Imperfeições do ser - Textos

O sistema humano de vida

Porque acreditar nos valores humanos para a existência causa imperfeição no espírito? Porque todo sistema humano é gerido a partir de um código de informações que são tratadas como verdadeiras. Por causa deste valor que se dá às informações, o egoísmo presente no espírito neste grau de evolução os faz defendê-las. Com isso, extingue-se a harmonia com o mundo, a neutralidade com relação aos pensamentos.

Para compreender o que estou dizendo, vamos continuar no exemplo do casamento, que é um subsistema do sistema humano de vida. A união como conhecida no planeta Terra é vivenciada através de um código do que é certo ou errado ser feito quando se está casado. No caso do país de vocês, este código afirma que aqueles que estão casados devem ser fiéis um ao outro. Por viver o subsistema casamento como realidade, o egoísmo presente no ser cobra que esta norma seja respeitada, ou seja, que os cônjuges permaneçam fiéis. Por causa disso, se um dos dois comete uma infidelidade, aquele que não cometeu se desarmoniza com o outro.

Repare bem. A desarmonia não acontece por conta do que o outro fez, mas sim por causa da regra que existe no subsistema casamento. Se ela não houvesse, mesmo que o cônjuge tivesse relações com outra pessoa, a desarmonia poderia não vir. Mas, para que ele consiga viver sem submeter o outro a esta regra, teria antes que libertar-se da idéia de estar casado. Para isso, seria necessário não se sentir humano. Se vivesse a partir do sistema espiritual que não contempla a união dentro do mesmo prisma (posse, é meu marido), mesmo que houvesse uma infidelidade não haveria desarmonia.

Este é o problema de viver preso a um sistema humano de vida. Quem acredita que é humano sempre irá viver sobre a tutela deste sistema, ou seja, subordinado ao código de normas que rege aquela atividade. Quem vive aprisionado ao sistema humano dificilmente consegue se harmonizar, pois as normas que regem as atividades são exploradas pelo egoísmo e assim gera um certo e errado para o que acontecer. É como diz Paulo: a lei cria o pecado.

Todas as atividades vivenciadas dentro do sistema humano de vida estão ligadas a normas que a regulamentem. São estas normas que determinam a existência de um certo e errado, limpo e sujo, bom ou mal, bonito ou feio e não os elementos que participam da atividade. O que diz se um ser é bonito ou feio é o padrão de beleza de quem está vendo e não a estampa do outro; quem cria o bom ou mal para o que acontece é o código de normas que rege o subsistema humano referente àquela atividade e não o que está acontecendo.

Tudo o que existe e acontece é neutro em sua essência. Nada é errado, feio ou mal. Só quando um código de normas cria estas distinções é que a atividade ganha estes adjetivos. Sendo assim, eles só existem no pensamento do ser humanizado. É por isso que a harmonia existe quando um ser se torna neutro ao que está pensando. Quando alcança a neutralidade despolariza a informação que o pensamento está criando. Mas, para atingir esta neutralidade é imperioso que o ser não se imagine humano, pois se imaginar-se, o egoísmo que possui não o deixará neutralizar-se com a polaridade que a mente dá ao elemento com que está convivendo.

Outra coisa que é criada pelo sistema humano de vida são as necessidades. Para cada atividade que é regulamentada por um código de normas de um subsistema humano existe a informação de que a posse de determinados elementos é necessário.

Quem, por exemplo, já ouviu conversas antigas que tivemos deve, com certeza, ter encontrado momentos onde eu falava que o ser humanizado não precisa alimentar-se, que a alimentação não deve ser prioridade na vida de um ser humanizado. Quando falava disso, sempre havia a mesma resposta: ‘mas como viver sem se alimentar? Eu estou humano, ligado a um corpo físico e por isso preciso comer’. Esta expressão é a resposta do egoísmo atendendo a questão das necessidades básicas que são criadas pelo sistema humano de vida.

A necessidade de ingerir alguma coisa, seja, ela alimentos, no caso do ser estar ligado a uma matéria carnal, ou energias, no caso de estar desligado desta matéria, é uma criação humana. Dentro do sistema espiritual esta necessidade não existe. Por isso, o ser não se harmoniza com a vida que vive. Como para o humano esta necessidade é real, sempre que não há nada para alimentar-se, acontece a desarmonia.

A exploração que o egoísmo faz das necessidades geradas pelo sistema humano de vida, defender que você tenha o necessário, é que causa a desarmonia quando aquilo que é considerado como necessário não está disponível. Alguém que se considere pai, por exemplo, vive a norma de ser o sustentador da família. Por causa disso ele vê como necessidade ter uma fonte de renda. Se não a tiver, sentir-se-á fracassado na sua posição e com isso se desarmonizará com a vida.

Com este exemplo encontramos mais um aspecto que o sistema humano traz a quem o vive: a obrigação. Cristo ensinou que o jugo dele é leve, ou seja, que não há nada obrigatório de ser realizado. Se existe a crença no livre arbítrio concedido por Deus, não poderia se acreditar realmente em qualquer obrigação.

Livre arbítrio quer dizer livre opção. Quem o possui tem todo direito de ser, estar e fazer o que quiser e por isso não é obrigado a nada. Mas, não é assim que o sistema humano de vida vê esta questão. Para cada subsistema, ou seja, para cada situação de vida existe sempre uma obrigação que deve ser cumprida pelos participantes deste acontecimento. Esta obrigação é explorada pelo egoísmo que trata como obrigatório fazer aquilo que o ser acredita, por isso ele se desarmoniza com o outro que não pratica a ação como ele quer.

Ora, se o ser acredita em livre arbítrio, não poderia acreditar em obrigações. Deveria entender que o outro tem o direito de ser, estar e fazer o que ele optar. Mas, não é isso que acontece. Pela prisão ao sistema humano de vida, o espírito encarnado vive as obrigações como reais e assim, apesar de defender para si, ataca o direito de outro livre arbitrar durante os acontecimentos. Isso não existe no sistema espiritual de vida.

Todos os seres que estão livres da submissão ao sistema humano de vida reconhecem que o livre arbítrio é dado por Deus para todos e não apenas a eles mesmos. Por isso respeitam as decisões que o outro toma. Por agirem assim, esta idéia não os deixa desarmonizar-se com os outros.

Os códigos de normas que regulam as atividades dos seres e que criam a dualidade de adjetivos, as necessidades básicas e as obrigações que fazem parte do sistema humano de vida são exploradas pelo egoísmo. Agindo em defesa da crença formada a partir destas coisas, surgem novas imperfeições: a posse, a paixão e o desejo.

Todo ser humanizado possui os elementos com que convive. Seja moralmente (eu sei), sentimentalmente (eu gosto) ou materialmente (é meu), os elementos são possuídos de acordo com as normas de cada um, com as necessidades que cada um tem e com as obrigações que ele acredita. Desta posse nasce a paixão, o apego àquilo que corresponde ao que se acha certo, ao que supre a necessidade e ao que cumpre o que é considerado obrigatório. Para poder viver estas paixões, o egoísmo gera, então, os desejos.

O que se quer é o anseio que se tem. Para alcançá-lo, então, o ser que se considera humano faz exigências da vida. Aquele que considera necessidade básica se alimentar passa a exigir que os acontecimentos da vida lhe traga alimento; aquele que considera obrigação sustentar os filhos, exige que a vida lhe dê oportunidades de ganhar o sustento deles. Como a vida é caracterizada obrigatoriamente pela existência de vicissitudes (pergunta 132 de O Livro dos Espíritos), a desarmonia, então, é algo que sempre existirá.

No sistema espiritual de vida não existem posses. Todas as coisas do Universo são tratadas por aquele que se liberta do sistema humano de vida com equanimidade. Sendo assim, não existem paixões e sem elas não há desejos. Sem ter estas coisas, o ser vive o que acontece sem alterar o seu ânimo, ao invés de ansiar por algo ou exigir que a sua existência contenha determinada coisa.

Quantas vezes durante nossas conversas quando falava do modo de vida do espírito ouvi respostas do tipo: ‘eu sou humano, preciso disso que o senhor está dizendo que não preciso’. Esta é uma resposta típica de alguém que está subordinado ao sistema humano de vida, pois vive a existência de necessidades básicas para cumprir obrigações que estejam normatizadas como certas. Acontece que você não é humano. Você é um espírito: sua humanidade é apenas a provação que está presente em sua encarnação.

Você não precisa, não quer: quem precisa e quer é a sua humanidade. Quando esta necessidade é expressa pela mente acontece, então, a sua provação. Neste momento você tem duas respostas a dar: ou serve ao espiritual ou a humanidade que vive. Servindo à sua espiritualidade deixará de fazer estas cobranças à vida. Servindo a materialidade, se desarmonizará com o momento presente.

Lembrem-se do que Cristo ensinou: não se serve a dois senhores ao mesmo tempo. Não há como comungar as necessidades materiais dentro de um sistema espiritual de vida. Promover a reforma íntima é optar pelo sistema espiritual e isso se faz agindo com neutralidade ao pensamento que informa o julgamento do acontecimento a partir de um código de normas humano, que cria obrigações, que afirma a necessidade básica de qualquer coisa, que anseia por determinados acontecimentos e, por isso, exige que a vida os faça estar presente.

Quem promove a reforma íntima é aquele que reconhece em si a ação do sistema humano de vida e não compactua com ele. Para isso é preciso que assuma a sua realidade: ser um espírito. Quem se vê como um espírito, mesmo encarnado, não se subordina ao sistema humano de vida e com isso consegue atingir a neutralidade quando a mente põe em prática o egoísmo.

Sendo tudo o que falamos verdade, fica bem claro que sentir-se humano é a imperfeição mais profunda que um ser pode viver. Vendo-se sobre este prisma, todas estas coisas que levam à desarmonia agem sobre o ser necessariamente. Quem se prende à idéia de que é um ser humano, por causa do egoísmo que existe em si, acaba sempre vibrando dentro do que o pensamento afirma.