Senhor da mente - textos - livro 3
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Senhor da mente - textos - livro 3

Transcrição do estudo do Bhagavata Puranas: Senhor da Mente

Livro 3

Senhor da mente - textos - livro 3

Versículo 41

Vamos, então, começar, ou melhor, recomeçar o estudo do Senhor da Mente. Vamos ao versículo 41.

“Ainda que julgue perscrutar os corpos materiais e do seu próprio pensamento saltem fora os atributos, o yogi, neste mesmo mundo, com sua percepção sempre fixa no ser, não se deixa afetar pelos atributos dos supostos corpos materiais, tal como o vento, que não se deixa afetar pelos aromas que transporta”.

Belíssimo ensinamento: o senhor da mente, ou seja, o yogue, aquele que busca e consegue a realização espiritual durante a vida carnal, apesar de estar percebendo um jardim florido, por exemplo, e apesar de a sua mente dizer que aquilo é belo, não se deixar contaminar, nem pela percepção, nem pelo pensamento e nem pela emoção. Por quê? Porque não está concentrado na Terra, na vida material. Está concentrado no ser, no universo, em Deus.

Esse é um grande ensinamento para quem quer ser senhor da mente. Ele coincide com o que Cristo ensinou: “meu reino não é deste mundo”. O senhor da mente domina a relação entre ele e a mente que o faz acreditar que a sua existência, ou sua vida, é composta por elementos materiais. Não aceita essa ideia como real porque para ele a vida material não vale nada. Não vale nada como vida, mas apenas como etapa da evolução espiritual.

Sabe, o ser lúcido, o homem lúcido, não se apega a valores da vida material. Não se apega a vida material apesar de ter percepções, pensamentos e emoções como todos os seres humanizados têm. Ele não cria raízes na terra porque a sua raiz está no reino do céu.

É como fala Krishna: “o ser lúcido, o homem lúcido, é como o vento, que transporta as mais variadas fragrâncias sem deixar de ser vento, sem se deixar contaminar por essas fragrâncias”.

Ninguém vive uma só vida. Vocês já foram homens, mulheres, homossexuais e heterossexuais. Já foram ricos e pobres, dominadores e dominados. Essas coisas são os aromas, as fragrâncias que você espírito ‘vento’ recebeu durante a sua existência. Por isso, para tornar-se lúcido precisam trabalhar para não deixar essa fragrância contaminar. Não deixar as verdades, os desejos, as paixões e as posses, que pertencem ao ego, contaminar a sua existência.

Resumindo, o senhor da mente precisa estar atento na sua relação com o ego para não deixar que as fragrâncias, dessa e de outras vidas, o contamine para que continue sendo como o vento: livre, leve e solto a cruzar os ares.

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Versículo 42

“Mesmo que viva aparentemente numa forma corporal é conveniente que o sábio medite sobre a sua identidade como ser e também sobre a unidade de tudo, sobre o desapego, sobre a similitude que há entre o céu e o atma, alma onipresente substrato de tudo que parece móvel e imóvel”

Vamos ver esse trecho em partes.

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Versículo 42 - Compreensão sobre si

Mesmo que viva aparentemente numa forma corporal é conveniente que o sábio medite sobre a sua identidade como ser e também sobre a unidade de tudo,

Medite sobre a sua identidade como ser, ou seja, pense em si mesmo como um espírito e não humano. Vamos seguir o conselho do Sublime Senhor e meditar sobre isso.

Será que o ser humano é real? Será que o ser humano existe? Existindo, quem é o ser humano?

Essas perguntas são importantes de serem feitas a si mesmo porque já está comprovado que nada do que se pode ver materialmente é o ser humano. Todo corpo e todas as coisas dele são cascas onde existe uma psique, uma mente. É assim que a ciência define.

Portanto, o ser humano seria a mente. Mas será que a mente é você?

Já cansamos de estudar em O Livro dos Espíritos a informação de que o espírito possui outras prioridades, outras motivações, outras realidades que não aquelas que estão presentes na mente. Por exemplo: o espírito elevado não se preocupa com seu filho, não se preocupa em trabalhar e ganhar dinheiro, não se auto realiza pelas coisas materiais. Como a mente se realiza com essas conquistas, o espírito não é a mente.

Então, veja, se o ser humano é a mente e se existe algo além dela, você é esse algo. Você não é a mente, não é o humano, mas algo além disso, pouco importando o nome que dê a esse algo além.

É essa meditação que o ser lúcido deve fazer sobre si. Quando se descobrir como espírito e quando descobrir que já era espiritual antes de existir como humano, deve então meditar, pensar, a vida a partir dessa verdade.

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Versículo 42 - Meditação

Meditar é uma coisa interessante e pouco compreendida.

Meditar não é sentar, ficar com os dedos fazendo bolinha e dizer om. Muito menos adormecer, sentado ou deitado. Meditar é pensar o pensamento. Vocês mesmo dizem quando estão pensando ou repensando sobre algum assunto que estão meditando. Meditar é isso.

Quando Krishna diz que o homem sábio, o lúcido, deve meditar sobre si como ser universal, ou espírito, está querendo dizer que deve repensar seus próprios pensamentos a partir do seu lado espiritual e não a partir de elementos materiais. Vou dar um exemplo: você tem, a sua mente cria preocupação com a sua saúde. Ao invés de simplesmente aceitar essa preocupação, medite sobre essa questão isso a partir do ser.

O que é falta de saúde? Doença. Quem está doente? O corpo ou o espírito? Espírito não fica doente. Portanto, é o corpo que está doente e não o espírito. Quem é o corpo? Alguma coisa que não é você. Portanto, porque se preocupar com a saúde?

É isso que o homem sábio faz: medita, repensa os pensamentos criados pelo ego a partir de bases diferentes com a intenção de não aceitar a escravidão que o ego cria. Por isso, quando o ego cria um pensamento sobre doença ele medita a partir do ser e chega à conclusão que não há porque se preocupar com o seu estado físico.

Não estou dizendo que o homem lúcido não possa tomar remédio, ir ao médico, não fazer os exames. O que estou dizendo é que não deve se preocupar com a sua saúde. ‘Estou com câncer? Estou. Vou ao médico, faço exame, tomo os remédios, faço o tratamento, mas não me preocupo com isso. Por quê? Porque não sou a casca e quem está doente é ela e não eu’. ‘Ah, mas aí você pode morrer. Eu morrer? Eu já existia antes do nascimento. Por tanto, vou continuar existindo depois da morte. Por isso, porque me preocupar com ela’? Essa é a meditação que o senhor da mente faz.

A meditação do senhor da mente não é ficar sentado em um canto gritando “om” ou fingindo que está pensando enquanto está dormindo. O senhor da mente, como Buda ensina, tem atenção plena nos seus pensamentos para identificar o que não vem do ser e eliminar isso da sua realidade. Só assim, alcança a compreensão correta.

Esse é o ensinamento de Krishna nesse texto, mas tem mais.

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Versículo 42 - A meditação do homem lúcido

Vou repetir então o início:

“Mesmo que viva aparentemente numa forma corporal é conveniente que o sábio medite sobre a sua identidade como ser e também sobre a unidade de tudo...”

No universo, tudo é uno, tudo está unido. A própria ciência já vem provando isso. Não existem elementos autônomos, que não sejam influenciados por outros. Tudo está interligado, unido.

Essa é uma realidade do universo e o sábio medita a partir disso, ou seja, repensa os pensamentos que criam figuras fragmentadas sobre o universo. Se ocupa em não aceitar os pensamentos que criam essa fragmentação. Essa é a meditação para ele. “ah, aquilo está me dizendo que eu sou eu e aquela é outra pessoa. Não, isso não existe. Eu e ela estamos interligados, somos unidos.”

sobre o desapego...

Repensa os pensamentos buscando o desapego. Ou seja, repensa os pensamentos se ocupando em libertar-se dos apegos contidos neles. Por estar atento a esse detalhe o homem lúcido não se deixa enrolar pelas criações do ego que geram apego.

Mas, o que é o apego? São as posses que o ego cria: a posse material (é meu é do outro – ter uma propriedade particular); a posse sentimental (eu amo ou eu desamo); e a posse moral (eu sei, o outro está errado).

Portanto, o ser lúcido medita todos os seus raciocínios para não se escravizar a questões colocadas pelo ego que estejam ligadas a essas características. Ou seja, quando o ego coloca um pensamento, o homem lúcido vai procurar nele os elementos de possessão, para poder libertar-se da ação deles.

Onde houver um “é meu” o homem lúcido diz “não tenho nada”. Onde houver um “eu amo”, o homem lúcido pensa: “estou uno com todos, por isso não posso amar um e desamar outro”. Onde o ego colocar “eu sei”, o homem lúcido irá declarar: “só sei que nada sei”.

Essa é a meditação do homem lúcido nesses pontos, mas ainda falta outras coisas presentes no texto.

sobre a similitude que há entre o céu e o atma, onipresente substrato de tudo que parece móvel e imóvel.

O céu nesse caso é o reino do céu, o paraíso. É aquela ideia de um bom lugar para depois da vida carnal, independente de nome ou forma. O sábio medita entre a similitude desse bom lugar e a sua existência humana.

Cristo ensinou assim: “o reino do céu não está acima nem abaixo, está dentro e fora de cada um”. O Espírito da Verdade ensinou: “o reino do céu e o umbral não são lugares circunspectos”. A partir desses ensinamentos o homem lúcido sabe que o paraíso buscado já está presente aqui e agora. Não se trata de um lugar a ser alcançado.

De posse dessa consciência, o homem lúcido medita a partir a vida a partir dela. Ele está sempre pensando os pensamentos para não se prender a declarações que afirmem que há um céu a ser alcançado nem um inferno a ser vivido. Quando o pensamento gera esse tipo de declaração, o homem lúcido responde: ‘mas ego, já estou no céu, porque o céu está dentro de mim.‘ Com isso anula a ação impositiva do ego que através de percepções, emoções e pensamentos levam o ser a viver o aqui e agora como um inferno preparatório para esperar um paraíso.

Portanto, aí está, agora na íntegra, a base de raciocínio de um ser lúcido. Ele pensa a partir do ser e por isso só aceita pensamentos que tratem de desapego. Só aceita pensamentos que fundamentam tudo numa única coisa. Só aceita pensamentos que vivenciem a existência do reino do céu na Terra onde a equanimidade está presente como emoção.

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Versículo 43

“Tal como o céu permanece impassível diante de tudo aquilo que o fogo, a água e a terra possam produzir e emanar e fica impassível também diante das nuvens que o vento arrasta, assim convém que o homem permaneça diante de tudo aquilo que é criação do tempo”

Tudo o que a terra, o fogo, a água e o vento parecem produzir...

Os elementos elencados por Krishna são os quatro elementos que compõe o mundo material. Sobre eles, o Sublime Senhor afirma: ‘o céu permanece o mesmo, não importando o que esses elementos criem’. Ou seja, pouco importa para o céu o que os elementos materiais produzem.

Da mesma forma o homem lúcido. Ele deve permanecer preso à consciência de que é um espírito, que sabe que era antes de nascer e assim ficar imune às criações materiais que falam sobre acontecimentos desse mundo.

‘Bateram no meu carro’. Um fato desse não pode afetar o homem lúcido. Ele sabe que precisa estar acima das consequências que isso possa causar a um ser humanizado. Sabe que precisa estar imune a tudo que advenha desse acontecimento.

O que advém de um acontecimento desse tipo? Sentir-se mal, perdedor, atacado, etc. Todas essas criações surgem de um acontecimento desse tipo, mas o homem sábio coloca-se acima delas, pois sabe que o céu não se afeta com as criações dos elementos materiais.

O homem sábio também se coloca acima das criações chamadas boas ou positivas: ‘Oba, meu filho nasceu’: o homem sábio está imune a esse tipo de prazer. “que coisa boa, agora sou mãe, pai... Meu filhinho querido... Agora tenho razão para viver’ são pensamentos que o homem lúcido não se apega.

O ser lúcido está imune a essas criações mentais. Elas não o afeta, sejam positivas ou negativas. Esse é o ensinamento que o mestre diz que aprendeu com o mestre céu.

O céu está lá, não importa o que a terra crie. O céu é o céu e o homem lúcido é a mesma coisa: não importa o que a terra crie, ele é equânime. Está sempre igual, sempre na mesma vibração. Por isso muitas vezes digo que o ser lúcido está acima do bem e do mal.

AS coisas não são boas ou más. São as criações do ego que fragmentam o uno, através da dualização. Essa fragmentação não alcança o ser lúcido, pois é imune a isso.

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Versículo 44

“Puro, cordial por natureza, amável, fonte de santidade, o sábio, tal como a água, purifica a todos que o vêm, tocam e o louvam”.

É isso: o sábio purifica os outros porque está imune as criações da terra.

Isso não quer dizer que o sábio só vai praticar atos santos. Quer dizer que a sua tranquilidade ao participar de atos não santos se estenderá ao próximo. Estamos falando de troca de energias e não de percepções.

Quando o homem sábio, o lúcido, se imuniza das criações terrestres internamente, o espírito começa a viver a equanimidade. Essa estará sendo lançada aos outros espíritos. Eles receberão a emissão de energia e isso os auxiliará a fazer o seu próprio trabalho de elevação.

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Versículo 45

“Reluzente, resplandecendo graças à austeridade, poderoso, sem ter outro receptáculo para a comida a não ser o estômago e comendo de tudo, aquele que se domina a si mesmo, tal como o fogo, não fica contaminado pelo que absorve”.

Aqui vai ser preciso demorarmos um pouquinho. Vamos lá.

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Versículo 45 - Preconceito

Esse trabalho objetiva tornar-se senhor da sua mente. É um trabalho onde Krishna está ensinando a Uddhava como elevar-se espiritualmente através do controle dos sentidos que são contaminados através do pensamento.

Como agora então o Sublime Senhor vem falar de comida? O processo mental e o emocional não tem nada a ver com comida. A mente produz os mesmos pensamentos de barriga cheia ou vazia. Porque, então, nesse trecho se fala de receptáculo de comida? Vamos entender esse pedaço.

‘O homem lúcido não tem outro depósito para guardar a sua alimentação do que a sua barriga’: se não estamos falando de comida, o que mais pode alimentar um ser humano? Tudo que vê, ouve, percebe, pensa, emociona.

Essa é a verdadeira alimentação do ser humano. Na verdade a comida não causa efeito no ser, mas sim o ato de comer. O imaginar-se comendo é que alimenta ou não o ser.

Voltando agora ao que Krishna fala nesse trecho podemos entender que ele diz: o homem lúcido não tem outra alimentação do que aquela que está sendo ingerida agora. Ligando isso ao alimento que acabamos de falar, o que podemos entender? Que para o homem lúcido só existe o aqui e agora.

Tudo que o ser participa durante a sua existência vai para uma coisa chamada memória. Na memória ficam arquivados as percepções, os pensamentos e as emoções vividas em um momento. Mas, o que é a soma das percepções, pensamentos e emoções a respeito de um momento que ficarão na memória? Um preconceito.

O conjunto dessas três coisas dá o valor a algum elemento do mundo material. Vou dar um exemplo: se alguém fez alguma coisa que você não gosta (percepção do momento) a figura daquela pessoa, o pensamento e a emoção que teve ficarão arquivadas na memória. Quando novamente no futuro aquela forma for percebida, o ego usará o valor arquivado na memória sobre ela. Ou seja, ela será tratada como errada antes mesmo de agir. Isso é um preconceito, um conceito formado anteriormente.

Se você é um homem decaído, ou seja, não sabe que é um espirito ligado ao ego, acredita piamente no preconceito, na utilização que o ego falar dos valores previamente arquivados. Por isso, o ego dirá: ‘está vendo, aquela pessoa já fez isso e aquilo; você tem que sentir raiva dela nesse momento’. Por não pensar a partir do ser, você sente o que a mente está criando.

É isso que Krishna está ensinando agora nesse trecho: o homem lúcido não tem memória; ele vive cada momento sem a utilização de um preconceito formado.

Um detalhe. Esse não ter memória não quer dizer que a mente humanizada do homem lúcido não arquive preconceitos e proponha o seu uso em momentos futuros. O ego dele continua funcionando igual ao do homem decaído. A diferença é que o lúcido sabe quando o ego usa algo da memória e não aceita aquilo como real.

‘Ego, você está dizendo que ele fez. Não sei se ele fez ou não. Você está dizendo que ele vai fazer de novo? Não sei. Por isso, não vou aceitar a imposição de viver a emoção que você está fazendo’. É isso que Krishna está ensinando agora como a ação do senhor da mente.

O homem lúcido não tem outro lugar para colocar o alimento de agora, pois sabe que se guarda-lo no futuro será submisso ao que a razão cria. Essa é uma questão fundamental para a elevação espiritual, porque o ego armazena e lançará na sua consciência comida podre. Se não estiver atento, você vai comer.

Não adianta dizer que não vai, porque vai. Se não dominar a sua relação com o ego todo o passado estará presente no agora. Isso não leva a lugar algum, pois o passado já passou, morreu, acabou. Foram valores criados para uma hora, para um momento que não é o mesmo de agora.

Vocês falam que não se pode ter preconceito de cor ou de raça, mas não falam a mesma coisa quanto a usar um conceito anterior sobre alguém que está presente agora. Lá não pode ter preconceito, aqui pode?

É isso que vocês precisam entender. O ego cria verdades para o que quer e não as cria para o que não quer. Por isso, é preciso estar muito atento à alimentação que você está consumindo a cada presente.

É preciso estar atento para não guardar comidas (acreditar nas formações mentais). Se fizer isso, aquela verdade vai para a memória. Só quando você não aceita a declaração a formação mental não se transforma em conceito guardado na memória.

Por isso, em primeiro lugar é preciso estar atento para não aceitar a ideia de certo, real que a razão cria para algumas verdades. Mas, tem mais. Em segundo é necessário, quando o ego trouxer o que já está guardo lá dentro, libertar-se do valor de real e certo para isso.

Quando o ego usa um preconceito e você anula a ação desse preconceito, ou seja, não aceita a razão como certa ou real, o preconceito se extingue.

Esse é o ensinamento do mestre. Mas, vamos ver mais um aspecto do ensinamento do versículo 45. .

Aquele que se domina a si mesmo, tal como o fogo, não fica contaminado pelo que absorve.

Esse é o procedimento daquele que não se contamina pelo que absorve, ou seja, daquele que não se contamina pelo pensamento gerado pelo ego.

Como diz Krishna, o fogo não se contamina pelo que absorve. Ele surge da madeira, mas depois que vira fogo, nada mais o muda. Da mesma forma, o sábio, aquele que sabe da existência do depósito de alimentação preconceituosa não se deixa contaminar a cada momento, nem pelos novos alimentos, nem pelos antigos.

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Versículo 45 - Deixar o preconceito para trás

Participante: é tão bom quando a gente consegue deixar o passado para trás.

Deixar o passado para trás não é extingui-lo.

Veja bem, a ideia que vocês têm de deixar o passado para trás é a de acabar com o passado. No controle da mente, a ideia não é essa. O ensinamento do Krishna não é este.

O que o Sublime Senhor ensina é não deixar o passado poluir o presente. É bem diferente da forma que vocês encarnam o libertar-se do passado.

Vou dar um exemplo. Digamos que no passado você foi traído conjugalmente. Frente a um acontecimento desse, vocês acreditam que deixar o passado para trás é não se lembrarem mais da traição. Não isso que Krishna ensina, pois ele sabia que o ser encarnado não pode agir sobre o ego.

O passado é lembrado por Deus através da mente. Como o ser humanizado não pode mudar o que Deus faz, ele não pode esquecer por vontade própria.

Se não pode deixar de lembrar, o que o ser humanizado pode fazer? Não deixar o passado poluir o presente. O que isso quer dizer? Que quando Deus através do ego criar a ideia de que você foi traído, responder: ‘fui, e daí’,

O ser humanizado não pode aceitar o pensamento que afirma que a traição foi algo errado, não pode aceitar a emoção da dor de ter sido traído. Essas ideias precisam ser expurgadas por você na hora que Deus trouxer ao presente o passado armazenado na memória.

Portanto, volto a repetir: o sábio só se alimenta do presente, mas isso não quer dizer que o seu ego não vá trazer conceitos passados para o presente. Ele precisa continuar trazendo porque se não fizer isso, aquele ser não terá sua prova: escolher entre sofrer com a traição ou não.

A criação racional precisa ser preconceituosa e gere sofrimento para que você demonstre que sabe que é espirito, através da sua meditação no ser, na unidade. Por isso, não aceite vivenciar a emoção e o pensamento que o ego traz a consciência,

Por isso quando dissemos que o senhor da mente não tem memória, não quisemos dizer que ele não se lembra das coisas. Não é isso. Se lembra do que aconteceu e da emoção do passado que volta ao presente, tanto para os momentos chamados de bom quanto para os de mau, mas aprende a não deixar o retorno do passado contaminar o presente.

Participante: quando a gente sabe que já passou pela prova?

Quando não sentir nem prazer nem dor. Quando o ego trouxer de volta o passado ao presente e você não deixar-se contaminar por ele.

Participante: em resumo, para o mundo devemos ser bobões. Conheço pessoas assim. Poucas, mas que têm exatamente esse perfil que Krishna descreve. Para o mundo eles são considerados nulidade.

Exato.

Aliás, no Baghavad Gita o Sublime Senhor diz assim: ‘o verdadeiro sábio transita entre as coisas do mundo sem se apegar a elas vivendo com cara de bobo’.

O sábio espiritual é bobo para o mundo. Por quê? Porque é sábio referente a coisa do outro mundo e não nesse.

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Versículo 46

“Às vezes disfarçado, outras vezes apresentando-se com seu aspecto verdadeiro, tal sábio, ao qual acorrem os que buscam o bem estar, em qualquer parte que esteja, come o que lhe dão, destruindo os mal carmas passados e futuros dos doadores”

Olha que maravilha. Vamos ver aos poucos o que está nesse texto.

Às vezes disfarçado, outras vezes apresentando-se com seu aspecto verdadeiro...

O que seria um sábio disfarçado? Seria um homem aparentando raiva? Pode ser. Se o sábio tem a imagem de santo, o disfarce dele pode ser parecer que está com raiva, que está com ódio, que está contra os outros.

Aquele que já aprendeu o controle da mente querendo atacar os outros é o sábio disfarçado. Vamos mais.

... tal sábio, ao qual acorrem os que buscam o bem estar, em qualquer parte que esteja, come o que lhe dão...

Come o que lhe dão... O que quer dizer isso? É aquele que vivencia o que os outros fazem, sem aceitar a critica criada pela razão.

Um sábio, não importa se está aparentando raiva ou santidade, quando está com alguém na sua frente que está vivendo com raiva, vive com essa raiva sem deixar que o seu mundo interno sinta a mesma emoção e sem acreditar nas formações mentais que criam ideias sobre o outro.

Continue a leitura...

...destruindo os mal carmas passados e futuros dos doadores.

Por não relacionar-se tendo o interior com raiva, o sábio auxilia o próximo na vivência do seu carma.

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Versículo 46 - Ajudar o próximo

Agora podemos ter uma compreensão geral sobre o texto.

O que o Sublime Senhor afirma nesse versículo é que um sábio, um ser lúcido, aquele que sabe que era antes de existir, que necessariamente não veste batina ou manto, mas que é um ser humano comum que tornou-se senhor da sua mente, quando participa de uma ação onde alguém o acusa, xinga, briga, calunia, ofende, agride, mesmo que reaja no mundo externo, absorve toda a emoção negativa e não se deixa contaminar pelas razões que o ego cria. Ou seja, interiormente está em paz, mesmo que por fora esteja disfarçado. Mesmo que exteriormente haja uma resposta agressiva, por dentro está em paz. Essa paz auxilia a abrandar a queimação do outro.

Olha que maravilha. Outro dia me perguntaram como ajudar o próximo. Respondi e continuo afirmando: não há outra forma de ajudar o próximo a não ser se ajudando, realizando o trabalho de libertação das verdades do ego. Agindo assim, o ser alcança internamente um estado de espírito de equanimidade que é a única forma de ajudar o próximo.

Não há palavras, ideias, atos que possam ajudar o outro. Você pode dar dinheiro; o necessitado sai e vai tomar cachaça. Você pode dar um prato de comida, mas com isso não estará realmente ajudando o próximo: a única coisa que estará fazendo é ajudando a gerar matéria para fazer cocô. Pode falar palavras lindíssimas, mas se não tocar no coração do outro, não resolve.

A única coisa que resolve o problema do outro é tocar o coração dele. Só que fazer isso você tem que estar com o coração tocado, ou seja, por dentro precisa estar em equanimidade.

Belíssimo ensinamento, não?

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Versículo 46 - Agressão sem agredir

Participante: não posso entender como agredir alguém exteriormente e continuar em paz interiormente. Estar equânime.

Conseguirá quando compreender que não é você que agride o outro. O ato de agressão não é seu.

Sabe quando você vai conseguir participar de um ato de agressão sem interiormente perder a equanimidade? Quando disser para si mesmo: ‘agredi, e daí’? Isso se faz quando se medita sobre o que aconteceu, como, aliás, Krishna ensinou.

Realmente, no momento do ato da agressão, você não consegue pensar. Se alguém fala alguma coisa, automaticamente vem a mente o pensamento. É quando você conseguir pensar o pensamento que deve responder como falei.

Sabe, aqui não existem crianças. Todos sabem que quando se entra em uma discussão a coisa flui sem que você consiga raciocinar. O que vem nessa hora é a prova de que não é você que está devolvendo a agressão, pois não tem controle sobre o que faz ou acontece.

Agora, depois que se encerra a agressão, a discussão, o ego continua vivendo a história do que aconteceu. Ele pode dizer: ‘você fez muito bem em agredi-la. Aquela pessoa não vale nada mesmo. Tinha que agredi-lo mesmo. Tinha que responder a altura’. Pode também falar: ‘você diz que quer buscar a Deus, que quer se santificar e acaba agredindo os outros. Você não presta.’

Aí está o momento de fazer um trabalho e com isso alcançar a sua equanimidade. Ao invés de se deixar levar pelo conceito sobre o outro ou pela culpa, responda à sua personalidade humana: ‘eu não acredito em nada disso. Só sei que briguei, mas se devia ou não, não sei. O que fiz, foi feito, aconteceu. Não quer dizer que seja mau ou bom, foi a minha participação naquele ato do teatrinho. Tenho que continuar em frente’.

Acabou. Nesse momento conseguiu: agrediu sem ter a intenção de agredir. Saiba que quando o ego cria uma razão está, na verdade, criando uma historinha que serve como justificativa para a agressão. Agindo assim, ele cria uma intenção, que é alvo de palavras de Cristo e de outros mestres.

Só que a intenção, como disse, não aparece na hora da conversa. Por isso, não há como trabalhar a mente naquela hora. Ela vai aparecer depois e esse é o momento de agir.

Esse depois não é muito depois: é praticamente o momento seguinte. A pessoa sai ou vira de costas para o acontecido e aí vem a mente a começar ou a culpar ou justificar o que foi feito. É aí que você não pode aceitar.

Isso é agredir sem agressão.

Participante: Jesus fez isso quando quebrou a feirinha que tinha no templo de rezar? Ele agrediu e continuou na paz interior?

Sim.

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Versículo 46 - Arrependimento

Participante: sempre digo coisas ruins e me arrependo depois. Não consigo controlar; quando vejo já saiu.

Não é você que se arrepende. Quem cria o arrependimento é o ego. Você pode acreditar ou não no arrependimento. Acreditando, é hora de agir para tornar-se equânime.

Cristo fez isso quando destruiu a feirinha, como você falou, dos mercadores do templo. Fez isso quando botou o dedo na cara dos professores da lei e disse: ‘ai de vocês professores da lei, fariseus e hipócritas’. Fez isso quando por duas vezes brigou com Pedro quando o apóstolo disse: ‘vamos rezar a Deus para que o senhor não morra na cruz’. Continuou equânime internamente, mas por fora respondeu: ‘cala boca satanás, você está pensando que não vou tomar até o ultimo gole do cálice que o Pai me deu’? Cristo fez isso quando ouviu apóstolos discutindo sobre quem seria o líder deles depois da sua morte. Realizou o seu trabalho de desprender-se da razão que afirmou em som: ‘até quando vou ficar com vocês, vermes miseráveis’.

Aliás, falei aqui semana passada: procurem na Bíblia alguma passagem onde Cristo não esteja acusando, onde o olhar cândido que imaginam que ele tinha esteja presente. Não encontrarão. Sabem por quê? Porque ele não veio passar a mão na cabeça. Veio para chocar os professores da lei, mas fez isso em paz, porque sabia que era a sua missão. Por causa dessa consciência, não se arrependeu nem um pouquinho da forma como tratou externamente os outros.

Existe uma grande diferença entre os ensinamentos dos mestres e aquilo que vocês imaginam que é a prática deles. Isso porque estão preocupados com estereótipos, com tipos pré-fixados do que é um ser evoluído. Estão cansados de ver imagens de santos e achar que aquela postura santa é uma realidade. Quem acredita nisso nunca teve contato com o pensamento dos santos...

Imaginam, por exemplo, que Santo Agostinho viva em paz Vão ler o livro dele. Verão que vive completamente perdido, nervoso, ansioso. Veem as imagens dos apóstolos, todos com aquele ar de santinho... Eles brigaram com Paulo pelo poder de decidir o que deveriam fazer depois da morte de Jesus Cristo. Não queriam deixa-lo fazer o trabalho entre os não judeus. Apesar de terem sido instruídos com relação ao amor universal, tiveram sérias discussões e quase puxaram espada um para o outro para poder deter o controle sobre o que fazer.

É isso filhos: o estereótipo externo não tem nada a ver com o interno. Por isso, não se preocupem com o mundo externo. Afinal de contas, o mundo externo só existe dentro de você.

Saiba de uma coisa: as palavras que você fala só existem na sua mente, elas não foram proferidas para fora. A ilusão da ação delas estarem sendo proferidas para fora é criação do ego. Elas não foram proferidas, mas a ideia de terem sido é criada no seu ego e no de outros. Não há o falar e o ouvir; o que existe são criações em egos ao mesmo tempo.

Por isso digo: é tudo entre você e você, não entre você e as palavras, não é entre você e as atitudes, não é entre você e os outros. Tudo é sempre entre você e você. Saiba que o ego cria determinadas palavras como se você tivesse falando justamente para criar o raciocínio que deve sentir-se arrependida por ter falado errado. Ao agir assim, cria a sua prova.

A prova não é falar ou silenciar, mas achar que deve se sentir sentir-se arrependido ou não. Para tomar essa decisão não pode se basear pelo que está guardado no seu pote.

O que está guardado lá? O conceito de que falar bem dos outros é certo, bonito. O importante não é o que fala, mas o quanto ama.

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Versículo 47 - Valorização da vida

 “O senhor onipresente que penetra esta totalidade vital Cosmo, densa e sútil, criada pelo seu próprio Maya, força engendradora de aparências, só pode atuar quando toma a forma dos diferentes objetos e seres, tal como o fogo que assume a forma das coisas que queima”

O ser, o espírito, só pode atuar de uma forma material quando interpenetra o mundo material. É por isso que o Espírito da Verdade diz: “a evolução só acontece quando encarnado”. Por quê? Porque a evolução depende de conseguir dominar a mente e fora da carne, ou seja, sem ter mente, não pode se fazer esse domínio.

Não há como provar a equanimidade sem estar exposto à dualidade. Não há como amar a todos sem superar as posses, paixões e desejos.

Então, aquele que se eleva sabe que precisa da encarnação, Isso nos liga ao que vimos no versículo 41: o homem lúcido, aquele que sabe que era antes de ser, não valoriza a vida humana. Ou seja, é aquele que não valoriza as percepções, pensamentos e emoções geradas pelo ego. Só que o fato de não valorizar esses elementos mentais não quer dizer que desvalorize a vida humana.

Já disse uma vez e vou repetir: só para mente dualista o que não é certo é errado. Quando digo que um espírito não valoriza a mente humanizada, o ego, não quero afirmar, como vocês pensam, que desvaloriza a vida. Não é isso.

O ser lúcido dá um valor à vida material muito grande. Aliás, maior até do que o homem decaído. Só que não dá esse valor pelos mesmos motivos de quem não busca a aproveitar a encarnação.

O homem decaído valoriza a vida pelos valores materiais: de acordo com a capacidade de ter, ser, amar materialmente, de ser satisfeito em seus desejos. O homem lúcido dá um valor imenso à vida não pelos mesmos aspectos, mas no sentido da capacidade e oportunidade de provar a si mesmo que pode ser equânime apesar das tentações criadas pelo ego.

Tenho falado muito das criações do ego, digo que suas produções poluem, criam ilusões que afirmam ser reais e emoções que não espelham o amor incondicional. Quando falo assim dá a vocês a ideia de que o ego é um bandido, mas isso não é real. Essa é uma visão humana e não espiritual.

Para o homem lúcido o ego é o seu maior amigo. É assim porque é aquele que gera a oportunidade desse ser elevar-se. Ele fala assim: ‘amado ego, quando você me diz que eu falei alguma coisa que não devia, louvado seja Deus. Obrigado por fazer isso, porque assim me deu a oportunidade de provar que posso ser equânime, mesmo quando você me tenta ao me auto acusar’.

Já o ser humanizado que está decaído, quando falo do ego como o tentador pergunta logo: ‘como faço para matar o ego? O que devo fazer com ele, coloca-lo na cruz’? Não, deve amá-lo. Aquele que está lúcido ama o ego porque sabe que sem ele não teria sua oportunidade; o decaído quer logo acabar com a razão para poder não ter mais esforços nesse sentido.

É por isso que o homem lúcido ama o ego. Ama a existência do gerador de ilusões porque sabe que sem ele não consegue a lucidez. Volto ao início do que falei agora: como pode haver um exercício de equanimidade sem as tentações dualistas?

É isso que o Krishna está ensinando: o homem interpenetrado no cosmos vive a sua vida material em paz. Ele não quer morrer, não faz questão de se matar, apesar de saber que é apenas um estado temporário. Quer estar vivo porque sabe da importância de permanecer encarnado. Só que não é por isso que foge da morte. Se ela vier, a aceita como um momento da vida.

Sabe da importância de continuar vivendo, mas não é por isso que se apega a vida. Já o homem decaído também quer continuar vivendo, mas como busca o prazer enquanto vivo tem medo da morte e luta tentando afastá-la.

Eis aí, portanto, uma diferença que a mente dualista humana não consegue captar. Para ela se uma coisa não está do lado direito tem que estar no esquerdo. Não há outro lugar para estar. Já o homem lúcido não está nem a direita nem a esquerda: fica sempre no meio. Um meio que, como já disse, não é vazio, mas sim cheio dos dois lados: o direito e o esquerdo. Só que nesse meio o direito e o esquerdo estão presentes com a mesma intensidade. Por isso, um não se sobressai.

Esse é o ser lúcido, esse é o senhor da mente: aquele que domina a ação do ego não para ganhar nada, para ter fama, prazer ou ser elogiado, mas para que essas buscas do homem não lúcido não sejam a motivação da sua existência.

Se tiverem perguntas... Porque hoje nós vamos parar neste e com isso nós fechamos o ciclo, quando disse lá no início que o senhor da mente não liga para a vida, agora nós dissemos: liga, mas de uma forma diferente. O não ligar não é desligar-se, é não ligar pelos valores materiais.