Choque de realidade

Moldando o barro

Quando a água se mistura com a terra forma o barro. O barro é algo sujo, pegajoso, que nos incomoda.

Da mesma maneira, quando nossos desejos se encontram com a realidade, surge o sofrimento. O sofrimento também é algo sujo (ruim), pegajoso e que nos incomoda.

Muitas vezes tentamos limpar o barro de nossas vidas através de técnicas de auto ajuda, de orações, de pensamento positivo, mas dificilmente conseguimos resultado. Por quê? Porque esse barro não se lava: é preciso moldá-lo.

Assim como alguns conseguem transformar o barro em peças belíssimas, nós também precisamos aprender a moldar o barro do sofrimento de nossa vida. Como fazer isso? Encarando-o de frente, interagindo com ele de uma forma madura, lógica.

Muitos se enganam imaginando que existe um momento de sofrimento. Isso acontece porque sempre pensamos nesse momento como um tempo longo. Mas, o aqui e agora não pode ser mensurado em tempo.

O sofrimento é algo que como uma bola de neve começa pequeno e vai aos poucos crescendo até, de repente, se espatifar e acabar. Ele não é o mesmo o tempo inteiro, apesar de imaginarmos isso, mas trata-se de um novo sofrimento a cada aqui e agora. Se não agimos tentando estancar o seu crescimento, ele se avoluma e quanto maior, mais difícil é eliminá-lo. Portanto, em algum momento precisamos encarar de frente o sofrimento e moldá-lo, ou seja, retirar dele as características que nos incomodam.

Reparem que não falei em acabar com o sofrimento, mas em retirar dele as suas características que nos incomodam. Quem pensa que pode acabar com o sofrimento engana-se e, por não conseguir, acaba sofrendo mais.

A saudade de quem partiu não é um sofrimento, mas sim algo, que se moldado, pode se tornar em um elemento bom da nossa vida. Pode nos ajudar a continuar a nossa ligação com aquele que se foi, mesmo que ele não esteja mais presente. Isso é conviver com o barro moldado, em forma de algo útil. Já sofrer por causa desta ausência é sujar-se no barro...

Mas, que instrumentos podemos usar para moldar este barro? A realidade...

Quando a saudade transformar-se em dor, pergunte-se: 'Isso ajuda a trazer o meu ente querido de volta'? 'Este sofrimento vale para alguma coisa, ele pode me ajudar a construir algo'? Ou seja, encare de frente a partida, viva este momento de sua vida de uma forma madura. Você sabe que o seu sofrimento não vai trazer aquela pessoa de volta; então, para que chorar?

Como disse, não estou falando de saudade, mas de sofrer porque se está com saudade. A saudade, que muitos acham que causa dor, na verdade, não o faz. Ela pode ser acompanhada de dor ou não: isso depende de cada um.

Se não vivida na dor, a saudade torna-se uma companheira que substitui quem partiu. É por ela que vamos buscar fotos antigas para relembrar fatos e acontecimentos que nos foram caros. É pela saudade que mantemos vivos junto de nós aqueles que se foram.

Já a vivência da saudade com sofrimento nos faz viver esta relação de uma forma pesada, de uma forma sofrida. Isso é tão ilógico... É ilógico porque, muitas vezes, nos negamos a chegar perto das lembranças dessa pessoa, o que poderia nos aproximar dela. Ou seja, sofremos porque ela partiu e não nos aproximamos porque estamos sofrendo.

Aliás, este sofrimento não faz mal só para nós, mas também para quem se foi. Dizemos que o nosso sofrimento pode atingir a quem se foi, pode atrasar a sua caminhada, mas mesmo assim continuamos vivendo esta sensação com dor, sofrimento...

É assim que se molda o barro do sofrimento: enfrentando a inevitabilidade do que aconteceu, da realidade, retirando dela os devaneios...

Se você perdeu o emprego, de que adianta sofrer? Se foi justa ou não a sua demissão, que importa? Você está desempregado. Isso é uma realidade que precisa ser enfrentada maduramente. Pare de se lastimar, de lamentar, e compreenda que precisa buscar outro emprego. Saia, vá distribuir currículos, vá comprar o jornal. Isso pode lhe ajudar, já sofrer, em nada resolve. Aliás, pode lhe levar a uma depressão que vai acabar impedindo de sair para buscar novo emprego...

Quando você enfrenta a realidade de frente, pode 'agir' para 'resolver' a sua vida. Agora, se você só fica chorando porque está tendo que viver aquilo, o que adianta? Isso não muda em nada a realidade.

Se alguém lhe criticou, de que adianta ter raiva? Tente provar que está certo. Se alguém não fez o que você quer, vá lá e faça você mesmo. Se hoje não acordou bem, de que adianta se lastimar, vai ter que viver este estado de espírito enquanto ele durar? Viva-o...

Isso é moldar o barro: é transformar aquilo que aparentemente parecia algo sujo, pegajoso, que nos incomodava em uma realidade que não pode ser transformada porque já aconteceu. Isso é tomar um choque de realidade...