As virtudes e o vício

Pergunta 896

Há pessoas desinteressadas, mas sem discernimento, que prodigalizam seus haveres sem utilidade real, por lhes não saberem dar emprego criterioso. Têm algum merecimento essas pessoas?

Têm, o do desinteresse, porém não o do bem que poderiam fazer. O desinteresse é uma virtude, mas a prodigalidade irrefletida constitui sempre, pelo menos, falta de juízo. A riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada num cofre forte, também não o é a outros para ser dispensada ao vento. Representa um depósito de que uns e outros por todo o bem que podiam fazer e não fizeram, por todas as lágrimas que podiam ter estancado com o dinheiro que deram aos que dele não precisavam.

Nesse texto do Espírito da Verdade o outro lado da moeda. Se por um lado você não pode desejar para si mesmo, por outro não pode desejar abrir mão.

O desinteresse pela vida carnal que comentamos no texto anterior, tem que ocorrer sem intencionalidades, sem vontade de se desinteressar, ou seja, sem a intenção de ser desinteressado. Esse é um tema de difícil entendimento para os espíritos ligados a egos humanizados pois, por causa da característica dualista desse criador de ilusões, o que não é uma coisa, tem que ser outra. Não é isso que estamos falando.

Quando os seres humanizados descobrem os ensinamentos orientais (Buda, Krishna, Lao Tse) e compreendem que o fim da intencionalidade é um caminho para Deus, passam a sofrer a ação do ego que cria a intenção de se libertar da intencionalidade. Quando aceitam tal verdade criada pelo ego, não compreendem que ainda estão buscando o fim da intencionalidade por interesse próprio e não desinteressadamente.

Para que o desinteresse seja completo, o ser humanizado precisa alcançar a verdadeira equanimidade: quando participar de uma ação com pensamentos sem interesse, ótimo; quando não, ótimo do mesmo jeito. Muitos aceitam a cobrança que o ego faz da prática de tudo aquilo que se aprende como caminho para a evolução espiritual. Aceitam a cobrança de ter que atingir a perfeição, mas não veem que ao se cobrar estão se prendendo a nova paixão que está gerando uma nova intenção.

Aceitar qualquer cobrança racional feita pelo ego e aceitar a sensação de sofrimento também lançada pelo criador de ilusões são posturas que aquele que busca a elevação espiritual não pode fazer. O que deve ser feito por aquele que pretende aproximar-se do Pai é viver a vida como ele está, sem prazer ou dor.

É preciso que o ser universal encarnado compreenda que o humano no qual está transformado durante a encarnação, será sempre imperfeito. Este humano, ou seja, o ego, terá sempre momentos onde reagirá, emocional e racionalmente, de uma forma e terá momentos onde reagirá de outra.

O que vocês, espíritos encarnados, precisam, é aprender a conviver com as vicissitudes (alternância de situações da vida) do ser humano. Como ensina o Espírito da Verdade, a vivência dessas vicissitudes é um dos objetivos da encarnação e nisso é que está a expiação (pergunta 132).

Por isso, não devem esperar que o ser humanizado em que se transformaram com a ligação com o ego, ou seja, com o conjunto de pensamento e sensações com que vivem, alcance a perfeição, reaja sempre dentro de um só padrão. Se assim fosse, não haveria vicissitude, não haveria expiação, e a encarnação não teria sentido de existir.

O desinteresse pela vida não pode ser exercido pelo interesse em viver a vida de outra forma, mesmo que seja um padrão de elevação espiritual. Ou seja, não se pode alcançar a Deus interessando-se por chegar a Deus. Não existem caminhos trilhados para chegar a Deus.

Outro dia estávamos estudando o Bhagavata Puranas e lemos que Krishna ensina assim: tudo que lhe vier à mente é fruto do seu ego e você não deve se prender a nada disso. Baseado nesse ensinamento disse: não confie em ninguém e em nada, pois tudo o que souber é fantasia fantasmagórica, simples alegoria. Aí me perguntaram: ‘nem em você’? Respondi: nem em mim.

Neste momento as pessoas acostumadas a me ouvirem questionaram: ‘mas, se não podemos confiar em ninguém nem em nenhum ensinamento, como vamos achar o caminho para a elevação espiritual’? Foi aí que respondi: para se chegar a Deus não tem caminho que pode ser reconhecido.

Todo caminho (forma de proceder) que você achar para chegar a Deus é o trajeto mais curto para chegar ao ego. Afirmo isso porque esse caminho foi criado pela sua ilusória personalidade humana.

Viver é assistir a vida, ou seja, é simplesmente tomar conhecimento do que está acontecendo naquele momento sem se interessar nos valores que o ego está criando para ele. Se alguém ou você está praticando um ato, assista (perceba pelos órgãos dos sentidos), mas não acredite nos valores que o ego está criando para aquele acontecimento.

Viver não é lutar contra nada, mas libertar-se da influência da interpretação que o ego faz dos acontecimentos. Entenda que de nada adianta lutar contra o ego (querer deixar de ter tal padrão de pensamento), pois ele vai sempre vencer.

Isto acontece porque você só tem o ego para lutar racionalmente contra o ego. Se quiser impor a si mesmo uma nova verdade, essa imposição será feita pelo próprio ego e, assim, nada foi derrotado. Dessa forma, a única coisa que pode realmente fazer é desinteressar-se do que o ego lhe diz.

O ego lhe diz que você está gordo, por exemplo. Se não está atento no trabalho do desinteresse começará a reparar (perceber) na forma do seu corpo. Durante a percepção ele lhe lançará a ideia de que tem que emagrecer. Pronto, está assumida uma condicionalidade para a felicidade. A partir de agora se conseguir emagrecer será feliz, mas se não conseguir ...

No momento que o ego lhe disser que está gordo ou magro, não se interesse por isso. Se disser que tem que emagrecer, não transforme isso numa obrigação. Só assim poderá ser feliz incondicionalmente, ou seja, magro ou gordo.

Quem se liberta da intencionalidade embutida na racionalidade que o ego cria não vivencia nem o prazer (a satisfação de ter seus desejos atendidos) e nem do sofrimento (a insatisfação de não ter acontecido o que queria que ocorresse).

Essa é a realização espiritual de qualquer humanizado: viver apenas em Deus, para Ele e por Ele. Isso só se alcança quando ocorre o desinteresse pela vida, que é caracterizado pelo desinteresse por tudo aquilo que o ego conversa (traz à razão) com você.

Não há caminho demarcado, ou seja, padrão racional de conhecimentos, que leve a Deus. Aprenda a viver o que tem hoje liberto da ação de suas paixões e desejos. Só assim haverá o desinteresse e a equanimidade necessária para a evolução.

Participante: está sendo difícil desumanizar-se, mas estou entendendo o que o senhor quer dizer.

Antes de mais nada, pare de tentar entender.

Quando entende (cria uma compreensão lógica racional) está criando um caminho que achará que terá que trilhar para chegar a Deus. Por isso, a sua compreensão de agora com certeza se transformará numa condicionalidade à felicidade amanhã.

No entanto, apesar de aceitar um caminho criado pelo ego, garanto que já tem realizado algumas coisas. E mais: não está sendo difícil realizar.

Na verdade quem está dizendo que está sendo difícil é o seu ego e você está aceitando isso. E, sabe por que acredita na dificuldade? Porque aceitou o padrão de certo criado pelo ego, aceitou a informação de que não está agindo dentro desse padrão e que, por isso, não está realizando tudo o que deveria estar fazendo.

No entanto garanto: você já se libertou de muita coisa. Não queira saber o que e nem como fez isso porque senão estará criando novas realidades ilusórias para se prender.

A partir do que estou dizendo agora, esqueça tudo. Esqueça tudo que acha que conseguiu realizar e o que imagina que não conseguiu. Só assim poderá verificar realmente onde está.

Você não consegue sentir-se mais próximo de Deus (acha que não realizou nada) porque ainda aceita a cobrança de portar-se dentro de um determinado padrão que o ego faz trazendo à razão a compreensão do que deixou de fazer. Ou seja, imagina que deveria ter mudado algumas atitudes em determinados momentos. Mas, saiba, não há nada o quer ser mudado.

A psicologia tem um ensinamento que é muito parecido com o que estou ensinando agora: se aceite do jeito que é. Ame-se do jeito que está. Isso prova o seu desinteresse pela vida.