O nobre caminho

Compreensão correta

“COMPREENDER – Alcançar com a inteligência” (Mini Dicionário Aurélio – 3a. Edição)

Sempre que alguma percepção é recebida pelo ser, ele a analisa através do processo raciocínio da sua propriedade inteligência. Nada que aconteça escapa a essa análise. O resultado dessa análise será a “compreensão” que o ser terá sobre a percepção.

Nesse processo influirão os conceitos que o ser formou anteriormente. Se esses conceitos forem individualistas (contemplarem a verdade relativa), a compreensão estará dentro da mesma verdade. Assim, a compreensão alcançada pelo ser que viva dentro da realidade relativa será sempre uma nova realidade relativa. Apenas o ser que universalize seus conceitos atingindo a verdade absoluta do universo conseguirá compreender universalmente a percepção.

A verdade absoluta do universo nos ensina que Deus é a Causa Primária de todos as coisas, ou seja, que Ele comanda todas as ações dos seres para que a Justiça Perfeita e o Amor Sublime existam no universo. Essa é a “compreensão correta” que um ser pode ter de qualquer acontecimento.

Aquele que vive na “compreensão não correta” acredita que o ser possa agir por vontade própria, independente de um comando superior. Percorrer o Nobre Caminho Óctuplo começa por conferir a Deus a ação e aos outros seres o papel de intermediário nos desígnios do Pai para a existência universal.

O homem se considera o ser supremo do planeta, imagina que possui o “livre arbítrio” de praticar qualquer ato que queira, mas isso é uma verdade relativa. Se isso fosse verdade absoluta, a justiça e o amor do universo seriam individualistas, ou seja, sempre beneficiaram o próprio ser em detrimento do “querer” dos demais. Apenas Aquele que possui a Inteligência Suprema pode guiar os acontecimentos de forma que a Justiça Perfeita e o Amor Sublime prevaleçam sempre.

O ser humano, que vive na verdade relativa do “eu posso”, acusa os outros que praticam atos onde ele percebe uma causa de sofrimento, porque não compreende a verdade absoluta (ação de Deus). Ao atribuir ao outro a origem dos acontecimentos, o ser foge da verdade absoluta do universo e compreende injustiça e desamor.

O outro ser é uma individualidade que possui verdades diferentes do ser. Quando eles se relacionam (direta ou indiretamente), existe um duelo, muitas vezes inconsciente, para ver quem está com a razão. Na verdade, sempre que um relacionamento entre dois seres que vivem na realidade relativa acontece, cada um tenta defender as suas verdades e as impor ao outro. Quando sua verdade é quebrada (o outro age diferente do que ele queria), o ser afirma que foi injustiçado (não merecia) ou que foi ferido (maldade). Essa é a “compreensão não correta” dos acontecimentos.

Se Deus é a Causa Primária de todas as coisas, tudo que um diz ou faz frente ao outro é comandado por Deus. Cada um age dentro da justa medida que o outro merece (justiça) e precisa (amor). Ninguém consegue provocar uma ação sem que Deus a comande dentro da justa medida que os envolvidos necessitem para a sua felicidade. Essa é a “compreensão correta” das coisas.

Se em algum acontecimento existe um culpado, este é Deus; se existe uma vítima; esta é Deus. Ele é culpado do acontecimento no sentido de ter sido Aquele que o provocou; é vítima, pois quando Sua lei é quebrada todo universo se desequilibra com essa ação.

Jesus nos ensinou que devemos amar a Deus acima de todas as coisas. Essa lei demonstra perfeitamente a “compreensão correta” que o ser deve ter. Não importa o que aconteça, o que possua, o que ouça ou fale, o ser tem que amar a Deus. Quando ele alcança uma “compreensão não correta” (ofensa, mágoa, ferimento), ainda está impondo condições a Deus para ama-Lo e não amando-O acima das coisas.

O resultado de uma análise do processo raciocínio que contemple a verdade absoluta das coisas (“compreensão correta”) será sempre: ação de Deus através de outros seres ou matérias com a intenção de proporcionar ao ser que percebeu o acontecimento o necessário para a sua felicidade. Cada segundo da existência de um ser é projetado minuciosamente pelo Pai para que ele alcance a felicidade universal. Todos os detalhes são avaliados pelo Ser Supremo para que possam proporcionar ao ser em evolução a chance de alcançar a elevação espiritual.

O ser humano, algumas vezes, alcança essa compreensão, mas só quando o acontecimento lhe satisfaz (supre suas verdades relativas). Quando o que ocorre lhe traz prazer, o ser humano afirma que foi Deus quem fez acontecer dessa forma. No entanto, quando a situação não favorece seus conceitos individualistas, o ser acusa Deus de ter cometido uma injustiça ou maldade.

Para que o ser alcance a “compreensão correta” do acontecimento é preciso que ele não tenha nenhuma expectativa sobre os acontecimentos. Enquanto ele quiser, desejar ou possuir verdades relativas dependerá de que elas sejam satisfeitas para alcançar a felicidade. Portanto, o caminho que leva a uma “compreensão correta” é eliminar o querer, desejar e possuir.

Além da universalização de seus conceitos, o ser para alcançar a “compreensão correta” dos acontecimentos precisa viver dentro das Qualidades da Vida Espiritual, compreendendo tudo no universo como causado por Deus. Esta Causa Primária deve se manifestar inclusive nos outros seres e não apenas nas coisas materiais.

“525. Os espíritos tendo uma ação sobre a matéria podem provocar certos efeitos para que se cumpra um acontecimento? Por exemplo, um homem deve perecer; ele sobe em uma escada, a escada se quebra e o homem se mata; são os espíritos que fazem a escada quebrar para cumprir o destino desse homem? É bem verdade que os espíritos têm uma ação sobre a matéria, mas para o cumprimento das leis da Natureza e não para as derrogar, fazendo surgir no momento oportuno um acontecimento inesperado e contrário a essas leis. No exemplo que citas, a escada se rompe porque ela esta carcomida ou não bastante forte para suportar o peso do homem. Se estava no destino desse homem perecer dessa maneira, eles lhe inspirarão o pensamento de subir por essa escada que deverá se romper sob o seu peso, e sua morte terá lugar por um efeito natural sem que seja necessário fazer um milagre para isso”. (O Livro dos Espíritos)

Na explicação pedida por Kardec aos espíritos fica bem clara a ação de Deus como Causa Primária das Coisas. Para que o livro da vida de um ser seja cumprido, Deus não precisa operar milagres, ou seja, fazer o impossível acontecer, mas direciona o pensamento do ser para que ele aja da forma que seu destino seja cumprido.

É Deus que causa a deterioração da escada, mas dentro de seu tempo, sua época precisa. O Pai não precisa deteriorar uma escada específica próxima onde o ser esteja para que o seu destino se cumpra, pois Ele comanda o próprio pensamento que leva o homem a subir pela escada deteriorada. Da mesma forma, Deus não precisa ficar alterando o lugar onde esteja a escada deteriorada na esperança que o ser passe por aquele lugar para que possa intui-lo a subir. Deus comanda o ser para o lugar onde Ele sabe que existe uma escada nessas condições e lhe dá a intuição para que suba.

“527. Tomemos outro exemplo em que o estado normal da matéria não seja relevante; um homem deve perecer pelo raio; ele se refugia sob uma árvore, o raio brilha e ele é morto. Os espíritos podem provocar o raio e dirigi-lo sobre ele? É ainda a mesma coisa. O raio explodiu sobre essa árvore e nesse momento, porque estava nas leis da Natureza que fosse assim. Não foi dirigido propositalmente sobre essa árvore porque o homem estava debaixo, mas foi inspirado ao homem o pensamento de se refugiar sob uma árvore, sobre a qual o raio devia desabar. A árvore não seria menos atingida por estar ou não estar o homem debaixo dela”. (O Livro dos Espíritos)

Quando se fala em “lei da Natureza” não se deve entender como algo independente de Deus, mas também fruto de Sua ação primeira.

“Freqüentemente dizemos que Deus criou este mundo material e isto significa que Deus existia antes do mundo. Uma vez que o Senhor existia antes desta manifestação material, Ele não está sujeito a esta criação. Se Ele ficasse sujeito às leis do mundo material, como poderia tê-lo criado?” (Bhaktivedanta Swami Prabhupãda – Elevação: a consciência de Krishna).

A “compreensão correta” de todos os acontecimentos do universo, sejam provocados por leis materiais ou por sentimentos do ser, é que eles só existiram porque Deus comandou a execução desses acontecimentos independente da vontade individual do ser, objetivando a manutenção da Justiça Suprema e do Amor Sublime. A reforma íntima que o ser vem fazer na carne é alterar a sua compreensão sobre os acontecimentos, amando a Deus (mantendo a felicidade) acima de todas as coisas.