Função espelho

A função espelho e o assassinato

Participante: Levado ao extremo, este conceito justifica matar para não ser morto, a legítima defesa sem nenhuma emoção?

Primeiro: viver sem emoção é ser equânime, ou seja, conota uma reação universalista. Isto porque equanimidade acontece quando o ser humanizado tem uma só emoção, que eu chamo de apatia com as coisas da vida, mas que já foi chamada por outros por diversos nomes e representadas de diversas formas.

Portanto, a ‘vida santa’ é a vivência dos acontecimentos sem alteração de emoções (hoje com raiva; amanhã feliz) e não aquela que atende a padrões humanos de ‘bom’ e ‘mal’.

Segundo: matar quem, espírito? Espírito não morre... Matar quem, a carne? Carne não morre, se transforma... Só por essas duas simples constatação pode ficar bem claro que a sua surpresa com esta constatação é desprovida de Realidade. Para que você não se surpreenda mais se lembre: não há morte (término de alguma coisa), mas o que ocorre com um ser é o desencarne.

Sim, com este ensinamento (toda ação de um ser universal é dirigida por Deus de tal forma que sirva como uma oportunidade para que os envolvidos reconheçam as verdades individualistas que estão no seu interior, no seu ego) podemos entender que o desencarne pode acontecer através de instrumentos humanos de Deus, sem que por isso, haja culpados ou inocentes, vítimas e algozes, ou qualquer outra motivação do que a roda do carma girando.

. Mas, para não dizer que estamos falando de algo extremamente novo, voltamos a uma pergunta anteriormente estudada aqui em O Livro dos Espíritos (853a). Se fizermos isso veremos que ninguém desencarna antes da hora e que Deus sabe a forma como cada um vai desencarnar. Portanto, não sou e[o eu que afirmo, mas o Espírito da Verdade também ensina que quem desencarna através de um tiro, o fez na hora que tinha que acontecer e através de um motivo pré-conhecido de Deus.

Se isso é verdade, pergunto então: quem é o culpado? Só se for Deus, que já sabia que aquilo iria acontecer e não fez nada que pudesse evitar...

Se quisermos nos aprofundar mais no assunto, podemos estudar, também, o Bhagavad Gita. Este ‘cântico’, que possui o mais alto ensinamento de Krishna, trata-se da argumentação deste mestre a um discípulo (Arjuna) incitando-o a participar de uma guerra onde seria instrumento para o desencarne de outros seres humanizados que, além de tudo, eram seus parentes consanguíneos. E para isso o Bendito Senhor diz:

“Estiveste lamentando-te por aqueles que não o merecem. Todavia pareces falar como um sábio. Só que os verdadeiros sábios não se lamentam nem pelos vivos nem pelos mortos”.

“Sabe, Arjuna, que nunca houve um tempo em que EU (SER) deixasse de existir, nem tu, nem esses reis e jamais deixaremos de existir no futuro”.

“Assim como o ser encarnado tem a sua infância, juventude e velhice, assim também tal ser ressurge como outro corpo. Os Sábios nunca se confundem a respeito disso”.

“Ó tu, o melhor dos homens, somente aquele que não se aflige por tais modificações e é equânime tanto no prazer como na dor realiza a Imortalidade”.

“O irreal jamais existe; o Real nunca é inexistente. Os Sábios percebem claramente esta Verdade”!

“Compreende que aquele que interpenetra tudo isto é imortal. Ninguém nem nada pode destruir esse Princípio Imutável”!

“Aquele que pensa que este SER mata e aquele que pensa que este SER é morto, os dois são ignorantes (porque pensam, raciocinam). O SER não mata nem morre”.

“Esse SER não nasce nem morre e tampouco reencarna; o SER não tem origem; é eterno, imutável, o primeiro de tudo e todos e não morre quando matam o corpo”.

“Ó filho de Pritha, como pode morrer ou causar morte de outro aquele que sabe vivenciadamente que esse SER é indestrutível, eterno, sem nascimento e imutável?”

  “Assim como alguém costuma deixar suas roupas gastas e bota outras novas, assim o SER corporificado e humanizado abandona seu velho corpo e faz-se outros novos”.

“As armas não o cortam, o fogo não o queima, a água não o molha e o vento não o seca”.

“A este SER não se lhe pode cortar, nem queimar, nem molhar, nem secar; é eterno, onipresente, estável, imóvel e primordial”.

(Bhagavad Gita – Capítulo II – Sankhya Yoga ou o caminho do discernimento – versículos 11 a 13 e de 15 a 24).

NOTA:

Quanto à afirmação de Krishna sobre o fato do espírito não reencarnar, tal afirmação foi objeto de análise durante o estudo do Bhagavad Gita.

Então, sim, tal ensinamento, levado ao extremo, lhe fará ver que não há morte, mas desencarne. Mas também lhe mostrará que cada um vai desencarnar na hora que tem apropriada para tanto e que tudo que acontecer durante o ato que espelhará tal situação servirá como uma oportunidade de auto análise a todos os espíritos envolvidos nele. Ensina, ainda que, por isso, todos os envolvidos no ato devem vivenciá-los sem emoções diferenciadas do ‘amor universal’ para poder cumprir seu dever com Deus e com a comunidade espiritual.

Aliás, saiba que ninguém se emociona (sofre ou se exulta) pelo morto, mas por si mesmo. Aquele que sofre por si (“ele foi embora e agora como eu vou ficar”) frente ao ato de uma ‘morte’ e aquele que se exulta neste momento (“não prestava, não valia nada, mereceu morrer”) agem motivados por paixões individuais: o que achavam dos outros, o quanto queriam que o outro estivesse ‘vivo’ ou ‘morto’. Por isso é que afirmo que, tanto uma como outra reação, foi motivada por um individualismo, por um egoísmo.

Ficou clara nossa posição? Pergunto isso porque a abordagem desse tema (assassinato) é um elemento básico em nossas conversas...

Veja, todo mundo acredita em espírito, mas continua achando que a morte é horrível e, por isso repele o assassinato como elemento ‘não errado’ do Universo. Isso é algo que continuo achando engraçado: apesar de sempre falar para espíritas ou espiritualistas, ou seja, espíritos humanizados que acreditam na existência eterna, é só dizer que não há culpados que alguém me pergunta sobre o assassinato.

São espíritas, espiritualista, acreditam no espírito, mas ainda dão um valor imenso à vida carnal e, por isso, não aceitam que a ‘morte’ seja provocada por Deus através de instrumentos. Mas, se a vida é um dom de Deus só quem pode retirá-lo é o próprio Senhor. Isso é lógico, até mesmo para a razão humana...

Sendo assim, ninguém pode quebrar o dom de Deus. Então, seja porque forma alguém morra, não houve morte, mas foi o dom de Deus quem se encerrou. Por isso tenho sempre que lhe dizer foi o Pai que retirou o dom dele e nunca que um assassinato criado pela livre vontade de um ser humanizado que aconteceu.