Choque de realidade

Despersonalizando-se

Já é madrugada. Tudo ao meu redor dorme. Deixei para escrever este texto nesta hora porque tenho certeza que será difícil de fazer este texto. Não porque o que nele está dito seja difícil de compreender ou de explicar – pelo contrário, é simples demais – mas, porque poucas são as palavras para explicar o que quero dizer.

Antes de falar exatamente do assunto desta conversa, vou resumir algumas das coisas que ouvi até hoje nesta vida. Não que estas coisas tenham a pretensão de explicar, justificar ou até conferir a esta informação o cunho de verdadeiro. Vou falar delas apenas porque esta é a idéia que está me vindo agora. Não preciso explicar nem comprovar nada do que digo abaixo, pois estou sentindo isso, e é isso que importa...

Somos o que a mente diz que somos. Todo reconhecimento que fazemos de nós mesmos, que chamamos eu, é aquilo que a mente, através de idéias nos diz que é este eu.

Tudo o que vivemos é aquilo que a mente cria. Todas as percepções, todas as descrições de cada momento e tudo o que sentimos durante estes acontecimentos são frutos da mente.

Estas coisas que a mente cria chamamos de vida. Vida é tudo aquilo que nos acontece. Mas, se o que somos também é criação da mente, como aquilo que nos acontece, quem somos nós? Somos a vida...

Nós somos a vida. Não vivemos nada. Aliás, não há nada a ser vivido: somos aquilo que acontece. Não há um ser que viva uma vida. Tudo que pertence à vida é ela. Portanto, o que chamamos de ser, de identidade, de personalidade, de eu, é a própria vida.

Se este ser não existe, que dirá o que pertence a ele. Não há mente, ego ou espírito: tudo é mente... Não há objetos materiais, verdades ou sentimentos: tudo é vida.

Ninguém ama, anda, vê ou corre: tudo isso é vida. O ser que vê é uma criação da própria mente, assim como a idéia de ver que, em última análise, é a própria vida.

Não sentimos tristeza, saudade, pena, alegria ou felicidade: a vida é isso em determinados momentos, assim como é outras coisas em outros momentos. Mas, o que é cada momento se não a própria vida? Portanto, tudo é vida...

Não existe um observador, um observado nem uma observação: tudo é vida. É vida existindo como sendo estas coisas... Mas, a própria idéia de existir também é vida.

Não existem as outras pessoas ou as outras coisas, pois tudo que existe é a própria vida. Nem sei se existem outras vidas, pois mesmo que existam, este saber não existe: ele é a vida...

Isso atende a todos os ensinamentos que a vida 'eu' até hoje ouviu. É a unicidade perfeita, pois tudo é um só. É unidade, pois só existe uma coisa: a vida...

Na vida não existe nada. Ela é como uma tela onde se projeta tudo o que existe. Mas, esta projeção não é alheia a ela, mas é ela mesma.

Como a vida eu disse acima, é muito simples: tudo é vida. Não existe ação nem inação, não existe dor ou prazer, não existe existência ou não existência, não existe certo nem errado: tudo é a vida dizendo que ela é isso... Alcançou-se tudo o que a vida diz ser monista...

Como disse, faltam palavras, porque elas possuem valores múltiplos, mas como descrever de uma forma múltipla aquilo que apenas é? A vida é vida apesar de dizer que ela é múltiplas coisas...

Quando uma compreensão dessas entra numa vida eu, tudo deixa de existir e apenas a vida existe. Neste momento a vida não precisa de definições, mas apenas é...

Quando uma compreensão dessas alcança a vida, ela flui como água de um rio calmo e não mais turbulento. Ela interpenetra a si mesmo e traz a si mesmo para si mesmo...

Erros de português? Erros de concordância? Repetir as mesmas palavras? Que influência tem essas coisas quando se compreende que você e as palavras não são diferentes: são vida...

Sentir isso é como deixar de ser apenas uma gota d'água que navega num rio e integrar-se ao oceano completo que nada mais é do que a própria vida.

Agora a vida 'eu' para por aqui esta vida escrever. Por quê? Porque a vida, que continua sendo apenas a mesma coisa, vai continuar sendo aparentando o parar de escrever... Tomara que ela continue sendo o que a vida 'eu' está sentindo...