Ensinamentos de Krishna - Resumo

A yoga e a vida espiritual

40. Ó Partha, compreende que não há destruição para esse homem, nem aqui nem no mais além, porque, filho meu, o benfeitor (ou o devoto) nunca termina mal. (Bhagavad Gita – Capítulo VI)

Arjuna está pedindo ao Bendito Senhor que lhe diga o que acontece ao espírito quando desencarna ligado a um ego, acreditando nas fantasias do mundo humano. Para este, segundo Krishna, não há destruição, não acontecem penalidades...

A figura do umbral, do inferno como lugares para onde vão aqueles que não conseguem aproveitar a sua encarnação são apenas lendas, no sentido de local para sofrer punições. Segundo estas lendas, aquele que durante esta encarnação comete o suicido, faz maldades com outros ou usa tóxicos é punido por estas ações num lugar específico. Alterando-se o nome do lugar, esta lenda está presente em todas as doutrinas religiosas humanas, mas isso são apenas crendices e não realidades.

Na verdade não há destruição, punição, para o ser quando desencarna, pouco importando o que ele faça nesta vida. Jamais Deus puniria o seu filho. O Seu trabalho é de conscientizar o espírito do seu individualismo que não o deixa conviver em unidade com o Todo e não de julgar e punir faltosos. Deus coloca os espíritos desencarnados em ambientes específicos não para puni-los, mas para que eles possam sentir os efeitos do seu individualismo.

O inferno ou umbral não é um lugar onde os espíritos são castigados por erros que cometeram, mas sim um espaço onde eles vão sentir o efeito do que produzem nos outros quando vivem a partir do seu individualismo. Quem gosta de fofoca, por exemplo, depois que desencarna irá conviver com outros seres que também gostam de falar da vida dos outros. Neste local os outros irão comentar sobre sua vida e quem viveu fazendo fofoca nesta vida sentirá na pele, então, o que fez para outros.

É como ensina o Espírito da Verdade: o Universo é feito por afinidades. Deus junta os espíritos afins não como punição, mas para que cada um sofra a ação daquilo que fez ao próximo. Somente assim este ser pode constatar em si mesmo o que causa aos demais e com isso arrepender-se do que fez e reformar-se.

O umbral, portanto, não é um lugar de castigos, mas uma união de espíritos afins onde cada um age sobre o outro de forma individualista e assim conscientizar-se do mal que causa ao próximo. Este lugar é necessário porque só quando o espírito sofre o que faz aos outros pode se conscientizar da forma que está agindo. Enquanto ele não sentir diretamente o mal que provoca, não tem condições de mensurar as suas ações.

Portanto, estes lugares não existem para pena e castigo, mas para que cada um receba de acordo com suas obras, o justo que merece. Merece não como castigo, pena, mas como uma oportunidade de reforma.

Participante: nós aprendemos que o espírito quando desencarna volta à sua consciência espiritual.

Sim e não. O ser quando se liberta do ego realmente retorna à sua consciência espiritual, mas isso não quer dizer que ele tenha plena consciência de sua pureza e viva dela. Na verdade, quando retorna à sua consciência espiritual, se não obteve êxito na sua provação durante a encarnação, ela encontra-se no mesmo molde que estava antes. Ou seja, ele continua vivendo da mesma forma que antes da encarnação. Vou exemplificar para ficar melhor entendido...

Segundo O Livro dos Espíritos, o ser escolhe antes da encarnação os gêneros de prova que irá vivenciar durante ela. Faz isso após um período de estudos onde descobre que determinada forma de compreender o Universo e o relacionamento com os outros seres não se coaduna com o ambiente que vive. Através destes estudo, por exemplo, descobre que ser ganancioso não está de acordo com a vivência no Universo.

Ter ganância é uma decorrência do egoísmo. Ganancioso é aquele que, por defender o seu direito acima do dos outros, acha que tem que ter tudo. Esta é uma impureza que leva o ser a não conviver com seus irmãos espirituais dentro da fraternidade e do amor universal.

Quando de seus estudos antes da encarnação o espírito se conscientiza disso e por isso pede para vivenciar esta provação. Sendo assim, ele viverá um papel onde o ser humanizado que o representará será ganancioso, ou seja, terá desejo por todas as coisas. Faz isso com a intenção de que agora cônscio de que isso é uma impureza vai suplantar os apelos do ego a este respeito.

Digamos que este ser não consiga libertar-se dos conclames da personalidade humana, ou seja, que quando o seu ego criar idéias de desejar o que não tem ceda a tentação e também deseje ter. Por conta deste não aproveitamento da encarnação, a ganância que estava em sua consciência espiritual antes da encarnação não se extingue. Portanto, quando voltar àquela consciência ainda será ganancioso. Só aquele que consegue vencer a tentação quando na carne, ao voltar à sua consciência primária não mais terá o que motivou a provação.

Participante: só que quando vai conviver com pessoas afins, como o caso dos fofoqueiros que o senhor usou como exemplo, o espírito não está estudando nada...

Não, ele ainda não chegou neste estágio.

Assim que o espírito liberta-se da carne, ele ainda não está ligado à sua consciência primária. Ainda está conectado ao ego.

A mente humana, ou seja, o conjunto de valores racionais e emocionais da personalidade humana persiste mesmo depois do desencarne. Não há um passe de mágica na morte que faça o espírito voltar à sua consciência instantaneamente. Ele precisa se libertar do ego para poder retornar à sua consciência primária.

É para isso que se juntam os afins neste lugar que vocês chamam de umbral ou inferno. Ali os seres submetidos à mesma individualidade que aplicam aos demais se conscientizam do quando aquilo é danoso para os outros e com isso podem, então, renegar às idéias geradas pelo ego. Só depois disso é que eles poderão voltar aos estudos e prepararem-se para nova provação.

O estágio de libertação da ação da personalidade humana é imprescindível para que o espírito possa retornar ao seu mundo Real. Quer ver um exemplo? Qual é o seu nome?

Participante: Maria...

Quem é a Maria? É uma mulher e, portanto, feminista. É brasileira e, portanto, vive a partir de uma série de conceitos que formam os hábitos e costumes de quem vive neste país. É uma profissional de determinada área de atuação e por isso analisa situações de determinadas formas. Tudo isso é você, o espírito, hoje.

Acontece que estas coisas não são universais. O seu feminismo, os seus hábitos e costumes e a forma como analisa as situações não são realidades universais e por isso, entraves para se viver a Realidade do Universo. Portanto, elas precisam ser eliminadas da sua consciência antes de poder voltar à sua existência espiritual. Mas, há mais um motivo pelos qual você precisa se desligar da Maria.

Vocês são espiritualistas e acreditam no processo de reencarnação. Sabem que em cada existência humana o espírito pode assumir diversas personalidades. Imagine se você, Maria, nascesse em um país com hábitos e costumes diferentes, que fosse homem e que possuísse uma graduação em outra área. Como conseguiria viver mantendo os mesmos conceitos que hoje têm?

Somente quando estiver completamente liberta do papel Maria poderá assumir outra identidade para nova encarnação. Por isso este segundo estágio, o de permanência no umbral ou inferno, é necessário dentro do processo de vivência do espírito ao longo da eternidade.

Participante: então, a grande maioria de nós quando desencarna vai para o umbral?

Eu diria que sim. Somente aqueles que conseguem viver esta vida pelo próprio ser, ou seja, por Deus e pelas coisas universais, merece ser desligado da personalidade humana sem ter que conscientizar-se daquilo que causou a outrem. O processo para este desligamento é o que vocês vêem na literatura espírita.

Quantas vezes já não leram na literatura que determinados seres quando desencarnam são encaminhados a hospitais espirituais onde, através de passes magnéticos, são atendidos. Estes tiveram o merecimento de passar por este processo e isso foi motivado pela sua dedicação à busca da elevação durante a encarnação, ao invés de submeter-se à humanidade que viveu.

Aqueles que não buscam viver pelo ser saem desta carne completamente ligados à personalidade humana que viveram. Como desta forma não conseguem conviver no mundo universal, ficam por aqui mesmo. São as mães e pais que ficam tomando conta do filho, é o avaro que fica tomando conta de sua fortuna, são aqueles que ligados à natureza terrestre, permanecem neste orbe para poder gozar dela. Estes permanecerão ligados às coisas humanas até que em determinado momento se conscientizem que isso não leva a lugar algum e aí se voltam para o Universo e neste momento paulatinamente as suas consciências vão se alterando. Com isso podem conhecer a sua real posição no Universo e preparar-se para nova encarnação.

No Mahabarata, o livro do qual faz parte o Bhagavad Gita, se conta que o irmão mais velho de Krishna ao sair deste mundo passou alguns minutos neste estágio de viver desencarnado apegado ao mundo material. Se ele, que foi um ser que buscou sempre sua elevação espiritual, ainda teve que viver esta situação por alguns minutos, imagine aqueles que não buscam.

41. Aquele que fracassou na yoga, depois de abandonar o corpo, vai à esfera dos justos e vive aí durante longo tempo para finalmente renascer numa família de gente pura e próspera. (idem)

O lugar dos justos não é o lugar de espíritos perfeitos, mas sim que reúna exatamente aqueles que você precisa para poder libertar-se do ego e posteriormente preparar-se para uma nova encarnação.

Depois desta preparação renascerá numa família pura e próspera, por mais que ela seja desunida ou viva na penúria. Isso porque a pureza e a prosperidade daquela família não são avaliadas pelo aspecto material e sim pelo espiritual. Se sua família é desunida e vive na penúria ela é o grupo ideal para a sua provação e por isso se torna perfeita para você.

42. Ou talvez nasça numa família de sábios karma yogues; todavia, um nascimento assim é raríssimo e muito difícil de conseguir neste mundo.

43. Ou ainda, ó descendente de Kuru, num renascimento favorável, tal indivíduo redesperta a sabedoria que acumulou em vidas passadas e então passa a se esforçar fervorosamente para lograr a perfeição mais do que antes. (idem)

A sabedoria acumulada em outras vidas que Krishna afirma que alguns renascem não se trata de conhecimentos materiais, mas do impulso interno de buscar a elevação espiritual.

Toda cultura material se perde de uma encarnação para outra. Isso é fácil de constatar ao observarmos os recém-nascidos. Eles nada sabem culturalmente e precisam aprender tudo novamente. Se a cultura humana se mantivesse no espírito, quando renascesse não precisaria estudar novamente as mesmas coisas. Portanto, a sabedoria que fala Krishna nada tem a ver com estes valores.

Como disse, esta sabedoria acumulada tem a ver com a busca da elevação espiritual. Chamamos a este impulso interno advindo de outras vidas de despertar. Ele pode ser de dois tipos: o interior, ou seja, algo interno e incompreensível que lhe mova a buscar a elevação, ou exterior, ou seja, que venha através de um ser não incorporado que o incite para esta busca. Tanto faz um ou outro, os dois chegam impulsionados pelo resultado de encarnações anteriores e no momento em que esta busca deve começar.

Quando esta sabedoria oriunda de outras encarnações ocorre, chega, então, o despertar. Neste momento o ser encarnado se move no sentido de obter informações para que possa realizar o trabalho da encarnação.

Apenas um detalhe: ser despertado por este chamamento fundamentado em sabedoria de vidas anteriores não tem nada de especial. Grande parte dos seres humanizados o sente. É aquela motivação que o leva a aprofundar-se nos ensinamentos das doutrinas das diversas religiões.

44. Esse homem, mesmo que se lhe depare algo contrário, é levado a meta, graças simplesmente ao impulso favorável que é uma resposta de suas práticas anteriores. Por isso que um simples investigador da yoga é sempre superior a um que se restringe ao simples estudo da letra morta ou àquele religioso que pratica cultos a Brahman. (idem)

Quando alguém é despertado, ou seja, é chamado a integrar-se a um conjunto de ensinamentos que o leve a provocar a mudança interna do material para o espiritual e entrega-se a esta doutrina acaba tendo uma caminhada mais fácil. Isso acontece porque a pré-disposição positiva com relação aos ensinamentos lhe faz relembrar, mesmo que em surdina, sem consciência, de trabalhos que já realizou em outras encarnações neste sentido.

Agora, quando este ser é despertado e não se entrega a este impulso, a força para a realização oriunda do trabalho de outras vidas não estará disponível. É como o remador que rema contra a maré. Por isso, é preciso que na hora que você é chamado, é tocado por alguma doutrina reformadora, que se entregue.

Um detalhe: não estou falando de nenhuma religião especificamente, mas do chamado para qualquer uma. Sempre que o ser humanizado se sentir tocado por algum conjunto doutrinário religioso deve entregar-se a ele de corpo, alma e espírito para poder receber o impulso oriundo de atividades em outras encarnações neste sentido.

Aquele que tem contato com qualquer doutrina religiosa encontra nos preceitos dela o caminho para a elevação espiritual. Aquele que tem este contato com entrega, ou seja, com a busca da prática do que aprende, é superior àquele que não se entrega. Este último é aquele que apenas lê os livros sagrados ou que participa dos cultos da sua religião. Isto é o que Krishna está ressaltando nestes trechos que estamos lendo.

Muitos são despertados, são atraídos a determinadas religiões. Só que as vivenciam sem entrega, ou seja, sem buscar a prática do conjunto de informações das suas doutrinas. Estes, apesar de terem sido despertados, encontrarão dificuldades na sua caminhada.

Portanto, primeiro vem o despertar, o chamamento para a vivência dentro dos princípios doutrinários de uma religião ou seita. Depois vem a ação do espírito através do seu livre-arbítrio: entregar-se ou não a estes princípios. Aquele que escolhe entregar-se tem sua caminhada facilitada pela sabedoria advinda de vidas anteriores; quem não faz esta opção, navega contra a correnteza.

45. Certamente o yogue que pratica assiduamente e com perseverança liberta-se de qualquer pecado e, purificado graças a muitos nascimentos, chega por fim à Meta Suprema. (idem)

Krishna está falando aqui algo que é de conhecimento de todos os que acreditam na reencarnação: os múltiplos nascimentos purificam o ser e o levam a atingir a meta espiritual. Mas, reparem que antes ele diz algo importante: é preciso praticar o ensinamento que se recebe assiduamente e com perseverança. Muitos espiritualistas ainda não compreenderam este aspecto do processo de elevação espiritual.

O processo de encarnações sucessivas é perfeito. Ele é, como diz o Espírito da Verdade, um processo justo porque dá novas oportunidades àquele que não consegue realizar o que é preciso numa só vez. No entanto, para que esta oportunidade seja aproveitada, é preciso que o ser pratique os ensinamentos que recebe. Se isso não for feito, de nada adianta apenas ficar encarnando. O processo de vidas sucessivas perde o sentido para aquele que não aproveita as oportunidades de cada existência. De nada vale para aqueles que apenas se instruem culturalmente, mas que não alcançam a sabedoria, a prática daquilo que foi recebido.

Existem muitos espiritualistas que sabedor do infinito número de oportunidades que Deus concede aos seus filhos acomoda-se em uma determinada existência deixando para realizar a mudança em outras oportunidades. Por que Deus iria favorecer este com a força para realização do que precisa ser feito?

A purificação se dá com o trabalho assíduo e perseverante a cada encarnação. É preciso haver, depois de despertado, uma dedicação total a este objetivo para que o ser receba o impulso oriundo da sabedoria de outras vidas. Por isso, mesmo que nesta vida este impulso não exista, se você foi despertado pela doutrina de alguma religião, se entregue ao trabalho assíduo e perseverante de seus preceitos doutrinários para que em outra vida possa ter a força do impulso oriundo da sabedoria de outras vidas.