Unidade - Capítulo 1

Versículo 14

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 14. Tu és Ventura eterna onipresente, dentro e fora. Por que, então, vagueias aqui e acolá como um fantasma?

Dattatreya, baseando-se nos ensinamentos dos mestres, afirma: você é venturoso. Para compreendermos melhor o ensinamento precisamos saber o que é ‘ser venturoso’.

A compreensão humana de um indivíduo venturoso é aquele que é ditoso, feliz, alegre, bonito. Ser venturoso é, portanto, conforme a concepção humana, ser alguém que viva a extrema positividade do universo.

O mestre ensina: você já é venturoso, já é tudo de bom que pode existir neste universo. Quem já é venturoso não pode almejar mais nada a não ser viver a ventura que possui. Por que, então, vagueia pelo mundo como um “fantasma”, por que vive correndo atrás de coisas no mundo material, assim como o ‘fantasma’ vive no mundo espiritual?

‘Fantasmas’ são espíritos que, apesar de desencarnados, não conseguem vivenciar a sua nova realidade (espiritual) e por isso permanecem presos ao mundo material. Por que você vive a vida carnal desta forma, ou seja, sem conseguir viver a sua Realidade? Por que você que já é tanta coisa e tem tudo vive perdido neste mundo?

A comparação dos seres humanizados com os ‘fantasmas’ é bem adequada: são seres que não sabem conviver com sua Realidade. O ser humanizado, assim como o ‘fantasma’, jamais se contenta com a Realidade que vivencia: vive sempre desejando algo diferente do que tem.

Hoje deseja algo. Amanhã quando conquista, ao invés de desfrutá-la, deixa de dar valor e já quer outra. Quando o mundo não lhe satisfaz chora, briga. Parece realmente um ‘fantasma’ ou uma criança mimada.

O ser não depende de nada para ser feliz. Ele já é venturoso, já é e possui tudo o que pode existir. O problema é que ele não deixa de querer, de desejar, imaginando que sempre haverá algo ‘melhor’ para desfrutar.

Você já é tudo o que pode ser no universo: coloque esta Verdade em sua vida. Não há mais nada que possa ser conquistado. Liberte-se dos desejos de querer e vontades de ser, de conquistar, de mudar e seja feliz com o tudo que você já tem. Você já é venturoso: só falta aprender a ser. Agora saiba ser venturoso.

Existe uma grande discrepância na vida dos espíritos encarnados. O ser humanizado vive a vida inteira desejando fazer, ser, estar, possuir, para ser venturoso, para ser feliz. No entanto, são exatamente as condições que ele impõe para ser é que não lhe deixa vivenciar esta ventura.

Você já é venturoso, mas para poder sentir toda a sua ventura terá que deixar de impor condições para tanto e viver a Realidade que surge com a unidade com Deus.

Participante: Fazemos parte de um todo, pois somos todos espíritos. No entanto, não há uns que tem mais luz e estão mais desenvolvidos?

Não, todos têm a mesma luz, porém nem todos brilham com a mesma intensidade.

Para poder compreender este ensinamento, e já que estamos falando em luz, brilho, comparemos o espírito a uma lâmpada de 100 watts. Todos os espíritos são lâmpadas de 100 w, mas há espíritos que são ‘lâmpadas sujas’ e outros que são ‘lâmpadas limpas’.

Os espíritos ‘sujos’, apesar de serem também lâmpadas de 100 w, não conseguem brilhar com a mesma intensidade, com a mesma luminosidade daqueles que estão limpos. O seu refulgir é encoberto pela ‘sujeira’ opaca que se agrega ao vidro. Estes são os que você chama de ‘menos evoluídos’.

Eles, no entanto, possuem a mesma luminosidade daqueles que você chama de evoluídos, que estão ‘limpos’, mas não refulge com a mesma intensidade. Ou seja, eles brilham, mas sua luminosidade não se difunde.

A sujeira que encobre a lâmpada (espírito) e não deixa que sua luminosidade se difunda é exatamente isto que estamos falando e comentando neste livro: o individualismo.

O resplandecer da lâmpada é a felicidade universaL que o espírito sente. Por condicionar a sua felicidade à realização de desejos, por se prender a determinados fatores e condições para ser feliz, você não ‘brilha’.

NOTA: FELICIDADE UNIVERSAL - Diz-se daquela que é vivenciada sem fatores externos específicos que a faça nascer. Trata-se da felicidade incondicional ou bem-aventurança, como Cristo chamou.

Por que condiciona a felicidade? Porque sempre impõe condições (desejos) para ser feliz. E, por que impõe condições para ser feliz? Porque não vê que já é a ventura total. Como posso ser maior ou menor do que alguém se todos somos filhos do mesmo Pai e, por herança genética, possuímos todas as Suas características?

Dividir os seres em classes (mais limpos, possantes, etc.) e adorá-los não nos deixa brilhar, pois existe um objetivo a ser conquistado que resultará na felicidade. Além disso, demonstra um desconhecimento profundo do Universo, da equanimidade universal: todos são iguais perante Deus.

Este desconhecimento denota a sua forma ‘fantasma’ de viver, pois mostra bem o quanto está preso à realidade material (formada pela dualidade do ‘bem e mal’, ‘certo e errado’). Mostra que, apesar de todos os mestres terem ensinado que esta vida é transitória, você não consegue viver a sua Realidade espiritual.

 Portanto, volto a repetir: evolução espiritual não é conquistar nada novo, pois você já tem dentro de si tudo o que pode ser, toda ventura. O que é necessário ser realizado como reforma íntima é a limpeza de tudo aquilo que encobre a luminosidade do ser.

Aquele que se liberta das máculas que cobrem a sua felicidade, não acrescentam nada de novo em si mesmo, mas conseguem que o interior expanda para o exterior e aí podem vivenciar o que já são.

Participante: Se o espírito é luz, o que é esta luz? Não é uma potência de amor? Se todos temos esta potência amorosa, por que o espírito se ‘suja’? Se ele já nasce com esta potência de luz, qual o motivo dele se sujar?

A ‘sujeira’ do espírito acontece pelo direcionamento que ele dá ao amor divino.

Se ele utiliza o amor que Deus envia ao universo para brilhar para todos (servir ao próximo) está no universalismo. Se a utiliza para benefício próprio (eu quero, eu gosto, eu sei, eu vou – impor condições individualistas à Realidade) emporcalha a “lâmpada”.

Participante: Podemos dizer que o primeiro ‘emporcalhamento’ foi feito por “Adão e Eva”?

Foi feito por você quando vivenciou a fábula ‘Adão e Eva’ e utilizou a sua luminosidade para a partir de você mesmo dizer o que era ‘certo’ ou ‘errado’.

NOTA: A promessa da cobra à Eva quando lhe oferece a maçã: “Deus disse isso porque sabe que, quando vocês comerem a fruta dessa árvore, os seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecendo o bem e o mal”. (Gênesis – Capítulo 3 – Versículo 4 e 5). Ainda segundo a Bíblia, Eva “pensou como seria bom ter conhecimento. Aí apanhou uma fruta e comeu”. (idem, versículo 6).

Participante: Não houve nenhum espírito que tenha saído imune na primeira prova do individualismo? Que ao ser criado com esta luz na primeira encarnação não tenha se sujado?

Não. Daqueles que temos conhecimento (espíritos vivendo junto ao orbe terrestre) aquele que se sujou e mais rápido se limpou foi Cristo: dez encarnações.

Participante: Se todos nós viemos com um propósito para esta vida, por que é tão difícil realizar este propósito depois de encarnado?

Qual foi o propósito que veio fazer? Vencer tudo o que não gosta, fazer tudo que não quer, estar com todas as pessoas que não gosta amando-as e ao que elas fazem ‘contra’ você. Você veio com o propósito de vencer tudo aquilo que gosta e que não gosta, o que quer e o que não quer (os frutos do individualismo).

Esta ‘vitória’, no entanto não deve ser alcançada começando a gostar do que não gosta, pois assim não estaria vencendo nada, mas criando novos padrões de gostar. Você veio à carne para aprender a viver equanimente com tudo que gosta e que não gosta. Veio mostrar que é capaz de viver todas as situações de uma forma igual, harmônica.

Por isto a vitória é sempre difícil: você tem que vencer a você mesmo. Tem que vencer sua lógica, sua razão, suas verdades, o que gosta, o que não gosta. Aqui resulta a grande dificuldade: ninguém está disposto a vencer a si mesmo. Pelo contrário, se entrega a si, se escraviza a si e vive como um ‘fantasma’.

Participante: Tenho, então, que agradecer a Deus por tudo que vivencio, gostando ou não?

Não. A evolução espiritual se alcança com amor e não com a gratidão. Ame a tudo que acontece gostando ou não, sendo fruto do seu desejo ou não. Aí terá realizado o que veio fazer.

Participante: Qual o lado positivo desta nossa decisão de nos sujarmos, ou foi apenas um erro sem nada de positivo para nossa história?

Erro não existe. Tudo que você vivenciar foi uma decisão fruto do seu livre arbítrio que é sempre baseado nas suas verdades individuais. Portanto, tudo está sempre certo: pelo menos para você.

A partir do momento que você decidiu como fruto do seu livre arbítrio ninguém pode dizer que está errado. É uma decisão individual, agora é uma decisão que lhe levou a se sujar e não a se limpar.

Participante: Insisto: não tiramos nada de positivo aos nos sujarmos?

Deveríamos tirar das situações a experiência para não mais agir da mesma forma.

Quando nos defrontamos com situações que não gostamos deveríamos procurar entender que nos frustramos e sofremos apenas porque esperávamos algo diferente do que aconteceu. Com esta consciência, ao invés de sofrermos deveríamos lutar para acabar com o condicionamento que nos fez sofrer.

Quando ao contrário o acontecimento nos traz o prazer, deveríamos refletir que foi apenas uma ‘coincidência’ e que amanhã poderá não acontecer novamente. Ao invés de nos vangloriarmos e imaginarmos que detemos a verdade do universo, deveríamos aproveitar o momento para compreender que nossa felicidade é condicionada a desejos.

O problema é que o ser não quer ‘raciocinar’ a vida. Ele contenta-se apenas em sentir o prazer e a dor do momento. Não entende que, independente de estar sentindo-se feliz ou não, afastou-se de Deus, pois condicionou o momento e com isso se sujou.

Participante: Posso concluir, então que mesmo quando você erra pode se tirar uma lição, um ensinamento, algo bom.

Sim, em tudo existe o lado ‘bom’. Só que você prefere dá valor ao lamento porque quer, conceitualmente, sofrer.

Participante: Acho que o ato de nos sujarmos é para nos limparmos. Refletir sobre si mesmo para alcançar o auto conhecimento pode nos ajudar a nos limparmos. Acho que é por aí. A entrega que surge da limpeza vem de dentro, não nos é imposta: tem que sentir.

Perfeito. Agora você chegou ao benefício de se sujar: refletir sobre si mesmo. É isso que estamos estudando neste livro. Agora é preciso meditar sobre você como um com Deus e não meditar como ser humano.

Por isso estamos estudando estes ensinamentos monistas de Dattatreya. Precisamos começar a viver em meditação.

No entanto, o ser humanizado ao invés de analisar se a situação ou ele mesmo está ‘certo’, ‘bonito’, ‘perfeito’ pelos seus padrões individuais, deve começar a meditar lutando contra estes conceitos. O que o ser precisa refletir é se naquele momento está em unidade com Deus, com a Realidade, ao invés de viver os seus mayas.

O grande benefício da sujeira (do individualismo) é o aprendizado de como raciocinar: a partir de si ou da Realidade do Universo (Deus).

Participante: Para mim ainda é muito difícil imaginar que todos os espíritos, criados com tanta luz, não tenham conseguido se manter nela e tenham tido que passar por todos estes mundos (prova e expiações, regeneração, etc.).

A tentação é muito grande. Poucos conseguem vencê-la de imediato, apesar da Perfeição em que são gerados.

Participante: Mas eu acho que ainda há por trás disto muitos mistérios que nós não conseguimos compreender. Para mim parece ilógico que nenhum deles tenha conseguido se manter na luz.

Então não tente compreender: só ame. Enquanto estiver tentando compreender logicamente estará criando novas verdades, ou seja, novas ‘sujeiras’ que grudarão em você e que terá, posteriormente, que limpá-las.

Participante: Acredito que a dificuldade do trabalho da reforma íntima é o ser humanizado acreditar que é o espírito e não a carne. Somos todos como Tomé: ver para crer. Como muito poucos vêem os espíritos, primeiro precisam acreditar que existe espírito, para depois acreditar que é um para finalmente viver como tal.

Qual a antítese do ‘ver para crer’? Crer sem ver. Mas para isso é preciso ter fé. Neste sentimento reside o problema que leva os seres humanizados a se sujarem.

O ser que se imagina humanizado não tem fé em Deus, mesmo aqueles que se dizem religiosos e que estão na busca da elevação espiritual. Ele não acredita racionalmente (viver como realidade) em ser espírito, no mundo espiritual, na emanação de Deus, porque tem fé em si, nas suas verdades que são constatadas pelas percepções e formações mentais.

Ele só acredita nele, naquilo que o seu raciocínio e as suas percepções dizem que são reais. Ele não ouve ninguém, não vê nada, sem julgar o que está sendo percebido racionalmente.

Acredita-se o rei do mundo, o detentor da verdade, que pode julgar tudo.

Participante: Esta questão do livre-arbítrio do ato trouxe ao ser humano este falso poder de agir.

NOTA: LIVRE ARBÍTRIO DO ATO - Crença que afirma que o ser humanizado é capaz de agir por livre espontânea vontade sem que nada o detenha.

Não é este o problema. O fruto da sujeira não está no falso poder de agir, pois ele é um sentimento que surge pela utilização do livre-arbítrio sentimental.

A perda da consciência da ventura está na utilização do livre arbítrio sentimental. Na opção por sentimentos fruto do individualismo (gostar, não gostar, querer, não querer), ou seja, no direcionamento do amor divino apenas a si mesmo, é que reside a não evolução do espírito quando encarnado.

NOTA: LIVRE ARBÍTRIO SENTIMENTAL - Escolha que o ser faz de um sentimento para reagir a um acontecimento. Para a consciência humana esta escolha é inconsciente.

Só a fé (confiança e entrega irrestrita e absoluta ao Pai) pode levar você a abandonar-se na mão de Deus, ou seja, a acabar com o seu individualismo. Na hora que esta for a sua opção sentimental saberá de tudo, conhecerá tudo, sentir-se-á tudo, sem a necessidade de comprovação nenhuma.

O problema é que o homem não se entrega a Deus, mas apenas a si mesmo: no fruto da sua razão. Mal sabe ele que na verdade não está entregando-se nem a si mesmo, mas ao ego, que é o “diabo”, o “tentador”.

Eu diria, então, como está escrito na bíblia, que o “diabo” está solto no planeta.

Pergunta: Na verdade a nossa dificuldade em nos entregar ao Pai é que não sabemos quem é Deus. Como nos entregar para quem não sabemos o que é?

Agora você chegou no ponto fundamental que estava sendo mantido camuflado até aqui: o conhecimento surgido através da razão, do conhecimento material (percepção, formação mental).

Na hora que Deus “aparecer” aos seus olhos, comprovar-se materialmente, mostrar-Se materialmente, você confiaria nele? Mas, se isso acontecesse, cada a fé? Cadê a confiança e a entrega?

Não haveria entrega a Deus porque seria um acontecimento lógico, ou seja, que passou pelo crivo da sua razão. A sua entrega continuaria sendo feita apenas a você mesmo.

Quem disse que você é que detêm as verdades do universo e que os outros precisam provar-se para existirem? Quem lhe deu o poder de determinar o que é falso ou real, verdadeiro ou irreal? O pecado original, a maçã que ingeriu na primeira encarnação e de cujo poder vem desfrutando até hoje.

A fé tem que passar por cima de tudo isso. Ela precisa anular a razão, a lógica humana, para poder servir ao espírito. Enquanto ela for o guia do espírito encarnado estará prestando serviços apenas ao ego, pois estará sempre criando novas verdades que individualizaram cada vez o ser universal.

Foi através da fé que destruiu toda lógica racional que Chico Xavier, Francisco de Assis, Irmã Dulce, Gandhi e tantos outros viveram. Tudo o que eles realizaram em questão de elevação espiritual você também pode: basta lutar contra os conceitos humanos implantados no seu ego. Agora, para esta batalha é preciso amar-se com a fé e não deixar de achar-se o senhor do mundo.

O problema é que o espírito é filho de Deus, herdeiro das Suas propriedades, mas quando se humaniza quer ser o próprio Deus. Vive como se fosse o senhor supremo do universo, aquele que sempre sabe a verdade.

Sempre sabe o que está “certo” ou “errado”, que somente o que ele corrobora racionalmente pode existir. O resto do mundo, aí incluídas todos os demais seres, inclusive Deus, que não “abram a boca” porque senão o ser humanizado xinga, grita, briga e afirma que jamais se mudará.

Pergunta: Somos, então, uns esqueletos vaidosos?

Exato: somos uns fantasmas. Somos uns fantasmas perambulando pela vida. Já viram aqueles fantasmas que na Inglaterra e na Escócia apropriavam-se dos castelos dizendo que eram deles? São vocês que acham que são donos de algo.