As virtudes e o vício

Pergunta 897b

Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que podemos fazer ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos? Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a ideia de que nos foi levado em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade emendarmo-nos, vencermos as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos aproximarmos dos bons Espíritos e de nos elevarmos?

Não, não. Quando dizemos – fazer o bem, queremos significar – ser caridoso. Procede como egoísta todo aquele que calcula o que lhe possa cada uma das suas boas ações render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer o homem melhorar-se, para aproximar-se de Deus, pois que é o fim para o qual devem todos tender.

O Espírito da Verdade continua ensinando que a elevação espiritual depende unicamente do desinteresse em receber os frutos das ações, espiritual ou material, nessa ou em outra vida. A partir dessa afirmação, vamos, então, nos aprofundar em outros ensinamentos. Por exemplo: Cristo ensinou que os mais importantes mandamentos para quem busca a elevação espiritual são o amor a Deus e ao próximo. Entendamos o ensinamento à luz do desinteresse.

Repare que Cristo não falou simplesmente em amar ao próximo, mas amar ao seu irmão como a si mesmo. Ao decretar o duplo sentido para o amor, o mestre ensinou a necessidade da realização de dois trabalhos: servir ao próximo e a você mesmo.

Juntando-se a isso o ensinamento atual do desinteresse podemos, então, compreender que devemos amar ao próximo e a nós mesmos de uma forma desinteressada. Mas, como seria amar ao próximo de uma forma desinteressada? Será que apenas não esperar o reconhecimento pelo que foi feito já caracteriza o desinteresse ensinado pelo Espírito da Verdade? Não.

Como vimos o serviço espiritual deve possuir dois direcionamentos (ao próximo e a si) e, portanto, o desinteresse também o deve ser. Sendo assim, para que haja aproveitamento no sentido da elevação espiritual, o serviço ao próximo não pode fundamentar-se em interesses para si, mas também não pode ser executado objetivando o interesse do próximo. Vou explicar.

Quem busca servir ao próximo não pode esperar ganhar nada com isso, mas também não pode querer dar nada aos outros, pois isso caracterizaria uma intencionalidade. Para os seres humanizados isso é quase impossível, pois sempre que buscam servir ao próximo estabelecem logo uma meta, um objetivo, um para que praticar tal ação.

Por exemplo, oram para que o próximo tenha saúde, para que arrume um emprego, para que consiga resolver o problema que está lhe agoniando, etc. Ou seja, fazem pelo próximo interessadamente.

O verdadeiro serviço ao próximo, o verdadeiro amar, é aquele que não coloca objetivo algum, que não é forjado em interesse nenhum. Ama o próximo aquele que simplesmente diz ‘Pai, que seja feita a sua vontade assim na Terra como no céu’, não aquele que diz: “Pai, eu quero que aconteça isso ou aquilo para o próximo’.

Amar ao próximo é participar das ações da vida sem anexar a elas nenhum interesse individual, mesmo que, aparentemente, o desejo seja o melhor para o outro. É viver a vida como ela é, sem condicionar a felicidade a qualquer realização.

Ama o próximo aquele que convive em paz e harmonia com o sofrimento alheio sem esperar que acabe, pois entende que Deus já está dando ao seu irmão aquilo que ele precisa para a elevação espiritual, mesmo que assim não seja compreendido pelo outro. Só assim o ser humanizado estará realmente amando o seu irmão, pois o ensinará a também não ter desejos individuais que condicionem a sua felicidade e, com isso, demonstrar o seu amor a Deus acima de todas as coisas.

Portanto, o amor ao próximo não pode ser executado dentro de padrões que precisem ser atendidos (fazer o que o outro quer, o que é considerado como certo ou bom) nas ações. A partir desse entendimento, podemos, então, falar mais um pouco de um modo de proceder que não caracteriza o amor a si: a auto condenação.

Quando o ser humanizado coloca padrões de realizações para o serviço ao próximo e não consegue que eles se tornem realidade, acusa-se de estar errado, de ter levado o mal para o próximo. Tal postura, que, aparentemente, é louvável, no entanto, caracteriza o não amor a si mesmo, a falta de caridade com si.

Anteriormente declaramos que o amor (serviço) ao próximo dentro da lei da caridade se caracteriza pela benevolência, perdão e indulgência. Ora, se isto é real ao próximo, também o é conosco mesmo.

Para que possamos ter o amor a nós mesmos, que é necessário para que amemos o próximo segundo Cristo, precisamos, antes de mais nada, aplicar a lei caridade em nós mesmos. Ou seja, precisamos aprender a ser benevolentes e indulgentes conosco e a exercer o auto perdão. Para isso, no entanto, é preciso que trabalhemos contra nós mesmos, lutando para libertar-nos de nossa prisão aos padrões de realizações, que são as nossas paixões.

Aí está, então, em seu mais amplo sentido, o mandamento trazido por Cristo: é preciso vivenciar-se os acontecimentos desta vida liberto de todos os padrões de certo e errado, bom e mal, que aplicamos ao que os outros e nós mesmos fazemos, para que a vida possa ser vivida de uma forma desinteressada.

Isto é amar a Deus sobre todas as coisas, pois o estado de espírito de paz e harmonia (bem-aventurança) que se adquire resulta da fé e da participação da vida à partir Dele. Isto é amar ao próximo como a si mesmo, pois o amor universal é fundamentado, principalmente, na felicidade universal (incondicional).

Desta forma, podemos dizer que a realização dos objetivos da encarnação depende do quanto o ser humanizado for benevolente e indulgente consigo e com o próximo e da capacidade de perdoar a si e aos outros.

Mas, deixe-me dizer uma coisa. Juntando o tempo em que sirvo a Deus através do trabalho na umbanda e no atual, já estou há bastante tempo convivendo com espíritos encarnados e o que pude observar é que existem muito mais seres humanizados que possuem o dedo virado para si mesmo (vivem em auto acusação) do que aqueles que acusam os outros.

A tristeza oriunda da culpa, segundo Cristo, é o mais venenoso antagonista que qualquer postulante do reencontro com Deus pode encontrar.

NOTA: Este é o texto a que se refere o amigo espiritual. Ele encontra-se no livro Jesus no Lar, escrito pela mediunidade de Chico Xavier, ditado pelo espírito Neio Lúcio. Ele traz o título de ‘O venenoso antagonista’ e está no capítulo 40 do citado livro.

Diante da noite, refrescada de brisas cariciantes, Filipe, de mãos calejadas, falou das angústias que lhe povoavam a alma, com tanta emotividade e amargura que aflitivas notas de dor empolgaram a assembleia. E interpelado pelo respeitoso carinho de Pedro, que voltou a tanger o problema das tentações, o Mestre contou pausadamente:

- O Senhor, Nosso Pai, precisou de pequeno grupo de servidores numa cidade revoltada e dissoluta e, para isso, localizou no centro dela uma família de cinco pessoas, pai, mãe e três filhos que o amavam e lhe honravam as leis sábias e justas.

Aí situados, os felizes colaboradores começaram por servi-lo, brilhantemente.

Fundaram altivo núcleo de caridade e fé transformadora que valia por avançada sementeira de vida celeste; e tanto se salientaram na devoção e na prática da bondade que o Espírito das Trevas passou a mover-lhes guerra tenaz.

A princípio, flagelou-os com os morcegos da maledicência; todavia, os servos sinceros se uniram na tolerância e venceram.

Espalhou ao redor deles, logo após, as sombras da pobreza; contudo, os trabalhadores dedicados se congregaram no serviço incessante e superaram as dificuldades.

Em seguida, atormentou-os com as serpentes da calúnia; entretanto, os heróis desconhecidos fizeram construtivo silêncio e derrotaram o escuro perseguidor.

Depois de semelhantes ataques, o Gênio Satânico modificou as normas de ação e enviou-lhes os demônios da vaidade, que revestiram os servos fiéis do Senhor de vastas considerações sociais, como se houvessem galgado os pináculos do poder de um momento para o outro; entretanto, os cooperadores previdentes se fizeram mais humildes e atribuíram toda glória que os visitava ao Pai que está nos céus.

Foi então que os seres escarninhos e perversos encheram-lhes a casa de preciosidades e dinheiro, de modo a entorpecer-lhes a capacidade de trabalhar; mas o conjunto amoroso, robustecido na confiança e na prece, recebia moedas e dádivas, passando-as para diante, a serviço dos desalentados e dos aflitos.

Exasperado, o Espírito das Trevas mandou-lhes, então, o Demônio da Tristeza que, muito de leve, alcançou a mente do chefe da heroica família e disse-lhe, solene:

- És um homem, não um anjo... Não te envergonhas, pois, de falar tão insistentemente no Senhor, quando conheces, de perto, as próprias imperfeições? Busca, antes de tudo, sentir a extensão de tuas fraquezas na carne! Chora teus erros, faze penitência perante o Eterno! Clama tuas culpas, tuas culpas...

Registrando a advertência, o infeliz alarmou-se, esqueceu-se de que o homem só pode ser útil à grandeza do Pai, através do próprio trabalho na execução dos celestes desígnios e, entristecendo-se profundamente, acreditou-se culpado e criminoso para sempre, de maneira irremediável. Desde o instante em que admitiu a incapacidade de reerguimento, recusou a alimentação do corpo, deitou-se e, decorridos alguns dias, morreu de pesar.

Vendo-o desaparecer, sob compacta onda de lamentações e lágrimas, a esposa seguiu-lhe os passos, oprimida de inominável angústia, e os filhos, dentro de algumas semanas, trilharam a mesma rota.

E assim o venenoso antagonista venceu os denodados colaboradores da crença e do amor, um a um, sem necessidade de outra arma que não fosse pequena sugestão de tristeza.

Interrompeu-se a palavra do mestre, por longos instantes, mas nenhum dos presentes ousou intervir no assunto.

Sentindo, assim, que os companheiros preferiam guardar silêncio, o Divino Amigo concluiu expressivamente:

- Enquanto um homem possui recursos para trabalhar e servir com os pés, com as mãos, com o sentimento e com a inteligência, a tristeza destrutiva em torno dele não é mais que a visita ameaçadora do Gênio das Trevas em sua guerra desventurada e persistente contra a luz.

 Portanto, viva o que você está acontecendo a qualquer momento de sua existência com um estado de espírito de felicidade incondicional, mesmo que isto não possa ser considerado certo ou bom pelos padrões humanos. Este é o resumo do amor ao próximo como a si mesmo, do serviço a Deus.

Participante: auto culpa é tradição deixada pelas religiões.

Auto culpa não é tradição religiosa, mas programação do ego. Isso porque a auto culpa não é universal, ou seja, não ocorre em todos os seres humanizados que frequentam uma mesma religião.

Então, o culpar-se não é ditado pela tradição religiosa, mas por cada um, pelo ego de cada um. Por isto afirmo: é prova para o espírito. Foi você, o ser universal que agora está humanizado, que colocou este elemento no ego ao qual está ligado atualmente para vencê-lo.

Para isso, não se culpe nunca, nem que seja culpar-se de estar se culpando, como está fazendo agora que acha que compreendeu o que quis dizer. O que você precisa é libertar-se de todas as culpas e não adquirir mais uma ...