Carmas humanos - Texto

Doenças

Vamos tratar de mais um momento da vida humana de um ser encarnado: as doenças. Neste caso específico quero tratar este assunto em dois momentos diferentes: a doença em si e o estar doente, que são duas coisas completamente diferentes. Será bom conversarmos desta forma porque poderemos relembrar algumas coisas que já conversamos.

Como já falamos no início destas conversas, o ato em si não é um carma, mas sim a compreensão racional que vem à consciência do ser. Aplicando esta idéia ao tema que estamos conversando agora, posso dizer, então, que a doença em si não é um carma. A temperatura do corpo, a parada do coração, a tuberculose, o tumor, a diabete, o entupimento das veias não é um carma. Na verdade, neste aspecto, o carma do ser humanizado é sentir-se doente. O que caracteriza o carma do ser humanizado no aspecto saúde não é a doença em si, mas o fato de estar racional e emocionalmente doente.

O carma não é a diabete, mas sentir-se um diabético; não é o infarto, mas o sentir-se um infartado. É na forma que o ser humanizado se sente, racional e emocionalmente, quando existe uma doença que está o carma e não na doença em si. Na verdade, a doença é um instrumento do carma, mas não ele próprio.

A doença é maya, é ilusão. Ela é fabricada artificialmente no corpo físico e criada a percepção da sua existência pela mente para que o ser humanizado possa aceitar a propositura racional de que ele está doente. Por isso afirmo que ela é apenas um instrumento da ação carmática e não o próprio carma.

Sentir-se doente, imaginar-se adoentado: aí está o verdadeiro carma. Este estado de espírito pode ser vivenciado ou não pelo espírito que está vivendo aquele personagem. Existem muitas pessoas que possuem sérios problemas de saúde, mas não cedem ao carma de sentirem-se doentes, ou seja, não vivem emocional e racionalmente doentes. Por isso é que afirmo que o estar doente é que é o carma e não a doença em si.

Aproveitando que estamos falando desta forma, permitam-me deixar claro algo: este ponto de vista vale para todas as coisas deste mundo quando falamos de ação carmática. Jogar, beber, não é um carma, mas viver a realidade de ser um jogador ou bebedor é que caracteriza a provação do espírito. Isso porque quem se considera um jogador ou bebedor vive o desejo de realizar aquilo que imagina ser importante para si. Fumar não é um carma, mas ser um fumante sim, pois quando o ser humanizado se considera desta forma gera em si a prisão à necessidade de fumar.

Sei que muitos de vocês consideram a bebida um elemento nocivo ao processo de espiritualização e mesmo de vivência do ser humanizado, mas isso não é real. A bebida em si não gera mal algum. O que é nocivo no caso é a paixão pelo beber e por isso este é o carma do ser humanizado e não a própria bebida. Esta paixão é nociva porque ela gera um vício, gera uma necessidade de se praticar aquilo pelo que se é apaixonado.

Agora, reparem numa coisa: não estou falando em vício de bebida como alcoolismo. Vocês tratam como viciados apenas aqueles que bebem até cair, mas mesmo aqueles que simplesmente tomam uma cervejinha quando fazem um churrasco no domingo também são viciados. Isso porque para eles existe a posse moral: ‘todo churrasco tem que ser acompanhado de uma cerveja’. Experimente fazer um churrasco sem bebida e você verá como esta posse se pronuncia gerando um desagrado.

Estou aproveitando o tema doença, onde fica mais clara a diferença entre ter um mal e sentir-se doente, para falar mais profundamente sobre o carma. Estou aproveitando para deixar bem claro que nenhum acontecimento em si é o carma, mas sim a forma como o ser humanizado lida com eles.

A doença não é carma, mas sim o viver a consciência de estar doente. Isso porque quem vive assim deixou a criação mental dirigir a sua forma de estar, ou seja, viveu o que a mente lhe disse para viver e não quem ele realmente é.

No caso da doença, quem vivencia o estar doente é porque tem a posse da verdade: ‘meu exame disse que tenho alta taxa de glicose, por isso sou um diabético’. Há também, apesar de não ser aparente, uma posse sobre os elementos materiais: a posse sobre o próprio corpo. Quem vive o estar doente é porque considera o corpo como sendo ele mesmo. Se não possuísse o seu próprio corpo jamais se sentiria doente, pois no espírito não há doenças. Sendo assim, quem aceita o fato de estar doente, ou seja, quem vivencia o estar doente nega a sua própria espiritualidade.

Krishna ensina que o fogo não queima o espírito nem a faca o corta. Sendo isso verdade, como você que se sente um espírito vai sentir-se queimado ou cortado? Portanto, quem acredita nas doenças geradas pela mente e por isso sente-se doente está provando que possui o corpo como sendo ele mesmo e com isso não supera a ação carmática. Este ser não conseguiu a sua aprovação no sentido da elevação espiritual porque mostrou que não quer desligar-se da humanidade que vive. Quem vive o estar doente proposto pela mente quer sentir a dor da humanidade e com isso não consegue espiritualizar-se.

Acho que vocês, apesar de dizerem-se espiritualistas, nunca pensaram neste aspecto, não é mesmo? Nunca imaginaram que vivem as coisas deste mundo da forma humana para poder sentirem-se humanos. O ser quando humanizado apega-se tanto as coisas deste mundo e não quer negá-las para não perder a humanidade que vive. Se a perdesse, como poderia viver o prazer que tanto o inebria?

Sabe qual é a grande motivação do ser humanizado em sentir-se doente? Alcançar a cura. O espírito que gosta da humanidade que vive, apaixona-se por estar doente para quando vier a cura ele viva o prazer de ter vencido a doença...

O ego prega muitas peças ao ser que está ligado a ele. Como já disse anteriormente, são camadas e camadas de intencionalidades que vão se sobrepondo. Muitas vezes uma intencionalidade está tão escondida debaixo de camadas de outras que o ser não consegue encontrá-la. Este é o caso da intenção de permanecer humanizado para poder viver o prazer. Quantas atitudes vocês vivem como reais, como normais, que não escondem a intenção de não perder a humanidade para que não tenha também que abandonar o prazer? É por isso que sempre aconselho: abandonem tudo, neguem tudo...

Aquele que ainda mantém alguma criação da mente como real, como sendo uma consciência sua, acaba dando margem a estas intencionalidades escondidas e nem vê o que está fazendo. Por isso, não importa o que sua mente está gerando a qualquer momento como uma postura sua, não compactue com isso.

No caso da doença é a mesma coisa. Se a mente lhe diz que você está doente, deve negar esta consciência. Não negá-la afirmando racionalmente que está são, mas negando sentir-se doente. Mesmo que o ego diga que está com um câncer e por isso lhe proponha um estado de espírito de desânimo, de medo de desencarnar, o ser que busca aproveitar a oportunidade da encarnação para aproximar-se de Deus não vivencia estes estados de espírito.

Se a mente lhe diz que é diabético ou tem problemas renais, responda a ela: ‘tenho estas doenças, mas e daí? Não é por causa delas que vou viver abatido, pesaroso’. Para vencer o carma sobre o aspecto doença, o ser humanizado precisa não aceitar a condição de ser um doente. Quem aceita esta condição é porque quer receber tratamento especial por parte dos outros. É por isso que o estar doente também se liga à posse sentimental.

Pelo que vimos aqui, o acontecimento doença, se visto pelo aspecto da elevação espiritual, é altamente importante, pois ele leva ao sentir-se doente que é um carma que se liga às três possessões: a moral, material e sentimental. Portanto, vencer este carma é, ao ser constado o mal físico, não se vivenciar o sentir-se doente que a mente cria.

Ainda com relação às doenças, temos que abordar mais uma questão: a cura do mal físico. Outro dia me perguntaram sobre a cura das doenças e eu disse que ela pode acontecer e quando ocorrer será mais uma situação carmática. No entanto, para quem está doente, a cura não deve ser a maior preocupação.

Aquele que quer aproveitar esta encarnação para promover a reforma íntima deve entender que a maior cura que pode alcançar é não viver o estar doente que a mente cria e não o fim do mal físico. Falo isso porque o não sentir-se doente é a cura para o espírito e por isso deveria se constituir no objetivo do espiritualista.

Quem consegue deixar de viver a idéia de estar doente alcança a cura para a humanidade que vive e com isso ganha a sua espiritualidade.

Participante: então, o carma são as intenções?

Carma são as compreensões racionais.

Quando se fala em intenções se direciona a algo que saia de você, ou seja, no caso da doença, afirmar que o carma é a intenção que se vive é o mesmo que dizer que você quer sentir-se doente. Isso não é real.

A existência da consciência emocional e racional de sentir-se doente não tem nada a ver com anseio do ser humano. Ela existe em determinados momentos como expressão do gênero de provações pedidas pelo espírito antes da encarnação. Quando gera a necessidade de haver este carma não o faz porque quer viver esta situação, mas sim porque reconhece a necessidade de realizar uma provação sobre determinada possessão. Sendo assim, a existência do sentir-se doente não está vinculada nem à intenção do ser humano nem do próprio espírito, já que aquela provação poderia ser expressa por outra situação.

Por isso lhe digo que o carma é a compreensão criada pela mente, é aquilo que a personalidade humana diz que você deve sentir emocionalmente ou compreender racionalmente. Carma é o que o ego lhe diz que deve sentir, compreender, vivenciar. Toda posição que ele expressa através de um pensamento como sendo sua é o seu carma.

Sentir-se doente, por exemplo, é uma criação artificial que a mente cria. Quem se apega a ela vivencia como real algo que é apenas uma ilusão, um maya, uma miragem. Quando faz isso se desliga de Deus como Realidade do universo. É por isso que o apego às criações mentais é danoso para a saúde espiritual do ser encarnado.

Por isso, sempre que a mente disser que o ser humanizado deve sentir-se doente – ou propor qualquer outro posicionamento durante a vida – aquele que busca a elevação espiritual liberta-se desta proposição. Faz isso não buscando sentir-se são – o que seria apenas mais uma proposta gerada pela mente e não a realidade – mas sim vivenciando a doença sem alterar seu estado de espírito.

Participante: o trabalho espiritual fora do corpo pode trazer doenças para serem somatizadas posteriormente? Esta é uma idéia que o ego vem me mandando. É só carma ou realidade?

Você ouviu o que eu disse neste tema? No sentido carmático o problema não é a doença, mas o sentir-se doente. Portanto, se o trabalhado espiritual trouxer uma doença e depois você a somatizar, preocupe-se em não sentir-se doente. O resto, não se preocupe...

Participante: falando de doenças, outro dia, por exemplo, detonei meu joelho jogando futebol. Doeu para muito. O que devia fazer: esquecer a dor e pensar que aquilo era carma? Mas, estava doendo muito...

Na verdade, o seu joelho não pode lhe dar dor, porque você não é o corpo, mas sim o espírito. Sendo assim, numa situação dessa o que pode fazer? Dizer: ‘está doendo muito, mas e daí’? Só que não é assim que vocês reagem a este acontecimento. Entregam-se a dor e comungam com o pensamento que diz que a dor é insuportável. Agindo assim, a dor dói mais.

Deixe-me dizer-lhes algo a respeito da dor. Vocês imaginam que os monges que alcançam a iluminação são capazes de vencer a dor. Isso é real, mas vencer a dor não significa não sentir dor, mas sim não deixar a dor lhe dominar. Aquele que domina a dor continua sentindo-a, mas não deixa esta sensação interferir na sua vida. Ele continua vivendo tudo o que a vida lhe apresentar em paz e harmonia, fato que não acontece quando o ser se entrega a dor. Neste caso, a dor influencia o seu estado de espírito (humor) e o faz viver os acontecimentos com um estado de ânimo diferente daquele que se libertou da dor.

Esta é a resposta que eu posso lhe dar sobre o sentir dor. Não pensem que aquele que consegue a elevação espiritual acaba com suas percepções. Elas continuam existindo, ou seja, ele sente as mesmas coisas daquele que não se libertou da humanidade. Só que ele aprende a lidar com elas sem deixá-las lhe dominar.

Foi o caso da resposta que dei agora pouco à pessoa cuja companheira está em depressão há muito tempo. Ele preocupar-se com ela é normal e não se encerrará quando conscientizar-se de que esta situação é uma ação carmática. O que ocorrerá é que se relacionará com esta preocupação de outra forma. Esta nova forma de se relacionar o levará a viver os demais acontecimentos com outro estado de espírito. Mas, enquanto não alterar seu relacionamento com a preocupação pela doença da sua companheira, ela afetará a sua vivência em outros momentos.

Vivenciar a preocupação ou a dor não é natural, não é normal. Trata-se, na verdade, de uma ação obsessiva, possessiva. Saber que está doente, ter a consciência racional e emocional de estar doente ou sentindo dor faz parte da humanidade do ser em qualquer nível. Agora, deixar estas coisas dominarem você, o espírito, ou seja, acabar com sua equanimidade, isso é prova de materialismo.

Participante: seria não sentir aversão nem apego à dor?

Seria não ter prazer nem dor com a sensação de dor que está presente naquele momento.

Não se pode falar em apego nem em aversão a dor porque isso é outra coisa. Tem apego à dor aquele que gosta de senti-la; tem aversão a esta sensação quem tem medo de senti-la. O que estou falando é sentir dor sem ter prazer por tê-la e sem sofrer porque ela está presente.

Participante: atualmente estou pensando assim: está doendo, está, mas de nada vai adiantar ficar remoendo-a. Acho que se não me apegar à idéia de estar existindo a dor ela diminuirá porque nem a notarei.

Você estava indo muito bem, mas quando afirmou que pode ser que sinta menos dor fugiu da realidade. Na verdade quando diz que isso pode acontecer está fazendo uma profecia, uma previsão de futuro. Portanto, faça o que está fazendo, mas não imagine que isso pode lhe levar a sentir menos dor. Mantendo esta idéia acesa, se acontecer da mente aumentar esta dor, você acreditará num pensamento que afirme que praticar o que falei não dá certo. Portanto, não creia nisso.

Quanto ao resto a idéia é esta mesma. Estando doendo, a sua reação deve ser constatar a dor sem se apegar a ela. Para isso, pergunte sempre à mente: e daí? E daí que está doendo?

Existindo uma dor, você pode fazer muitas coisas. Pode procurar um médico, pode buscar a cura através de remédios, etc. Isso pode lhe ajudar, se lhe ajudar. Agora, ficar remoendo a dor de nada lhe adianta, por que não lhe leva a lugar algum.