Choque de realidade

Viajando nas realidades

Hoje viverei um acontecimento longo. Por volta das oito e meia da noite eu devo embarcar num ônibus que me levará até Brasília, aonde chegarei só no outro dia às oito da manhã. Participarei, então, de uma realidade que deverá durar doze horas. Mas, será que a viagem toda é só uma realidade?

Não. A realidade viagem é formada de milhares de presentes que poderei viver. Viverei o chegar à rodoviária, o esperar o ônibus, o entrar nele, o achar a minha poltrona e o sentar nela. Depois disso, eu viverei diversos outros presentes enquanto o ônibus vive os seus: o de sair de um lugar para outro. Durante os meus momentos haverá alguns que serão vivenciados com a realidade de estar acordado, outros de estar dormindo; alguns dentro do ônibus, enquanto ele estiver andando, outros fora, nas paradas. Em alguns estarei lendo, em outros comendo e bebendo, em outros mais fumando...

Enfim, a viagem, que muitos tratam como um evento de suas existências, é composta por diversos outros onde a realidade é diferente entre eles. Este é um fato que aquele que busca alcançar a felicidade através do choque de realidade precisa estar atento. Este não é um trabalho que pode ser realizado no atacado: ele precisa ser executado no varejo. É preciso a cada momento estar atento ao que o presente lhe traz para não devanear com a mente.

Um dos devaneios mais constantes que a mente faz neste caso é o da distância e do tempo que se leva para percorrê-lo. Ela afirma que você já está a tantas horas trancado dentro daquele ônibus e que por isso deve estar cansado, por exemplo. Ela fala que a ultima parada já foi há não sei quanto tempo e que por isso você deve estar com vontade de fumar. Mas, nada disso é real.

Na realidade, só vivemos um momento a cada momento. Não existe a viagem, mas apenas cada momento dela. Por que tenho que me sentir cansado por estar dentro do ônibus se de qualquer maneira passaria este tempo em outro lugar? Ou será que se não estivesse viajando minha vida estria suspensa naquele momento e por isso não me cansaria? Por que tenho que ter vontade de fumar por não fazê-lo a não sei quanto tempo, se normalmente durmo a noite inteira e não fumo?

Essas posturas que a mente cria só são reais para aqueles que vivem a viagem como um acontecimento só. Se encararmos cada momento como um e vivermos completamente presente nele sem aceitar os devaneios da mente, não haverá cansaço, não haverá desgaste.

Viver cada momento a cada momento, para mim, é a única forma de escapar das armadilhas da mente.