Choque de realidade

Viver com medo do sofrimento

Logo quando comecei esta série de textos, uma pessoa me colocou uma questão. Pedi licença para responder publicamente e ela me concedeu. Demorei, mas acho que agora posso respondê-la.

A pergunta dela foi:

...vou aproveitar a ocasião para lhe pedir uma ajuda relacionada com o tema. Eu me sinto tão covarde em relação ao sofrimento! Eu queria ter a capacidade de me distanciar do sentimento de apego aos meus filhos, mas não consigo! Tento mentalizar que tudo que vier é na justa medida, mas sofro um sofrimento por antecipação do que poderá acontecer com eles no futuro.... É mais forte do que eu, e crio uma ansiedade terrível! Vou buscar acontecimentos passados para relacionar com um futuro acontecimento que poderá vir ou não... É muito estúpido esse sentimento de covardia. Antes de eu conhecer vocês e as palestras eu dizia que queria ser velhinha porque era um sinal que eu já tinha passado tudo que tinha que passar... É dose não é?

Respondendo, digo que a dose não é o seu sofrimento, mas você lutar tanto pela vida para no final negá-la.

Todos querem estar vivos, mas para quê esse desejo? Quando a vida vem trazendo ela mesma, nós lutamos para nos afastar dela, lutamos para negá-la...

Tudo o que você está sentindo é sua vida. O medo, o sofrimento por antecipação, não são nada externos à vida, mas apenas ela mesma. O que você quer ser, o não ter mais medo, o não sofrer, é que não é. Se eles fossem a sua vida, estariam presentes neste momento. Como não estão, é sinal de que eles são coisas que não existem. Esta é a ilusão.

Iludir-se é achar que poderia evitar o que está acontecendo. Iludir-se é achar que deveria viver algo que não se está vivendo naquele momento. É isso que é o choque de realidade. Viver a realidade é viver o que a vida é e não o que queríamos que fosse. Ela não é aquilo que desejamos, mas apenas aquilo que ela é.

Como disse, lutamos para estar vivos, mas renegamos a vida quando ela se apresenta. Com isso, sobra o que para viver? Nada. Se não vivemos o que temos, o que iremos viver?

Viva seus medos, seus sofrimentos antecipados com toda a sua força sabendo que eles são a vida que você tanto quer preservar. Mudanças? Isso é apenas para aqueles que querem viver castelos de sonhos, que querem viver irrealidades.

Mas, você poderia me dizer, com isso vou continuar sofrendo. Quem disse? Já experimentou viver o medo ao invés de combatê-lo?

Na verdade, o que lhe faz sofrer não é o medo, mas a ausência de vida na sua vida. Quando vivemos os sonhos como algo necessário de estar acontecendo, de ser vida, sofremos o sofrimento que isso cria. Quando aceitamos a vida como ela é e a vivemos com toda intensidade de nosso ser, vivemos vida, e ela sempre é paz e felicidade.

Além disso, para que mudar, se qualquer coisa para que se mude será sempre o que é agora: vida. Ao invés de querer parar de sofrer, viva o sofrimento como vida, como um presente de Deus, seja lá o que for que esta palavra queira dizer para você.

Para aqueles que acreditam em Deus, este é o grande barato da vida: vivê-Lo. E Ele, para nós, é a própria vida. Tudo é Ele, portanto, o sofrimento é Ele. Quando negamos querer viver a vida, negamos vivê-lo.

 Agora, se apesar destas palavras você ainda quiser continuar fugir da vida, isso não tem problema, pois o seu querer fugir é a sua vida. Viva isso como vida e não como uma vontade, um desejo de que as coisas fossem diferentes.