Unidade - Capítulo 1

Versículo 8

 8. Para mim não há ato da mente que seja bom ou mau, ato do corpo, bom ou mau, ato de fala, bom ou mau. Eu sou o conhecimento, imortal e sempre puro além do alcance dos sentidos.

Toda qualificação que se dá às coisas do mundo surge de um raciocínio. Todos os valores que se aplica às coisas foram frutos de análises que o ego faz, ou seja, são conclusões que a personalidade transitória do ser chega depois de ‘raciocinar’ sobre elas. Mas o que será raciocinar?

As coisas do mundo chegam ao ego através das percepções. As coisas existem para o ser humanizado porque são percebidas por algum dos seus órgãos do sentido (visão, audição, olfato, paladar e sensibilidade do corpo físico) e o ego cria realidades a partir destas percepções. Se isto não ocorresse, as coisas não existiriam. Ou seja, se o ser humanizado não recebesse do ego as formas e as compreensões do que penetra pela visão, por exemplo, não existiriam as cores; se não tivesse capacidade de ouvir, não existiria o som.

No entanto, sempre que uma percepção alcança o ego, ela perde a sua originalidade, pois o criador de realidades executa um processo que chamamos de raciocínio.

Podemos definir raciocínio como um processo de análise das percepções onde o ego chega a uma conclusão que determina valores às coisas. Quando Dattatreya afirma que o ser elevado não reconhece acontecimentos ‘bons’ ou ‘maus’ quer dizer que, apesar de receber o raciocínio das percepções, não aceita os valores que são aplicados através dês processo pelo ego.

Todo o seu conhecimento (aquilo que sabe, que conclui) é sempre puro e está além destes valores que são atribuídos pelo raciocínio das percepções executados pelo ego. Vamos, para compreender este ensinamento, começar entendendo como se processa o raciocínio.

Sempre que um conjunto de percepções alcança o ego, o processo raciocínio inicia-se, ou seja, a busca de gerar uma compreensão do que está acontecendo ocorre.

Para isso o ego forma uma “imagem” do conjunto de percepções, ou seja, ele soma o fruto da audição, da visão, do olfato, do paladar e das sensibilidades do corpo. A partir daí o ego irá analisar esta “imagem” que criou com a finalidade de determinar um valor para ela.

Até aqui estamos falando apenas em determinar conhecimento de formas e não de valores. O ego ainda está reconhecendo o que está a sua frente. O resultado deste reconhecimento dará ao consciente do ser humanizado uma verdade: é isto que está sendo percebido agora.

Acontece que, junto com a programação do ego que reconheceu a forma, está também programada uma determinada ‘sensação’ que o ego determinará ao espírito para sentir. Se, por exemplo, a programação diz que o ego deve levar à consciência do espírito que ele deve sentir-se magoado ou ferido frente aquela forma, a sensação virá ao consciente do ser humanizado.

Até aqui a análise (julgamento) para determinar um valor (sentença) à percepção atual ainda não aconteceu. Como nos julgamentos da justiça terrestre, podemos dizer que o processo está sendo instruído com provas e antecedentes do réu. A parte final do processo será determinada pela sentença decisória. Esta é dada pelo ser humanizado ratificando ou não as peças dos autos.

Todo este processo é presidido por Deus através do ego, ou seja, das verdades que o ser humanizado possui dentro de sua consciência material. O espírito não pode alterar este conteúdo porque ele faz parte da sua provação terrena.

O processo de análise ou julgamento inicia-se realmente quando o espírito, recebendo estas informações do ego escolhe um sentimento para reagir agora àquela determinada forma. Esta escolha se transforma, então, em uma sentença.

Vou dar um exemplo. Frente à percepção de uma determinada forma (uma pessoa específica) o ego pode construir a ‘imagem’ deste outro ser encarnado e lançar à consciência do espírito a sensação de raiva, precaução, etc. Esta é a fase de instrução de um processo, ou seja, quando a acusação faz a sua parte.

Mas isso não quer dizer que o ser humanizado precise vibrar dentro do padrão sentimental proposto pelo ego. Mesmo que o criador de realidades torne consciente uma sensação de “não gostar”, por exemplo, o ser encarnado é livre para ‘sentir’ diferente disto. Utilizando-se do livre arbítrio que Deus lhe deu (amar ou não as coisas), o espírito pode optar por apegar-se à sensação que o ego lhe transmitiu ou ‘sentir as coisas’ de outro modo.

Não é porque o ego lhe diz que você não deve gostar de mim, por exemplo, que você precisa se apegar a isso e vibrar dentro desse padrão sentimental. Você é livre para amar-me equanimente ou deixar-se levar por sensações ditadas pelo ego que são presas à euforia do prazer ou à depressão da dor.

Para isto influencia muito o seu ‘estado de espírito’ no momento, ou seja, o seu padrão vibracional atual. Se você busca sempre permanecer inabalável frente aos acontecimentos do mundo, mesmo que o ego insista em lhe dizer que a forma que está sendo percebida pode feri-lo, você não se deixará levar por esta insinuação fantasmagórica.

Por isto Cristo ensina: orai e vigiai. Viver em oração, ou seja, sempre dentro do padrão vibracional superior (amor universal) e vigiar aquilo que o ego lhe afirma que é real para que você não se deixe aprisionar por este elemento irreal.

Aquele que se harmoniza com Deus não se deixa levar pelo ego e, por isso, consegue viver a realidade atual sem se prender aos conceitos instados pelo criador de realidades. Por isto disse no versículo passado que o ego sempre existirá (o reconhecimento das coisas percebidas), mas que aqueles que se aproximam de Deus libertam-se da sua prisão (das conclusões sentimentais que ele impõe).

Por isto Dattatreya diz que para ele nada no mundo pode ser julgado pelo binômio ‘bom’ ou ‘mal’. Ele sabe que estas conclusões são geradas pelo ego para que o espírito, prendendo-se a elas, viva entre a exultação do prazer (quando acontece o que acha bom) e a depressão da dor (quando não acontece o que quer).

Assim, o mestre ensina que aquele que alcança a Unidade com Deus vivencia tudo livre deste binômio. Isto, no entanto, não quer dizer que o ego irá “parar de funcionar”, ou seja, de tentar induzi-lo a viver dentro do prazer ou da dor, mas que este ser não mais se une ao ego, mas sim ao Pai.

 Ele não vive mais a realidade criada pelo ego, mas sim a Verdade que emana de Deus. Para que isto seja realidade vive sem querer compreender o que está acontecendo (se é ‘bom’ ou ‘mal’). Por isto Dattatreya afirma que o conhecimento do ser universalizado é imortal e puro, além do alcance dos sentidos.

Quando o ser se unifica com Deus apenas o Pai é Verdade. Nada mais existe para ele, pois em tudo vê a emanação divina.