Relacionamentos

Companheirismo

Participante: eu me acho uma pessoa tranquila. Ouço muito e deixo passar muitas coisas. Só que tem hora que não consigo me segurar. Tive uma conversa com ele esses dias e falei que vou guardando as coisas, mas chega uma hora que acabo explodindo. Eu não gosto que a pessoa me passe uma imagem diferente do que é. Quando ele está normal, me trata bem, me dá carinho, me fala coisas bonitas. Mas, quando perde a paz, fala coisas que ferem muito. Não gosto que fique me prometendo coisas. Se me prometer algo e não cumprir, para mim a pessoa está se enganando. Ele já prometeu se melhorar, dentro de casa principalmente. Nós estamos morando juntos na casa do pai dele e por isso acho que devemos ajudar os pais dele. Se eu pedir para lavar uma louça, não custa. Não vai quebrar o braço por causa disso. Ele diz logo que é coisa de mulher e não faz. Meu pai lava a roupa e cuida da casa sozinho porque mora só. Por isso ele não é menos homem. São essas coisas que vejo e não acho certo. Eu acho errado isso e bato de frente com ele. Posso até estar errada por pedir a ele que preste atenção nessas coisas.

Não, você não está errada por pedir isso: está cumprindo o seu papel. Mas, deixe-me falar algumas coisas a partir do que disse.

Primeiro disse que é de uma forma. Num relacionamento, não seria extremamente interessante se antes de qualquer coisa se abrissem um com outro e dissessem como são?

Participante: sim.

Mas, é o que não fazem. Esse é o primeiro detalhe que quero lhe falar.

Quando perguntei a ele o que você era, me disse que era companheira. Desculpe, mas isso é uma mentira. Ou melhor, é uma palavra que ele usa para descrevê-la, mas não é a forma como convive com você.

Ser companheiro de alguém é estar atento ao que outro gosta ou não. Não pode haver companheirismo entre duas pessoas quando um não se interessa pelo que é importante para a outro. Poderão ser duas pessoas que convivem intimamente, mas não companheiros.

Falo isso porque companheirismo é ter atenção ao outro. Esse será um ponto que falaremos muito daqui para frente. Há uma diferença entre conviver com alguém e viver com essa pessoa.

Conviver é estar ao lado de outro e querer que ele se adeque ao seu jeito de ser, à sua vida. Isso é conviver: é querer que o outro viva com você. Agora, ser companheiro é viver com o outro. Quando se vive com o outro, se tem atenção ao que ele deseja.

Não estou falando para você fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Fazer é ato, é consequência. Estou falando para ter preocupação com seu companheiro. É a mesma coisa que já falei com outra pessoa.

Eu perguntei a essa pessoa se ele brigava com a esposa. Ele me disse que não, que era ao contrário: ela que brigava com ele. Quando isso acontecia, segundo ele, precisava ensiná-la nossos ensinamentos. Só que isso não era real. Na realidade brigava com a esposa e provei isso.

A esposa dele gosta de tudo arrumadinho. Só que quando ele chega em casa tira a camisa e a deixa na sala. Isso é brigar com a outra pessoa. Quem age dessa forma não está atento ao quanto faz a outra pessoa sofrer.

Em troca do que essa pessoa age? Em nome da sua crença de que não há lugar certo para se colocar a camisa? Isso é querer impor ao outro a sua verdade, é ser egoísta.

Se aquela pessoa é minha companheira, tenho que estar atento ao que quer e ela deve estar atenta ao que eu quero. A partir disso, os dois devem buscar uma vida onde acaba uma vez acontecendo o que eu quero e em outras o que o outro quer. Por estar atento ao que o outro quer, uma vez um abre mão e em outro momento, a outra pessoa abre.

Quando existe companheirismo existe uma conciliação. Só que vocês se dizem companheiros, mas não vivem dessa forma. Dizem que são de um jeito e exigem que o outro se adeque à você. Isso só acaba em confusão.

Na verdade vocês não são companheiros um do outro: apenas moram juntos. O verdadeiro companheiro é aquele que está sempre atento ao outro, que está preocupado em não magoar o outro e não em realizar só aquilo que quer.

Este, portanto, é um ponto que você tocou importantíssimo. Sim, ele é de um jeito mas deveria estar atento ao seu jeito de ser. Só que você também deveria estar atento ao jeito dele ser. Só assim podem conviver em paz.

Agora posso falar de um segundo ponto que você falou. Disse que seu pai lava roupa, que cuida da casa, mas o seu companheiro não gosta de fazer isso. Certo, ele não gosta. Não é porque o seu pai faz que ele também tem que fazer. Não é porque o seu pai acha certo, que seja o certo.

A partir disso posso lhe dizer uma coisa: assim como cobra que ele esteja atento ao seu jeito de ser e busque contentá-la, você também tem que estar atenta ao jeito dele ser. Uma das coisas é que ele, por quaisquer que sejam os motivos, não quer fazer estes serviços.

Portanto, respeite isso. Se exige respeito para seu jeito de ser, é preciso que também respeite o dele.

Quando falamos em ser companheiros é preciso entender que há coisas que um tem que abrir mão, mas há coisas que o outro também tem que abrir. Se levarmos tudo a ponto de faca exigindo sempre o que queremos sem ceder nada, vocês viverão eternamente em guerra. Se um quiser moldar o outro para que se encaixe perfeitamente no que é considerado por cada um como o certo, viverão eternamente em combate.

Então, viver com não é fazer o que quer, mas buscar fazer o que o outro quer. Usando isso para o seu caso, poderia lhe dizer que pode haver momentos onde ele lave a louça, mas pode ter outros onde não e essas coisas não devem lhe perturbar. Esse é o primeiro detalhe.