As virtudes e o vício

Pergunta 901

Figuremos dois avarentos, um dos quais nega a si mesmo o necessário e morre de miséria sobre o seu tesouro, ao passo que o segundo só o é para os outros, mostrando-se pródigo para consigo mesmo; enquanto recua ante o mais ligeiro sacrifício para prestar um serviço ou fazer qualquer coisa útil, nunca julga demasiado o que despenda para satisfazer aos seus gostos ou às suas paixões. Peça-se-lhe um obséquio e estará sempre em dificuldade para fazê-lo; imagine, porém, realizar uma fantasia e terá sempre o bastante para isso. Qual o mais culpado e qual o que se achará em pior situação no mundo dos Espíritos?

O que goza, porque é mais egoísta do que avarento. O outro já recebeu parte do seu castigo.

Que belo ensinamento: o outro já recebeu porque nem consigo gastava. Ou seja, passou por vicissitudes negativas como fruto da sua intencionalidade. Este é o mote da lei do carma e só esta frase já encerra um grande ensinamento: se colhe exatamente o que se planta.

Mas, vamos aproveitar este texto para conversar mais sobre a questão do que é viver, ou seja, aproveitar a encarnação para se cumprir os objetivos deste elemento espiritual. Aquele que, além de viver para amealhar bens materiais, também fundamenta a sua existência no gozo individualmente deste bem, comete ações contrárias à elevação espiritual.

Fiel ao que falei anteriormente, não direi que quem assim procede é mais ou menos faltoso do que o outro, mas que ele comete dois atos contrários à busca espiritual. Primeiramente ao querer para si os bens materiais e, posteriormente, quando não busca dividir aquilo que consegue com o próximo.

Este é o ensinamento fundamental deste trecho. Mas, para que possamos ampliar nossa compreensão sobre como aproveitar a encarnação para alcançar a elevação espiritual, gostaria de retirar deste texto o sentido que foi dado ao bem material: dinheiro, propriedades, joias, enfim, objetos materiais. Gostaria que levássemos a compreensão do termo ‘bem material’ a elementos mais efêmeros. Por exemplo: o tempo da vida carnal.

Vocês já viram que existem seres humanizados que não têm tempo para fazer nada para o outro, mas encontram sempre para fazer o que desejam? Ou seja, nunca têm tempo para os outros, mas que nunca falta quando o objetivo é fazer o que quer?

Quando se fala com estes seres humanizados em realizar alguma coisa em favor do próximo eles estão sempre ocupados com assuntos inadiáveis, ou seja, sempre precisam fazer algo que suas paixões e desejos dizem que deve ser executada naquele momento. Isso é amor ao próximo? Isso é viver para servir como Paulo ensinou?

Claro que não. Mas, para compreendermos desse jeito tivemos que desmistificar o entendimento do termo coisas materiais. Foi preciso que deixemos de acreditar que coisas materiais são os objetos, mas tudo o que se vivencia na vida carnal.

O tempo é um bem terrestre que o espírito adquire apenas por estar encarnado. Mas, se além de receber este bem o ser humanizado quer gastá-lo apenas com os seus interesses, comete duplo equívoco no tocante ao aproveitamento da vida como elevação espiritual.

Como todo bem terrestre, o tempo (espaço que os humanos contam como segundos, minutos, horas, dias, etc.) também foi gerado por Deus para servir ao espírito encarnado como instrumento da sua elevação espiritual. Ou seja, foi criado para que ele fosse consumido livre de intencionalidades, liberto do querer criado pelo ego.

Aproveita o tempo aquele que não se preocupa com o que faz. Esta é a realização que Buda e Krishna chamam de não-ação: usar o tempo (participar das ações) sem interesses individuais. Quem vive a não-ação sempre tem tempo para realizações e serviço a si e ao próximo, pois nunca quer nada.

A compreensão da negação (não-ação, não vivência, etc.) ensinada pelos mestres hindus como ação sem intencionalidade ao invés da não pratica do elemento, é fundamental para qualquer um que pretenda elevar-se espiritualmente. Por isso o Espírito da Verdade dedica um capítulo inteiro para falar disso.

Amplie a compreensão do que estamos falando agora para o amar. Existem espíritos encarnados que querem utilizar toda a sua capacidade de amar exclusivamente a si mesmo ao invés dos outros. Por isso, estão sempre justificando todos os momentos de sua vida, mas não justificam nada na dos outros.

Pense sobre a paciência, o perdão, etc. A grande maioria dos espíritos encarnados sempre aplica primeiramente aquilo que é considerado como certo e bom pela humanidade a si mesmo, para só depois aplicá-lo ao próximo.

Esta forma de proceder cria o duplo equívoco que o Espírito da Verdade fala neste texto que não permite que o espírito encarnado aproveite a oportunidade da encarnação. Isto porque quem vive desse jeito fundamenta-se no individualismo, pois quer tudo para si, ou seja, quer gozar consigo mesmo o que é universal.

Vamos pensar nisso. Os seres humanizados nasceram para servir à humanidade e não para se servir do mundo. ‘Nasceram’ para, através da libertação do individualismo gerado pelo ego, participar das ações sem que nenhuma intencionalidade possa afetar o estado de espírito de paz, felicidade e harmonia com o Todo Universal.

O espírito humanizado nasceu para estar à disposição da humanidade.

Esta é uma frase que usávamos nesse trabalho no início: Espiritualismo Ecumênico Universal, à disposição da humanidade. Fazíamos assim porque esta é uma característica do espírito integrado ao Universo.

Quem se liberta do seu individualismo está sempre pronto para o serviço ao próximo. Ele tem tempo para tudo, ama a todos, tem paciência, benevolência e indulgência com qualquer um, pois para ele não existe mais uma escala de prioridades que começa em atender a si mesmo.

Por isso está sempre pronto para servir o próximo. Para ele não há nenhum entrave para esse serviço, pois todas as dificuldades para servir ao próximo são criadas quando existe um desejo individualista fundamentado a partir de uma paixão individual.

Estar sempre aberto a viver o que está acontecendo sem se prender às suas próprias vontades e desejos é a prioridade daquele que se aproxima de Deus.