Choque de realidade

Decisões

Com relação ao que escrevi no tema ‘Fatalidade', uma pessoa me respondeu o seguinte: 'Mas, tomar café não será uma decisão sua, ou seja, se vai tomar ou não, você não sabe, mas se toma é porque tinha que tomar. Para que? Para poder vir outro pensamento dizendo, por exemplo, que dá gastrite, que tira o sono, etc. Mais verdades das que se libertar'.

Que me desculpe o amigo, mas todas as decisões de minha vida, quem toma sou eu. Sou eu que escolhi nesta manhã escrever este texto, fui eu que decidi ao acordar ligar o computador, sou eu que estou escolhendo quais palavras vão ser escritas. Aliás, também é ele, como todos nós, que toma as decisões na vida dele. Ele escolheu ler o texto, ele escolheu respondê-lo. Ou não é isso que acontece na vida de cada um?

Andamos pelo mundo vivenciando acontecimentos e em cada um deles tomamos decisões. Decidimos comer porque estamos com fome, decidimos dormir porque estamos com sono, decidimos ver televisão ou qualquer outra coisa porque estamos de saco cheio de ouvir Joaquim, etc.

Tomar decisões é um acontecimento da vida. Negar esta ação é negar a própria vida, a própria realidade. Tomar decisões é uma atitude mental que acontece como parte das realidades que vivemos. Negá-las é negar a própria realidade que se vive. Isso eu não consigo...

Aquele que busca tomar o choque de realidade para poder libertar-se do prazer e da dor e alcançar a felicidade precisa encarar o momento presente de frente. Como diz Joaquim: estar presente no aqui e agora. E nele existe a mentalização de estar tomando uma decisão.

Mas, veja bem o que eu disse: tomar a decisão como um processo mental e não físico. Tomar a decisão de fazer algo é um processo mental que ocorre no aqui e agora, mas a execução do que se decide fazer é uma atitude física que ocorre em outro momento, em outro presente, em outra realidade.

Quando se trabalha para viver a realidade se encara o fato de estar tomando decisões, mas não se vive o sonho de que elas acontecerão. Acho que aí é que está o problema.

Muitas vezes a mente coloca a decisão com a certeza da execução. Isso é irreal, isso não pertence ao momento presente e a isso eu não me entrego. Posso, no agora, tomar qualquer decisão, inclusive de ir tomar café, mas não acredito que conseguirei tomá-lo. Quem sabe o que vai acontecer nas realidades entre o momento que decido tomar o café e o de executar esta ação? Podem acontecer presentes que transformem esta decisão e a ação não mais ocorra.

Este é o choque de realidade que estou falando: viver todos os elementos mentais e físicos que estão acontecendo e não camuflá-los com verdades que não são reais. Chamo a estas verdades de 'devaneios da mente'.

A mente, além de falar sobre o presente, devaneia com verdades que não estão presentes no aqui e agora. É o caso da gastrite ou tirar o sono que a pessoa falou na resposta. Tomar a decisão de beber café está presente no momento, mas se logo depois a mente diz que se fizer isso posso ter gastrite ou perder o sono, constato que tais ações não estão presentes naquele momento e, por isso, busco não vivenciá-las como realidade, mas apenas uma possibilidade que virará ou não realidade futuramente.

É a mesma coisa que tomar remédio de forma preventiva. Depois do meu infarto tenho três remédios que tenho que tomar diariamente Estes remédios são de ação preventiva, ou seja, buscam produzir um determinado momento futuro que eu não sei se vai acontecer. Como sempre fui rebelde com relação a remédios, muitas vezes esqueço-me de tomá-los. Quando mentalmente em um determinado momento a mente constata que eu não os tomei, simplesmente digo a ela: 'É, não tomei, e daí?' Isso é realidade para mim...

Só que a mente não sossega e aí começa a devanear sobre o tema: 'Você não tomou, a veia vai entupir, você vai ter um novo enfarte e vai morrer'. Estas idéias busco não aceitar porque no meu presente não existe veia entupida, não estou tendo um enfarte e não estou morrendo...

Eis aí, então, algo muito importante para aquele que busca tomar um choque de realidade para poder alcançar a verdadeira felicidade: saber separar o que é realidade do que é devaneio da mente. Mas, isso só vou fazer quando voltar de Brasília, pois hoje decidi que vou tirar o dia para descansar e me preparar para a viagem.

Será que vou conseguir? Só os próximos presentes poderão dizer. Por isso aguardo os próximos capítulos da novela minha vida para saber o que vai acontecer, apesar da minha decisão agora...