O nobre caminho

Esforço correto

Deus é a Causa Primeira de todas as coisas que acontecem. Ele comanda os pensamentos e os atos dos seres com a intenção de que os acontecimentos não firam a Justiça Perfeita e o Amor Sublime. No entanto, Deus não pode agir por sua própria vontade. Ele dá a cada um de acordo com suas obras.

Assim, tudo o que o ser pratica e recebe são frutos do que ele mesmo plantou, ou seja, são efeitos de causas provocadas pelo próprio ser. Essa lei (causa e efeito) é o motor que move todas as engrenagens (seres e matérias) comandas pelo operador Deus. Por isso, o esforço correto é uma das peças importantes do Nobre Caminho Óctuplo.

Esforçando-se o ser no caminho da busca da verdade absoluta receberá de Deus a felicidade universal, mas enquanto o ser esforçar-se para ter satisfação, fama e elogio, só receberá isso do Pai. Esse esforço não correto do ser não poderá levá-lo a evolução espiritual.

Por isso Jesus nos ensinou:

“Um escravo não pode servir dois donos ao mesmo tempo, pois detestará um e gostará do outro; ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e também ao dinheiro” (Mateus – 6,24).

O esforço incorreto do ser é aquele que busca satisfazer as quatro âncoras (ganhar, satisfazer-se, buscar a fama e o elogio). Tudo isso leva a uma satisfação material. Mesmo que temporariamente consiga o prazer, o ser jamais alcançará a felicidade, pois continuarão a existir os momentos de infelicidade.

Para alcançar esse prazer o ser esforça-se em realizar os seus desejos. Busca possuir objetos, pessoas e verdades para que se satisfaça. Além disso, procura ampliar o período de permanência na matéria carnal para não ter que abrir mão desse prazer.

Por mais que busque esses dois objetivos, eles sempre estarão fugindo do ser. Os objetos são subtraídos por outros seres ou pela natureza, as pessoas partem e as verdades são questionadas a cada segundo da existência. A vida, por mais longa que seja, ainda tem a velhice e a doença. Dessa forma, por mais que busque o prazer, a existência do ser ainda é composta por infelicidades.

Esforçar-se para ampliar o padrão material ou a duração da vida que de nada adianta ao ser, pois a qualidade de felicidade que é adequada para a nossa constituição é diferente da felicidade que se obtém das atividades materiais. Por isso Jesus nos ensinou:

“O homem é como o pescador sábio que joga a sua rede no mar e a puxa cheia de pequenos peixes; no meio deles, acha um peixe tão grande e bom que o pescador sábio devolve todos os pequenos peixes, escolhe o peixe grande sem remorsos” (Evangelho Segundo Tomé Decodificado pelo Espiritualismo Ecumênico Universal – Logia 008).

A felicidade universal é o peixe grande que Jesus cita nessa logia. Ela satisfaz, enquanto que o prazer, peixe pequeno, necessita de ser ingerida diversas vezes para poder saciar a fome do ser. A satisfação é uma ilusão, uma verdade absoluta, que perde o valor tão logo o desejo do ser tenha sido conquistado.

“Nenhum arranjo na terra pode fazer feliz um peixe que é tirado da água. Devemos proporcionar-lhe água. Da mesma maneira, a entidade viva neste universo material não pode realmente ser feliz mediante qualquer quantidade de planos concebidos por seu cérebro iludido. Portanto, deve-se dar a ela um tipo diferente de felicidade que seja espiritual em essência. Devemos ter como objetivo e ambição desfrutar da bem-aventurança espiritual e não desta felicidade temporária” Bhaktivedanta ;swami Prabhupãda – Elevação, a consciência de Krishna).

Nota: No texto acima consideramos como entidade viva o ser universal e como cérebro o processo raciocínio da propriedade inteligência do ser.

Toda satisfação inicia-se em um desejo. Para que o ser se satisfaça, anteriormente ele teve que determinar qual o valor lhe traria esse sentimento. Portanto, o esforço não correto é desejar bens (materiais, morais ou sentimentais).

“Não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho”. Esse ditado popular não traduz uma verdade absoluta. Todo mundo que ame (deseje) algo que não possua não pode amar (ser feliz) com que tem, pois o desejo por outro objeto nasce da insatisfação com o que tem. A felicidade universal não é alcançada pela conquista dos desejos, mas com a convicção que tudo que está acontecendo nesse momento foi determinado por Deus. É da ação do Amor Sublime e da Justiça Perfeita que nasce a felicidade universal.

Estando o ser em um determinado lugar, praticando um determinado ato, de posse de certos bens, com certeza permanecerá feliz se souber que o lugar, o ato e a posse são as que merecia e precisava e constituem-se no que ele precisa para ser feliz. Essa convicção só será alcançada se o ser abrir mão de determinar o lugar que gostaria de estar, do ato que queria praticar ou da posse que gostaria de ter.

O desejo ou vontade é uma afronta ao Pai, porque na realidade o ser quer dizer que sabe melhor do que Ele o que lhe faria feliz. O ser não possui a universalidade suficiente para poder saber qual lugar, ato ou posse seria o mais importante para a sua felicidade eterna. Apenas Deus, que possui a Inteligência Suprema pode avaliar todas as necessidades do ser.

O Supremo Senhor fala:

Quando um homem renuncia aos desejos dos sentidos engendrados pela mente, obtendo contentamento unicamente no Eu, diz-se então que alcançou a consciência divina.

 Quem está sempre tranqüilo apesar das três misérias; quem não se deixa exaltar quando há felicidade; quem está livre do apego; quem não tem ódio nem medo; merece o nome de sábio.

Neste mundo transitório quem não se deixa afetar pelo bem ou pelo mal que poderão sobrevir, sem louvá-lo ou maldizê-lo, já se encontra situado na consciência divina.

Aquele que for capaz de retirar os sentidos de todos os seus objetos assim como a tartaruga recolhe os membros no casco, deve ser considerado um ser auto-realizado.

A alma corporificada consegue renunciar aos prazeres dos sentidos muito embora ela não perca o sentido do prazer. Porque, depois de provar o gozo transcendental, ela fixa a consciência.

Os sentidos são tão forte que conseguem arrastar mesmo a mente do homem sóbrio que se esforça por domá-los.

Quem controla os seus sentidos concentrando-se em Mim (Deus), pode ser considerado um homem de mente estável.

Ao contemplar os objetos a eles nos apegamos, do apego vem a luxúria e da luxúria a ira.

Da ira vem a ilusão, a ilusão turba a memória. A memória confundida desbarata a inteligência e quando esta destrói cai-se de novo no poço.

Quem controla os seus sentidos por praticar os princípios da liberdade regrada recebe misericórdia e então fica liberado da aversão e do desejo.

E para quem recebeu misericórdia divina já não existem misérias e a inteligência fixa-se nessa condição feliz.

Sem a consciência divina a mente não se controla nem se fixa a inteligência, sem o que, não existe a paz. E onde não existe a paz, pode haver felicidade?

Assim como um vento forte leva um barco mar a fora, apenas um dos sentidos em que a mente se detenha pode levar para longe a inteligência do homem.

Arjuna de braços fortes, aquele cujos sentidos estão livres dos objetos, têm a inteligência firme.

O que é noite para todos é tempo de despertar para os auto controlados. E o que é manhã para todos, para o pensativo é noite.

Quem não se deixa agitar pelo fluir dos desejos que entram qual rios no mar, que no entanto fica estável, é o único que tem paz; não aceite aquele que se esforça por saciar seus desejos.

A pessoa que abandona o sentimento de posse e os desejos dos sentidos, desprovida de egoísmo, alcança a paz verdadeira.

 Eis o caminho da vida, divina e espiritual, onde não existe engano. Indo por este caminho, mesmo na hora da morte, chega-se ao Reino de Deus.

(Bhagavad Gita – Canto II, 55-72)

Apesar da existência de termos cujo sentido alteramos no transcorrer do estudo dos elementos formadores da consciência crística (mente, eu, inteligência, memória), o texto sagrado dos hindus mostra claramente o processo raciocínio por que passa os seres que possuem desejo.

Quando Krishna fala na ira que turba a memória, entendemos a ação dos conceitos durante o processo raciocínio. Se a memória é composta pelos conceitos individualizados armazenados pela inteligência do ser, quando eles são utilizados todo o processo raciocínio é influenciado. Esse raciocínio individualista afasta o ser da felicidade universal,

Essa felicidade, que no texto foi chamada de paz por Krishna, só é alcançada por aqueles que abrem mão dos desejos dos sentidos. Aqueles que alcançam a felicidade universal não vêem certo ou errado, não cheiram aromas agradáveis ou desagradáveis, não ouvem sons desejados ou indesejados, não provam sabores gostosos ou ruins e nem tateiam coisas boas ou ruins. Para esses tudo é Perfeito porque é fruto da ação de uma Inteligência Suprema com Amor sublime e Justiça Perfeita.

Apenas aqueles que abandonam o desejo dos sentidos alcançam a verdadeira felicidade.

A partir dessa constatação fica fácil compreender o esforço correto que leva a felicidade universal: buscar a cada segundo da existência suprimir os desejos e viver na realidade absoluta (Deus e Sua ação) que está ocorrendo.