Choque de realidade

Realidade

Estamos falando de choque de realidade, mas o que é real para mim, enquanto ser humano?

Tudo que aquilo que me é percebido pelos órgãos de sentido do corpo físico.

Tudo aquilo que vejo, escuto, sinto o cheiro, provo o sabor ou sinto através das sensações do corpo, me são reais. O ambiente onde estou e todas as coisas que são percebidas pela visão dentro dele, são reais para mim. Todos os sons que escuto, todos os aromas que percebo, todos os sabores que provo e todas as sensações físicas, são reais para mim. Dizer que estas coisas não existem, é fugir da realidade.

Lembro bem de um amigo que recebeu a seguinte resposta de Joaquim: 'A cadeira não existe'. Este amigo me ligava sempre perguntando: 'Não consigo entender isso; onde ponho, então, minha bunda?'

Querer retirar de sua realidade aquilo que é percebido, me leva a viver um nada e eu não posso existir no nada, pois tudo ainda continua existindo, apesar do discurso mental querer afirmar que não. Quantas vezes tentei me livrar do frio dizendo que ele não existia. Nunca consegui... Só quando aceitei a idéia de estar com frio e me libertei das conseqüências mentais disso – sofrer com o frio que estava sentindo ou viver a possibilidade de estancá-lo de alguma forma – é que consegui ficar em paz.

O frio não se estancou quando tomei o choque de realidade – 'estou com frio' – mas, me ajudou a me libertar das conseqüências dele. Como fiz isso? Conscientizando-me da realidade... 'Está frio... Sim, está frio, mas o que posso fazer? Não tenho um casaco para vestir, se tivesse o vestia; não posso mudar a temperatura, se pudesse mudava; e nem posso ir para outro lugar onde esteja mais quente, se pudesse ia. Então, só posso sentir frio'...

Tal pensamento, que é o que chamo de choque de realidade: encaro a realidade de frente sem deixar que a idéia de que o frio de hoje não exista nem que eu poderia naquele momento não estar sentindo-o.

Tudo aquilo que a mente diz que está acontecendo.

Querer negar o discurso da mente que cria uma situação de vida é querer fugir da realidade. Se fugirmos dela, como poderemos ser feliz no aqui e agora? Como ser feliz no aqui e agora se retiramos da realidade o verdadeiro aqui e agora, que é aquilo que a mente nos diz.

Reparem uma coisa: o aqui e agora não é o que é percebido, mas o que a mente diz que está existindo. Ninguém vive, por exemplo, o momento que estou vivendo, dizendo que está apertando teclas. Todos vivem este momento dizendo: 'estou escrevendo'. O que é viver o estou escrevendo senão o que a mente diz que está acontecendo? Se retirar isso do meu aqui e agora, acabo com ele e, nesse caso, não tenho instrumento nenhum para ser feliz, pois a felicidade se alcança no aqui e agora...

Mesmo que eu troque o que a mente me diz – 'estou assistindo a mão tocar na tecla' ao invés de 'estou escrevendo' – qual a diferença? Ainda estou vivendo o que a mente diz que está acontecendo. O que aconteceu foi apenas que troquei uma verdade por outra, mas ainda não estanquei o fluxo do pensamento, o pensar.

Portanto, para mim não importa se mentalmente uso os ensinamentos ou não: busco viver o que a mente está dizendo que está acontecendo. Isso para mim é um choque de realidade. Com isso tenho um aqui e agora para agir...

Tenho conversado com muitos amigos que me dizem que não estão conseguindo colocar em prática os ensinamentos de Joaquim. O que é colocar em prática o que ele fala? É viver um aqui e agora que é fruto de uma criação mental (pensamento) que contenha os ensinamentos que cada um ouviu dele.

Qual a diferença entre viver um aqui e agora criado por verdades humanas ou viver um aqui e agora criado pelas verdades ouvidas de Joaquim? Nenhuma... O que precisamos é viver o aqui e agora estancando as conseqüências desse e não sermos sábios, ou seja, colocar em prática os ensinamentos. Mesmo que não coloque em prática os ensinamentos, quando consigo estar presente no aqui sem viver os devaneios que a mente cria, faço que tinha que fazer, ou seja, consigo estar em paz e tranqüilo...

Todas as emoções que surgem no momento

Eis aqui um ponto polêmico. Isso porque muitas pessoas acreditam que viver a felicidade é parar de sofrer. Joaquim nunca falou isso. Pelo contrário: ele sempre disse que temos que aprender a viver felizes os nossos sofrimentos...

Negar o que se está sentindo num determinado momento, assim como negar a descrição do acontecimento que a mente faz, é não viver a realidade. Da mesma forma que o item acima, se não se tem realidade para agir, como conseguir ser feliz?

A confusão acontece porque muitas pessoas acreditam que ser feliz é uma realização do ser, humano ou não. Não é isso que está no fundamento do ensinamento de Joaquim.

Em O Livro dos Espíritos, quando se fala da elevação do espírito, é dito que 'na perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade' (pergunta 115). A felicidade é encontrada pelo ser e não criada. A felicidade não é um substituto para o sofrimento ou prazer, mas aquilo que se encontra quando se alcança a perfeição. Neste momento, não mais se sofre...

Mas, como deixar de sofrer sem reconhecer que se está sofrendo? É isso que busca o choque de realidade: constatar que está se sofrendo... Sem constatar que se está sofrendo, como libertar-se do sofrimento? Por isso, ao invés de negar que estou sofrendo, que estou com medo, que estou chateado, que estou com ganância, constato e afirmo a existência destas sensações. Com isso, vocês podem não acreditar, mas elas somem...

Lembro-me um dia em que, conversando na comunidade, afirmei que estava com medo do crescimento de nosso trabalho. Alguém me disse: 'Você não pode ter medo'. Perguntei, então, à pessoa: 'Como posso fazer para não tê-lo?' Todas as respostas nada mais foram do que criações mentais: 'Você tem que ter fé. Tem que ter confiança'... Ou seja, como se a razão pudesse alterar o que estou sentindo. Melhor: como seu eu pudesse alterar minha razão de uma forma não racional... Será que isso é possível?

Ainda tem muita gente que está buscando apenas mudar a realidade. Isso é impossível. Querer mudar o discurso da mente é apenas criar uma nova realidade, mas que ainda é mental. Não está se fugindo de nada: está apenas se criando mais um devaneio, ou seja, algo que não é real e que, portanto, não poderá ser combatido.

Não sei lhes explicar como isso funciona, mas pelo menos para mim, cada vez que enfrento de frente minha realidade (não estou sofrendo) e estanco as conseqüências dela (poderia deixar de estar, isso vai me fazer mal, etc.) o pensamento seguinte, ou seja, a nova realidade descrita pela mente, não contém a mesma carga emocional da anterior...

Aí está, com alguns comentários, o que é realidade, ou seja, aquilo que se deve vivenciar ao invés de fugir dela com idéias que não são reais para mim. Por isso chamo a isso de choque de realidade.

Mas, nesta realidade podem aparecer outras formações mentais. Estas formações ou pensamentos que não estão presas a estes elementos que citei chamo de devaneios. Vamos falar sobre daqui a pouco, pois isto ainda não é a minha realidade...