As virtudes e o vício

Pergunta 895

Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?

O interesse pessoal. Frequentemente, as qualidades morais são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia, todos o admiram como se fora um fenômeno.

O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.

Quem acompanha essas conversas há algum tempo já deve ter me ouvido falar do tema dessa resposta: o interesse pessoal. Há muito tempo estamos comentando que o interesse individual anula qualquer boa ação.

Aquele que faz a caridade material porque quer fazer, gosta de fazer, se sente bem fazendo, pode até ajudar o próximo, mas ele mesmo não retira daquele ato nada de lição que possa auxiliá-lo no trabalho da elevação espiritual. Isso porque, como diz o Espírito da Verdade, as aparentes qualidades são superficiais e não suportam certas provas.

Quando no fundo o interesse do espírito humanizado é se locupletar (satisfazer sua vontade e desejo) com aquilo que está acontecendo, a aparência caridosa não resiste à primeira contrariedade. Por exemplo: quem gosta de dar comida (alimento material) para os necessitados. Aquele que acha que isso é certo e deve ser feito, quando vê alguém carente que não esteja sendo atendido xinga e crucifica a humanidade e o governo.

Esse espírito diz que está querendo servir ao próximo, mas na verdade não entende que está apenas servindo aos seus padrões de certo e errado (paixões) que geram os desejos. Diz-se seguidor de Cristo por praticar a caridade material, mas isso é irreal porque o verdadeiro cristão oferece a outra face ao invés de criticar e acusar (reagir).

Bem a propósito, a mediunidade de Chico Xavier nos trouxe essa linda mensagem de Emmanuel:

Conta-se que após Jesus haver lançado a parábola do Bom Samaritano, entraram os apóstolos no exame da conduta dos personagens da narrativa. E porque traçassem fulminantes reprovações, em torno de alguns deles, o Cristo prosseguiu no ensinamento para lá do contato público:

- Em verdade, - acentuou o Mestre, - nos referido ao próximo, até às indagações do doutor da Lei a frente do povo, a lição de misericórdia tem raízes profundas. Quem passasse irradiando amor na estrada, onde o viajante generoso testemunhou a solidariedade, encontraria mais amplos motivos para compreender e auxiliar.

- Além do homem ferido e arrojado ao pó, claramente necessitado de socorro, teria cuidado de apiedar-se do sacerdote e do levita, mergulhados na obsessão do egoísmo e carentes de compaixão; simpatizar-se-ia com o hoteleiro, endereçando-lhe pensamentos de bondade que o sustentassem no exercício da profissão; compadecer-se-ia dos malfeitores, orando por eles, a fim de que se refizessem, perante as leis da vida, e, tanto quanto possível ampararia a vítima dos ladrões, estendendo igualmente mãos operosas e amigas ao samaritano da caridade, para que se lhe não esmorecessem as energias as tarefas do bem.

E, diante dos companheiros surpreendidos, o Mestre rematou:

- Para Deus, todos somos filhos abençoados e eternos, mas enquanto a misericórdia não se nos fixar nos domínios do coração, em verdade, não teremos atingido o caminho da paz e do reino do amor.

A caridade não consiste apenas em atender aqueles que aparentemente estão necessitados, mas em sermos benevolentes, indulgentes e praticarmos o perdão a todos, mesmo aqueles que aparentemente firam o amor. Mas, para aquele que vive a partir de suas convicções individuais e condiciona o seu amor ao próximo à realização de suas verdades e desejos, isso é impossível.

Por quê? Porque esse ser humanizado tem um interesse pessoal, uma vontade. Esse interesse sobrepõem-se a qualquer caridade.

A obrigatoriedade da satisfação sempre fala mais alto do que a benevolência e por isso acontece a crítica (desamor); exige mudanças nos paradigmas dos outros e, por isso, não consegue ser indulgente; jamais perdoa porque está sempre cobrando justiça.

É por esse motivo que venho afirmando há algum tempo que, mesmo quando o ato aparentemente é sublime, o interesse pessoal com qual se participa da ação anula a sublimidade das intenções. Para aquele que busca a elevação espiritual o segredo está no que o Espírito da Verdade nos ensina nesse texto: o desinteresse pela coisa material. Aliás, junto com o amor universal (incondicional), a libertação da intencionalidade (desapego ao mundo material) é voz corrente no ensinamento de todos os mestres.

Mas, apesar disso, os seres humanizados cada vez mais se apegam àquilo que acham que é certo, amoroso e piedoso estar acontecendo. Para esses, se existe alguém passando fome, isso é o absurdo dos absurdos.

Está certo, existem pessoas passando fome no mundo, e daí? Se tenho, dou, se não tenho, não dou. Não preciso sofrer pela minha incapacidade de ajudar’.

Para ser realmente caridoso, estendo a benevolência, a indulgência e o perdão àqueles que podem e nada fazem para alterar esta situação e, por isso, não acuso ninguém de nada. Se não posso socorrer quem, na minha visão, precisa ser socorrido, não me sinto arrasado, nem crucifico quem não socorre.

Aliás, isso não é real apenas no mundo carnal, mas em todo Universo e a literatura espírita está aí para comprovar. Os espíritos chamados socorristas que atendem os irmãos no umbral não socorrem a todos, mas apenas àqueles que são indicados atender e nem por isso sofrem ou criticam Deus por não deixar socorrer os outros. A literatura não mostrou jamais André Luiz ou qualquer outro irmão espiritual em atividade de amparo no mundo carnal criticando ou acusando o agente causador da situação que levou aquele que está sendo atendido ao sofrimento.

Mas, quem decide qual a hora que alguém deve ser socorrido? Deus, o Senhor Supremo do Universo, a Causa Primária de todas as coisas. E o que o leva a decidir pelo socorro? Como Cristo ensinou, a fé é que cura e para isso não há nem necessidade de agentes.

Sendo assim, para que sofrer pelo que o outro está passando? Na verdade o ser humanizado não está sofrendo pelo que o outro está passando, mas sim porque o seu interesse pessoal, a sua vontade individual foi ferida, porque seus desejos não foram atendidos. Sofre por si e não pelo próximo.

Esse sofrimento, então, se fundamenta no egoísmo e não no amor pelo próximo. É por isso que a libertação das verdades e desejos existentes no ego humanizado que criam a intencionalidade do ser humanizado leva à elevação espiritual.

O desinteresse pelos acontecimentos da vida, ou melhor, o não atendimento ao interesse suscitado pelo ego pelas coisas da vida, é um trabalho de aproximação de Deus e precisa ser executado por qualquer um que pretenda abandonar o círculo de reencarnações.

Quem não o executa, ou seja, interessa-se pela vida, é apegado a estar encarnado e, por isso, não se liberta da sansara. Aliás, como já afirmei em trabalhos anteriores, a maioria dos espíritos não quer libertar-se da roda de encarnações porque gosta de estar encarnado.

 E é por isso que o Espírito da Verdade afirma nesse texto:

O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.

Só consegue compreender o seu destino (a vida espiritual na erraticidade) aquele que se liberta do desejo de gozar a vida carnal. Enquanto o espírito fixar-se no ponto de vista criado pelo ego (humanismo) como o certo ou errado, estará aprisionado à roda de encarnações.

Por isso disse anteriormente: você precisa libertar-se da sua humanidade. A humanização da qual o espírito precisa se libertar são suas paixões e desejos criados pelo ego, ou, poluição adventícia, como chamou Buda Gautama.

Quem se apega às paixões e desejos, mesmo que externamente leve uma vida pia, não realiza nada no sentido da sua elevação. Isso porque, mesmo que sua existência seja pontilhada de atos considerados amorosos, não serviu ao próximo, mas se serviu do próximo para se satisfazer (realizar o que achava certo e assim ter prazer).

Fica, então, aqui o alerta: não se preocupem com a vida. Não se preocupem com os acontecimentos da vida ou com o que está acontecendo com as outras pessoas. Preocupe-se consigo mesmo. Preocupe-se em libertar-se de todo fruto do seu ego (as paixões e desejos que são mayas), porque se não houver anulado a ação desses frutos, nada terá realizado no sentido da elevação espiritual: ensinamento de Krishna.

Isso é espiritualismo: priorizar o bem espiritual (a elevação espiritual) em detrimento ao bem material (ter a satisfação de ver os desejos individuais atendidos). Isso é ecumenismo: fundir o ensinamento dos mestres mostrando que todos ensinaram a mesma coisa. Isso é universalismo: libertar-se das compreensões dualistas que cada um tem sobre as coisas sabendo que elas não podem existir, pois o Universo, e tudo que nele ocorre, é uno

Participante: gostaria que você, se possível, exemplificasse atitudes de negar a humanidade. Ou seja, numa situação específica, como fazer isso?

Vamos pensar em uma situação qualquer da vida humana para podermos entender como negar sua humanidade. Por exemplo, qual o seu sexo?

Participante: feminino.

Você é um espírito e, por isso, não tem sexo. Portanto, não é do sexo feminino: a sua humanidade está feminina. Sendo assim, precisa trabalhar para negar ser do sexo feminino.

Quando falamos assim, os seres humanizados, que são apaixonados por formas, imaginam que se trata de negar ser do sexo feminino através da forma. Isso é impossível, pois basta olhar no espelho que constatará que está ligada numa forma feminina. Por mais que se eleve espiritualmente, essa visão não se alterará. Portanto, não é através da negação da forma que se libertará da sua humanidade.

Acontece que todo espírito que está ligado a uma forma feminina tem em seu ego, em maior ou menor grau, a chamada feminilidade. É ela que determina o seu feminismo que caracteriza a sua humanização e não a forma. Portanto, é do seu feminismo que precisa se libertar.

Falo do seu feminismo e não de forma geral porque, como em qualquer coisa relacionada ao ego, o conjunto de verdades que compõem a humanização é individual. Ou seja, cada espírito ligado ao feminismo possui verdades feministas em graus diferenciados.

É das características que formam o seu feminismo, que formam as paixões, que você precisa se libertar. É da vontade de que essas características sempre estejam presentes nos acontecimentos da sua vida carnal, o que caracteriza um desejo, que deve se desprender, se quiser alcançar a elevação espiritual, ou seja, a bem-aventurança, a felicidade incondicional.

Na hora que libertar-se da influência das suas paixões sobre os acontecimentos da vida carnal, continuará presa num corpo feminino, mas não terá mais feminismo. Por isso, não será mais mulher. Só assim conseguirá ter o estado de espírito de felicidade que Deus promete aos seus filhos e que caracteriza a perfeição que cada um precisa alcançar (pergunta 115).

Enquanto for mulher, ou seja, acreditar no feminismo que o ego cria, se alguém for contrário aos seus padrões de feminilidade, você o criticará e acusará porque feriu suas paixões. Ou seja, estará perdendo a equanimidade que Krishna afirma ser necessária para que se alcance a verdadeira sabedoria. Estará trocando o bem celeste pelo material.

Acho que esse é um exemplo onde pode se pormenorizar a liberdade da humanização. Agora amplie tudo o que falei para os outros papéis que você exerce durante a vida: mãe, profissional, filha, religiosa, esposa, etc. Enfim, amplie esse entendimento para todos os papéis da sua vida e verá o que quero dizer como libertação da humanização.

Saiba que por trás de cada papel que o ser humanizado vivencia existe sempre um grupo de verdades. Essas são as paixões que Krishna e Buda citam e o bem material que Cristo e os apóstolos cristãos dizem que você precisa se desapegar.

Resumindo, abandonar a humanidade é: abandonar os conjuntos de verdades (paixões) que estão agregados a cada papel que o espírito representa na vida encarnada.