre pensamos nesse momento como um tempo longo. Mas, o aqui e agora não pode ser mensurado em tempo.

O sofrimento é algo que como uma bola de neve começa pequeno e vai aos poucos crescendo até, de repente, se espatifar e acabar. Ele não é o mesmo o tempo inteiro, apesar de imaginarmos isso, mas trata-se de um novo sofrimento a cada aqui e agora. Se não agimos tentando estancar o seu crescimento, ele se avoluma e quanto maior, mais difícil é eliminá-lo. Portanto, em algum momento precisamos encarar de frente o sofrimento e moldá-lo, ou seja, retirar dele as características que nos incomodam.

Reparem que não falei em acabar com o sofrimento, mas em retirar dele as suas características que nos incomodam. Quem pensa que pode acabar com o sofrimento engana-se e, por não conseguir, acaba sofrendo mais.

A saudade de quem partiu não é um sofrimento, mas sim algo, que se moldado, pode se tornar em um elemento bom da nossa vida. Pode nos ajudar a continuar a nossa ligação com aquele que se foi, mesmo que ele não esteja mais presente. Isso é conviver com o barro moldado, em forma de algo útil. Já sofrer por causa desta ausência é sujar-se no barro...

Mas, que instrumentos podemos usar para moldar este barro? A realidade...

Quando a saudade transformar-se em dor, pergunte-se: 'Isso ajuda a trazer o meu ente querido de volta'? 'Este sofrimento vale para alguma coisa, ele pode me ajudar a construir algo'? Ou seja, encare de frente a partida, viva este momento de sua vida de uma forma madura. Você sabe que o seu sofrimento não vai trazer aquela pessoa de volta; então, para que chorar?

Como disse, não estou falando de saudade, mas de sofrer porque se está com saudade. A saudade, que muitos acham que causa dor, na verdade, não o faz. Ela pode ser acompanhada de dor ou não: isso depende de cada um.

Se não vivida na dor, a saudade torna-se uma companheira que substitui quem partiu. É por ela que vamos buscar fotos antigas para relembrar fatos e acontecimentos que nos foram caros. É pela saudade que mantemos vivos junto de nós aqueles que se foram.

Já a vivência da saudade com sofrimento nos faz viver esta relação de uma forma pesada, de uma forma sofrida. Isso é tão ilógico... É ilógico porque, muitas vezes, nos negamos a chegar perto das lembranças dessa pessoa, o que poderia nos aproximar dela. Ou seja, sofremos porque ela partiu e não nos aproximamos porque estamos sofrendo.

Aliás, este sofrimento não faz mal só para nós, mas também para quem se foi. Dizemos que o nosso sofrimento pode atingir a quem se foi, pode atrasar a sua caminhada, mas mesmo assim continuamos vivendo esta sensação com dor, sofrimento...

É assim que se molda o barro do sofrimento: enfrentando a inevitabilidade do que aconteceu, da realidade, retirando dela os devaneios...

Se você perdeu o emprego, de que adianta sofrer? Se foi justa ou não a sua demissão, que importa? Você está desempregado. Isso é uma realidade que precisa ser enfrentada maduramente. Pare de se lastimar, de lamentar, e compreenda que precisa buscar outro emprego. Saia, vá distribuir currículos, vá comprar o jornal. Isso pode lhe ajudar, já sofrer, em nada resolve. Aliás, pode lhe levar a uma depressão que vai acabar impedindo de sair para buscar novo emprego...

Quando você enfrenta a realidade de frente, pode 'agir' para 'resolver' a sua vida. Agora, se você só fica chorando porque está tendo que viver aquilo, o que adianta? Isso não muda em nada a realidade.

Se alguém lhe criticou, de que adianta ter raiva? Tente provar que está certo. Se alguém não fez o que você quer, vá lá e faça você mesmo. Se hoje não acordou bem, de que adianta se lastimar, vai ter que viver este estado de espírito enquanto ele durar? Viva-o...

Isso é moldar o barro: é transformar aquilo que aparentemente parecia algo sujo, pegajoso, que nos incomodava em uma realidade que não pode ser transformada porque já aconteceu. Isso é tomar um choque de realidade...

Choque de realidade

O aqui e agora

Uma pessoa me fez o seguinte questionamento a partir da leitura do texto onde afirmo que a emoção nasce do encontro do desejo com a realidade:

A única coisa que tenho de momento a momento é essa vida, a minha vida pessoal. Entendo o que você diz, mas a vida acontece muito rapidamente e com ela as emoções, desejos e descrições do momento. É um turbilhão de imagens, percepções, sensações, descrições. Quando penso que vivi um aqui agora, trilhões de outros já se passaram.

Será que você poderia ir mais fundo nessa questão do seu texto que transcrevi acima? Sei que você já falou muito disso, mas o confronto entre os desejos e a descrição que a mente cria acontece.

Realmente, a vida acontece com velocidade estupenda. Quando vemos o aqui e agora já passou e nem nos demos conta. Isso é real, mas será que somos os mesmos em todos os aqui e agora? Será que vivemos todos os momentos de nossa vida de uma forma igual? Vamos conversar sobre isso...

Todas as correntes que falam da mente, sejam científicas ou espiritualistas, falam de dois sistemas de funcionamento dela: o instinto e a razão. Muito se fala sobre o instinto, mas, na verdade, pouco se sabe sobre ele. Fui buscar na Wikipédia uma definição de instinto e achei a seguinte frase no final:

Instinto é essencialmente o próprio ser, sem a interferência de qualquer elemento estranho, seja outros seres ou o próprio ambiente que o cerca.

Concordo plenamente com esta frase: 'o instinto é essencialmente o próprio ser'. O instinto é o próprio ser humano, ou seja, a mente. Ele não é o você que estamos procurando ser, mas é a sua realidade. É o processo instintivo que cria a própria realidade, o aqui e agora. Mas, antes de continuar neste tema deixe-me esclarecer algumas dúvidas quanto a elementos da realidade.

Na realidade existe a mente, que é, em última análise, o ser humano, e você. A mente, no entanto, não é um ser, uma individualidade. Ela não se expressa através de nada. Ela é o próprio pensamento. Não existe uma mente que pensa, mas apenas os próprios pensamentos.

Estes pensamentos, como podemos observar em nós mesmos, existem de duas formas diferentes: os espontâneos e os provocados. Os espontâneos são aquelas idéias que surgem do nada, que aparecem sem serem causados por nós. Já os provocados são aqueles que acontecem quando nos propomos a pensar em um tema específico.

Por exemplo. Quando você está andando na rua e lhe vêm a idéia de ir a tal lugar, isso é um pensamento espontâneo. Agora, quando você, assaltada por esta idéia, reflete, ou seja, analisa se deve ou não ir, este é um pensamento provocado.

Sem qualquer fundamento científico, digo que eu entendo que os pensamentos espontâneos são causados pelo instinto e os provocados pela razão. Vamos falar mais, mas, antes, deixe-me dar uma palavra. Sei que este texto, diferente dos outros, está parecendo um pouco técnico, mas isso é preciso. Estou tentando lhe explicar o aqui e agora, ou melhor, os tipos de aqui e agora que existem.

Voltando ao texto da Wikipédia, repare o que é dito logo depois de se afirmar que o instinto é o próprio ser, a própria mente: 'sem a interferência de qualquer elemento estranho'. Ou seja, você não pode interferir nos pensamentos espontâneos, no instinto.

Pronto, agora podemos falar das formas de se vivenciar o aqui e agora. Existe um aqui e agora onde você o vivencia na razão, ou seja, através de pensamentos provocados; mas, existe um tipo de aqui e agora que é vivido no instinto, ou seja, através de pensamentos que vem de não sei onde e que não podem sofrer interferências. Se isso é real, como, então, interferir nestes momentos?

Este é um erro fatal que cometemos. Só aceitamos a perfeição, ou seja, imaginamos que vamos conseguir interferir em todas as realidades que nos é apresentada. Mas, isso é impossível. Existem aqui e agora que não podemos interferir, quer seja na parte física quanto na mental.

Costumamos dizer que no 'calor do momento' nos é impossível raciocinar, que seguimos apenas o instinto. É isso mesmo. Existem acontecimentos em nossa vida onde apenas a mente fala e ela não aceita interferência de modo algum.

Mas, existem acontecimentos onde podemos interferir, ou seja, raciocinar o pensamento. Estes momentos são aqueles que chamamos de reflexivos, ou seja, onde refletimos sobre acontecimentos passados ou futuros. Neste momento, podemos interferir nos chocando com a realidade ou vivendo devaneios.

Desta simples análise do assunto, que por si só precisava de muitos textos para ser aprofundada, nos vêm, então, a forma de agir: analise o aqui e agora quando analisar. Não tente imaginar que possa viver em constante estado de vigília, pois isso não é possível.

Como você disse, os aqui e agora passam muito rápido. Aliás, só nos damos conta deles terem passado no momento reflexivo, não? No momento que estamos vivendo-os nem nos lembramos de que aquilo é um aqui e agora...

Viva a vida que você tem para viver, pois ela não pode ser diferente do que foi. Agora, no momento que conseguir refletir sobre a vida que está vivendo, tente, então, libertar-se das emoções oriundas do choque do desejo com a realidade, que, aliás, já passou.

Choque de realidade

Seis por meia dúzia

Nestes textos falei um pouco de um sistema que utilizo comigo mesmo para não deixar o sofrimento se instalar: o choque de realidade. Ao longo destes textos, para falar da nossa existência, usei a figura de uma projeção e de uma tela. Agora uma pessoa pede que eu fale mais sobre estas figuras. Vamos lá...

O que chamei de projeção é a nossa vida humana; o que chamei de tela é aquilo que chamamos de vida espiritual. Para mim, a vida humana é uma história que é projetada na vida espiritual.

Nós, seja lá quem formos, estamos na projeção e não na tela. Na projeção existe o tudo, ou seja, todas as coisas que conhecemos, compreendemos, percebemos; na tela existe o nada, ou seja, existem elementos que não conhecemos, compreendemos ou percebemos. Esta é em síntese do que quis dizer com essa figura.

Mas, o mais importante não é saber o que é uma ou outra, mas, o que isso tem a ver com a busca da felicidade. Por isso, vou aproveitar o seu pedido e falar um pouco mais sobre isso.

Quando falei que o personagem percebe a existência da tela por detrás do cenário da projeção, não quis dizer que ele é capaz de entender a tela ou de vivê-la, mas sim que ao perceber que existe algo mais do que a projeção, o personagem procura integrar-se à tela. Veja bem se não é isso que acontece conosco: quando começamos a divisar a existência da chamada vida espiritual começamos a buscá-la.

Acontece, e isso foi o que quis ressaltar nestes textos com o tudo e o nada, buscamos essa existência como se pudéssemos ser parte integrante dela. Não podemos: somos apenas algo que se projeta sobre ela. Não temos condições de entendê-la, de compreendê-la ou de vivê-la enquanto estivermos vivendo a projeção, o tudo.

Por isso, na minha opinião é importante esvaziar-se do tudo para atingir o nada... Chamo de esvaziar a vida libertar-se do valor de certo e verdadeiro das crenças, certezas ou verdades desta vida. Quem ainda tem alguma coisa como líquida e certa não consegue chegar à tela porque ainda está preso à projeção imaginando que ela é a tela.

Algumas dessas coisas que nos prendem à tela você falou em seu e-mail: 'Nos caminhos seguros das orações, das igrejas irmanadas, dos rituais e práticas, nas metas de vida para alcançar postos, cargos, casamentos, filhos, famílias, existem as promessas e a gente acaba condicionado que vale a pena a busca'.

Sim, uma das coisas que nos prendem à projeção são as promessas que são feitas para esta vida. Durante esta existência, a vida promete mundos e fundos para que fiquemos presos à ela. Mas, quanto sofrimento é necessário para que alcancemos uma migalha dessas promessas? Quantos desapontamentos acontecem na espera que elas sejam cumpridas?

Simplesmente ver isso acontecendo (o sofrimento necessário para se alcançar um mínimo de coisas) com você e com outros já deveria bastar para nos fazer tentar esvaziar a vida para alcançar o nada. Mas, como você disse, isso é difícil. Por quê? Porque não queremos trocar o certo pelo duvidoso.

Esvaziar essa vida é atirar-se num vazio. É abrir mão de tudo, é largar tudo aquilo no qual se está preso durante toda a existência. Essa é a dificuldade: não queremos nos atirar neste vazio...

Por isso, como fala muito Joaquim, é preciso ousar. Esvaziar a vida é um ato de ousadia, um ato que vai além dos padrões normais. Através da normalidade não se consegue esvaziar-se a existência do tudo para poder chegar ao nada.

Para se atingir o nada é preciso arriscar alto... Mas, não é isso que fazemos: no cassino da vida preferimos jogar baixo, trocar seis por meia dúzia, ou seja, não correr muitos riscos. Vou explicar melhor esta figura.

Não sei o quanto vocês conhecem sobre a roleta dos cassinos, mas me permitam, para aqueles que nada conhecem, mostrar como elas funcionam para ficar clara a figura que fiz.

Para apostar num jogo de roleta podemos fazê-lo de diversas formas. De acordo com a forma que se arrisca, a recompensa pode ser maior ou menor. Por exemplo: quem joga apenas num número, se acertar pode ganhar trinta e cinco vezes o que apostou; mas, pode-se apostar apenas na cor (preto ou vermelho) ou no par ou ímpar. Quem faz esta última aposta, se ganha, recebe apenas uma vez o que postou.

Este sistema premia aqueles que se arriscam mais. Quem joga no número simples tem 35 chances de perder, enquanto quem aposta nos grupos tem cinqüenta por cento de chance de perder apenas. Ou seja, quem ousa mais, ganha mais; quem ousa menos, ganha menos...

Na roleta da vida é a mesma coisa: quem ousa libertar-se de mais coisas recebe mais; quem não se arrisca muito, ou seja, ainda mantém verdades e desejos humanos esperando que eles possam trazer um mínimo de esperança de felicidade na projeção, recebe menos...

Mas, se arriscássemos pelos menos esses cinqüenta por cento ainda obteríamos algum lucro. O problema é que adotamos um sistema de apostas onde não arriscamos nada. Esse sistema eu chamo de trocar seis por meia dúzia.

Ele se consiste em jogar nas duas possibilidades que pagam menos a mesma quantidade de fichas, para que não percamos de maneira alguma. Ou seja, jogamos a mesma quantidade de fichas no preto e no vermelho e assim, dê o que dê, saímos da rodada com o mesmo capital que entramos. É o que vulgarmente chamamos de acender uma vela para deus e outra para o diabo.

Vivemos insistindo que estamos buscando a existência espiritual, a tela, o nada, mas ainda nos prendemos a algumas coisas. Para alcançar o nada esvaziamos do tudo apenas aquilo que queremos abrir mão... Além disso, preenchemos o lugar do que esvaziamos com novas verdades... Ou seja, trocamos seis por meia dúzia. Tudo isso para não viver o vazio, o nada...

Desse jeito não há riscos. Mas, se não riscos, não há recompensa... Continuamos vivendo a vida da forma que você falou: achando que vale a pena esperar pelas promessas da vida, mesmo que essas promessas agora sejam outras...

Por isso falei em ousadia. É preciso ousar, arriscar-se a abrir mão de alguma coisa sem colocar nada no lugar. É preciso aprender a perder, a ter sofrimento, a não conquistar, a não ser elogiado sem sofrer. Mas isso é uma decisão de foro íntimo: só você pode tomá-la...

Você pode ouvir falar de milhares de formas de despossuir, de libertar-se do mundo, de ser livre, mas se não decidir o que quer, nada conseguirá. Primeiro, decida o que quer para você, segundo, arrisque alto no esvaziar a vida: só assim pode ganhar alguma coisa.

Jogo feito! Onde você vai apostar?

Choque de realidade

Assistindo a vida

Nestes textos tentei falar do sistema que utilizo comigo mesmo para tentar extinguir o fluxo do sofrimento. Ele se consiste em observar a realidade sem ilusões e tentar retirar dela os devaneios que a mente cria.

Na prática isso é simples de ser feito, quando é feito. Mas, explicá-lo, foi difícil...

Para poder falar dele tive que abordar diversas partes teóricas que são muito difíceis de serem explicadas. Por isso, talvez tenha causado em algumas pessoas mais dúvidas do que já tinham... Quando abordei os assuntos de uma forma diferente e até criei nomes, coisa que não faço comumente, pode ter parecido que estava falando de uma coisa diferente, mas o que faço nesse sistema nada mais é do assistir a vida.

Por isso vou parando por aqui... Assim evito criar mais complexidade, pois o que tinha para ser dito já o foi... No entanto, não quero parar...

Mais importante do que saber que existe uma síndrome de princesa, uma tela e uma projeção, é saber como se faz isso na prática. Por isso vou iniciar uma nova série de textos.

Nesta nova série não pretendo falar de tela ou de projeção, de desejos ou paixões, mas simplesmente tentar aplicar na prática o choque de realidade à diversas circunstâncias da vida.

Convido todos a, mais do que lerem, participarem dela. Para isso, além do questionamentos de dúvidas, seria muito importante se as pessoas expusessem acontecimentos da existência onde é mais difícil retirar o tudo.

Pretendo, a partir de minha observação, fazer como comentários de como se encarar estas realidades sem deixar o sofrimento prosseguir. Mas, além da minha observação, seria muito bom que as pessoas colocassem as suas, pois assim poderíamos ampliar o horizonte deste trabalho.

Estou aberto a qualquer sugestão, mas desde logo afirmo que:

Primeiro: não sei se conheço a forma de encarar todos os acontecimentos;

Segundo: usarei minha forma de agir, mas pode ser que cada um consiga argumentos mais propícios a si para esvaziar o momento;

Terceiro: serei completamente 'frio' nas colocações. Prender-se a lamúrias, a emotividade, não ajuda em nada a esvaziarmos o tudo...

Feito o convite, comecemos então a 'Assistir a Vida'...