Reforma íntima - Textos - volume 05

Radicalismo

Alguém me falou em radicalismo na aplicação do espiritualismo. Como sempre acontece nos casos que alguém aplica determinados adjetivos, busco o dicionário para compreender a definição. No Dicionário Aurélio, encontrei a seguinte definição para radicalismo: "Doutrina ou comportamento dos que visam combater pela raiz as anomalias sociais implantando reformas absolutas".

Com isso descobri uma coisa: não há espiritualismo sem radicalismo. Isto porque o espiritualismo é a doutrina que visa combater pela raiz as anomalias sociais aplicando-se somente os aspectos espirituais, sem atender jamais aos apelos materialistas.

Sei que esta afirmação pode ter chocado muitas pessoas, mas isto se deve ao fato do radicalismo em nosso planeta ter sido usado com despotismo, ou seja, com tirania aos outros. Mas, o espiritualista, exatamente por ser radical em suas crenças, aplica-as apenas para si e não para os outros, preservando, assim, o direito de cada um ser e estar da forma que quiser. Desta forma, o espiritualista não é déspota, mas radicalmente universalista.

O espiritualista é radical com ele mesmo, ou seja, combate em si a visão de anomalias que ele vê e não o que os outros acham. Vive para implementar em si as reformas absolutas e não no outro; para que ele vivencie o bem e o mal universalmente falando e não dentro dos padrões individualistas do ser humanizado, dando a cada um o direito de achar o que quiser.

Aliás, o que seria das mensagens de Cristo sem o radicalismo na fé e submissão que as caracterizaram? Como teria Francisco de Assis deixado uma exemplificação tão grande se não fosse radical na sua luta contra as sociedades constituídas? O que seria de Chico Xavier se não fosse radical na sua luta para implantar o espiritismo no Brasil? Nada. Foi com o radicalismo pelo espiritualismo, aplicados às suas próprias vidas, sem críticas ao próximo, que eles deixaram ensinamentos e exemplos para que vivêssemos a nossa.

Sem o radicalismo pelo espiritualismo, os grandes mentores da humanidade nada teriam exemplificado. Teriam vivido como nós, que em determinados momentos somos espiritualistas, aplicamos o conhecimento trazido pelos amigos espirituais, mas em outros vivemos a plenitude do materialismo. Tudo isso movido pelo interesse individual, que o espiritualista é radicalmente contrário.

A quem vive desta forma Cristo chamou de professores da lei (os que conhecem, mas não praticam integralmente) e à forma de agir deles de hipocrisia.

Claro que o espírito mais próximo de Deus do nosso orbe não poderia estar ofendendo ou criticando aqueles que não eram radicais na aplicação do que sabiam. O termo hipocrisia não pode, então, ser entendido como um xingamento, uma ofensa, mas como também definido no dicionário: falsidade.

É falso aquele que não é radical, ou seja, aquele que não aplica o que recebe dos amigos espirituais a todos os acontecimentos da vida, mas só quando quer aplicar. É falso aquele que aplica as verdades espirituais apenas àquilo que gosta, quer, ou lhe interessa. Era isso que Cristo, o radical pela reforma íntima (viver a existência como atividade espiritual e não vida material), queria incitar os professores da lei a viver quando os qualifica como falsos.

Que adianta orarmos e adorarmos a Cristo sem, como ele, sermos também radicais na nossa existência pelo espiritual, por Deus e por Seu Amor? Que adianta mostramos o exemplo de São Francisco sem vivenciarmos o seu radicalismo? Que adianta lermos todas as obras deixadas por Francisco Cândido Xavier sem seguirmos o radicalismo que elas contêm? Nada. Devemos ser radicais no nosso trato com as coisas espirituais para podermos honrar os ensinamentos que nos foram deixados por aqueles que missionariamente nos antecederam.

Afinal de contas, o ser humanizado é por característica um radical: só resta saber à que se apegar radicalmente. Somos seres radicais porque defendemos nosso ponto de vista constantemente quando eles são ameaçados por palpites dos outros. No momento que o nosso saber é ameaçado pelo do próximo, como radicais que somos por nossas verdades, nos defendemos querendo provar ao outro que nós é que estamos certos e eles errados. Defender um ponto de vista, uma idéia, ou planejamento individual não é um radicalismo?

Então, o que estou querendo com este texto não é defender o despotismo, mas exortar à defesa do espiritualismo até as últimas conseqüências e não apenas naquilo que nos favorece ou apetece defender. Portanto, o problema não está em sermos ou não radicais, mas a que doutrina nós iremos radicalizar: o individualismo ou o universalismo?

Estou falando em ser radicalmente amoroso; em buscar radicalmente o seu eu interior sem vivenciar o eu exterior; em vivenciar a vida material radicalmente voltado para o sentido espiritual dela. Não estou querendo destruir nem impor nada, mas apenas sugerindo o redirecionamento do radicalismo para o espiritualismo ao invés de exercê-lo dentro do interesse individual.

Por isso afirmei e volto a repetir: o espiritualismo só pode ser vivenciado com radicalismo. Não com o despotismo de querer estar certo e achar que os outros estejam errados, mas com a consciência que não devemos transigir daquilo que nos foi ofertado pelos radicais por Deus em momento algum.