Função espelho

A culpa

Não sei se está dando para compreender o que eu quero dizer. O que estou afirmando é que, na Realidade, em cada relacionamento entre dois seres humanizados, o que cada um pratica serve como espelho para o outro, ou seja, tudo está interligado, é interdependente, como ensinou Buda. O outro pratica o que você precisa e você reage sempre da forma que ele precisa. Por isso volto a afirmar: não há culpas.

Observe que no texto que estamos analisando, ao referir-se ao conhece a ti mesmo, Santo Agostinho não fala em reconhecer em si culpas, não ensina que precisamos avaliar possíveis ‘erros’ cometidos para outrem. Na verdade o que ele diz é que precisamos aprender a reconhecer se não faltamos a algum dever e se ninguém tem motivo para de nós se queixar.

Faltar ao dever seria não servir de espelho para o próximo levando-o, assim, a não se auto conhecer e, por isso, ter a condição de queixar-se, quando do retorno à pátria espiritual, de não ter recebido a ajuda necessária para a sua reforma íntima. É a isto que devemos estar atento e não àquilo que praticamos aos outros, ou seja, se o ato que fazemos está dentro de um padrão aprovado pela humanidade como ‘bom’.

Mas, como já aprendemos, Deus é a Causa Primária de todas as coisas, o Senhor Supremo dos carmas. Sendo assim, Ele é quem comanda a nossa participação dentro dos atos humanos. Por isso posso afirmar que alguém jamais deixará de receber a presença de um ‘espelho’ que lhe facilitará o autoconhecimento necessário para a reforma íntima. Portanto, posso afirmar, que ninguém deixará jamais de fazer a sua parte.

Partindo desta compreensão, pergunto, então, porque Santo Agostinho, que conhecia perfeitamente esta Verdade do Universo, nos aconselha a nos alisarmos sempre para ver se não faltamos com nosso dever? Porque, além daquilo que é realizado no ato físico, a participação de um ser humanizado em qualquer momento de sua existência deve ser vivenciada com o amor universal.

Servir ao próximo não pode se refletir apenas nos atos, pois estes ultrapassam a intencionalidade de um ser ao vivenciá-los já que são pré-escritos pelo Pai para servir de instrumento a quem os recebe, mas precisa ser comungado com o amor desapegado. Quando o ser humanizado cria uma situação como espelho do próximo, se ele vivencia tal atividade com uma motivação individualista (eu quero, eu gosto, eu acho), ele deixou de cumprir o seu ‘dever’, ou seja, deixou de amar universalmente, desapegadamente ao seu ego.

Viver desse jeito (com a compreensão de que sua ação é um espelho para o próximo, mas também não fundamentar-se em suas paixões individuais para julgar o que fez) é o cumprimento real do ‘dever’ de cada ser humanizado. Mas, infelizmente poucos conseguem viver assim. A grande maioria, além ser instrumento da criação do ato, naquele momento ama condicionalmente, ou seja, participa da ação movida por suas paixões individualistas e quando assim faz, surgem, então, a depressão da dor ou a exultação do prazer.