Choque de realidade

Tocar a vida ao vivo

Assistindo a um filme ('Sempre ao seu lado') me veio uma idéia para mais uma explicação do que é viver a realidade que gostaria de compartilhar com vocês. No filme, um professor de música fala aos seus alunos sobre um autor de marchas americanos que não gostava de gravações de suas músicas. Justificativa esta predileção afirmando que quando se executa uma música ao vivo está se criando ela novamente.

Sim, a música executada ao vivo sempre é uma nova criação dela. Quando alguém executa a música ao vivo sempre acrescenta a ela o seu toque especial, seja no arranjo ou até mesmo na simples forma de tocar as notas. Isso faz a música tornar-se pessoal, tocada para você. Quando ouvimos uma gravação ela torna-se impessoal.

Esta é uma simbologia que nos ajuda a compreender como viver o dia a dia da vida, como estar presente no aqui e agora: é preciso 'tocar' a vida ao vivo e não reproduzi-la a partir de gravações. Como isso o aqui e agora fica pessoal, é seu; reproduzindo apenas o que outro gravou, ele torna-se impessoal.

Tornar um momento pessoal é fazê-lo ser seu. É saber o que está acontecendo; é participar completamente do presente. Quando não executamos o momento, ele torna-se apenas repetição mecânica e isso nada nos ajuda a alcançar a tela, o nada.

Estamos aprendendo que precisamos vencer a mente no momento de agora. Mas, como fazer isso se nem sabemos o que a mente está dizendo? Como superar as emoções propostas pelo personagem se nem as conhecemos? Só quando a vida for sua, pessoal, é que podemos ter consciência profunda do que está acontecendo para podermos nos libertar.

Mas, o que seria viver o aqui e agora apenas executando gravações? Viver tentando, mentalmente, usar ensinamentos que não estão presentes no momento. Por exemplo: quando a mente me diz que eu estou escrevendo dá para se ver a presença de Deus com sua Causa Primária? Claro que não, sou eu que estou escrevendo... Neste momento dá para, racionalmente, se ter a certeza de que este texto tinha que ser assim? Mas como, se muitas vezes aperto o backspace e escrevo de forma diferente?

É preciso viver o presente ao vivo. Neste momento eu estou escrevendo e escrevo estas letras porque são elas que estão sendo digitadas e não outras. Neste momento estou sentindo ansiedade, pois ao mesmo tempo que estou escrevendo, estou publicando arquivos de som e toda hora vou ver se já acabou o upload. Ter esta consciência é viver a vida ao vivo... Qualquer outro elemento que agregue a este momento, transformará o presente apenas numa reprodução de algo que não está presente.

Estando presente ao vivo no meu aqui e agora posso conhecê-lo e, conhecendo-o, posso, então saber do que me libertar. Reproduzindo apenas o que já foi gravado anteriormente posso estar sendo levado pela mente sem saber, pois não consigo separar o que é real do que é apenas criação da própria mente.

Nestas conversas sei que já falei muitas vezes sobre viver o aqui e agora querendo aplicar a eles ensinamentos que não pertencem à nossa realidade. Faço isso não para desacreditá-los ou desmerecê-los, mas sim porque tenho observado muitos amigos dizendo que estão conseguindo libertar-se da mente, mas, por estarem vivendo o presente de maneira impessoal, prendem-se à criações mentais e nem estão conscientes disso.

Para poder realmente se libertar é preciso viver a vida ao vivo, de maneira pessoal. Afinal de contas, a vida é sua, é de cada um. Só isto já deveria nos levar a viver apenas o que nos pertence, aquilo que realmente está presente neste momento.

Este é um resumo do que é o 'choque de realidade': viver a vida de uma forma pessoal, completamente presente no aqui e agora e não executar gravações de outros. Com isso, de alguma forma estamos criando a vida. Não criando no sentido de fazê-la surgir do nada, pois a vida vive por si só, acontece por suas próprias vontades, mas sim no sentido de criar uma vida, uma realidade, para que possamos saber contra o que lutar.