Opinião

Versão dos fatos

Participante: agora, uma coisa é julgar, outra é conhecer os fatos. Esse caso do estupro ou do suposto estupro, se sairmos fora da mídia que manipula todo mundo – “uma coisa horrível, que nunca houve” –, quem conhece o mínimo o Rio de Janeiro, vai saber que uma moça estuprada num morro, o cara não sairia vivo no dia seguinte.

Você acabou de ter uma opinião sobre um fato que talvez não conheça, mas já está dizendo “se isso acontecesse, aquilo aconteceria”. Quem disse? Quem pode generalizar alguma coisa sem correr o risco de errar? Lhe garanto que muitas vezes já aconteceram estupros em morros do Rio de Janeiro e os agressores não foram mortos.

Agora, lhe pergunto: se aquela pessoa que já morou no Rio e aquela que ainda mora lhe contestasse, o que aconteceria? Você perderia a sua felicidade.

Na verdade, sabe o que é um fato qualquer?

Participante: é o que aconteceu.

E como você pode saber o que aconteceu?

Participante: pelo relato ...

Será?

Você já brincou de telefone sem fio? Se brincou, lembra que ao final a verdade contatada no início chegava completamente deturpada.

Telefone sem fio é uma tradicional brincadeira popular, na qual uma pessoa fala uma palavra ou frase (o "segredo") ao ouvido de outra pessoa ao seu lado, de modo que os demais participantes não escutem ou descubram imediatamente qual é o "segredo". A que ouviu o segredo tenta então repeti-lo para o próximo participante, e assim por diante até chegar ao último participante, que deve contar o segredo em voz alta. Uma das regras do jogo é que o segredo não pode ser repetida ao ouvinte da vez. Por esse motivo é comum o segredo ser mal entendido e por isso passado ao demais ouvintes de forma cada vez mais deturpada, chegando totalmente diferente ao ouvinte final, e isso é o que torna a brincadeira divertida. (Fonte: Wikipédia)

Sempre que tem notícia de qualquer acontecimento, não importa qual seja, você ouviu uma versão dos fatos.

Sabe como é que poderia saber do fato?

Participante: estando lá.

Não! Também não adianta. Se fosse um dos estupradores ou a estuprada. Aí, você saberia pelo menos a sua versão do fato, já que quem é o agente e quem sofre a situação possuem visões diferentes das coisas. .

Participante: mas, você pode interpretar as versões.

Desculpe, mas tudo que qualquer um relata sofre um fato, mesmo que tenha participado dele, é apenas a sua interpretação, a sua versão e não a realidade.

Participante: você pode chegar próximo de realidade.

Não! Deixa eu lhe contar uma história.

Certo dia, um príncipe indiano mandou chamar um grupo de cegos de nascença e os reuniu no pátio do palácio. Ao mesmo tempo, mandou trazer um elefante e o colocou diante do grupo.

Em seguida, conduzindo-os pela mão, foi levando os cegos até o elefante para que o apalpassem. Um apalpava a barriga, outro a cauda, outro a orelha, outro a tromba, outro uma das pernas…

Quando todos os cegos tinham apalpado o paquiderme, o príncipe ordenou que cada um explicasse aos outros como era o elefante.

Então, o que tinha apalpado a barriga disse que o elefante era como uma enorme panela.

O que tinha apalpado a cauda até os pelos da extremidade, discordou e disse que o elefante se parecia mais com uma vassoura.

- “Nada disso”, interrompeu o que tinha apalpado a orelha. “Se ele se parece com alguma coisa é com um grande leque aberto.”.

O que apalpara a tromba deu uma risada e interferiu:

- “Vocês estão por fora. O elefante tem a forma, as ondulações e a flexibilidade de uma mangueira de água…”

- “Essa não”, replicou o que apalpara a perna, “ele é redondo como uma grande mangueira, mas não tem nada de ondulações nem de flexibilidade, é rígido como um poste…”

Os cegos se envolveram numa discussão sem fim, cada um querendo provar que os outros estavam errados, e que o certo era o que ele dizia. Evidentemente cada um se apoiava na sua própria experiência e não conseguia entender como os demais podiam afirmar o que afirmavam.

O príncipe deixou-os falar para ver se chegavam a um acordo, mas quando percebeu que eram incapazes de aceitar que os outros podiam ter tido outras experiências, ordenou que se calassem.

- “O elefante é tudo isso que vocês falaram, explicou. Tudo isso que cada um de vocês percebeu é só uma parte do elefante. Não devem negar o que os outros perceberam. Deveriam juntar as experiências de todos e tentar imaginar como a parte que cada um apalpou se une com as outras para formar esse todo que é o elefante.”.

Só se você for o elefante pode saber o que é ser um elefante. Não importa se vê o animal, você não saberá jamais o que ele é. Terá apenas a sua opinião sobre o que é ser.

Quer outro exemplo? Hoje já me disseram que cachorro pode ter depressão. Sinceramente, eu não sei dizer se este animal pode ter esta doenças, porque não me lembro se isso aconteceu comigo quando encarnei nessa forma. Se não me lembro de quando fui cachorro, como agora que já não sou mais vou dizer que sim ou não?

Só que quem me disse isso sabe, tem certeza. Como pode ter essa certeza se não está dentro do cachorro. Só porque a ciência diz que isso é possível? Mas, quantas vezes a ciência já mudou? Quantas vezes ela desdisse o que já tinha dito?

Agora, será que se aquela pessoa que falou estivesse em outro cachorro poderia dizer que outro tem depressão? Claro que não. Só o cachorro que foi taxado como depressivo pode dizer se está ou não. Todos os outros animais e seres humanos podem apenas achar que, ter uma opinião, uma versão.