Insegurança financeira

Insegurança financeira

22. Freando o consumismo

A visão que passei agora é muito importante para analisarmos a terceira grande causa de sofrimento hoje. Isso só causa mal a alguns, outros não estão nem aí. Estou falando da crise financeira, do fim do sonho dourado do consumismo. O fim de conseguir comprar tudo que quer, de conseguir adquirir todos os bens que quer.

Essa crise financeira não existe só nesse país, mas também no mundo inteiro. Mesmo nos países mais ricos, existe uma crise financeira. Em todos os cantos hoje as pessoas têm mais dificuldades de conseguir alimentar o sonho de poder comprar o que quer, na hora que quer.

Quando falo dessa crise, não estou me referindo só a supérfluos. Eu estou falando de feijão com arroz, que muitas vezes está sendo difícil de comprar. Falo, também daquilo que vocês chamam de necessidades básicas.

Participante: como está na Venezuela?

A Venezuela? Só ela? Você consegue comprar o que quer para comer aqui? A vida está fácil? Dinheiro sobra? Mesmo nos Estados Unidos, que é o país mais rico, há dificuldades para as pessoas comprarem o que querem.

A vida não está fácil para ninguém.

Participante: até esses intocáveis serão tocados por essa crise?

Não, não serão. Estão sendo!

Vocês estão desesperados com o desemprego no Brasil, mas nesses intocáveis, é muito maior o desemprego. Ainda por cima lá vem aquele monte de gente fugindo da guerra. Isso aumenta mais ainda.

Essa crise existe no mundo inteiro.

Participante: eu estava vendo um estudo que dizia que cada pessoa que adquira uma moto nova já é mais rica que metade da população do planeta. Eu acho que isso devia levar as pessoas a refletir sobre esse impulso de consumo.

O impulso de consumo não é problema nenhum. Você pode ter o que você quiser. O problema é sofrer pelo que não tem.

O problema para não é o que conseguem comprar, é o que não conseguem. É isso que causa o sofrimento, insegurança, que lhe faz sentir falta.

Pois bem, pergunto: como ser feliz com essa situação que está presente hoje e vai piorar? Como conviver com isso?

Participante: não ter necessidade de consumo...

Impossível. Você é bombardeado o dia inteiro para comprar.

O dia inteiro, mesmo que não seja bombardeado externamente, a sua mente cria necessidade de ter alguma coisa. Mesmo que seja supérfluo, a mente diz que você tem que ter aquilo. Aí, você compra, olha e diz: ‘e agora, o que faço com isso’? Cadê a necessidade tão apregoada pela mente? Compra e encosta de lado e nunca mais usa.

Participante: dar valor ao que já tem?

Que valor? Que valor é esse que que dar ao que já tem?

Participante: eu tenho o que necessito.

O que eu necessito é o que eu tenho.

Não as respostas não são essas. Da mesma forma que as duas outras crises, a resposta é a mesma: assumir o controle da sua vida.

Para ser feliz mesmo havendo uma crise financeira é preciso não deixar um celular assumir o controle de seu mundo emocional. Não deixar um prato de comida assumir o controle.

Ontem eu falei rapidamente de uma coisa. Agora quero falar mais. Vocês se consideram livres, mas são escravos de um prato de comida. Se não tiverem, sofrem.

Há uma frase que eu já disse que é a maior mentira: ‘amo tudo que tenho, mas quero...’. Se você quer alguma coisa, não ama o que tem.

Para sobreviver em paz a essa crise é preciso assumir o controle da vida e dizer a si mesmo: ‘isso é o que eu tenho, isso é o que eu posso comprar e tudo que não estiver aqui, não preciso ter’. Ou até melhor: ‘pode ser até que preciso, mas não tenho. Como quero ser feliz, tenho que assumir o controle da minha vida e me libertar de ser escravo de ter’.

23. Ter que ter

Participante: ouvi uma palestra onde você contou o caso de uma pessoa que dizia: ‘mas como alguém pode viver com uma grama desse tamanho’. Você respondeu: você, pois está vivendo com ela.

Exatamente.

Estou falando da dependência do ter, não é só do comprar. Falo sobre comprar porque fica mais fácil ser entendido, mas o que quero dizer é que se você quer ser feliz não pode viver na dependência do ter. Deixar o que não tem dominar você.

Participante: então, por exemplo, em um momento de crise muito alta, não vai ter nem o que comer. Aquele que viver isso e se livrar dessa dependência vai viver sem precisar comer?

Você não entendeu. Não estou falando em ter necessidade ou não. Estou dizendo que uma pessoa não pode ser escravo de qualquer elemento material.

Nesse caso, o que é não ser escravo? É dizer: ‘eu preciso comer, mas hoje não tem comida, o que é que eu posso fazer? Roubar? Não, eu não faço essas coisas. Então, vou esperar a comida, talvez o amanhã me traga’.

Quem não é escravo da comida abre mão de comer filé mignon, porque está caro, e come com satisfação uma galinha. Quem é, come a mesma galinha, mas reclama por de não ter filé mignon. Aquela galinha passa a fazer mal. É isso o que eu estou querendo mostrar. Você é escravo do filé mignon, porque deixa esse alimento dizer o que você tem que sentir.

Estou usando um exemplo que talvez não seja o melhor, pois vocês poderiam dizer que nunca comeram filé mignon. Só que tem gente que é escravo de feijão com arroz. Come macarrão! Não dá para comer macarrão? Come só legume!

O que estou falando é em se contentar com o que tem, com o que está disponível. Assumir o controle da sua vida para não deixar o que não tem lhe fazer sofrer: essa é a única forma de passar sem sofrimento pela situação econômica que o mundo vive.

Participante: as vezes, a gente comprar porque está sentindo falta de alguma coisa, está triste, está mal. Quantas vezes eu já não disse, ah vou comprar porque hoje eu estou com raiva. E nem sabe porque direito...

Isso é só desculpa da mente.

Você pode comprar o que comprar e pelo motivo que achar que está comprando, não tem problema. O que não pode é reclamar do que não compra.

Se tem dinheiro, gaste. Compre o que quiser. Nada é proibido. Você pode ter iate, avião, o que quiser. Agora, se tem um avião e reclama que não tem a gasolina, o que adiantou ter o avião? Não satisfez em nada o avião.

A saída para essa crise também não é esperar que vá entrar um governo que faça uma distribuição de renda. Deixa eu fazer uma pergunta: a ideia do repartir do pão em tamanhos iguais vem desde o Egito Antigo, não é? É muito velha. Até hoje nunca se conseguiu isso. Nem na União Soviética era assim: havia ainda classe que tinha mais que os outros. Vocês ainda acham que vai aparecer alguém que vai conseguir?

Então, sonhar com isso, é sofrer por isso. É dar acesso ao sofrimento. Sonhar que isso é possível, que um dia o mundo vai repartir em partes iguais a riqueza, é utopia.

Só que isso poderia acontecer hoje, se fosse para acontecer. Se estivesse nos planos encarnatórios do planeta poderia haver uma distribuição igualitária de riquezas. Bastava o que? Cada um abrir mão do seu. Quem está disposto a isso?

Quem está disposto a dizer: ‘eu ganho cem, você ganha cinquenta; vou lhe dar vinte e cinco e cada um fica com setenta e cinco’. Quem está disposto a isso? Ninguém. Mas acusam o governo de não fazer. Ainda sonham que por uma lei, por um decreto, o governo vai dar cem para todo mundo, sem tirar nada de você. Impossível.

Eu disse uma vez e vocês não entenderam uma coisa: para alguém ganhar algo, alguém tem que perder. Quando falei isso me disseram: ‘Joaquim, eu nunca pensei nisso. Achava que um podia ganhar e ninguém perder’. Não, não pode. Poderia se você abrisse mão do seu, mas como não vai abrir, terá que perder para outro ganhar.

Isso é maturidade. É saber que a fome existe e vai existir sempre, e sempre existiu. Que alguns vão ter mais e que outros vão ter menos. Se você é dos que tem menos – e todos têm menos porque por mais que tenham sempre sentem falta de alguma coisa – e acha que deveria ter mais.

Para ser feliz nos tempos de hoje é preciso trabalhar o que você tem para conviver com isso sem sofrer, ao invés de, como criança, ficar sonhando que todos vão ter sem você perder nada.

Participante: a gente não pode sonhar só por diversão?

Pode. Como eu disse, o que você precisa saber é a consequência do que você faz. Você quer sonhar por diversão, saiba que por diversão você vai sofrer. Tem uma mensagem antiga que diz assim: vocês dizem que sonhar não custa nada. Custa! Custa a felicidade com o que você tem. Cada vez que você sonha em ter alguma coisa, você se torna infeliz com o que você tem.

Participante: esquece de viver o dia de hoje.

Mais do que viver o dia de hoje, viver o que está no dia de hoje. É aquilo que falo: viver o hoje, no hoje, pelo hoje. É estar completamente no agora.