As virtudes e o vício

Pergunta 894

Há pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que precisem vencer quaisquer sentimentos que lhes sejam opostos. Terão tanto mérito, quanto as que se veem na contingência de lutar contra a natureza que lhes é própria e a vencem?

Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso realizado. Esses lutaram outrora e triunfaram. Por isso é que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um hábito. Devidas lhes são as honras que se costuma tributar a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.

Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos vos espantam pelo contraste com o que tendes à vista e tanto mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo, porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso, constitui a regra o que entre vós representa a exceção. Em todos os pontos desses mundos, o sentimento do bem é espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá, uma só intenção maligna seria monstruosa exceção. O mesmo se dará na Terra, quando a humanidade se houver transformado, quando compreender e praticar a caridade na sua verdadeira acepção.

Não espere que de um dia para o outro conseguirá andar na retidão que Cristo ensina. Também não espere que a retidão caia do céu, ou seja, ocorra sem que olvide esforços para tanto. Saiba que no Universo, tudo é conseguido com transpiração.

Qualquer coisa que o ser universal receba é conseguida através do resultado do esforço individual. Ou seja, tudo é fruto de um trabalho. E isso não vale apenas para a vida carnal, mas pela eternidade universal.

Aquele que acredita que ao morrer descansará, não entendeu nada do Universo. Isto porque a existência eterna do espírito é trabalho, trabalho e mais trabalho, pois, só trabalhando se conquista alguma coisa.

Deus não dá nada de graça a ninguém. Como Cristo ensinou, Ele dá a cada um segundo as suas obras, ou seja, segundo os seus trabalhos. Se você fica sentado esperando que Deus lhe sirva, morre de fome. Se não se levantar e trabalhar para ter o seu alimento, nada receberá.

Participante: tendo em vista os últimos ensinamentos (que Deus faz os atos acontecerem e dá o pensamento aos seres humanizados) em que se consiste o trabalho que você falou?

Qual o objetivo da encarnação? Aproximar-se de Deus.

Participante: provar o que aprendemos no mundo espiritual ...

... e com isso aproximar-se de Deus, certo?

Sendo assim, qual o seu trabalho durante a encarnação? Provar o que aprendeu no mundo espiritual para aproximar-se de Deus. É isso que precisa ser trabalhado durante a encarnação.

Não estou falando de trabalho material (limpar a casa, arrumar as coisas, fazer a caridade material), mas executar o trabalho para o qual nasceu: provar o que aprendeu no mundo espiritual para assim aproximar-se de Deus. Ou seja, exercer ‘benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão para as ofensas’, como ensinou o Espírito da Verdade (pergunta 886).

A vida (encarnação) foi criada como uma oportunidade para que o espírito trabalhe a benevolência, a indulgência e o perdão e, assim, aproximar-se de Deus. Esses elementos, no entanto, não cairão do céu, ou seja, não serão vivenciados pelo espírito a não ser que ele execute os trabalhos recomendados pelos mestres.

E o que ensinaram os mestres?

O espírito da Verdade disse que o ser deve suportar as vicissitudes da encarnação sem ranger de dentes.

Buda ensinou que o espírito encarnado deve libertar-se do apego às paixões e desejos aos frutos dos cinco agregados. Para isso é preciso vivenciar a existência corporal a partir das ‘Cinco Nobres Verdades’.

Krishna diz que o verdadeiro sábio é aquele que se liberta de gozar a ação do ego porque pratica o sacrifício de suas intenções ao Senhor Absoluto.

Cristo nos ensinou que devemos amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos e, como vimos hoje, isso é praticar a sublimação de todas as virtudes: servir ao próximo em detrimento de suas paixões e desejos.

Portanto, é isso que você precisa fazer durante a encarnação. Esses são os trabalhos que devem executar aqueles que buscam viver para Deus.

Participante: como é o trabalhar para aproximar-se de Deus?

O que é Deus? Já definimos em outros trabalhos: nada.

Participante: é algo ainda não conhecido por nós humanos.

Exato. O Senhor Supremo do Universo é alguma coisa, mas nada que possa ser compreendido pelo espírito quando ligado ao ego humano, como aliás ensinou o Espírito da Verdade no início de O Livro dos Espíritos.

Dessa forma, o trabalho para se chegar a Deus é impossível de ser realizado pelo espírito encarnado. Isto porque o ser humanizado não sabe quem é Deus e nem consegue compreender o caminho para chegar até Ele.

Se o fato de estar ligado a um ego (humanizado) não lhe permite compreender o caminho para chegar ao Senhor do Universo, trabalhe, então, para não ser humano. Ou seja, lute contra toda racionalidade que seu ego diz ser real.

Essa é a realização de um ser universal humanizado: abandonar a humanidade que adquiriu ao fundir-se à personalidade gerada por um ego. Portanto, esse é o trabalho que deve ser executado durante a encarnação.

Como já disse anteriormente, a vida carnal bem aproveitada pelo ser espiritual é aquela que não é feita de vida, mas de negação de vida. Portanto, aquele que quer elevar-se precisa trabalhar para negar a materialidade da sua vida e assim, automaticamente, chegar em Deus, sem especificamente caminhar para Ele.

Portanto, o trabalho do espírito é o caminhar para o nada através da libertação de tudo que lhe é real hoje.

Participante: você pode exemplificar melhor esse caminhar para o nada?

Você quer chegar a Deus e imagina que isso se faz através da pratica da caridade. Aí está um caminho que espera seguir para atingir a elevação espiritual. Por isso nomeia o dar um prato de comida a alguém como trabalho que tem que realizar durante a encarnação.

Mas, como vimos, a caridade está na benevolência, na indulgência e no perdão. O caminho não é dar um prato de comida, mas ter essas posturas sentimentais com relação a quem passa e a quem faz os outros passarem fome. Como também já vimos, para conseguir ser benevolente, indulgente e praticar o verdadeiro perdão o espírito encarnado precisa antes libertar-se de suas verdades e conceitos que servem como código para julgar os outros.

Sendo assim, o verdadeiro trabalho é libertar-se do que acredita, sem acreditar em mais nada. Mas, isso só será conseguido quando você deixar de trabalhar com a intenção de dar um prato de comida.

Para chegar a Deus o ser humanizado precisa se libertar das convicções de que deve realizar determinadas coisas, pois elas se tornam normas e padrões que servirão para julgar o próximo. Para chegar a Deus o ser humanizado precisa se libertar das religiões, das regras religiosas que determinam o certo e o errado, pois elas não deixam o ser chegar a Deus, já que o prende na intencionalidade.

Agora, isto tudo deve ser realizado sem compreensão alguma, sem criar nenhuma razão lógica. Se o ser humanizado quiser realizar tal libertação de uma forma racional (por caminhos conhecidos) jamais conseguirá, pois tudo que lhe é compreensível através da razão é fruto do ego e, portanto, ilusão.

Assim sendo, a negação de qualquer coisa compreensível através do raciocínio é o caminhar para Deus, pois o Senhor Supremo é nada que você possa conhecer. Qualquer elemento que defina o Senhor Supremo na verdade é o ego que está criando um deus.