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A conversa de um casal com Joaquim de Aruanda

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A ação do sistema humano de vida

Participante: podemos falar de um problema? Na verdade não é um problema que encaro com grande seriedade. Estou tendo muito mais curiosidade para entender do que buscando ajuda para não sofrer. Trata-se da relação com minha mãe. Ela me acusa de ser frio no nosso relacionamento e realmente sou. Gostaria de saber porque sou assim. Sei que isso não é coisa dessa vida, porque não teria motivos para relacionar-me com ela assim. Ela chora, acusa que não a amo, etc.

E daí? Ela não é a única pessoa nesse mundo com a qual se relaciona de uma forma fria. É frio com ela, mas também é com outras pessoas. Porque lhe incomoda ser frio com ela e com outros não?

Participante: não sei. Acho que é porque ela me cobra isso.

Outras pessoas cobram outras coisas e você não sofre com esta cobrança. Porque a cobrança dela lhe faz sofrer?

A conversa ficou séria, não? Achou que íamos conversar levianamente, mas nos dias de hoje não dá mais para isso. Não é mais época de se passar a mão na cabeça ou fazer conversas sem importância. Além do mais, acho que isso não lhe ajudaria em nada.

Poderia falar de coisas de outras vidas e você iria embora tranquilo, mas se agisse dessa forma não teria lhe ajudado. Eu quero lhe ajudar de tal forma que no dia que não estiver mais aqui você possa se virar sozinho para estancar o seu sofrimento.

Por isso lhe pergunto: porque outras pessoas cobram atitudes e você não fica chateado e com a sua mãe fica?

Participante: isso é algo que não saberia lhe dizer.

É tão simples, tão fácil de se entender isso: porque ela é sua mãe.

Sendo frio com outras pessoas e quando elas cobram que não seja dessa forma não sofre, mas com a cobrança dela sim, qual a diferença? É que uma cobrança é feita por uma pessoa qualquer enquanto que a outra é pela sua mãe.

O nosso assunto começa por aqui. Quem disse que você é obrigado a ser quente, que é o contrário de ser frio, no relacionamento com qualquer pessoa, principalmente com a sua mãe?

Participante: eu mesmo ...

Não. Você não. Quem disse?

Participante: a mente.

Certo, mas quem disse para a mente que deve agir dessa ou daquela forma? Quem disse que filho deve ter um relacionamento quente com a mãe? Hábitos, costumes, regras, o sistema humano de vida.

É o sistema humano de vida que a sua mente usa para lhe dizer que o certo seria agir de forma quente com sua mãe, com seu pai, com seus irmãos, com seus parentes de uma forma geral. Concorda comigo?

Participante: sim ...

Não é você que quer ser quente com ela. Não é você que acha que é importante ter um relacionamento desse tipo com ela. Na verdade está apenas seguindo uma norma, uma regra, uma lei humana que diz que todo filho tem que ter carinho com a mãe, respeito por ela. Tem que ter uma série de atitudes para com ela.

Não é um sentimento seu. Isso é algo que vamos estar falando muito. Não é um sentimento seu, mas uma subserviência à regra humana.

Vocês confundem muito as coisas. Imaginam que acham ou sabem alguma coisa, mas isso é irreal. Tudo que a sua mente acha e sabe é fruto da utilização de uma regra humana que diz que o certo é agir de uma determinada forma, quando na verdade não existe nem certo nem errado.

Portanto, não existe a obrigação de um filho agir de determinado modo com os pais. Isso é algo imposto pela sociedade humana, pelo mundo humano, pelo sistema humano de vida. Esse é o primeiro ponto que você tem que pensar.

Nada é obrigatório. Enquanto achar que é obrigação, sentir-se-á estranho, irá querer se mudar, mas como Krishna ensina, ninguém age diferente da sua própria personalidade, do seu jeito de ser. Portanto, não pode ser do jeito que imagina que deveria ser e por isso sofre. Mas, não precisa ser desse jeito.

Para se viver com estas cobranças de uma forma feliz é preciso separar o ser humanizado em dois: você e a sua mente. Você é você, algo que não sabe o que é. O resto é sua mente, é aquilo que cria as coisas deste mundo.

Mas, o que baseia a sua mente na ação, porque ela fala desse ou daquele jeito? Porque foi ensinada a ser assim. Não pelo seu pai ou pela sua mãe, mas pelo sistema humano de vida, pela propaganda que esse sistema faz de si mesmo.

Você abre um livro e vê um filho abraçado com a mãe, dando e recebendo muito carinho. Aí não consegue ser desse jeito e sofre. Ou ainda, uma mãe abre um livro e vê um filho abraçado com a sua progenitora quando não tem isso em casa. Na mesma hora se pergunta: ‘porque o meu filho não é assim? Onde foi que eu errei’?

Esse é o primeiro ponto que precisa ter em mente para acabar com os problemas da sua vida: você não precisa ser diferente do que é. Na hora que se conscientizar disso, sabe o que acontece? Pode ser o que é sem sofrer.

Na verdade, você não sofre porque não é quente com a sua mãe, mas porque acha que deveria ser. Isso vale para tudo nessa vida. Para conseguir essa vivência é preciso separar a mente de você e saber que ela não funciona porque você acha ou quer alguma coisa, mas ela reage à norma e leis humanas.

Esse é o primeiro detalhe de nossa conversa.

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Não se deve nada a ninguém

Segundo detalhe: ela é sua mãe?

Participante: pelo que aprendi, não. É um espírito que está vivendo um papel.

Então, ela não é sua mãe: está assumindo o papel de ser. Isso muda tudo. Porque?

Você mesmo disse antes de começarmos a conversa: isso pode vir de outra encarnação. Que outra? Uma onde ela tenha sido sua mãe? Mas, você sabe se ela em alguma outra vida já foi sua mãe? Sabe se, por conta das diversas encarnações, ela já foi sua mulher ou uma desconhecida?

Apesar de não ter resposta para nenhuma destas questões, a sua mente presume que houve um relacionamento direto em outras vidas. Por isso posso dizer que um dos motivos para o seu sofrimento é a presunção de que já houve relacionamentos com o espírito que hoje representa o papel de sua mãe.

Saiba que ela não é mãe: está neste papel. Está vivendo papel de mãe, mas não é. Este é mais um objetivo que não lhe obriga a ter um relacionamento como acha que deveria ter.

Participante: então, eu tenho um repúdio à figura mãe?

Não disse isso, nem posso afirmar convictamente. O que posso dizer é que nessa vida está vivendo um repúdio à figura mãe. Se não vivesse, estaria sempre abraçado à ela, mas como disse, não consegue exteriorizar sentimentos com relação à ela.

Não estou dizendo que não goste dela. Você gosta. O que não consegue é ter uma convivência estabelecida como normal entre um filho e uma mãe. Isso é repúdio à figura mãe.

Participante: o que ela reclama, por exemplo, é que ouço todos que falam comigo, mas se ela falar a mesma coisa, eu logo rechaço.

Repúdio à figura mãe.

Mas, o mais importante do que saber que é isso é entender o que é. O que é um repúdio à figura mãe nessa vida?

O que é qualquer acontecimento da sua vida?

Participante: provas ...

Perfeito. Sendo assim, posso dizer que você está vivendo uma provação cujo tema é repúdio à figura mãe.

Com essa consciência acaba o envolvimento entre você e o espírito que está exercendo um papel nessa ou em qualquer vida. No universo não existe esse tipo de relacionamentos que vocês acreditam.

Vocês acham que porque fizeram algo à determinado espírito numa vida anterior, agora terão que conviver com ele para mudar o que fizeram. Isso não existe. É história da carochinha, do mundo dos devas. Não há necessidade de resgatar débito algum com nenhum espírito.

Hoje pode até, por acaso, estar fazendo uma prova onde esteja envolvido o mesmo ser que já tenha participado das suas provações em outra vida. Só que o que viverão nesta existência não tem nada ver com relacionamentos entre espíritos em outras encarnações. Tem a ver com a sua atual posição no mundo espiritual.

O outro espírito não tem nada a ver com a sua provação, com o que lhe acontece nesta vida. Ele é apenas o instrumento do seu carma, aquele que trabalha sobre as ordens de Deus para a obra geral, a sua encarnação.

O que acontece num relacionamento entre dois seres não tem nada a ver com o ser humano nem muito menos com o espírito. Tem a ver com você, com a sua posição no mundo espiritual. Isso porque tudo que vive hoje é resultado da escolha dos gêneros de provas que fez antes da encarnação.

Participante: mas, ela está vivendo as provas dela, não?

Às vezes o espírito que está vivendo um papel é apenas instrumento da provação do outro. Pessoalmente não tem nenhuma prova a ser vivida naquela relação.

Pode ser que a sua rejeição seja prova para o espírito que está vivendo o papel de sua mãe e para você. Pode ser que esse tipo de relacionamento seja só prova dela e que você tenha se oferecido como voluntário para ajudá-la, mas pode ser o contrário: que a prova seja só sua e que ela seja voluntária para lhe ajudar. Neste ponto não posso entrar em detalhes.

Para você pouco importa o que tem a ver para o outro espírito a forma como se relacionam. O importante é compreender que o que vive nada tem a ver com a mãe nem com o espírito que está vivendo esse papel, mas sim com alguma coisa que pediu para vivenciar nesta vida.

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Força de Maya

Quando se coloca a vida dentro deste aspecto que estamos colocando, resultado da posição atual do espírito no universo, o entendimento fica mais prático e também fica mais fácil se encontrar saídas para as raízes do sofrimento. Quando acha que o que vive é carma de convivência de outras vidas com este mesmo espírito, chegará à conclusão que não pode fazer nada, que não há nada a ser feito, a não ser sofrer nesta existência. Essa resignação não é felicidade: é só resignação.

O que você precisa é resolver o problema e não apenas resignar-se. Precisa aprender alguma coisa. É por isso que estou lhe orientando dessa forma: analisando ponto a ponto a questão. Aliás, é isso que precisam fazer com qualquer acontecimento da vida para poderem alcançar a felicidade.

É preciso que sempre analisemos ponto a ponto o acontecimentos da vida para que possamos, ponto a ponto, irmos fugindo da ação da força de maya, a força que dá a impressão de real às coisas deste mundo. Isso é algo que batermos muito nessa série de conversa que teremos com nosso grupo: a força de maya, o acreditar na realidade criada pela mente. Não estou falando só da realidade física, mas de outras que vocês não veem.

Por exemplo: você gosta de fumar?

Participante: eu não ...

E você, gosta?

Participante: eu gosto ...

Como é que você sabe que não gosta e como é que ele sabe que gosta?

Participante: eu já fumei um pouco e hoje não fumo mais.

Pode me dar qualquer justificativa que quiser, mas ainda não entendeu que nem você gosta nem ele não gosta. Na verdade é a mente de vocês que diz se gostam ou não. É ela que determina o que você gosta ou não.

Você só acha que gosta do que a mente afirma gostar porque a força de maya está presente. É ela que gera a certeza de gostar ou não de alguma coisa.

Esse é um aspecto importante para podermos analisar quando falamos de busca da felicidade: nós só achamos que sentimentos alguma coisa por conta da força de maya. Na verdade, quem possui sentimentos por qualquer coisa é a mente e só acreditamos que somos nós pela ação da força de maya.

Preso à ideia de que é você que gosta e agindo dentro da natureza primária do ser humano, egoísta, sempre exigirá da vida que o que gosta aconteça. Como ela não se subordina ao seu querer, quando isso não acontecer, sofrerá.

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O direito de criticar

Portanto, até agora vimos que você, que diz ter problemas de relacionamento com a sua mãe, nada tem a ver com a vivência entre seres humanos ou espíritos, mas sim com a figura mãe. A partir daí precisamos compreender o que representa esta prova.

O que representa não se relacionar com a figura mãe?

Participante: acho que é porque ela quer ter controle sobre mim.

Certo. O que você reclama da sua esposa?

Participante: que ela quer ter controle sobre mim.

O que reclama de outras pessoas? Que querem lhe controlar, lhe dizer o que deve fazer. Está começando a descobrir a sua prova?

Participante: mas, a minha esposa não deveria ser do jeito que é, igual à minha mãe.

Mas, ela não pode deixar de ser do jeito que é, porque senão você não teria a sua prova.

Você quer uma coisa? Esta é a sua segunda esposa, não é? A anterior não tinha o mesmo defeito, ou seja, também não buscava lhe cobrar o que deveria fazer? Coincidência, não?

Deixe-me lhe dizer algo: se trocar novamente, a próxima terá o mesmo defeito. Não importa quantas vezes troque de companheira: elas terão sempre a mesma forma de agir. Sabe porquê? Porque elas precisam ser do jeito que são para que você tenha a sua prova.

Então, os seus problemas não têm nada a ver com a sua esposa. A vida de cada um neste mundo só tem a ver consigo mesmo. Isso é algo que precisam aprender, pois vivem para o mundo externo, de fora. Vivem julgando os outros quando na verdade tudo que lhe fazem tem a ver apenas com você mesmo.

Portanto, é você quem precisa entender o processo e ao invés de olhar para o mundo externo, buscar dentro de si a ação que pode lhe fazer não sofrer.

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Instrumentos do carma

Participante: então, uma das provas dele seria aceitar a crítica, o conselho? Digo isso porque ele realmente não aceita que digam o que tem que fazer. Então, a prova dele seria ouvir o que as pessoas dizem e seguir o que elas falam?

Não. A prova dele é aceitar que as pessoas têm o direito de falar o que ele deve fazer.

A provação não tem nada a ver com o seguir o que os outros aconselham, pois neste caso estaríamos falando de atos. Atos acontecem, eles fazem parte da prova, mas não são respostas.

O que ele precisa entender é que a mãe, e as demais pessoas, tem o direito de falar o que fala. Mais: que tudo que dizem faz parte da prova dele. Por isso as pessoas têm o direito, ou melhor, o dever de falar.

A prova dele não está no seguir ou não o que é aconselhado, mas em querer controlar o controlador, aquele que quer dizer o que ele deve fazer. É querer que as pessoas só reclamem do que ele quiser que elas reclamem. É querer que os outros só critiquem o que ele quiser que seja criticado. Digo isso porque tem coisas que a esposa e a mãe falam e ele aceita.

Essa é a prova: não dar aos outros o direito de exercer o papel que nasceu para viver na sua vida. Quem tem essa prova precisa aprender a dar às pessoas esse direito. Para isso é preciso saber que ninguém faz nada à outra pessoa porque quer, porque acha melhor, porque acha bom. Tudo o que qualquer um faz para o próximo tem a ver com o planejamento da encarnação.

É o que chamamos de interdependência. A sua esposa se encontrou com você porque já estava determinado que ela teria uma forma de ser específica e você precisava para a convivência diária de alguém que tivesse essa forma de ser. Por isso vocês se encontraram, a mente disse que se gostavam e a força de maya deu o sentido de real a esse gostar.

Portanto, o problema não está no que ele faz nem no que os outros falam, mas nele achar que eles não têm o direito de falar. Por isso ele acabou de dizer que ela não deveria ser igual à mãe. Quando ele quer determinar como ela deve ser mostra que quer controla-la. Justamente por causa desta aceitação dela não ser o que ele esperava que fosse é que sofre.

O problema está neste aspecto; não tem nada a ver com mais nada. As palavras que ela diz, o que aconselha que deve ser feito, não tem nada a ver com o sofrimento dele. O sofrimento decorre apenas do achar que ninguém tem o direito de chamar atenção para determinadas coisas. Se ele desse esse direito aos outros, não sofreria.

Se a pessoa ao lhe criticar fala do passado ou do futuro, se pega pesado ou leve, isso não importa: são apenas palavras. Mantendo-se firme na consciência de que está vivendo uma prova, não sofrerá.

O que essa moça é sua? O que são todas as pessoas que você convive? Instrumentos da sua prova. São agentes do seu carma. As pessoas estão lado a lado, convivendo uma realidade juntos, porque contém na personalidade delas os instrumentos necessários da prova do outro. Se não tivesse, nunca se relacionariam. Portanto, elas têm mais do que direito de falar de você: têm o dever de agir assim.

É assim que você precisa analisar o mundo. Precisa parar de imaginar que está convivendo com pessoas, de que está mantendo relações de companheirismo, marital, paternal, de amizade, porque estas relações não existem. Quando dois seres humanos se encontram sob qualquer título, o que existe é a vivência da provação de cada ser universal encarnado e um é instrumento do carma do outro.

A partir disso, é preciso entender que a ação que o outro pratica estará sempre exatamente dentro do que precisa para a sua provação. Ou seja, os outros têm que lhe cobrar e criticar, devem tentar lhe dominar para que possa abrir mão da exigência que ela não lhe controle, ou seja, querer controla-la.

Não estou falando em acatar o que dizem e agir como elas esperam, mas de entender que cada um tem o direito de lhe cobrar qualquer coisa. Como agirá depois da cobrança, isso é outra questão.

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Não tome conta da vida dos outros

Esta é a sua prova neste aspecto da sua vida. Encontra-se hoje dentro de uma posição que imagina que os outros devem agir como quer e por causa dela busca controla-los para que reajam ao que faz do jeito que quer que isso aconteça.

Participante: isso vale para todas as pessoas que estão ouvindo, não?

Não sei. Estou falando com você porque foi quem me procurou. Qualquer um que queira saber sobre a sua forma de viver que me pergunte. Não julgue os outros.

Esqueça os outros neste momento. Você me pediu ajuda para uma coisa e por isso estou lhe respondendo. Se ela ou ele me perguntam alguma coisa responderei a eles e a resposta pode ser diferente.

Como acabei de dizer no caso da sua mãe, ela pode ter este jeito de ser apenas para a sua prova e isso não ter nada a ver com a provação dela. As pessoas podem ser do jeito que são apenas para serem instrumentos da sua provação.

O importante não compreender os outros, entender as provas dos outros e sim de você mesmo. Precisa conhecer a sua provação e não a dos outros.

Tem algo que disse há algum tempo atrás e vocês não entenderam. A elevação espiritual é caracterizada pela vivência do amor universal, ou seja, é alcançada quando interage com os outros de forma equânime. Portanto, trata-se de uma universalização.

Só que, apesar de depender de uma coletividade, a elevação espiritual é um trabalho individual. Você só pode fazer a sua. Por isso digo que é um trabalho solitário.

Por isso esqueça o mundo. Esqueça os outros, não queira saber da prova deles. Isso não lhe interessa: a única coisa que lhe interessa é a sua. Aliás, há uma frase neste mundo que diz que Deus deu vida a cada um para cada um cuidar da sua. Não tome conta da vida de ninguém.

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Gerando hoje as vidas futuras

Este é o primeiro ponto: é preciso aceitar que os outros têm o direito de falar o que falarem. Melhor: elas nasceram para isso. Elas nasceram para lhe dizer o que falam. Quando entende isso não vai se preocupar em reagir ao que falam.

O que ainda não entendeu é que como aceita o que a mente diz que está sentindo, o que acha e o que sabe como real, também aceitará tudo o que disser sobre os outros, sobre o que eles estão fazendo também como real. Só que na realidade não é o outro quem está fazendo isso ou aquilo, mas apenas uma criação da vida para que viva a sua provação. Aceitando que na realidade é o outro que está fazendo porque quer, jamais conseguirá fugir à crítica a ele que a mente criará.

Nada disso é real: tudo é criação mental. Só que tudo se torna real porque no primeiro momento você aceitou esta característica que a força de maya deu aos acontecimentos, porque comungou com a ideia.

Portanto, o problema da sua mãe, da sua esposa e de todos os outros que tentam lhe controlar não tem nada a ver com os motivos que sempre acreditou, mas sim com você mesmo. Isso só se transformou num problema porque você não admite que o outro possa lhe falar alguma coisa sobre si mesmo.

Esta é sua prova é isso que precisa vencer. Para alcançar esta vitória o que precisa fazer?

Participante: estar em contato com isso.

Não. Estar em contato com esses acontecimentos é uma oportunidade de vencer. Para vencer o que precisa? Dar o direito do outro ser, estar e fazer o que quiser.

Você só dá a si mesmo o direito de ser, estar e fazer o que quiser; não confere aos outros este mesmo direito. Não é um ensinamento velho?

Sabe porque sua mãe e esposa falam com você do jeito que falam? Porque têm boca. Quem tem boca fala. E você tem que respeitar o que os outros falam. Esse respeito não está preso à ideia de usar o que é falado para causar mudanças em si mesmo. Digo isso porque não possui condições de mudar. Se tivesse, depois de tudo o que já reclamaram, já teria se mudado. O respeito que estou falando é no direito delas falarem o que dizem sem que você precise reagir ao que falam.

‘Ah, você devia parar de fazer isso ou aquilo. Está certo, você diz que devo parar, vou tentar. Se conseguir, consegui; se não conseguir, não consegui’. Essa é a vivência sem sofrimento. É uma forma de reagir mentalmente durante a vivência de acontecimentos deste tipo.

No mundo mental deve receber o que elas falam desse jeito. Se não fizer isso, irá passar a vida inteira brigando com o mundo. Aliás, tenho uma triste notícia para você: brigará não só nesta vida, mas talvez em outras. Digo isso porque tudo que não se vence nesta vida terá que ser vencido em outra.

Como não venceu nesta, as essências dos acontecimentos de suas vidas futuras estarão presas à esta mesma questão, até que um dia consiga a vitória. Aí poderá não mais vivenciar nas encarnações esta questão.

Pode ser que suas vidas futuras ocorram em mundos diferentes, pode ser que ocupe papéis diferentes e que tenham histórias diferentes, mas a essência dos acontecimentos delas estarão ligadas à essa questão. Por que isso? Porque esse é o ponto que precisa vencer, já que ele está ligado à sua atual posição no mundo espiritual.

Você começou essa conversa dizendo que não estava com nenhum grande problema, que tinha vindo mesmo para matar saudades e jogar conversa fora. Para conversarmos fez uma pergunta despretensiosa sobre o seu relacionamento com sua mãe. Repare onde chegamos: à sua responsabilidade nessa vida sobre o que lhe ocorrerá nas próximas ...

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O ataque para defender-se

É isso que vocês precisam fazer. Na hora que aparecer uma contrariedade, precisam mergulhar no problema levando em conta os aspectos da sua existência eterna ao invés de ficarem tentando resolver as questões na superficialidade da coisa, dentro apenas dos aspectos humanos. Sempre o buraco é mais embaixo.

Não sei se lembra, mas já disse muitas vezes que os conceitos que vocês carregam é como se fosse uma pilha de papel imensa. Vocês querem estudar o primeiro que aparece para eliminá-lo e acham que com isso resolveram tudo. Só que existem outros que influenciam o conceito atual. Na verdade cada uma das folhas influencia a outra, cada verdade gera uma nova. Quando combate uma, outra será criada para substituí-la.

Usando esta figura, posso dizer que cada vez que combate a influência que a sua mãe quer ter sobre você pode imaginar que está resolvendo o problema. Como a verdade de que ninguém tem o direito de lhe falar o que não quer ouvir continua, aparece sua esposa, seu pai, seus amigos, etc., e fazem a mesma coisa. Agindo apenas contra o que eles falam, aparecerão novas pessoas que ocuparão o mesmo papel. Por isso é preciso atacar a raiz.

Não atacando a raiz, mesmo que consiga resolver seus problemas com sua mãe, de nada adiantará. Pode até conseguir uma boa convivência com ela, mas sempre haverá alguém com quem não se dará bem por este motivo e aí o sofrimento é inevitável.

Por isso afirmo que o seu problema não é com a sua mãe nem com a sua esposa. Ele existe porque você acha que os outros não têm o direito de lhe cobrar nada, não têm o direito de lhe comandar. É por causa dessa crença que sofre e não por conta do que os outros falam ou fazem.

O problema é você achar que os outros deviam prestar atenção apenas em si mesmo, que elas deviam se ocupar consigo mesmo e não com você. É isso que lhe traz sofrimento e não o que o outros fazem.

Participante: não entendi ...

Quando a sua esposa diz alguma coisa que não gosta, a sua mente não reage desse jeito: ‘ela diz que eu devia agir de determinada forma, mas não vê que ela também está errada. Ao invés de agir como faz, ela devia agir assim’. Não é dessa forma que seu mundo mental funciona?

Participante: sim ...

Não pense que eu sou adivinho. Não disse isso porque estou lendo sua mente, mas porque este é o padrão de reação da mente humana. Sempre que ela gera o valor de estar sendo atacada cria um ataque para defender-se.

Para realizar este ataque, sua mente se utiliza de regras e normas humanas. Justifica o ataque dizendo que a pessoa não coloca em prática o certo de se fazer. Só que se esquece que você também não coloca em prática as regras que diz acreditar.

Por ser espiritualista, por estar buscando a elevação, você acredita que deveria haver uma convivência harmônica entre todos. Que convivência é essa que é feita sem dar ao outro o direito de se expressar como bem entender ou agir da forma que quiser?

Para se alcançar uma convivência harmônica é preciso dar aos outros o direito de ser, estar e fazer o que quiserem, mesmo que não concorde com o fazem ou que falem. Quando você dá este direito ao próximo, não existe mais guerra.

Moço, repare que o que as pessoas reclamam não é do que você faz: isso eles apenas comentam. Na verdade, a reclamação maior é da sua forma de revidar o que dizem. Sei que as palavras saem, mas também sei que elas são motivadas pela sua crença que deve reagir atacando os outros para defender-se.

Se você quer controlar os outros, tenho uma sugestão boa: compre uma boneca inflável para ser sua esposa. Pode ter certeza que ela nunca vai questionar nada do que faz, ela nunca vai tentar lhe comandar.

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Modo Joaquim de ajudar

Acabou o problema?

Participante: sim ...

Mas, não do modo que esperava que eu ajudasse, não?

Na verdade, todos os que vêm aqui esperam buscar lã, mas saem tosquiados. Apesar de já ter dito isso muitas vezes, vocês ainda não entenderam meu modo de agir.

Se uma casal me procura, por exemplo, falando do mesmo assunto, quando estou conversando com o marido falo do seu modo de agir no relacionamento; quando chega a vez da esposa, mostro o modo dela agir. Jamais irei falar mal de um para outro, jamais irei atacar a outra pessoa para defender aquele que me procura.

Faço isso porque essa é a realidade. Tudo que não agrada a uma pessoa só tem um culpado disso acontecer: aquela própria pessoa. Se essa pessoa não usasse certos argumentos, de certas ideias, o que lhe desagrada não mais o desagradaria.

Por isso, tenho sempre que falar de cada um para si mesmo e jamais comentarei coisas de outra pessoa para ele.

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Companheirismo

Participante: eu me acho uma pessoa tranquila. Ouço muito e deixo passar muitas coisas. Só que tem hora que não consigo me segurar. Tive uma conversa com ele esses dias e falei que vou guardando as coisas, mas chega uma hora que acabo explodindo. Eu não gosto que a pessoa me passe uma imagem diferente do que é. Quando ele está normal, me trata bem, me dá carinho, me fala coisas bonitas. Mas, quando perde a paz, fala coisas que ferem muito. Não gosto que fique me prometendo coisas. Se me prometer algo e não cumprir, para mim a pessoa está se enganando. Ele já prometeu se melhorar, dentro de casa principalmente. Nós estamos morando juntos na casa do pai dele e por isso acho que devemos ajudar os pais dele. Se eu pedir para lavar uma louça, não custa. Não vai quebrar o braço por causa disso. Ele diz logo que é coisa de mulher e não faz. Meu pai lava a roupa e cuida da casa sozinho porque mora só. Por isso ele não é menos homem. São essas coisas que vejo e não acho certo. Eu acho errado isso e bato de frente com ele. Posso até estar errada por pedir a ele que preste atenção nessas coisas.

Não, você não está errada por pedir isso: está cumprindo o seu papel. Mas, deixe-me falar algumas coisas a partir do que disse.

Primeiro disse que é de uma forma. Num relacionamento, não seria extremamente interessante se antes de qualquer coisa se abrissem um com outro e dissessem como são?

Participante: sim.

Mas, é o que não fazem. Esse é o primeiro detalhe que quero lhe falar.

Quando perguntei a ele o que você era, me disse que era companheira. Desculpe, mas isso é uma mentira. Ou melhor, é uma palavra que ele usa para descrevê-la, mas não é a forma como convive com você.

Ser companheiro de alguém é estar atento ao que outro gosta ou não. Não pode haver companheirismo entre duas pessoas quando um não se interessa pelo que é importante para a outro. Poderão ser duas pessoas que convivem intimamente, mas não companheiros.

Falo isso porque companheirismo é ter atenção ao outro. Esse será um ponto que falaremos muito daqui para frente. Há uma diferença entre conviver com alguém e viver com essa pessoa.

Conviver é estar ao lado de outro e querer que ele se adeque ao seu jeito de ser, à sua vida. Isso é conviver: é querer que o outro viva com você. Agora, ser companheiro é viver com o outro. Quando se vive com o outro, se tem atenção ao que ele deseja.

Não estou falando para você fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Fazer é ato, é consequência. Estou falando para ter preocupação com seu companheiro. É a mesma coisa que já falei com outra pessoa.

Eu perguntei a essa pessoa se ele brigava com a esposa. Ele me disse que não, que era ao contrário: ela que brigava com ele. Quando isso acontecia, segundo ele, precisava ensiná-la nossos ensinamentos. Só que isso não era real. Na realidade brigava com a esposa e provei isso.

A esposa dele gosta de tudo arrumadinho. Só que quando ele chega em casa tira a camisa e a deixa na sala. Isso é brigar com a outra pessoa. Quem age dessa forma não está atento ao quanto faz a outra pessoa sofrer.

Em troca do que essa pessoa age? Em nome da sua crença de que não há lugar certo para se colocar a camisa? Isso é querer impor ao outro a sua verdade, é ser egoísta.

Se aquela pessoa é minha companheira, tenho que estar atento ao que quer e ela deve estar atenta ao que eu quero. A partir disso, os dois devem buscar uma vida onde acaba uma vez acontecendo o que eu quero e em outras o que o outro quer. Por estar atento ao que o outro quer, uma vez um abre mão e em outro momento, a outra pessoa abre.

Quando existe companheirismo existe uma conciliação. Só que vocês se dizem companheiros, mas não vivem dessa forma. Dizem que são de um jeito e exigem que o outro se adeque à você. Isso só acaba em confusão.

Na verdade vocês não são companheiros um do outro: apenas moram juntos. O verdadeiro companheiro é aquele que está sempre atento ao outro, que está preocupado em não magoar o outro e não em realizar só aquilo que quer.

Este, portanto, é um ponto que você tocou importantíssimo. Sim, ele é de um jeito mas deveria estar atento ao seu jeito de ser. Só que você também deveria estar atento ao jeito dele ser. Só assim podem conviver em paz.

Agora posso falar de um segundo ponto que você falou. Disse que seu pai lava roupa, que cuida da casa, mas o seu companheiro não gosta de fazer isso. Certo, ele não gosta. Não é porque o seu pai faz que ele também tem que fazer. Não é porque o seu pai acha certo, que seja o certo.

A partir disso posso lhe dizer uma coisa: assim como cobra que ele esteja atento ao seu jeito de ser e busque contentá-la, você também tem que estar atenta ao jeito dele ser. Uma das coisas é que ele, por quaisquer que sejam os motivos, não quer fazer estes serviços.

Portanto, respeite isso. Se exige respeito para seu jeito de ser, é preciso que também respeite o dele.

Quando falamos em ser companheiros é preciso entender que há coisas que um tem que abrir mão, mas há coisas que o outro também tem que abrir. Se levarmos tudo a ponto de faca exigindo sempre o que queremos sem ceder nada, vocês viverão eternamente em guerra. Se um quiser moldar o outro para que se encaixe perfeitamente no que é considerado por cada um como o certo, viverão eternamente em combate.

Então, viver com não é fazer o que quer, mas buscar fazer o que o outro quer. Usando isso para o seu caso, poderia lhe dizer que pode haver momentos onde ele lave a louça, mas pode ter outros onde não e essas coisas não devem lhe perturbar. Esse é o primeiro detalhe.

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A prisão a conceitos

Quanto ao que ele fala, não lavo porque é coisa de mulher, isso é algo chamado preconceito. Isso é algo chamado preconceito.

O que é um preconceito? É um conceito formado anteriormente. Quem vive o preconceito está vivendo o que? O passado. O que já passou. A única forma de ser feliz é viver o presente, no presente, pelo presente.

Então veja, se hoje precisa lavar a louça, porque não pode lavar? Mas, se outro dia lhe disserem que é necessário lavar a louça e você não quiser fazer, diga: ‘hoje não estou com vontade’.

Se fizer isso preso ao presente poderá ser feliz, mas se lavar preso à preconceitos, não conseguirá ser feliz. Quem vive preso ao passado sempre sofre. Quer seja você por conta do fato de lavar louça ser coisa de mulher, quer seja ela pelo fato do pai dela lavar, vivendo presos a estes preconceitos sempre sofrerão.

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A vida de um casal

Voltando a questão do relacionamento, a questão do aprender a ceder é um trabalho os dois devem fazer consigo mesmo. Deixe-me dizer uma coisa a esse respeito: não existe coisa mais difícil do que aprender a se relacionar com os outros sem causar ou sentir sofrimento.

Vocês estudam, fazem faculdades, gastam anos se preparando para ter uma profissão para ser alguém na vida para poderem ser felizes, mas não conseguem alcançar este objetivo. Porque? Porque ninguém nunca lhes colocou numa faculdade para aprender a viver os relacionamentos da vida.

Esse é o grande segredo que a humanidade não vive. Ela não se prepara para viver a vida. As pessoas se preparam se cuidando, se formando em conhecimento científico, mas não se prepara para viver o que a vida traz.

Viver esta coisa é algo que precisamos estar preparado. Se não nos preparamos para isso, a vida acaba se tornando um inferno, pois o jeito humano de viver só leva a isso.

Essa é a filosofia que tentamos lhes passar há quinze anos. Tudo que falei até hoje tem como objetivo lhes ensinar a aprender a viver a vida. O que estamos fazendo aqui hoje é um exemplo disso.

Na minha frente há um casal. Havendo isso, é sinal de que são duas pessoas que se juntaram para formar uma unidade: o casal. Para que as duas pessoas se tornem uma só pessoa, o casal, é preciso que cada um a seu momento aprenda a abrir mão do que quer em benefício do outro. Esta tem que ser a base do relacionamento, porque se não for, não há casal, mas duas pessoas que vivem juntas.

Se cada um bate o pé naquilo que acha certo, importante, aquilo que quer, a separação é inevitável. Se não chegam à separação, a vida será um inferno. Viverão brigando o tempo todo.

Agora, vocês podem me perguntar: quando um abre mão e quando o outro tem que fazer isso? Não sei lhe responder. Isso é algo que acontece naturalmente quando existe o companheirismo e não algo que precise ser programado.

Saber isso não é importante. O que importa é ter a preocupação com o casal. Quando ele lhe cobrar alguma coisa ou vice versa, os dois quando estavam cobrando não se preocuparam com a figura casal. Preocuparam-se apenas consigo mesmo.

Preocuparam-se em estar bem na relação e não que ela estivesse bem. Se não se preocupam com o bem estar do casal, como podem querer que ele continue existindo? Se você não cuida de algo, ele é fadado ao fracasso, ao fim, à morte.

Este é um detalhe que vocês precisam se atentar: a preocupação com a relação. Isso se faz ocupando-se não apenas em estar bem na relação, mas em fazer com que os dois estejam.

Acho que um não está com o outro apenas por pouco tempo. Acho que os dois têm a pretensão de ficarem juntos por muito tempo. Só que apesar desta pretensão, não cuidam para que isso aconteça.

Relacionamentos

Mágoas

Como cuidar para que a relação dure? Poupando-se de contrariedades. Quem não se poupa de contrariedades vive algo chamado mágoa. É sobre isso que quero falar agora, porque este tema estava presente na sua fala. Esse é um detalhe que vocês não dão importância, mas que é fundamental em qualquer relacionamento.

Falei que vocês devem estar no presente, pelo presente e para ele. Só que nenhuma mente humana consegue viver assim. Sempre está utilizando preconceitos, conceitos formados anteriormente. E a mágoa nada mais é do que um conceito formado antes.

Na hora que ele fez alguma coisa que lhe contrariou, aquilo lhe marcou e, por isso, gerou uma mágoa. Daí para frente, toda vez que olha para ele este ferimento estará presente. Sempre. Aí vai somando uma, duas, três, cinquenta, cem marcas até que chega um dia que não aguenta mais um olhar para o outro.

Portanto, é importante, se existe a ideia de manter o relacionamento por um longo tempo, de não deixar mágoas se formar. Aquilo que você deixa lhe marcar agora será sempre usado mais na frente no relacionamento.

Participante: mas essa mágoa é a mente que cria.

Sim, é ela que cria, mas ela só se fixa quando você não a combate. Quando aceita o que o mundo mental cria, aquele conceito se fixa e posteriormente será usado pela personalidade humana para gerar uma nova realidade.

Participante: então é ela que cria e não nós. O que podemos, então fazer para que não exista mágoa?

Deve se preocupar em não causar. Mas, se chegar a causar, ou seja, se o parceiro agir de um modo não desejado, este ser deve se preocupar em limpar-se. Deve buscar entender que não é o outro que age, que tem o direito de ser, estar e fazer o que quiser, que a sua mágoa surge apenas pelos seus preconceitos e não por regras que precisam ser atendidas, que o outro é um instrumento do seu carma. Isso não é a mente, mas você se prevenindo contra a mágoa.

Na verdade, se a contrariedade, o agir de um modo não esperado ou desejado, não pode ser evitada, pois vocês não controlam a ação, os parceiros de um relacionamento devem concentrar-se em não deixar que esta transforme-se em mágoa, ou seja, que vire um preconceito.

Participante: o senhor disse que não existe nada mais difícil do que relacionar-se. Está se referindo apenas a um casal ou de forma geral?

De forma geral. Estou falando da sua relação com seus amigos, com os seus colegas de coletividades, do trabalho, etc. Estou falando do relacionamento com todo mundo, inclusive com um estranho que veja na rua.

Quantas vezes estava andando na rua e quando reparou naquela pessoa já recebeu um pensamento sobre o que ela estava fazendo? Você nem a conhece, mas com certeza a sua mente já tem uma ideia formada sobre o que a outra pessoa faz.

Não reagindo a estas críticas, elas viram preconceitos e esses marcam gerando o que vocês chamam de mágoas. Se outro dia por acaso topar com esta mesma pessoa que não conhece, certamente se lembrará que ela age de um jeito que não aceita. Com isso, esse preconceito e mágoa lhe fará relacionar com ela de uma determinada forma.

Portanto, serve para qualquer relacionamento, para qualquer momento onde dois seres humanos estejam juntos.

Portanto, são dois trabalhos que precisam ser feitos numa relação. O primeiro é o de tentar não provocar mágoas nos outros e o de libertar-se de suas mágoas. São trabalhos que vocês precisam fazer, não por conta de elevação espiritual ou coisa semelhante, mas para que você viva bem.

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Realizando-se no amor

Participante: entendo o que o senhor diz, mas no dia a dia parece que nós somos egoístas. Não abrimos mão de nossas vontades e verdades para satisfazer os outros. Imagino que podemos mudar um pouco o nosso comportamento para não ferir os outros. Se uma pessoa gosta de sair e o seu parceiro não, ela não abre mão nem um pouco do seu gostar para satisfazer o outro. Acho que isso é egoísmo.

Sim, é.

Quando você diz que não gosta de fazer uma coisa e por isso deixa o seu parceiro ir sozinho e não o acompanha, isso é egoísmo. Porque? Porque muitas vezes ele precisa do sua presença para poder desfrutar o que vai fazer.

O importante dele fazer alguma coisa muitas vezes não está no que se faz, mas sim com que se está. Não é o que acontece, mas a companhia do parceiro naquele momento.

Uma pessoa de nosso grupo um dia me disse que tinha que se impor muitas vezes frente ao seu marido para que ela conseguisse o queria. Disse que não poderia fazer todas as vontades dele porque senão ela não seria satisfeita. Eu respondi: você não me disse que o ama? Quem ama deveria querer servir o amado.

Continuei: se seu marido quiser ir ao futebol e você à praia, por amor a ele vá ao jogo. Ele quer, aquilo lhe faz bem. Você não o ama? Se sim, acho que deveria querer o bem dele, deveria querer vê-lo feliz. Para isso, deve acompanha-lo.

Ela me disse que iria, mas continuou: ‘se no próximo final de semana ele quiser ir de novo, devo ir também’? Eu respondi: ele não gosta, não faz bem? Então, os motivos para acompanha-lo continuam presentes. Porque não deveria ir? Neste momento ela me fez uma pergunta bem humana: ‘ele quer ir ao futebol toda semana. Se continuar sempre indo com ele, quando vou à praia’?

Esse é o grande problema. Vocês fazem as coisas para os outros premeditadamente. Agem esperando sempre que o outro retribua, que faça as coisas por você. Eu não estou falando em fazer pelo outro para que ganhe no futuro, mas por amor.

Quem age por amor não precisa ganhar mais nada. Ele ganha agora a satisfação de atender aquilo que a pessoa amada quer. Ganha agora ao sentir que a pessoa amada ficou feliz.

Quem cede à pessoa com quem se relaciona suplantando suas próprias vontades, age por amor, pelo bom convívio com quem se ama. Isso porque essa forma de viver com acaba com a guerra entre os cônjuges e com isso consegue que exista uma coexistência em paz.

Além do mais, o ceder à vontade dos outros não é uma sentença de morte àquilo que se quer. Pode ser que um dia a vida abra mão de fazer o que o parceiro quer e você consiga, então, viver aquilo que almeja. Neste momento, pode conseguir aquilo que deseja. Só que quem entende o que estou falando não mais fica esperando que isso aconteça.

Aquele, que por sua preocupação em manter uma relação duradoura, realiza o trabalho que estou propondo, não tem mais vontade individual. Aquele que possui o desejo de estar junto ao outro se realiza estando no lugar que ele estiver, fazendo o que fizer, vivendo o que viver. Por isso não precisa mais estar em um determinado lugar, fazer determinada coisa, viver situações específicas.

Aliás, isso deveria ser o normal, não? Quem ama deveria realizar-se no amor que sente, em fazer a pessoa amada feliz, mas o ser humano não é assim. Diz que ama, mas não se realiza no amor que sente. Por isso busca satisfazer suas vontades em detrimento da vontade do parceiro.

Sabe porque você tem vontade de fazer uma coisa e ela outra?

Participante: porque um gosta de uma coisa e outro tem um gostar diferente?

Não. Na verdade você não gosta de nada: é a mente que cria o gostar.

Participante: para que aprendamos a lidar com os outros.

Sim, para aprenderem a amar o próximo como a si mesmo. Que amor é esse pelo próximo que só existe quando ele faz o que você quer?

É só para isso que vocês possuem gostos diferentes. Todos os seres humanizados têm vontades diferentes porque eles não têm vida, mas encarnação, provação. Sendo assim, a vontade contrária do outro é só para testar o seu amor.

Participante: testar o egoísmo, também.

Testar o amor, pois quando ele é testado e realizado, você se libertou do egoísmo.

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Não existe principe encantado

Por isso numa relação é preciso que aja amor em mão dupla, mas ele deve ser vivido numa mão única. Ou seja, um amar o outro, mas saber que cada um tem vontades e conceitos diferentes, mas tentar ao máximo possível servir ao invés de preocupar-se em ser servido. Sem essa vivência, não há solução para que o casamento se prolongue, a não ser que haja o carma de ser subserviente, mas isso é outra questão.

Numa relação normal, é essa forma que deveriam aprender a viver. Aliás, é isso que a sua mãe e a de todos deveria ter ensinado quando estavam brincando de boneca e de carrinho quando eram crianças.

Desde criancinha quando a menina brinca de casinha, de fazer comidinha, de ser mãe, os pais deveriam ter ensinado esta forma de viver com os parceiros, mas ela não faz. Na verdade, ela ensina que casar é realizar um sonho maravilhoso onde um príncipe encantado virá e lhe cobrirá de ouro e satisfará todas as suas vontades, tornando a sua vida um mar de felicidade. Isso é mentira e por isso criar uma criança dentro dessa realidade é não prepara-la para o futuro, para viver a vida.

Uma união é formado de dias, da sequência de um dia após o outro. Em cada um deles é preciso que haja um trabalho manter a união. Não havendo, nada dará certo.

Por isso é que sempre digo que precisam de uma faculdade de vida. Precisavam encontrar alguém que lhes dissesse que não existem princesas, belas adormecidas, brancas de neve. Não existem seres que serão arrebatados por príncipes encantados que virão montados em cavalos brancos e que viverão felizes para sempre.

Já falamos disso quando abordamos no estudo ‘Síndromes da vida’ a síndrome da princesa. Naquele momento disse uma coisa interessante que gostaria de repetir agora.

No que virou um casamento hoje? Habitar o mesmo teto para não pagar motel.

Participante: que horror...

Sim, é um horror, mas esta é a lógica do casamento hoje em dia.

O lado importante do casamento hoje é o ato sexual. Este aspecto é o mais importante hoje para vocês. Tanto isso é verdade que o marido não apresenta mais a esposa, mas sim a sua mulher.

Acabou a cama, acabou o casamento, pois a única hora onde um se dedica ao outro é na hora da cama. Casamento é muito mais do que a cama. É vida a dois.

É isso. O casamento hoje para vocês está apenas concentrado na atividade sexual. O companheirismo é algo que foi esquecido, que não é praticado nas relações de hoje.

Para que o seu casamento não termine assim, saiba que não existe uma princesa, que não existem cavalos brancos e que ninguém vai aparecer e lhe satisfazer o tempo inteiro. Saiba que terá que lutar minuto a minuto para manter a relação feliz. E a luta é essa que estamos conversando.

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É preciso trabalhar pela relação

Se você não luta para manter a relação, ela acaba. Aí entra em nova sem a luta para a manutenção. No início tudo são flores, mas com a formação das mágoas, a vida passa a ser a mesma da anterior e toda a infelicidade volta.

Isso vale não só no caso de marido e mulher, mas para qualquer relação. Quando não realiza um trabalho para a manutenção dela, ela se extinguirá com certeza.

Apenas para relembrar, este trabalho precisa ser feito no abrir mão de seus desejos para satisfazer o parceiro e na atenção com relação à provocar mágoas. Este último ponto é fundamental, pois largar uma camisa em cima do sofá não parece nada, mas quando se entende a questão da existência das mágoas, esta ação torna-se profunda num relacionamento.

A mágoa são as marcas que ficam. Juntando centenas delas, cria-se um preconceito que agirá sempre que os dois estejam juntos.

Participante: o senhor não está falando especificamente da camisa, mas das diversas ações que contrariam o outro, não?

Sim, estou falando em não se preocupar em atender os desejos do outros em qualquer aspecto. Estou falando em prestar atenção ao que o outro quer.

Não podemos nos atentar a um ou outro aspecto da vida, porque senão estaremos criando coisas erradas e qualquer ato não possui esta conotação. O errado não é o que se faz, mas não se prestar atenção ao que o outro quer. Este é o trabalho que precisa ser realizado.

O problema não é o ato, mas como o outro o recebe. Se ele não se incomoda com o lugar da camisa, essa ação não tem nada de errado. Agora, se é sabido que ele não gosta, deixa-la nesse lugar é. Não porque a largou ali, mas porque não se prestou atenção ao que o outro gosta ou não.

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Medo do futuro

Com relação ao seu relacionamento amoroso de agora, o mesmo erro que cometeu no passado, está repetindo. Por medo de perder mais à frente, está querendo dominar a sua parceira, querendo dizer o que ela deve fazer e como deve ser. Faz isso para que mais à frente não perca.

Essa tentativa de domínio existe por causa do medo de perder. Tornando-se o dominador se considerará tranquilo, sem medo de perder. Só que quem busca essa segurança acaba convivendo com a perda. A vida é assim: quando vocês acham que conquistaram, ela vem e toma.

O que estamos falando agora é outra coisa que precisa haver num relacionamento entre homem e mulher: o medo de perder no futuro.

Participante: o senhor está dizendo que o casal deve conviver com o medo de um perder o outro?

Sim. Um deve ter medo de perder o outro no futuro.

Participante: para se preocupar com o outro?

Para se preocupar com o presente.

Já reparou que a maioria dos casamentos acaba com sete anos? Porque? Porque os cônjuges acham que depois deste tempo todo juntos não há mais perigo do casamento acabar. Por isso param de nutrir a relação, param de sustentar o casal. Com isso a separação acontece.

O medo de acontecer uma separação, deve existir, mas o medo fazer as coisas erradas, de tudo dar errado, não deve ter. Na verdade, não é que não deve ter, mas não adianta ter, pois você não tem domínio sobre nada. Portanto, deve ter medo de perder, mas não deve ter de fazer coisas erradas.

Participante: agora o senhor complicou ...

Eu sei; fiz de propósito. Vou colocar de uma forma muito minha: você não deve ter medo do futuro, mas deve ter medo dele. Vou tentar lhe explicar isso.

Você deve ter medo do futuro quando faz alguma coisa agora. Porque? Porque ele será um reflexo do que fez hoje. Se não tiver medo dele, agirá hoje imaginando que nada do que faz hoje lhe leva a determinadas reações.

Você não deve ter medo do futuro quando se fala do resultado do que fez hoje. Não deve ficar com medo de perder no futuro como reação ao que fez hoje. Deve ter medo de perder o que tem hoje, mas não deve temer a perda. Compreendeu?

Participante: não devo temer o futuro porque tudo é efêmero. No entanto, devo ter medo do futuro para poder prestar atenção no agora.

Exatamente.

É muito difícil colocar esse assunto em palavras, porque trata-se de elementos que não estão acostumados a trabalhar no dia a dia. O medo do futuro que estou falando é para o arriscar. Não deve temer o futuro para poder arriscar agora, mas deve ter esse medo para poder repensar o momento de agora, para agir com maturidade no presente.

Isso é importante para um casal, pois se você não tem medo de no futuro perde-la, não vai agir agora tentando preservar a relação. Agora, esse medo não pode lhe dominar, ou seja, não pode fazer você ter medo da existência de uma probabilidade de separação, porque com isso a relação também não será feliz.

Como disse, é muito difícil falar disso, mas deve existir as duas coisas: o medo do futuro sem o medo de perder nele.

Acho que com isso resolvo o seu problema com referência aos relacionamentos, não?