O valor essencial da vida
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O valor essencial da vida

Análise de Joaquim de Aruanda sobre o viver feliz a partir do sutta budista Anguttara Nikaya III.78 - Silabbata Sutta - Preceito e Prática

O valor essencial da vida

O sutta

Anguttara Nikaya III.78 - Silabbata Sutta - Preceito e Prática

Então o Venerável. Ananda foi até o Abençoado e ao chegar, depois de cumprimentá-lo, sentou a um lado e o Abençoado disse: “Ananda, toda prática e preceito, toda vida, toda vida santa, que é seguida como tendo um valor essencial: todas elas são proveitosas?”

“Senhor, isso não deve ser respondido de forma categórica.”

“Nesse caso, Ananda, dê uma resposta analítica.”

“Quando – por seguir uma vida de prática e preceito, uma vida, uma vida santa, que é seguida como tendo um valor essencial – as qualidades mentais inábeis e prejudiciais aumentam enquanto que as qualidades mentais hábeis e benéficas declinam: esse tipo de prática e preceito, vida, vida santa, que é seguida como tendo um valor essencial é infrutífera. Mas quando - por seguir uma vida de prática e preceito, uma vida, uma vida santa, que é seguida como tendo um valor essencial – as qualidades mentais inábeis e prejudiciais declinam enquanto que as qualidades mentais hábeis e benéficas aumentam: esse tipo de prática e preceito, vida, vida santa, que é seguida como tendo um valor essencial é frutífera.”

Isso foi o que o Venerável Ananda disse e o Mestre aprovou. Então, o Venerável Ananda, pensando “O Mestre me aprovou,” levantou do seu assento e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu.

Então, não muito tempo depois que o Venerável Ananda havia partido, o Abençoado disse para os bhikkhus, “Bhikkhus, Ananda ainda está em treinamento, mas não seria fácil encontrar alguém com a mesma sabedoria que ele.”

O valor essencial da vida

O valor essencial

Vamos tentar entender a história contada neste sutta. Buda pede a Ananda, um monge que estava estudando com o Iluminado, que falasse sobre a vida vivenciada a partir de um valor essencial. Pergunta se esse tipo de vida é frutífero, ou seja, se leva à elevação espiritual, à vivência da felicidade que Deus tem prometido.

O monge afirma que não se pode falar apenas se sim ou não, pois é necessário analisar esta questão. O Iluminado, então, o pede que analise. Na análise Ananda afirma que existe vida que é levada com um valor essencial que leva à elevação espiritual, mas que há outras, que mesmo que possuam um valor essencial, não levam.

O que diferencia uma coisa da outra?

Participante: a essência que se dá à vida...

Perfeito.

A vida para servir como caminho para a elevação espiritual depende do valor essencial que se usa durante a vivência dos acontecimentos. Aliás, por ter descoberto isso é que Buda elogiou Ananda.

O problema, portanto, para quem quer buscar a elevação espiritual não é a vida que é vivida, mas o valor essencial que se coloca numa existência. É o que estamos falando há algum tempo: não adianta apenas encarnar e achar que por causa disso conseguirá a elevação espiritual. É necessário fazer alguma coisa para isso e a prática do que conduz à elevação depende do valor que se aplica à própria vida.

O que é a essência de uma vida? Eu diria que é o objetivo com qual se vive. O objetivo da vida é a essência que se aplica a ela. Se você objetiva nesta vida ficar rico, está é a essência da sua vida. Objetivando formar família, a essência dela será formar família.

 Toda vida tem um objetivo, tem um valor essencial, mas nem todo valor essencial de vida leva à elevação espiritual. É isso que queremos conversar hoje: o valor essencial da vida. Precisamos fazer isso porque tudo que conversamos até hoje pode servir para as pessoas como papel higiênico ou como uma página sagrada: depende do valor essencial da vida do ser humanizado.

Se o valor essencial da sua vida é comer, o papel higiênico é necessário. Nesse caso, as folhas desse livro podem servir dessa forma. Agora, se o seu valor essencial é aproximar-se de Deus, tudo o que está escrito aqui pode servir como instrumento para a sua caminhada.

Já falamos muita coisa até hoje, mas o que vamos falar agora é o início de qualquer jornada no sentido da elevação espiritual, pois sem a determinação de um valor essencial para a vida que esteja de acordo com este objetivo, não se vive: sobrevive.

O valor essencial da vida

O valor e as âncoras

Participante: realmente nós só sobrevivemos. Por causa do valor essencial que damos a vida vivemos sempre com medo da sociedade...

Desculpe, mas você não tem medo da sociedade. Tem medo de sofrer com o que ela vai falar.

Participante: não é a mesma coisa?

Não, é completamente diferente. Perdendo o medo de sofrer com o que ela falar, não haverá problema algum no que será falado e assim conseguirá viver a vida. Mas, enquanto tiver medo de sofrer, continuará apenas sobrevivendo ...

Para melhorar nossa compreensão sobre este assunto, lhe pergunto: o que é esse medo de sofrer? É a prisão às quatro âncoras que já conversamos: vontade de ganhar e medo de perder, vontade de ter o prazer e medo do desprazer, vontade de ser reconhecido e medo da infâmia, vontade ser elogiado e medo da crítica. Não é o que falamos que prende o ser humanizado à carne e por isso não lhe deixa estar vivo?

Portanto, se você tem um valor essencial da vida que esteja aprisionado a qualquer destas âncoras, precisa reavaliá-lo para poder aproveitar a encarnação e alcançar a elevação espiritual. Falo assim, porque as vontades e medos expressos nas quatro âncoras constituem o valor essencial que a maioria dos seres humanizados aplica à vivência dos acontecimentos de suas existências.

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Os objetivos são gerados pelas mentes humanas

Participante: a gente pode ter objetivos emprestados? Por exemplo, a gente pode ter objetivos transmitidos pelos pais, pela sociedade, etc.? Podemos vivê-lo como sendo o nosso objetivo?

Mas, é sempre isso que acontece ...

Quando encarnam, os espíritos são seres do universo. Durante o seu desenvolvimento na massa carnal a família diz que eles devem tomar banho todo dia, que devem comer nas horas certas. A sociedade diz que têm que pagar suas contas em dia, que devem ouvir som em volume baixo, etc. Nesse momento, o ser, que encarnou esquece tudo aquilo que lhe motivou antes de vir à carne e passa a vivenciar como objetivo de vida essas normas que o mundo humano coloca.

É por conta dessa discrepância entre o valor essencial da vida de um espírito liberto da humanidade e do ser humanizado que Cristo, depois da crucificação, diz aos seus apóstolos durante uma conversa na casa de Maria Madalena: ‘vá e anuncie o Reino dos céus, mas não junte a lei de Deus nenhuma norma que eu não tenha ensinado’.

A única lei que Cristo ensinou foi a do amor a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Todas as outras são criações da mente para, através da alteração do sentido de vida, gerar as provações do ser durante a sua encarnação.

Para poder se libertar do sentido essencial da vida que a mente cria, saiba que ela não está preocupada em usar o valor espiritual no seu filho, por exemplo, mas sim em torná-lo um ser humano seguidor das normas humanas e com isso alcançar o sucesso material. A mente não está preocupada em ajudá-lo a vivenciar o valor espiritual de um filho, mas sim torná-lo um ser humano com sucesso e desta forma conseguir a fama.

A mente não possui objetivos espirituais: ela só tem valores materiais. Se você conquistou a fama, ela quer que seu filho também a conquiste; se não conquistou, quando cria as orientações que você precisa passar a ele, só quer que ele a conquiste.

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Vivendo na superfície da vida

Agora que já vimos a importância do objetivo da vida de cada um para a sua elevação espiritual, temos que conhecer o objetivo com o que vivemos. Para falar disso começo com algumas perguntas...

Por que você acha que nasceu? Para que acorda todo dia de manhã? Para que respira a cada momento? A resposta a essas perguntas lhe mostra o seu objetivo de vida.

Participante: não sei por quê...

Por que não sabe a resposta para essas perguntas?

Participante: porque em algum momento nessa encarnação nos perdermos e passamos a seguir um monte de regras que nos foram transmitidas.

Perfeito. No momento que se perderam passaram a viver como? Na superficialidade da vida...

É isso que é sobreviver: é levar a vida superficialmente. Vocês não conseguem viver porque não penetram na vida, a dádiva maravilhosa de Deus. Somente aqueles que mergulham fundo no entendimento da vida podem vivê-la na plenitude.

Por que você nasceu? Posso afirmar que não foi porque um dia seu pai teve desejo sexual pela sua mãe e uma noite eles fizeram um ato, que vocês consideram sujo, que leva à fecundação de um óvulo para nove meses depois você nascer. Acreditando em espírito e no processo de reencarnação, você não pode acreditar nisso. Mas, mesmo assim continuam vivendo como se essa fosse a sua origem e quando vive assim, apenas sobrevive, pois está na superficialidade da vida.

O nascimento, para aquele que acredita no processo de elevação através das múltiplas encarnações, é muito mais do que a consequência de um ato sexual: é uma oportunidade que Deus concede ao espírito para reformar-se. Quem não mergulha na vida, ou seja, não repensa os conceitos que a mente oferece para os acontecimentos da vida para que fiquem fiéis às crenças que possui, vive na superficialidade e por isso, não possui o valor essencial da vida que pode levar à elevação espiritual.

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Mergulho no nascimento

Mas, do que conversamos podemos tirar algo mais que é importante para a questão do tornar uma vida santa ou não. Como disse, quem crê que nasceu por causa da atividade sexual do pai e da mãe, acaba se vendo como fruto de um ato pecaminoso, pois vocês ainda consideram o ato sexual como algo impuro, algo que precisa ser mantido em segredo.

Participante: não é bem assim.

É sim. Qual o filho que admite que os pais façam sexo? Todos acham que sua mãe ainda é virgem e pura como Nossa Senhora.

Participante: vemos o sexo dessa forma por conta dos padrões que nos foram transmitidos...

Exatamente. Mas, viver assim é manter-se na superfície da vida. Está na hora de mergulharmos nela.

Está na hora de nos aprofundarmos nas questões da vida. Se não fizermos isso, continuaremos sempre vivendo com o valor essencial que a mente dá a ela.

Por isso volto a perguntar: por que você nasceu?

Participante: poderia ter diversas respostas para isso. No momento a que me vem à mente é que foi para viver provas.

Sim, essa é uma resposta, mas esquecendo os detalhes espirituais (carmas, provas, missões, etc.), insisto na mesma pergunta: por que nasceu?

Participante: porque Deus quis.

Sim, você nasceu porque Deus quis lhe dar uma chance de evolução. Você nasceu porque Deus lhe deu uma chance para evoluir.

Chegar a essa conclusão como explicação para estar vivo é, para aquele que acredita na encarnação, mergulhar na vida. Quem tem essa crença não acha que está vivo porque sua mãe foi para cama com seu pai. Para quem acredita nisso, esse ato é apenas uma teatralização. Ele sabe que iniciou a vida nesse mundo porque o Pai no seu Amor Sublime lhe deu a chance de vir a carne buscar a sua elevação, a sua pureza perdida, a sua evolução.

Esse é o início do mergulho na vida que todo aquele que acredita em encarnações sucessivas precisa realizar. Isso porque quando transformar a sua origem mudará o valor essencial de sua existência. Nesse momento, tudo mais mudará.

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Mergulhando numa situação de vida

Participante: como acordar de manhã e sentir isso que o senhor falou?

Meditando consigo mesmo, falando para si mesmo o motivo pelo qual está acordando. Orai e vigiai, como ensinou Cristo. Se não orar por si mesmo e não vigiar as criações que a sua mente faz, a superficialidade da vida lhe levará.

Participante: essa superficialidade que o senhor fala é que acho que é a causa da minha depressão. Quando me deixo levar por ela chego a pensar em abandonar o meu emprego. O senhor já imaginou o que isso representa?

É exatamente isso que estou falando...

A corrente da superfície da sua vida é a ideia de abandonar o seu emprego. Como se sai dela? Mergulhando na profundidade da sua existência.

O que é o emprego que você tem? É o instrumento para a sua evolução que Deus criou, já que toda vida é gerada como uma chance de evolução.

Mergulhando dessa forma nas profundezas da sua vida, verá que o seu emprego tem que ser fonte de felicidade, quaisquer que sejam os acontecimentos que vivencie lá. Mas, como se vive feliz num emprego onde não acontece o que você quer?

Participante: sabendo que foi Deus quem deu.

Primeiro sabendo que foi Deus quem lhe deu, mas em segundo sabendo que ele é o emprego que precisa para a sua evolução. Se não fosse, Deus não lhe teria dado.

Participante: quem pode garantir que foi Ele que deu ou eu que criei essa situação para mim até pelas questões das âncoras?

Na verdade, sempre será você que criará a situação para si mesmo, mas ela será dada por Deus.

Deus dá a cada um segundo a sua obra, ensinou Cristo. Por isso, o seu emprego é o resultado de sua obra num momento anterior. Mas, quem gerou aquele efeito justo foi Deus, a Causa Primária de todas as coisas, como ensina o Espírito da Verdade.

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Mergulhando na culpa

Esse é o mergulho na vida que estou falando, mas para ficarmos com a questão mais clara, continuemos mergulhando na vida.

O seu emprego de hoje é fruto de uma obra positiva ou negativa? Sendo de uma obra positiva, que bom, pois fez algo bom e com isso mereceu receber o emprego que tem hoje. Agora, se é resultado de algo negativo que tenha feito anteriormente, o que pode fazer? Positivar o emprego que tem hoje. Somente quando positiva o que é negativo ele se transforma.

Portanto, pouco importa porque mereceu esse emprego: viva-o positivamente, seja feliz com ele. Sem mergulhar na profundidade da vida, ainda estará aprisionado a todos os códigos de normas que a mente cria e com isso se sentirá preso, injustiçado. Mergulhando compreenderá que o emprego que tem é aquilo que Deus lhe deu para ser feliz e nesse momento poderá sê-lo, não importando o que está acontecendo lá.

Participante: por causa disso é que estou tentando trabalhar a questão da culpa pelo que ocorre lá dentro.

Perfeito.

Quem vive a culpabilidade de alguém por alguma coisa não aproveita a oportunidade que Deus está lhe dando. Por quê? Porque só vê culpa em si ou nos outros.

Como Cristo ensinou que não devemos julgar ninguém, viver com esta postura é não aproveitar a oportunidade que está se recebendo. Mas, para viver sem culpa, é preciso mergulhar na motivação do seu nascimento. Só assim viverá cada acontecimento como uma oportunidade de elevação que Deus dá, ao invés de julgá-los pelos critérios criados pela mente.

Depois de mergulhar na motivação do seu nascimento, não haverá mais nada a ser julgado. Terá apenas a consciência que as coisas estão acontecendo porque Deus lhe deu aquilo para viver como consequência de atos seus anteriores. Tampouco importará se a sua ação que causou aquilo foi positiva ou negativa, pois quando se entende a vida como uma oportunidade que Deus dá para que seja realizado um trabalho para aproximar-se Dele, não há mais pena, castigos.

Quando essa consciência for atingida, poderá gozar a felicidade. Mas, enquanto quiser ser algo que a mente diz que tem que ser, não conseguirá ser feliz com o que é.

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Mergulhando nos prazeres humanos

Portanto, a diferença está sempre no objetivo para existir que cada um vivencia. Aqueles que não mergulham na profundidade da vida vivem apenas para gozar os prazeres deste mundo. Aliás, se analisarmos com mais calma, veremos que esse é o objetivo da existência de cada ser humano, mesmo daqueles que dizem acreditar haver em si algo além da carne: gozar os prazeres criados pelos sentidos humanos.

Quem não quer ver apenas aquilo que considera bonito? Quem não quer cheirar apenas o que considera cheiroso? Quem não quer ouvir apenas sons que são agradáveis aos seus ouvidos ou provar sabores que gostam?

Participante: isso é prazer mundano?

Sim, porque tudo isso é criação mental. Além do mais, achar algo bonito é dizer que Deus é capaz de fazer o feio, pois quem considera algo como belo é porque conhece o que é feio.

Participante: mas, aquilo que gostamos não pode ser considerado como ruim. A sensualidade é algo maravilhoso porque inclusive nos ajuda na busca do que é essencial.

Vamos entender direito o que estou falando...

Cristo não disse que você deve gostar de nada, mas sim amar a tudo. O gostar depende da sua satisfação; o amar independe dela. Vou dar um exemplo para entender o que quero dizer.

Você queria estar aqui hoje?

Participante: sim.

Como conseguiu estar viveu esse momento como bom, como satisfatório.

Agora, digamos que não tenha conseguido chegar aqui, como estaria vivendo esse momento? Com desgosto. Portanto, para gostar de um momento você depende que ele esteja de acordo com as suas condições.

Acontece que para se viver o amor que Cristo ensinou essa condição não é necessária. Ele deve existir independente do que está acontecendo (acima de tudo). Por isso o seu gostar não pode ser considerado como uma expressão do amar que Cristo ensinou.

Outro detalhe: o gostar leva ao prazer, a satisfação de ter seus desejos atendidos; o amor ensinado pelo mestre nazareno leva sempre à felicidade. Quem se liberta de suas condições para ser feliz pode estar sempre em paz e harmonizado com o momento, pois não possui condições necessárias para a vivência desse estado de espírito. Esse é feliz apenas por estar vivendo o que Deus fez e não porque o que queria aconteceu.

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Mergulhando no viver

Continuemos falando da questão do valor essencial da vida.

Já imaginaram, já tiveram alguma ideia do quanto custa ao universo a encarnação de cada ser? Vamos conversar sobre isso.

O que havia nesse lugar antes de ser uma casa?

Participante: uma floresta.

Onde estão as plantas que existiam aqui? Tiveram que morrer para que vocês tivessem uma casa.

Outra pergunta: porque estão aqui com todo o seu dinamismo? Será porque são superpoderosos? Acho que não. O que lhes dá dinamismo é todo o alimento que ingerem, ou seja, os vegetais e as carnes que comem. Pois é, animais e plantas tiveram que morrer para que você pudesse ter o dinamismo para viver os acontecimentos de sua vida.

Além do mais, hoje o planeta Terra está mais pobre que ontem, pois os vegetais tiveram que retirar os sais minerais do solo para transferi-los para o seu corpo e assim lhes dar vigor. Repare: não é só o animal e o vegetal que precisam se sacrificar para que vocês tenham uma vida: o próprio planeta se esgota para que isso aconteça.

Já estão começando a ver o custo da vida de cada um de vocês para o universo? Mas, tem mais. Há algo que nunca se lembrariam de calcular: quantos milhões de células de oxigênio precisam se sacrificar transformando-se em gás carbônico a cada dia para que vocês possam ter uma vida para viver?

Em tudo que e refere à existência de um ser encarnado há um custo para o universo. Será que seria justo tudo isso ser despendido apenas para que você vivesse o que gosta?

Fazer a si mesmo essa pergunta é mergulhar na vida. É submetê-la a seu real contexto, o universal, e retirá-la da visão estreita que os seres humanos têm da vida: uma existência onde tudo é obrigado a se sacrificar para que ele viva apenas o que quer.

É essa consciência que pode lhe dar a compreensão necessária para que se desiluda com a forma humana de viver e assim deixe exigir do universo que faça acontecer apenas aquilo que quer e gosta. Aquele que faz esse mergulho na vida, ao invés de cobrar e exigir do universo, pergunta: ‘já que se sacrifica tanto por mim, o que posso fazer por você’?

Na verdade, você não pode fazer nada pelo universo. Aliás, pode sim: honrar o esforço para lhe dar uma vida. Como se honra esse esforço? Dedicando a vida para a finalidade do universo: servir como campo de provas para um espírito, ou seja, ser uma oportunidade para que o ser universal, mesmo instigado pelo tentador (a personalidade humana), opte sempre por viver a felicidade incondicional.

Volto agora a uma das perguntas que fiz: porque você respirou nesse momento? Matou átomos de oxigênio apenas para satisfazer-se ou honrou o sacrifício do universo dedicando aquele momento à vivência da felicidade universal independente do que estava acontecendo? Vivendo assim, o átomo do oxigênio, então, ‘vê’ que o seu sacrifício foi em vão.

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Mergulhando no que os outros fazem

Sei que para vocês o espaço de tempo que estou usando – uma respiração – parece muito pouco para ter alguma influência sobre a totalidade de uma existência, mas não é assim. Em outro estudo que fizemos, vimos que Cristo diz que o momento presente é o talismã que Deus dá a cada um para que seja feliz. Portanto, qualquer momento é de suma importância e faz diferença para a eternidade do espírito.

Cristo diz que o momento presente de cada existência é um talismã que tem grande poder de curar o sofrimento do ser encarnado. Isso porque cada momento de uma existência é criado por Deus com todo Amor, repleto de tudo o que ele precisa para ser feliz. É como dissemos quando estudamos o Evangelho de Tomé:

“Cada segundo de um ser encarnado é projetado minuciosamente pelo Pai para que ele alcance a felicidade universal. Todos os detalhes são avaliados pelo Ser Supremo para que possa proporcionar ao ser em evolução a chance da evolução espiritual”.

E você, quando vivencia esta obra de Deus, diz que Ele está errado, que não é aquilo que precisa.

Vou usar como exemplo a questão do emprego que alguém falou aqui hoje. Deus planeja cada momento em que essa pessoa está no seu trabalho para que seja feliz, mas ela não consegue aproveitar essa dádiva. Porquê? Porque não concorda com o que Deus lhe deu.

Por não concordar, sofre. Como não quer reconhecer que é a culpada do seu sofrimento, acaba gerando erros no que os outros fazem para justificar seu sofrimento.

Ninguém é culpado pelo sofrimento que o outro sente. A culpa é só daquele que não aproveita o segundo que Deus escreveu com tudo que é necessário para a vivência da felicidade. Se essa pessoa mergulhasse na sua existência usando suas próprias crenças para criar a realidade que está vivendo, ao invés de ver erro no que os outros fazem, encontraria apenas o Amor de Deus.

Sim, aqueles que lhe contraria são os seus maiores amigos, são os instrumentos que podem ajudar a elevar-se. Como você poderia fazer o trabalho dessa vida (optar entre o bem e o mal) se não houvesse alguém que contrariasse suas expectativas? É essa consciência, que é alcançada pela mudança do valor essencial da vida, que se adquire quando se mergulha na vida.

   Quando o valor essencial da vida muda, tudo se transforma. A pessoa que contraria se transforma num instrumento da sua oportunidade de amar; aquele que causa necessidades passa ser um grande amigo, pois ajudou a mostrar que você ama mais a Deus do que às suas posses. O seu inimigo se transforma num grande amigo, pois deu a oportunidade de amar a tudo e a todos.

O que estou falando é da forma de raciocinar de Deus. Quando Ele prepara o momento que é o talismã para a sua felicidade com alguma pessoa que lhe agride, está pensando em dar uma oportunidade de amar incondicionalmente, o que, como Ele sabe, é o único caminho para se aprender a viver universalmente.

Mas, porque o Pai não pode lhe dar o que você quer? Porque como ensina O Livro dos Espíritos, um dos objetivos da encarnação está na vivência de vicissitudes durante a vida. Sendo assim, jamais uma existência poderá ser constituída integralmente por satisfações.

Mergulhar na vida é saber que ela sempre tem que ter altos e baixos e que como isso representa a provação do espírito, saber que é preciso manter acesa a chama da fé (entrega com confiança a Deus). Saber que não se deve deixar levar para a depressão do sofrimento quando a vida vai para a fase da vicissitude contrária aos seus interesses. Da mesma forma, não se deixar levar pela vida quando ela está na fase exaltação.

É por isso que Buda elogia Ananda. Pela resposta que o monge deu o Iluminado compreende que ele já sabia que a vida por si só não vale de nada, mas que o seu valor é adquirido por aquilo ao qual o ser humanizado se dedica durante a vivência dos acontecimentos.

Você é um ser universal, um ser que faz parte do universo e não um humano, um ser que faz parte da Terra. Quanto mais um brasileiro.

Nada existe; todas as coisas foram criadas para gerar vicissitudes e assim o espírito ter sua prova. Para fazer a alternância da vida para que o ser universal possa ter a sua encarnação na busca da elevação espiritual. É isso que é a finalidade da vida e que eu digo que é o princípio de tudo.

Na verdade, como me falaram, foram programados pela mãe pelo pai, pelo avô e por todos que tiveram contato durante a vida. Quando essa programação passou a existir criou-se o objetivo de vida.

Não podemos acusar estas pessoas pelas nossas vicissitudes, pois você também contribui transformando diversas vezes o seu valor essencial da vida. Algumas coisas transferidas ficaram, alguns valores essenciais permaneceram, mas você criou um novo valor essencial para a sua vida ao longo dela.

Portanto, para mudar a vida não adianta ensinamento algum, enquanto o valor essencial da vida, o objetivo dela, não for alterado. Enquanto quiser ganhar, não se alterará; enquanto procurar a fama e o elogio, nada conseguirá fazer no sentido da elevação espiritual. É preciso alterar estes objetivos de vida e aí buscar a evolução.

O valor essencial da vida

Mergulhando no que os outros têm

Muitos quando sabem do que estamos falando ainda acusam Deus de ter colocado muitos recursos materiais no planeta e com isso atrapalhar o processo de evolução dos espíritos. Mas, porque Ele colocou tantos recursos à disposição dos espíritos que aqui encarnam? Para que cada um possa repensar os valores da sua vida dentro dos gêneros de provas que pediram. Somente com a quantidade de recursos que está disponível o espírito encarnado pode realizar seu trabalho à altura da solução da sua atual posição no mundo espiritual e assim alcançar a elevação.

Portanto, mesmo com todos os apelos do mundo material é preciso que o ser encarnado pense profundamente no motivo pelo qual nasceu, pelo qual acorda todos os dias de manhã, porque tem perna e outro não, porque tem dinheiro no banco e outro não. É preciso se aprofundar e não dizer que tem dinheiro porque tem sorte ou porque trabalhou para isso.

Sei que vocês não aceitam que o que cada um tem foi dado por Deus. Se alguém, por exemplo, tem muito dinheiro, dizem que isso acontece porque roubou, porque explorou outros. Mas, isso não é real: cada um tem aquilo que precisa para a sua encarnação. Se o outro ficou rico por conta da exploração dos outros, pergunto: onde está Deus nesta história? No acaso, no mal vencendo o bem?

Todos têm o que precisam. Por isso, a carência e a abastança, para quem mergulha na vida, não são motivos para sofrimento, julgamentos ou prazer e glória.

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Mergulhando na razão

É por conta destes fatores que Buda elogia Ananda. O monge não sabe ainda a resposta para uma vida santa, mas sabe que tudo depende do valor básico que se dá a vida e por isso procura alterar o seu. Por causa dessa compreensão é que o Iluminado afirma no final do sutta que vimos: Ananda ainda não está pronto, mas já é uma pessoa importante. É importante porque está buscando, porque está mergulhando na vida. Mergulhando cada vez mais na profundidade da vida.

A partir disso vou passar mais um ensinamento. Foi ensinado aqui que o espírito possui as propriedades inteligência, justiça e amor. A inteligência é a capacidade de perceber a armazenar informações. Quando o ser evolui, a inteligência começa a ganhar sistemas de funcionamento. O primeiro é o instinto, o segundo o raciocínio.

O instinto é a inteligência que percebe e vai buscar na memória o que está armazenado e vive o que lá é encontrado sem questionamentos. Por exemplo: um cachorro tem escrito em sua memória que quando encontrar o cheiro de outro cão deve deixar o seu urinando no mesmo lugar. A partir deste instinto, não importa se o cachorro acabou de urinar, novamente o fará naquele lugar.

Isso é instinto, pois não há análise de nada. O cachorro não analisa se quem deixou o cheiro é mais forte ou mais fraco, bom ou mal, bonito ou feio: sentiu o cheiro, começa a agir.

Já o racional, o segundo sistema de funcionamento da inteligência, recebe a percepção, busca na memória informações sobre o assunto e analisa o que é recebido. ‘Será que eu tenho que fazer isso? Será que é bom para mim pensar desse jeito? Será que é bom ou mal, certo ou errado, limpo ou sujo’? Analisa a informação recebida da memória, toma uma decisão e aí pratica a ação de acordo com a decisão alcançada.

Tenho dito há algum tempo que para o novo mundo a inteligência ganhará um novo sistema de funcionamento. Só para dar um nome a este sistema e assim vocês poderem entender o que será, digo que ele se chama meditação.

O que é meditar sobre algo? É se aprofundar na busca do instinto. O instinto é a coisa mais pura, natural, que existe, pois cada vez que se raciocina, é criada uma nova verdade. É por isso que o Espírito da Verdade responde desta forma à Kardec:

“75. É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida que crescem as intelectuais? Não, o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia”.

“75a. Porque nem sempre é guia infalível a razão? Seria infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo”.

(O Livro dos Espíritos)

Por exemplo: quando olha alguma coisa, a inteligência racional chega à conclusão que algo é bonito. Acontece que esse bonito não é verdadeiro, mas fruto de uma razão má educada, orgulhosa e egoísta. Portanto, não pode ser considera universal e por isso não conduz o espírito à elevação espiritual.

A partir do momento que definiu algo como bonito, toda vez que aquela inteligência se deparar com aquele elemento viverá uma beleza. Encontrando alguém que pense diferente, julgará a opinião daquela pessoa e a acusará de estar errado.

O valor essencial da vida

Mergulhando nos conceitos

Como disse, a razão não é universal, pois possui verdades que valem apenas para si mesmo. No entanto, há outro motivo pelo qual ela não pode ser um guia infalível para aquele que quer aproveitar a encarnação. Para falar disso vou continuar no exemplo que citei: achar algo bonito.

Quem não achou algo belo um dia e no outro não? Tenho certeza que isso já aconteceu na vida de todos vocês, não?

O que é isso? É formar um conceito sobre outro. O que isso pode lhe trazer de malefício? O não saber mais no que acreditar. Não estou falando em crer no nada, mas em estar em dúvida no que acreditar.

O fato da razão criar diversos conceitos diferentes a respeito do mesmo tema é um malefício para aquele que quer alcançar a elevação, pois dessa forma é criado um emaranhado de conceitos onde o ser se perde.

Aprisionado a uma grande quantidade de conceitos, não sabe mais o que deve usar como valor essencial de sua vida. Com isso se perde completamente na questão da elevação espiritual.

Dou como exemplo a própria religiosidade que o ser vive. Quem nunca se viu perdido com a sua religiosidade por acreditar em uma religião num momento e depois em outra? Será que a posição certa para rezar é de mãos postas como fazem os católicos, de braços erguidos como fazem os evangélicos ou com as mãos em concha, como fazem os espíritas? Mudando a crença, mudam as posturas da reza e o ser humanizado que vai acumulando verdades acaba não sabendo como agir.

Portanto, para alcançar a elevação espiritual é preciso abandonar o raciocínio e entrar na vida meditativa. O que é essa vida? É a negação dos conceitos gerados pela razão.

Participante: é nada saber?

Não posso dizer isso, pois senão você irá querer eliminar todos os conceitos e jamais conseguirá fazer isso. O que estou falando é que deve, ao invés de se deixar levar pela correnteza do pensamento, mergulhar na profundeza da formação mental para ver o que há por trás do que está sendo dito pela mente.

Quando sua mente lhe dá um pensamento está usando um conceito. Por exemplo: ela diz que determinada pessoa é seu pai. Quando isso acontece, quem vive meditativamente mergulha nessa razão ao invés de se deixar levar (acreditar) na correnteza formada pela mente. Ao invés de aceitar o que foi dito, questiona se realmente tal pessoa é seu pai, o que representa a crença de ter um pai humano, se esse conceito está em consonância com o resto que acredita. Fazendo isso, chega a novo conceito.

Quem realmente vive meditativamente, ou seja, transforma o valor essencial de sua vida, ao invés de parar aqui, novamente medita sobre as respostas que surgirão da meditação. Chegará a outros conceitos, que novamente serão meditados.

Esse é o processo meditativo que marcará a vivência no novo mundo. É esse o novo sistema que a inteligência, o espírito, adotará.

Participante: posso dizer que esta meditação é tentar chegar o mais perto possível da Verdade absoluta?

Sim, pode dizer isso. Pode dizer que meditar é ir aos poucos se libertando das verdades relativas, pois a cada nova compreensão estará sempre abandonando a anterior.

Meditar é sair da superficialidade da vida e começar a mergulhar num oceano chamado vida. Mas, para isso é preciso se libertar da correnteza superficial.

O conceito que a mente exprime por raciocínios é a correnteza superficial da vida. Ele não leva a lugar nenhum: nem à realização material, nem à espiritual. Sei que vocês podem imaginar que isso está errado, que os conceitos ou ideias de um ser humanizado podem levá-lo a algum lugar, mas isso não é real.

Será que alguém consegue o sucesso material só porque pensa de uma forma? Acho que não. Quantos pensam do mesmo jeito e não conseguem?

Será que as suas ideias levam ao sucesso espiritual? Também acho que não. Se levassem, Cristo não falaria contra os professores da lei, ou seja, os seres humanizados que possuem uma grande cultura – e por isso pensam de uma determinada forma – mas que não conseguem elevar-se.

Muitos, por exemplo, tem ouvido o que falamos. Acham que aprenderam muitas coisas. Na verdade receberam apenas conceitos e apenas tê-los não os leva a lugar algum.

Quantos já não me ouviram dizer que Deus é a Causa Primária de todas as coisas, mas ainda vivem com a ideia que outras pessoas são capazes de agir e lhe ferir? Por que isso acontece? Porque os conceitos que já tinham não foram meditados com as novas informações que receberam. Ou seja, não meditaram sobre o que acham dos outros a partir do ensinamento que Deus é Causa Primária de todas as coisas e por isso ainda acham que eles são capazes de lhes ferir.

Se quem me ouviu mergulhasse no oceano da vida com o tanque de respiração repleto dos ensinamentos, o conceito que afirma que determinada pessoa é um inimigo e por isso sempre agirá para feri-lo mudará. Mergulhar dessa forma é, quando vem à consciência a ideia sobre o outro, se perguntar: ‘o que é uma pessoa? É a encarnação de um espírito. Quem coordena a encarnação de cada ser universal? Deus. Sendo assim, quem agiu contra mim foi e Deus e como eu O amo não vejo no que fez uma maldade’.

O valor essencial da vida

Mergulhando na lógica

Esse é o trabalho da reforma íntima: a meditação. Ele deve ser executado por todo aquele que recebe um ensinamento, seja em que segmento doutrinário for.

Quem é espírita deve meditar seus conceitos a partir dos ensinamentos dessa doutrina. Quem é católico precisa meditar sua forma de ver o mundo para adequá-la aos ensinamentos da Igreja Católica.

Quando se chega esse ponto, se alcança realmente o caminho para a elevação espiritual. Digo isso porque vocês hoje não caminham para a ela, apesar de acharem que sim, pois sempre participam de um trabalho onde recebem informações sobre o mundo além da matéria querendo conhecer, entender, ao invés de usarem o que recebem para meditar sobre a forma como vivem hoje. Agindo dessa forma, tudo o que recebem vira conceito e é usado pela razão de uma forma egoísta, orgulhosa e má educada e por isso não serve como guia infalível para a reforma íntima.

Participante: a gente sempre quer entender a lógica das coisas.

Sim, mas aprenda que isso não é bom para quem quer aproveitar essa encarnação, pois a lógica humana é fundamentada nos demais conceitos que existem na mente e que são humanos. Por isso, a conclusão a que chegam não lhes leva a viver um valor essencial que os encaminhe à elevação espiritual.

Vamos estudar uma lógica de vocês?

O que eu sou? Se eu responder que sou espírito e você não acreditar na existência de algo além da matéria, a minha resposta será ilógica. Mas, será que estou sendo ilógico? Claro que não. Quem acredita em espírito vai dizer que estou sendo lógico.

A lógica de tudo depende da forma como você interage com as coisas, ou seja, depende dos conceitos que usa para interagir. Diga-me uma coisa: porque em um escritório existem pessoas que sofrem quando o chefe lhes chama a atenção e outros não sofrem por causa disso? Porque cada um possui conceitos diferentes sobre este acontecimento.

A partir disso, veja que a sua lógica – sofrer quando lhe chamam a atenção – só parece lógico para você. Medite sobre isso, mergulhe neste acontecimento da vida.

Porque você sofre quando vivencia isso e outro não? Descubra suas razões e tente mudá-las; assim não sofrerá mais. Para descobri-las precisa ir além da sua lógica. Se ficar preso apenas a ela, nada conseguirá.

O valor essencial da vida

Mergulhando no despertar

Participante: mas, não é assim que vivemos.

Pois é, vocês não se acostumaram a mergulhar nos acontecimentos da vida e se deixam levar apenas pela corrente da superfície. Por isso comecei nossa conversa hoje perguntando: por que você está vivo? Mergulhe nesta questão para poder mudar totalmente a sua forma de viver os acontecimentos do mundo.

Somente quando mergulha na questão da sua origem pode mudar o valor essencial da vida. Se não mudá-la, não conseguirá alterar nada na sua existência, pois permanecerá sempre preso à mesma lógica.

Sem meditar sobre sua origem, as quatro âncoras continuarão fazendo parte de sua lógica e assim sua intenção na vida será satisfazer-se. Por isso, sempre que acontecer algo que não deseje, certamente sofrerá. Agora, se compreende que era antes de nascer, sua intenção ao viver muda e com isso as quatro âncoras não mais lhe afeta, Com isso não mais sofrerá quando o que não quer que aconteça ocorra.

Mudando através da meditação a sua origem se lembrará que Cristo ensinou que não se serve a dois senhores ao mesmo tempo. Por isso, poderá se libertar do serviço à humanidade – realizar o que as quatro âncoras exigem que aconteçam – e viver na plenitude a sua espiritualidade: o amor e o serviço a Deus e ao próximo. Não meditando sobre seu início, continuará achando que nasceu em um determinado dia em um hospital. Com isso continuará ligado à lógica humana e por isso irá querer sempre viver o que deseja. Com esse desejo latente, sofrerá quando o que não quer aconteça.

Esta lógica não pode ser espiritual, pois se fosse Cristo não deixaria os soldados romanos levarem-no para o cadafalso. Sim, o mestre nazareno não se entregou placidamente à crucificação porque era bonzinho, mas sim por conta de uma meditação sobre a sua existência. Isso fica facilmente compreendido quando vemos sua fala logo depois da última ceia: “sinto agora uma aflição, mas o que vou dizer? Pai afasta de mim este cálice? Mas, eu nasci para isso. Pai glorifica seu nome em mim”.

A partir desse ensinamento de Cristo, afirmo que a primeira meditação do dia para aquele que já alcançou a consciência de que existia antes de existir deve ser: ‘estou acordando para viver o que vai acontecer e não para viver aquilo que quero viver. Durante esta vivência, tenho a opção de sofrer ou não’.

Acordando e realizando essa meditação, você se prepara para viver todos os momentos daquele dia sem exigir que o mundo atenda seus anseios e sem sofrer pelo resultado do que lhe aconteça. Essa é a única opção que você tem durante um dia de vida, pois o que vai lhe acontecer já foi programado de tal forma que contenha tudo o que necessita para a sua elevação espiritual.

O valor essencial da vida

Mergulhando no que Deus dá

Participante: na verdade é difícil fazer o que o senhor está falando, já que o pensamento surge espontaneamente. Por exemplo, o medo. Quando vemos, o pensamento que expressa um medo surge. Como trabalhar isso?

Vamos realizar juntos este trabalho?

Quando lhe vem o pensamento de estar com medo medite sobre ele. A primeira coisa para realizar essa meditação é descobrir o que está lhe causando o medo? Para poder exemplificar o trabalho usarei o medo que as pessoas têm da velocidade com que o carro está andando.

O carro está correndo e isso lhe dá medo. Por quê?

Participante: porque pode acontecer um acidente.

Esse raciocínio faz parte da lógica humana. Ele demonstra que acredita que nasceu um dia de um ventre humano, pois só quem sabe que nasceu acredita que imprevistos podem acontecer.

Agora, se souber que era antes de existir, que é um espírito vivendo uma aventura humana, pergunto: quando acontecerá um acidente na vida de alguém? Quando Deus quiser. Por isso, se meditar dessa forma descobrirá que o seu medo, na verdade, não é da velocidade, mas sim de Deus: você tem medo que o Pai lhe dê algo que seja mal.

Participante: concordo com o senhor. Sabemos que Deus é Amor e que nos ama, mas ficamos preocupados com o futuro. Dá para se desligar disso e não sentir medo do amor do Pai por nós?

Dá para fazer sim. Como? Trabalhando para isso.

Saiba de uma coisa: a vivência sem sofrimento não cai do céu. Essa vivência é o resultado de um trabalho fundamentado na modificação do valor essencial com que se vive a vida. É por isso que sempre digo que ninguém nunca conseguirá acabar com o sofrimento sozinho. Na verdade, Deus dará o fim do sofrimento como resultado do trabalho de meditação da vida para viver os acontecimentos a partir de uma motivação espiritual.

Deus não escolhe os capacitados, capacita os escolhidos. Se escolhendo para Deus, ou seja, tornando sua vivência com Deus na essência da sua vida, Ele lhe dará o resultado de sua meditação. Se transformar a meditação em fundamento para a vida, ou seja, quando vier o medo buscar conceitos que estão gerando-o e afastá-los colocando na consciência os conceitos que exprimam a fé em Deus, não haverá medo.

Isso, no entanto, não acontece da noite para o dia. É preciso muito trabalho para alcançar este ponto. É preciso galgar degrau a degrau a libertação do mundo humano. Não haverá subida alguma sem o trabalho para a evolução.

É por isso que Cristo ensina que Deus dá a cada um segundo suas obras. Se você trabalhar no sentido de unir-se a Ele, Deus não lhe dará o medo; mas, se trabalhar no sentido humano, ou seja, der asas à imaginação humana, lhe dará muito medo.

Não lhe dará, no entanto, esse sofrimento como castigo, mas sim para chamar a sua atenção para a presença Dele. Ele está dizendo: ‘Eu estou aqui em cima, olha para Mim e não para o que está à sua frente’. É para isso que faz o carro correr.

É preciso lembrar-se do Pai sempre que se acorda, porque é Ele que o desperta e não o relógio. Faz isso para que você tenha um dia inteiro de oportunidades para aproveitar a encarnação e assim alcançar a elevação e não para que satisfaça seus anseios humanos.

Nas linhas orientais se diz que a meditação desliga desse mundo. Na verdade, ela lhe mostra o caminho onde trabalhar para se desligar dos conceitos, desse mundo. Ela não desliga, mas serve de instrumento para poder se encontrar o botão que pode desligar o espírito dos conceitos humanos.

Participante: conheci uma pessoa que falava exatamente isso. Ela dizia que devemos viver cada dia de uma vez, pois não sabemos o que o dia de amanhã guarda.

Eu diria mais: deve viver cada segundo de uma vez. Um dia é um espaço muito grande e você pode se perder.

Viva esse segundo de agora aqui, prestando atenção no aqui com o que chamam de mente e alma e conseguirá. Já se estiver de manhã pensando em todo dia de hoje, dificilmente conseguirá.

A meditação, portanto, é um trabalho passo a passo na busca de Deus através da compreensão do universo além dos conceitos humanos, que, aliás, é o que é retirado para se alcançar a compreensão universal. Toda vez que você raciocina forma um conceito; sempre que vai além dele através da meditação, além de apagar aquela verdade, não formará novo conceito. Isso porque para meditar usa-se a verdade do universo (Deus e sua ação) e isso jamais poderá ser alterado.

O valor essencial da vida

Mergulhando na oração

Participante: e a oração pedindo alguma coisa ajuda?

Não é isso que Cristo ensinou na Bíblia. Eu não sei como os cristãos ensinam a orar e rezam pedindo. Na Bíblia Cristo disse que não devemos pedir nada a Deus, pois Ele sabe melhor do que nós o que é necessário.

Quando você reza pedindo algo, na verdade está querendo que o Pai lhe dê o que quer. Mas, Ele sabe do que precisa, você não. Você não tem condições de saber isso, pois como ensina o Espírito da Verdade quando ligado a uma mente humana o espírito anseia coisas diferentes daquelas que desejava antes da encarnação.

Sobre a questão de orar, posso lhe dizer que os espíritos elevados rezam a cada segundo assim: ‘Senhor, fazei de mim instrumento de Vossa vontade’. O ser humano reza assim: ‘Senhor, seja um instrumento da minha vontade. Eu não quero que isso aconteça, portanto peço que não faça ocorrer’.

Pedir, portanto, não é uma atitude condizente com quem busca um relacionamento com Deus, mas há outra coisa que quem busca se relacionar com o Pai também não deve fazer quando se ora: agradecer. Se Deus dá segundo a obra de cada um, o que há para se agradecer a Ele? Se tudo o que recebe é o que mereceu receber, vai agradecer o que?

O valor essencial da vida

Mergulhando na adoração a Deus

No Avadhut Gita existe uma frase que diz assim: se não existe o contemplador nem o Contemplado, para que haver contemplação? Se como ensina Cristo, você e Deus são UM, porque adorá-Lo? Ao invés de adorá-Lo, deveriam se concentrar em integrar-se a Ele, em ser UM com Ele. Isso jamais conseguirão enquanto estiverem afastados Dele adorando-O.

Participante: mas, o mandamento não é amá-Lo acima de todas as coisas?

Sim, é, mas esse mandamento não é realização, mas caminho. Vou explicar isso...

Por que o Pai pede que você O ame acima de tudo? Será que é porque Ele gosta de ser amado, de ser adorado? Não. Ele enviou esse ensinamento através de Cristo porque sabe que é o único caminho através do qual o ser pode se integrar a Ele.

A fé, o amor a Deus acima de todas as coisas, liberta do eu e o faz viver o Todo espiritual junto com Deus, integrado a Ele. Já a adoração o faz separar-se do Todo, lhe leva a se ver como algo separado do Todo.

Portanto, é preciso amar a Deus sobre todas as coisas para que possa amar ao próximo como a si mesmo. Isso é algo que vocês nunca entenderam.

Cristo fez cura num sábado. Os professores da lei, por conta do ensinamento do sabbath – ensinamento judaico que manda se guardar o sétimo dia para o Senhor – criticaram essa atitude do mestre. Em resposta Cristo afirmou: vocês não entenderam quando nas Sagradas Escrituras o Pai afirma que quer que sejam bondosos ao invés de queimarem incensos a Ele.

Deus não quer que vocês O adore, mas sim que sejam bondosos. Acontece que essa bondade só é conseguida quando se amar a Ele acima de todas as coisas. Portanto, o amor ao Pai acima de tudo não é fim, mas caminho para a realização.

Participante: caminho para se entregar a Ele?

Caminho para se entregar ao universo.

Na hora que entregar-se ao Todo universal, do qual Deus faz parte, poderá ser bondoso com o próximo. Fará isso porque saberá que o outro também é um pedacinho desse quebra cabeça que vocês chamam de universo e não uma peça que tem que ser atacada para não roubar o seu lugar.

Isso que estamos afirmando agora tem coerência com tudo o que estamos falando deste o início de nossas conversas. Mais: tem tudo a ver com toda literatura espiritual. Leia tudo o que foi trazido pelos seres espirituais e sempre encontrará uma exaltação para que se integre ao Todo, para ame a tudo e a todos.

Participante: se eu vejo Deus acima de mim, acho que fica fácil aceitar os seus desígnios e com isso me integrar a Ele.

Na verdade, quando você se integra a Deus passa a compreender o universo.

Participante: de que forma posso compreender o universo?

Responda-me: você escreveu no papel agora?

Participante: sim...

Com sua resposta só me mostrou que não compreendeu o Todo universal. Quando, mesmo vendo Deus acima de você, se integrar ao universo verá que não escreveu nada: o universo naquele momento foi escrever. Quem se integra ao universo sabe que o Todo existe como fruto da ação de Deus e que por isso ninguém faz nada: as coisas acontecem.

Com relação ao Pai estar acima de você, isso não tem problema, pois no universo realmente existe uma escala hierárquica. Acontece que essa escala, diferente da humana, não é formada por indicações, mas por merecimento. Quem está acima na escala hierárquica espiritual é porque tem ascensão moral sobre quem está abaixo. Esse é o caso de Deus: Ele está moralmente acima de você, pois é o ser mais universalizado que existe. Portanto, pensar que está acima de você não é problema.

Sendo assim, quando você se integra ao Todo age dentro do seu nível hierárquico, mas deixa que Ele comande todos os acontecimentos que acontecem. Assim, ajuda-O na obra geral sem tomar para si a posição de agente dos acontecimentos.

Para você que vive desse jeito, o amor a Deus não será uma lei que se sentirá obrigado a seguir, mas algo com o qual agirá naturalmente, espontaneamente. Por isso lhe digo que enquanto quiser amar a Deus, não conseguirá. Só poderá fazer isso quando entender o universo e conviver com a realidade.

Sim, estou falando da realidade. A cada momento no universo existem milhares de espíritos dizendo Senhor, fazei de mim instrumento de vossa vontade, enquanto milhares de outros que habitam este planeta estão dizendo: Senhor, fazei a minha vontade.

O valor essencial da vida

Mergulhando em Deus

Participante: quando se ouve tudo o que o senhor falou, não há como escapar da pergunta: o que é Deus?

Um ser, um espírito. O ser mais elevado do universo (Inteligência Suprema) e que por conta da sua ascensão moral está no topo da escala hierárquica. É a Causa Primária de todas as coisas, ou seja, é a origem de tudo que existe. Acreditando em qualquer coisa diferente disso, você ainda está presa às verdades humanas.

Quem consegue compreender Deus sabe que no universo só existe uma realidade: Deus e sua ação. Quem não consegue, ainda vive com a ideia de um eu afastado do Senhor.

Deixe-me dizer uma coisa. Na Bíblia está escrito que o espírito foi criado à imagem e semelhança de Deus. Sendo assim, quem é você? Deus. Mas, não você da forma como se vê hoje no universo, um ser humano, mas da forma que é no mundo espiritual.

Pronto, aí está a sua resposta: Deus é a Inteligência Suprema e a Causa Primária de todas as coisas, por isso é você. Não há necessidade de se discutir mais nada. Deus não é uma condensação de energias, não é um raio nem um velho de barbas longas? Não, Ele não é nada disso. Este é o argumento que você deve usar na sua meditação sobre a sua existência.

Apenas para encerrar esta questão de quem é Deus, vou fazer uma comparação que não tem nada a ver com a realidade, mas apenas para ajudar a compreender o Pai. Imagine um super computador: este é Deus.

É claro que Ele não é um computador, mas a figura lhe ajuda a entender o Senhor. Ele é uma Inteligência que é capaz de gerar e governar todas as ações do universo de tal forma que cada um sempre receba aquilo que precisa e merece. É quando se toma consciência dessa potência do Pai que o ser perde a presunção de saber o que é melhor para si e entrega-se a Ele deixando-O comandar seu destino.

O valor essencial da vida

Mergulhando nos mentores

Participante: esta consciência da potência de Deus existe no instinto, não?

Sim, e é por isso que afirmo que você precisa eliminar todos os conceitos presentes na razão. Quando eliminá-los, poderá viver apenas instintivamente o que, como já vimos, é indicado pelo Espírito da Verdade para aquele que quer alcançar a elevação espiritual.

Aliás, foi assim que todos aqueles que conseguiram a santidade – a vida em plenitude com o Pai – viveram. Eles abandonaram o que queriam e diziam: que seja feita a vossa vontade. Abandonaram a presunção de fazer e disseram: Senhor, guia meus passos.

Quando a questão é unir-se a Deus, sempre oriento a leitura das cartas de Paulo. Apesar delas serem exíguas para a compreensão da visão que esse apóstolo tinha sobre o viver em Deus, podem lhe trazer um pouco do despertar que Paulo conseguiu na estrada de Damasco e depois.

Paulo era um judeu e um dos maiores professores da lei do Sinédrio. Nesse lugar onde se debatia a lei de Deus passada pelos profetas judaicos, era um dos maiores debatedores e gostava muito de mostrar o quanto sabia sobre o assunto. Por causa disso, inclusive, perseguia aqueles que seguiam Cristo.

Um dia, dentro de uma das suas perseguições a cristãos, Paulo, que à época se chamava Saulo, na estrada para Damasco é atingido por um raio e cai do seu cavalo sem poder enxergar mais nada. É levado a uma hospedaria onde um cristão lhe socorre e cura a sua cegueira. Durante o tempo que esteve cego, teve uma compreensão perfeita de tudo o que o mestre nazareno ensinava.

Isso é o que a Bíblia conta. A partir disso, pergunto: qual a primeira coisa que ele fez quando teve a compreensão? Foi para o Sinédrio participar das discussões, só que agora defendendo os ensinamentos de Cristo. Apesar de ser proeminente naquele meio, apesar de ter plena consciência de tudo o que o foi passado pelo Messias, os membros do Sinédrio não aceitaram o que Paulo falava e começaram a persegui-lo. Por causa disso, teve que fugir.

Desiludido porque não tinha conseguido convencer os professores da lei judeus, Paulo, que adorava os debates, foi para a casa de seu pai. Chegando lá, como todo professor da lei, Paulo dedica-se a conversar com seu pai, que também pertencia à classe dos dirigentes do judaísmo de então, sobre os ensinamentos que tinha aprendido. Acontece que o pai dele também não aceita as novas verdades. Mais uma vez Paulo tem que fugir.

Cansado, sentindo-se derrotado, pois adorava discutir e mostrar o quanto sabia, mas as pessoas não mais acreditavam no que tinha a dizer, Paulo adormece a beira de uma estrada. Nesse momento um anjo do senhor lhe aparece em sonho. O novo apóstolo, então, pergunta o que deve fazer. O anjo do senhor lhe diz que deve abandonar tudo e partir sem rumo. Ainda desiludido, pois o que gostava mesmo era de debater os assuntos religiosos, mas não conseguia mais fazer isso, Paulo sai pelo mundo.

Durante quatro anos vaga pelo mundo vivendo do seu tear e meditando sobre tudo que ouviu na estrada de Damasco. Só depois desse tempo é que retorna à condição de apóstolo e assume a transmissão dos ensinamentos de Cristo aos não judeus.

Contei essa história para que você entenda que a meditação como processo para a elevação espiritual não é algo que acontece da noite para o dia, mas que requer muito trabalho. Se até Paulo que, como ele mesmo diz, recebeu os ensinamentos no mais alto dos céus, precisou de quatro anos para realmente alterar o sentido da sua vida, imagine você, que está recebendo os mesmos ensinamentos rodeado por tantas questões materiais que envolvem sua vida. Será preciso muito trabalho para poder transformar o valor essencial da sua vida. No entanto, saiba que trabalhando com afinco poderá penetrar na mesma compreensão que o apóstolo penetrou e com isso conseguirá se unir a Deus, como ele fez.

O valor essencial da vida

Mergulhando nas religiões

Portanto, comece já. E para começar lhe digo: ultrapasse os ensinamentos religiosos que prometem a felicidade fundamentada nas coisas deste mundo e se entregue a Deus. Somente assim conseguirá unir-se ao Pai.

Deixe-me perguntar uma coisa. A religião católica briga com o governo? Acho que sim. Ela critica o governo porque não dá terra para os pobres, porque não provê o sustento nem dá condições dos carentes suprir as suas carências.

Essa religião é apostólica, ou seja, baseia-se nos ensinamentos dos apóstolos, não é mesmo? Mas, na Carta aos Romanos, Paulo diz que as igrejas cristãs devem respeitar os governantes. Afirma que não se deve brigar com aqueles que governam, pois eles foram escolhidos por Deus para dar aos que estão na carne aquilo que precisam e merecem.

Engraçado, não? Uma religião que foi fundada a partir dos ensinamentos dos apóstolos não segue o que um deles ensinou, não é mesmo? Por que isso? Porque está presa em um Deus que supre necessidades materiais e não espirituais.

Eis aí o problema das religiões. Por se ligarem às questões materiais, não conseguem se unir ao Pai. Só aqueles que conseguem extrapolar a matéria podem realizar essa união, pois estarão em consonância com os desígnios do Senhor.

O valor essencial da vida

Mergulhando nas regras societárias

Participante: mas, nós convivemos com o mundo. Vivemos numa sociedade onde cada um tem obrigações e deveres que precisam cumprir. Como podemos colocar em prática o que o senhor diz? Seria muito fácil jogarmos tudo para o ar e viver desse jeito.

Você se engana. Não seria nada fácil fazer o que estou dizendo. Na verdade, o fácil é fazer apenas o que esperam de você. Difícil é ir contra o mundo e fazer o que os outros não querem que faça...

Participante: então, devemos nos isolar do mundo?

Também não estou dizendo isso. Veja bem: tudo o que a sociedade lhe impõe, tudo o que o mundo humano coloca à sua disposição, é prova. Isolando-se, não viveria provas e assim não poderia elevar-se.

O que estou falando é em conviver com o mundo, mantendo-se unido a Deus.

Participante: mas, isso demora...

Claro. Estamos falando de prova e não de um rápido teste. O ser que encarna possui diversas questões que precisa responder, por isso a vida humana possui a duração que tem.

Mas, aproveitando que estamos falando de provas, pergunto: como conviver com o mundo material e realizar suas provações à contento? Para falar disso vou usar como exemplo um acontecimento da vida carnal: ser mãe.

Ser mãe é uma provação para o espírito. O que está em provação neste momento? A consciência com que se vive a maternidade.

Ser mãe é viver uma prova onde se decide como se vive a maternidade: com a consciência de que é um instrumento do Pai para ajudar na encarnação de um filho Dele ou se vive com a ideia de que é a própria genitora e por isso é aquele que comanda a existência do outro.

A partir dessa meditação, ou seja, da descoberta do valor essencial da maternidade, descobre-se que o ser se eleva quando, sem abandonar o papel de provedora, se sente apenas como instrumento para que o Pai dê ao Seu filho aquilo que ele precisa e merece.

Mas, como viver desse jeito numa sociedade que possui normas e regras que ensinam o que é ser mãe e como se agir na vivência desse papel? Simples: vivendo com a consciência de todas as suas regras, sem sentir-se obrigado a subordinar-se a elas. Vou dar um exemplo para ficar claro o que disse.

Numa das regras, a sociedade diz que a genitora deve prover o filho com uma casa confortável e equipada com determinados instrumentos que gerem conforto e proporcionem a oportunidade de avanço material para o filho. Aquele que vive em comunhão com Deus convive com essa regra, mas em vez de se orgulhar de prover desta forma seu filho ou culpar-se por não fazê-lo, diz: ‘eu disponibilizei para o meu filho a casa que ele precisava para o seu trabalho nesta encarnação’.

Digamos, no entanto, que a casa que disponibilizada para ele não é compatível com o meio que vive. Nesse caso, a sociedade cobrará que você não está sendo uma boa mãe, pois não está atendendo toda a necessidade de seu filho. Certo? Não, errado. Na verdade, não é ela que lhe cobra, mas você que se sente cobrada por causa disso.

Por que se sente cobrada? Porque ainda não mudou o valor essencial da sua vida. Se tivesse mudado, quando alguém lhe cobrasse algo que não fez, não se sentiria cobrada, pois por conta dessa mudança, aquela realização não é mais importante para você.

Viu como dá para praticar o que falo? Mas, quando conseguirá isso? Quando, através da meditação, alterar o valor essencial da sua vida. No momento que isso acontecer, não se sentirá mais obrigada a se subordinar às leis da sociedade e poderá viver em paz e harmonizada com o mundo que possui regras e normas.

O valor essencial da vida

Mergulhando nas críticas

Essa é a forma de se viver a questão da elevação espiritual dentro do mundo de hoje: viver com as leis deste mundo sem se subordinar a elas. Essa vivência com certeza levará a sociedade a criticar quem vive liberto, mas como esse ser humanizado conseguiu pela meditação a mudança do valor essencial de sua existência, as críticas não mais levam a se sentir criticado.

A questão de não sentir-se como o mundo diz que você deve se sentir é importante para a questão da elevação espiritual. Responda-me: Jesus foi traído? Diria que sim. Judas vendeu-o por trinta moedas. Mas, será que o mestre sentiu-se traído por ele? Diria que não, já que na própria cena da Santa Ceia o chama de amigo. Sendo assim, se é cristão, quando alguém agir contrariamente aos seus interesses, ao invés de sentir-se traído, chame o instrumento da sua provação de amigo.

Faça isso com todas as coisas desse mundo. Se alguém o critica, não se sinta criticado; se alguém desdenha, não se sinta diminuído. O seu trabalho de meditação não deve ter por finalidade fazer com que os outros ajam da forma que considera certa, mas que você não viva o que eles estão vivendo. Essa é a meditação que leva o ser a aproveitar a encarnação.

Quem busca alcançar a elevação espiritual não medita sobre o que outra pessoa fala dele, mas sim no sentido de aproveitar a oportunidade da encarnação para a elevação espiritual. Ao invés de meditar querendo entender o porquê aquela pessoa lhe acusa, o ser que muda o valor essencial da sua vida medita em como não se deixar levar pela acusação.

Esse, ao invés de responder aos argumentos dos outros, dá a eles o direito de pensar o que quiserem. Por isso, jamais se desarmoniza com o mundo. A paz e a harmonia com o mundo, no entanto, só será conseguida quando o ser humanizado sair da superfície da vida. Na crista da onda está sempre presente o sentir-se caluniado, acusado, contrariado, etc.

Lembro-me que no auge dos problemas de uma pessoa, sempre que conversava com ela dizia o seguinte: ‘só me preocupo com o sofrimento que está vivendo’. Apesar de todos os problemas que aquela pessoa vivenciava, nunca me preocupei com o que estava acontecendo. A única coisa que me ocupava era o fato de sentir-se acusada, traída, caluniada.

Por que isso? Porque a única coisa que importa nesse mundo é a capacidade de manter-se unido a Deus e por isso viver a felicidade que Ele tem prometido aos seus filhos. Quando consegue essa união, o mundo todo do ser se transforma. A mesma pessoa que hoje lhe acusa, amanhã irá lhe lamber. A mesma pessoa que calunia, amanhã irá elogiar.

Pela lei da impermanência, tudo muda nesse mundo. Mas, os momentos em que houve sofrimento, ou seja, onde o ser não aproveitou a oportunidade da encarnação para viver em comunhão com Deus, não retornam. Foram oportunidades perdidas.

É por isso que a minha preocupação nunca está ligada aos acontecimentos deste mundo, mas sempre no aproveitamento ou não da oportunidade que o ser universal está tendo. Por isso, todo meu trabalho é voltado a ensinar a se relacionar com o seu eu humano.

O valor essencial da vida

Mergulhando no sofrimento

Sabe de uma coisa? Todo sofrimento desse mundo está ligado ao eu humano que o espírito vivencia durante a encarnação. Isso porque todo eu tem sempre um querer e quando ele não é atendido, se não há uma meditação sobre o valor essencial da vida, existe o sofrimento.

Quantos sofrem a vida inteira desejando que o mundo seja diferente e não conseguem muda-lo? Sofrem seguidamente, mas não mudam a si mesmos para poderem ter um pouco de paz nesta vida.

Faça uma meditação sobre a vida: imagine quantas pessoas, incluindo você mesmo, e coisas alguém teria que mudar hoje para ser feliz? Acho que seria um trabalho que dificilmente conseguiriam realizar, não é mesmo? Pois bem, estou reduzindo todo esse trabalho para apenas um: a mudança de si mesmo...

Para ser feliz do que você precisa? De ser feliz. Mais nada do que isso. Portanto, precisa apenas que viva feliz os momentos da sua vida e de mais nada.

Participante: o senhor faz parecer tão simples...

Mas, é mesmo. Para se ser feliz é preciso unicamente ser feliz.

Participante: é aceitar tudo com felicidade?

Não, é amar.

Aceitar é dizer que se não tem jeito mesmo é preciso viver o que está acontecendo. Isso é resignação e ainda causa sofrimento. Estou falando de amar tudo que lhe acontece. Você está com dor de cabeça? Resignando-se, continuará a viver a dor com sofrimento; amando-a, não sofrerá por tê-la.

Agora repare: não estou falando de dor física, mas sim do sofrimento de estar sentindo dor. Quem ama a dor de cabeça continua com a dor, mas não sofre por ela existir; quem se resigna a tê-la ou se revolta por que está sentindo dor tem também o sofrimento de estar com dor.

Mas, e a dor? Ela passará? Não sei. Pode ser que passe, pode ser que não passe. Só sei que tê-la não lhe fará mais sofrer.

Agora, para poder se amar a tudo e a todas as coisas é preciso antes que se medite sobre o valor essencial da vida. Por isso, volto a perguntar: porque você nasceu, porque está respirando, porque acordou hoje de manhã?