Reforma íntima - Textos - volume 05

Reconhecendo os sentimentos

Viver para o ser universal é realizar escolhas sentimentais. Dos ensinamentos que já conversamos, chegamos à conclusão que este é o único ato que o ser universal pode realizar durante a existência carnal. Mas, será que conhecemos os sentimentos que nutrimos para poder realizar a escolha sentimental?

Exemplifiquemos: um casal afirma que se ama. São espíritos que imaginam que sentem um pelo outro um sentimento puro que chamam de amor, mas, será que realmente se amam?

Apesar de afirmarem que nutrem este sentimento, um vive reclamando do outro. “Se ele fosse menos bagunceiro”, “se ela não fosse tão certinha”, “se ele não fosse tão desleixado”. Apesar de afirmarem sentir amor, um está sempre tentando mudar o outro para aquilo que considera certo.

O amor não aceita críticas, até porque quem precisa que haja mudanças não ama o outro, mas a um ideal individual. Aquele que afirma amar ao próximo, mas acha que ele (ela) deveria mudar-se para satisfazê-la (o), ama o seu (sua) homem (mulher) ideal e não ao outro. Na verdade ama a si mesmo e não ao próximo.

O sentimento envolvido, portanto, não pode ser chamado de amor, mas sim de posse. Os dois vivem em constante conflito para mudar o outro (possuir) em busca do prazer, da satisfação individual. Isto não é amor (sentimento universalista), mas posse (sentimento individualista).

O amor verdadeiro releva tudo. Não importa o que o outro faça, aquele que realmente ama não vê erros, mas harmoniza-se perfeitamente com o próximo do jeito que ele é, sem exigir mudanças.

Por esse simples raciocínio, podemos compreender que o ser humano não conhece verdadeiramente os sentimentos que nutre. O perfeito entendimento sobre os sentimentos é fundamental para a reforma íntima, pois a reforma deles é o trabalho que o ser precisa realizar para se elevar. Esse é o assunto desta conversa. Não iremos, no entanto, abordar os sentimentos pelos valores conhecidos no planeta Terra (inveja, cobiça, raiva, amor, companheirismo), pois na verdade existe apenas um sentimento no Universo: o amor de Deus.

Quando acreditamos que Deus é a Causa Primária e atribuímos todos os acontecimentos à Sua Vontade, não podemos pensar em pluralismo. Um Ser Perfeito jamais cria coisas diversas, pois senão poderia cometer injustiças. Tudo o que Ele faz deve ser idêntico, até o mínimo detalhe, para que o equilíbrio universal exista. Sendo, portanto, Deus o único a criar, só pode existir um único sentimento universal.

Deus é o Amor Sublime, por isso, tudo que Ele comandar terá que ser amoroso. Não estamos falando do amor conhecido pelos seres humanos, mas de algo muito mais sublime que não existem palavras que possa descrever. Apenas para fim de comunicação nesta obra chamaremos o fruto da ação de Deus de amor universal.

O amor universal é o único sentimento que existe, mas este amor pode ser vivenciado de duas maneiras distintas: individual ou universal. Quando o ser humano o utiliza universalmente comunga com Deus, mas quando o utiliza com intenções individualistas faz surgir os sentimentos como conhecidos no planeta Terra.

O que é a inveja senão o amor de Deus utilizado com o desejo individual de ter? O companheirismo não é o amor de Deus utilizado para se relacionar com aquele de quem se gosta?

O livre arbítrio que o espírito possui quando vivencia os acontecimentos da vida não se trata de optar entre os diversos existentes, mas de escolher com que intencionalidade irá vivenciar o amor de Deus. Portanto, não vamos falar dos sentimentos em si, mas da intencionalidade com a qual se utiliza o amor divino.

A intenção individualista pode ser reconhecida pelos valores que o ser humano aplica às coisas (pessoas, objetos e acontecimentos). Quando diz que gosta de alguém está aplicando uma intenção individualista, mas quando afirma que não gosta, age da mesma forma. Os binômios certo/errado, bonito/feio e limpo/sujo nascem do direcionamento individualista do amor de Deus que o ser faz durante a sua existência.

Essa escolha tem como base as verdades individuais de cada um, ou seja, aquilo que o ser humano acha das coisas. Como já vimos estas verdades não são universais. Aquele que aplica esse tipo de escolha parte do princípio que conhece a verdade absoluta das coisas e é capaz de escolher entre o bem e o mau.

Dar valores às coisas é a base da utilização, com objetivos materialistas, do livre arbítrio que o ser universal tem durante a encarnação. Aliás, foi exatamente a opção por individualizar o amor de Deus que lançou o espírito no ciclo de reencarnações.

 “Você não vão morrer coisa nenhuma! Deus disse isso porque sabe que, quando vocês comerem a fruta dessa árvore, os seus olhos se abrirão e vocês serão como Deus, conhecendo o bem e o mal”.

“A mulher viu que a árvore era bonita e que as suas frutas eram boas de se comer. E ela pensou como seria bom ter conhecimento.” (Gênesis – 3,4).

Adão e Eva são os espíritos criados por Deus e que habitam o mundo celeste de uma forma universal. Quando eles buscam saber o que está acontecendo (determinar valores para os acontecimentos) criam o individualismo e, por isso, precisam ser expulsos do paraíso e iniciar o ciclo de reencarnações (morte) até que abram mão deste poder.

É preciso que o ser humano (espírito que comeu a maçã) abra mão do poder de determinar valores (sentimentos) para as coisas para que encerre com o fim de nascimentos e mortes. É preciso que ele deixe de distinguir individualmente as coisas, utilizando o amor de Deus na sua essência mais sublime: o universalismo.

O ser que opta por utilizar o seu livre arbítrio sentimental de uma forma universal não cria binômio. Ele não sente nada de forma individual pelas coisas universais, mas apenas o amor de Deus. Para ele não existe o certo ou errado, bom ou mau, mas vê apenas a Perfeição em tudo.

Promover a reforma íntima não é mudar os sentimentos, mas universalizá-los. Não se trata de deixar de gostar do que gosta ou vice versa, mas amar a tudo e a todos incondicionalmente. O ser que quer alterar os seus sentimentos, sem alterar a intencionalidade, nada reformou.

O que é preciso identificar é a intencionalidade do sentimento e não o tipo deste. É preciso estar vigilante a cada segundo (orai e vigiai) para não cair na armadilha do eu sei que dirige o livre arbítrio do ser quando encarnado.

De nada adianta saber se está tendo raiva ou carinho, se estes dois sentimentos ainda forem nutridos por bases individualistas. É preciso ir além do que meramente identificar sentimentos, mas buscar integrar-se perfeitamente ao Universo, sentindo sem intencionalidade. Por isto Krishna ensina:

“Tudo o que acreditas conhecer através dos ouvidos, dos olhos, da consciência, da palavra e tudo o mais, dá-te conta de que é uma ficção do pensamento, simples fantasmagorias destinadas, portanto, a perecer”.

“O homem que não vigia seus pensamentos cai no erro de acreditar na multiplicidade das coisas. A crença na pluralidade conduz às egoísticas impressões de mérito e demérito. As diferenças que parecem existir nas ações, nas não-ações e nas ações ruins só dizem respeito ao homem que pensa no mérito e demérito”.

“Portanto, controlando teus pensamentos e os sentidos que eles contaminam, observa a este Universo como se estendesse em teu próprio íntimo e encara o teu ser como descansando em Mim, o Senhor Supremo da Yoga e da Mente”.

“Somente dois tipos de seres humanos, submersos na felicidade suprem, vivem livres da angústia e ansiedade: a criança que nada sabe e jamais atua intencionalmente e o homem que realizou o SER”. (Bhagavata Puranas).

Falamos antes que o amor de Deus não pode ser descrito em palavras humanas, mas apesar disto podemos ter uma noção da vida quando vivenciada sem intenções individualistas. O casal que citamos como exemplo no início deste item vivenciará o amor quando cada um reagir com apatia (sem elogios ou críticas) à atitude dos outros.

Viver o amor universal na sua plenitude é tornar-se apático às coisas do Universo: o ser que não reage aos acontecimentos com mérito ou demérito. Essa é a atitude daquele que vive plenamente a sua realização espiritual.

Muitos confundem a apatia com a omissão, mas não é disso que estamos falando. O ser omisso é aquele que se acomoda com a situação, não reage a elas com nenhum sentimento. Essa não é a postura do ser elevado.

Ele age a cada segundo, mas com universalismo e não individualismo. Sua ação não tem como base os seus valores individuais, mas a realidade universal: Deus e Sua ação. A apatia que estamos falando é colocar o Amor de Deus em tudo que acontece. Este ser não é omisso, porque age, amando a tudo e a todos com o amor universal.

Escolher entre sentir o amor universal ou individualizar os sentimentos é a opção do ser encarnado. Reconhecer os sentimentos é buscar compreender se eles são fruto de uma intenção individual ou se consagram a perfeita comunhão com o todo (a ação universal).

Quando o ser universal optar pelo Caminho do Meio entre gostar ou não gostar, ou seja, viver sem dar valor à situação, terá promovido a reforma íntima.