Choque de realidade

Plim!

Nestas conversas estou querendo fugir um pouco dos termos usados por Joaquim, apesar de falar a mesma coisa. Mas, num ponto que ele fala temos que tocar diretamente: os desejos...

O que é um desejo? É a vontade que determinado acontecimento ocorra dentro daquilo que queremos, que achamos bom para nós, que nos satisfaça. O desejo é a esperança que a vida ocorra em paz, na nossa paz. Dentro do simbolismo que estamos adotando, o desejo é a vontade que um personagem da fita tem de interferir na projeção, de dizer à projeção o que deve ser projetado.

Infelizmente isso não é possível. Isso porque, o filme já está filmado, as cenas já foram gravados. Agora elas estão apenas sendo projetadas. Como alterar o que já está pronto?

Não falo em pré-destinação, mas em constatar a nossa realidade. Quantas vezes tentamos de todas as maneiras mudar as cenas que participamos e não conseguimos? Quantas vezes agimos fortemente num sentido e quando a fita se projeta o acontecimento é completamente o oposto do que sonhávamos que ia acontecer?

Aceitar a projeção como ela acontece não é acreditar em nenhum ensinamento que fale em pré-destinação, mas apenas aprender a constatar que a projeção segue apenas o que está no filme e não os desejos ou ações dos personagens. Mas, isso só acontece quando aprendemos que o desejo não influi na projeção.

O desejo é danoso para quem quer alcançar a tela porque muda o foco do trabalho. Quem quer alcançar a tela fixa-se apenas nela, enquanto que quem dá asas ao desejo, vive esperançoso que ele aconteça, está focado na própria projeção.

Isso já nos foi ensinado, isso já pôde ser constatado por quem já viveu muito tempo, mas persistimos na vontade de mudar a projeção de acordo com nossos desejos. Na verdade, passamos a existência inteira buscando uma lâmpada de Aladim de onde saia um gênio que realize nossas vontades ou à procura de uma fada que venha com a sua varinha de condão e faça um 'plim' e tudo que queremos aconteça. Sonhos infantis...

Durante esta busca, como não conseguimos materialmente achar isso, acabamos nos voltando para o lado místico, para o sobrenatural, para aquilo que está além da projeção. Mas, no nada não existe nada: só a própria projeção.

Por isso vamos de religião em religião apelando aos deuses que se tornem o nosso gênio da lâmpada mágica ou a fada com sua varinha de condão. Isso é tão forte no ser humano que Allan Kardec fala o seguinte em O Livro dos Espíritos: “Imaginamos erradamente que aos Espíritos só caiba manifestar sua ação por fenômenos extraordinários. Quiséramos que nos viessem auxiliar por meio de milagres e os figuramos sempre armados de uma varinha mágica” (pergunta 525).

Rezamos, fazemos penitência, estudamos e trabalhamos na esperança que esse sacrifício faça os deuses atenderem a nossos pedidos. Ledo engano: os deuses são parte da projeção, como podem mudá-la?

Desiludido de cada um dos lugares que passamos buscamos correntes mais místicas. Aí ouvimos falar de algo chamado evolução espiritual, de algo que pode nos trazer paz e felicidade. Entregamos-nos a esse deus salvador, mas esquecemos do principal: eles falam em desapego total...

Mas, como nos desapegarmos se ainda vamos buscá-los apenas pelo apego aos desejos? Como atingir o nada se ainda esperamos que o tudo se mude? E o que é esse apego senão o desejo que nutrimos para cada coisa que participa da projeção conosco?

Temos desejo de tudo: de comer, de vestir, de fazer, de receber, de entender. Para cada acontecimento da projeção temos um desejo. Por isso nem o gênio da lâmpada poderia nos satisfazer, pois ele só teria três desejos para nos dar...

Como ainda buscamos nestes novos deuses a realização de nossas vontades nos desiludimos deles. Mas, o que mais há para buscar? Tudo já falhou, nada foi capaz de satisfazer nossos desejos?

Neste ponto nos desiludimos de tudo e aí paramos de desejar. Já que não há santo, deus, gênio ou fada que venha nos salvar, nos damos como derrotados. Neste momento, porém, encontramos a vitória.

Quando desistimos de lutar contra a vida para que ela aconteça do jeito que queremos é que começamos a nos desinteressar da projeção e começamos a mirar a tela. Aprendemos a esperar a vida chegar e vivê-la do jeito que ela vier ao invés de continuar como crianças sonhando com mundos encantados onde tudo se resolve num simples 'plim'.

Para que esperar tanto, se o final é certo? Repare se não é assim que os mais velhos vivem. Repare que aquilo que chamamos sabedoria da idade nada mais é do que a simples constatação que por mais que se deseje algo, nada podemos fazer a não esperar que a projeção a traga? Isso é constatar o presente, é viver o aqui e agora, é tomar um choque de realidade.

Sabendo disso, porque não começamos agora mesmo a ter a sabedoria dos velhos ao invés de ficar esperando encontrar a lâmpada maravilhosa ou pelo 'plim' da fada?