Reforma íntima - Textos - Volume 10

Instrumentos do carma material

Falar da história que compõe o livro da vida como estamos fazendo é falar dos carmas materiais, ou seja, dos acontecimentos da vida carnal. Esses acontecimentos envolvem sempre dois elementos: seres e matérias. Para que a história escrita por um ser universal antes da encarnação aconteça é preciso que existam seres e matérias que exerçam a função de emissor ou receptor da ação.

Esses dois elementos são os instrumentos que o ser universal dispõe para que, vivenciando a sua história, possa realizar suas provas. Podemos, então, afirmar que eles são as letras que formam as questões da prova (acontecimento). Nesse item iremos estudar a participação deles no livro da vida do ser universal bem como se determina que determinado elemento participará de uma história específica.

Iniciemos nosso estudo pelas “matérias”. Os seres humanos conhecem esse elemento pelos objetos materiais que “possuem” durante a encarnação. O conjunto de bens que cada um terá em determinada época é o instrumento que cada um recebe de Deus para sua reforma íntima.

Dessa primeira visão surge logo a necessidade da compreensão do que é “possuir” algo. Jesus Cristo respondeu assim a um jovem israelita:

“Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres e assim terá riquezas no céu. Depois venha e siga-me”. (Mateus – 19,21).

Dessa afirmativa surgiu a idéia de que despossuir é entregar todos os seus bens àqueles que não tem e viver na “pobreza”. No entanto, o mestre nazareno afirmou mais:

“E todos os que, por minha causa, deixarem casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou terras receberão cem vezes mais e também a vida eterna”. (Mateus – 19,29).

Jesus Cristo complementa o ensinamento falando de elementos que não podem ser vendidos (parentes). Ao ensinar dessa forma aos seus apóstolos, ele afirmou que esses elementos são considerados também “bens” do ser humano e que, portanto, devem ser despossuídos. Como se negociar os parentes ou a família para se dar o dinheiro aos pobres e assim conquistar o reino do céu?

 Com esse complemento Jesus Cristo nos ensinou que a posse não está em ter, mas em possuir, ou seja, querer ser o dono do elemento. Ter alguma coisa sob sua tutela não quer dizer que se possui esse objeto, mas apenas que ele é um dos instrumentos previstos no livro da vida naquele momento, para elevação espiritual do ser universal.

A posse surge quando o ser sente-se “dono”, quando quer determinar o destino desse objeto. Todos os objetos pertencem ao Universo e são emprestados ao espírito durante a jornada material para que com isso ele possa vivenciar acontecimentos prescritos no seu livro da vida. Como, por exemplo, acidentar-se de carro (acontecimento previsto no livro da vida) sem ter automóvel?

Todos os objetos que formam a propriedade privada do ser humano foram colocados ao seu alcance como instrumentos de elevação. Na verdade foram previstos antes do “nascimento” pelo ser universal para que permanecesse com ele enquanto fosse necessário.

Eles são, como já dissemos, instrumentos importantes na elevação espiritual de cada um. Eles representam o papel de agente de acontecimentos para que o ser vivencie o seu carma. Por esse motivo, cada objeto possui também o seu destino pré-traçado.

Há carros que foram construídos com o objetivo de sofrer acidentes, menos ou mais graves. Há casas que foram construídas para ruir e eletrodomésticos que foram criados para deixarem de funcionar muito rapidamente. Esses objetos serão entregues, através da ilusão da compra, a partir de um desejo individual, para que sirvam de instrumentos para o carma do ser universal.

Quando o ser humano adquire um objeto está apenas cumprindo o seu carma. Apesar de achar que faz porque quer, que escolheu adquirir esse ou aquele bem, que escolheu a loja onde adquirir, na verdade está preso à ilusão do “eu”, ou como ensina Krishna, a sua “maya”.

Tudo já estava pré-determinado. O homem teria que adquirir aquele aparelho que foi feito com aquele determinado fim para que o acontecimento surgisse e a prova do ser universal fosse construída. “Você vai amar mais o que você acha (que essa marca não presta, que são uns ladrões, que o outro foi o culpado do acidente) ou vai amar mais a Mim?”. Essa é a pergunta que os espíritos se propõe a responder a cada segundo de sua existência.

Dessa forma, o livro da vida contém todos os objetos particulares que o ser humano possui e eles estarão à disposição deste enquanto isso for útil para elevação espiritual. Compete ao espírito que está vivenciando os acontecimentos compreender dessa forma e não se abalar sentimentalmente quando as coisas se vão ou alteram-se. Isso é despossuir.

Reformar-se intimamente é despossuir o bem material, ou seja, compreender que ele foi previsto antes da encarnação com a finalidade única de provocar acontecimentos e não por soberba ou vaidade. Da mesma forma, a ausência dele.

O que o ser não “tem” é porque não é útil para a sua elevação. Se o fosse, já teria sido previsto no livro da vida. Dessa forma, podemos dizer que o “desejo” de ter é uma das formas de possuir um bem. É por isso que Jesus Cristo ensinou:

“Vocês sabem o que foi dito: ‘Não cometa adultério’. Mas eu lhes digo: Quem olhar para uma mulher e desejar possuí-la já adulterou no seu coração”. (Mateus 5,27).

Mas, o mestre nazareno ensinando sobre o despossuir aos apóstolos falou também em pessoas (pai, mãe, irmão), como já vimos acima e não somente em objetos. Isso porque esse “papel” que o ser desempenha durante a vida carnal (paternidade, maternidade, irmandade), também é considerado instrumento material da vida carnal.

Ser pai, exercer a paternidade, é um “papel” que o ser vivencia como instrumento de sua provação. No livro da vida estes papéis são consagrados como instrumentos materiais da elevação espiritual. Da mesma forma, podemos acrescentar ser “amigo”, “estudante”, “motorista”. Todas essas “funções” que o espírito vivencia é um instrumento material para a sua elevação espiritual.

Eles são escritos no livro da vida de acordo com as necessidades de acontecimentos que o espírito precise para utilizar a encarnação para a sua reforma íntima. Ser pai, mãe, amigo, estudante ou motorista é escolhido pelo espírito antes do nascimento não para alcançar a satisfação individual, mas apenas como um caminho do livro da vida.

Entendendo a vida dessa forma, o despossuir deve também ser realizado nos desejos de vivenciar determinados papéis. Ninguém conseguirá ser médico ou faxineiro se isso não estiver no seu livro da vida e se conseguir, não deve ser compreendida como uma glória terrestre, mas apenas como um caminho onde existem essências individualistas que precisam ser universalizadas.

Todos os “papéis” que o espírito exerce dentro da vida carnal possuem uma série de normas e padrões que precisam ser seguidos. A paternidade e a maternidade, por exemplo, consagram que os pais devem fazer os filhos estudarem para evoluírem na vida. Eles imaginam que possuem o poder de alterar o destino do filho. No entanto, se no livro da vida deste está escrito que ele será lixeiro, nada alterará esse desígnio, fruto do livre arbítrio do ser universal.

Nada pode interferir no destino traçado pelo ser para a sua encarnação, sob pena de ser quebrada a Justiça Perfeita. Alguém que precisasse ser lixeiro e acabasse médico não vivenciaria as circunstâncias criadas por essa função e, com isso, não conseguiria realizar suas provas. Por esse motivo o imaginário poder paterno de alterar o destino do filho não existe.

Quando o ser escreve no seu livro da vida a função “pai” está pedindo justamente para vencer esses determinados padrões que levam o ser humano a imaginar que possui o poder de criar o destino.

Não estamos dizendo que o pai não deva orientar e auxiliar o filho, mas apenas que ele não deve se imaginar com o poder de alterar o destino daquele ser. O ser deve agir sem buscar resultado, ou seja, entregar a conseqüência do que faz na mão de Deus, Supremo Administrador dos Carmas.

Quando um espírito escolhe o papel de “pai” está pedindo para provar que é capaz de vivenciá-lo amorosamente. Com essa compreensão o “pai” sempre agirá em benefício do filho, mas enquanto quiser determinar o futuro deste, estará exercendo o individualismo, a busca da satisfação.

Tudo, portanto, que o espírito for durante a vida (papéis, funções) servirá para ele provar que conquistou a consciência amorosa de agir. As funções são instrumentos materiais da encarnação e estão previstas antes da encarnação. O espírito encarnado nada poderá ser a mais ou a menos do que escolheu antes da encarnação. Vivenciar o que é, amorosamente (com felicidade, compaixão e igualdade), é a aprovação na busca da elevação espiritual.

Portanto, os dois elementos materiais que formam o livro da vida são os objetos e os papéis que o ser exerce durante a sua encarnação. Passemos agora para o segundo elemento: os outros seres.