Em busca da felicidade - Textos - Parte I-Técnica

O que deve ficar no presente

Participante: Como fazer para separar o observador que devemos ser da nossa própria mente?

Não sendo a mente. Sendo apenas observador dela.

É sobre isso que quero falar daqui a pouco. Sei que vai complicar tudo, mas é preciso ser dito.

Participante: o pensamento antecede o ato. O que antecede o pensamento?

Pensamento não antecede o ato: ele cria a ação.

Você só me ouve quando pensa que está me ouvindo. Se não pensar que está me ouvindo, não me ouvirá.

Posso complicar um pouco o que estou ensinando? Então, vamos lá.

Disse que é preciso retirar do presente o passado, o futuro, o que você está achando e os adjetivos que a mente aplica a vida. No entanto, há algo que é preciso que se mantenha no presente: o próprio presente.

Se o seu passado está influenciando o presente, você não o pode tirá-lo, porque o seu aqui e agora é ter o passado presente. Se, por exemplo, o seu presente é estar pensando em ir embora, você não pode tirar isso do aqui e agora, pois esta ideia faz parte do momento atual. Se o seu presente é estar me ouvindo, você não pode tirar isso dele, pois esta é a sua realidade.

Se você retirar o passado ou futuro do seu presente, ele seria diferente. Mas, como você não pode mudar a sua vida, não pode fazer isso. Na verdade o que você precisa não é mudar a sua vida, mas mudar a forma de viver o presente.

‘Eu estou aqui ouvindo Joaquim’: este é o seu presente. Não o negue, não o altere. Aliás, nem pode, porque é esta consciência que a sua mente está criando. No entanto, ao invés de vive-lo da forma que vive hoje, acreditando que isso é real, diga para si mesmo: ‘mente, eu não acredito em você. Não sei se é isso ou não. Você diz que é, ótimo, mas eu não sei se é. Eu não me comprometo com esta ideia’.

Repare na diferença entre o que estou falando e o que vocês imaginam que estou ensinando. O que falo quando digo para retirar estas coisas do presente não estou falando em mudar a ideia que se tem, mas apenas constatá-la. Não vive-la como realidade, mas não deixar de tê-la.

Você precisa viver o que tiver para viver, inclusive a influência no presente do passado e do futuro e as qualificações que a mente cria. Só que não deve viver estas coisas como realidades, como verdades, como coisas reais.

Você precisa viver tudo o que a mente cria, mesmo aquelas coisas que disse que precisa retirar. Sabe porquê? Porque o seu presente é tudo que lhe acontece no aqui e agora. É a sua atividade física, mas também é a sua atividade mental que está acontecendo naquele momento. Sendo assim, se você pudesse eliminar qualquer coisa, poderia mudar o presente e isso é impossível para o ser humano.

Me falaram agora pouco sobre tornar-se o observador da mente. Sim, vocês precisam tornarem-se observadores da mente, mas quem faz est observação repara na parte física e na mental. Só que o observador observa, não muda nada nem julga, critica ou acusa. Ele observa.

A mente lhe diz que você está sentado ouvindo esta conversa. Responda a ela: ‘certo, você diz que é isso que estou vivendo, mas eu não acredito nessa sua afirmação, mente. Pode continuar dizendo isso à vontade, que eu não vou viver essa consciência. Apesar de você estar dizendo que estou fazendo isso, vou continuar vivendo apenas a mim mesmo’.

O trabalho da felicidade não é deixar de ter compromissos, como afirmaram agora a pouco; é deixar de se compromissar com os compromissos que a mente cria. Se você imagina que um dia vai conseguir retirar a ideia de gerar compromissos da mente, esta ideia não é sua, mas apenas uma nova consciência gerada pelo mundo mental para criar um presente para você viver.

A mente precisa gerar o compromisso e aquele que está em busca de sua felicidade deve dizer a ela: ‘está certo, mente, você marcou este compromisso, mas eu não sei se vou ou não’. Isso é retirar o futuro do presente e não querer deixar de marcar compromissos.

Se quiser tirar os adjetivos que a mente cria para o seu presente, você não deve imaginar que vai acabar com os bonitos e feios que o mundo mental cria, mas deve apenas não compactuar com o que a mente cria. Você jamais vai conseguir acabar com esta adjetivação na sua vida, a não ser que a própria mente extinga essa ação. Mas, neste caso não foi você que fez e por isso, isto não lhe levará à felicidade alguma.

O que você precisa fazer neste momento é dizer o seguinte à mente: ‘você diz que essa coisa é bonita, então é, mas para você. Eu não sei se ela é bonita ou não’. Essa é a forma de viver a realidade sem adjetivações e não acabar com as ideias que a mente tem das coisas. Essa é a forma de se tornar um observador da parte física e mental que forma a sua vida, o seu presente, sem se comprometer com o que a mente gera.

Isso é o que precisa ser feito por aquele que está buscando a felicidade. Não se trata de negar nada, nem de mudar a forma de pensar a vida, pois isso vocês não conseguem. Trata-se de não saber se o que a mente cria é real ou não. Se você negar o que ela cria, vai estar afirmando que a realidade é o oposto do que ela falou.

Não é assim que se alcança a felicidade. Ela é alcançada quando você consegue não afirmar nada sobre o que está acontecendo, quando não dá valor algum àquilo que está ocorrendo. Ela é alcançada quando você interage com as criações mentais dizendo assim: ‘isso é o que você, mente, está criando, mas eu não sei se realmente é isso’.

Ela é alcançada quando você responder com as palavrinhas mágicas ‘e daí’ quando a mente criar a ideia de estar perdendo por não compactuar com o que ela diz. ‘E daí, mente, que eu não vou ganhar nessa hora? Eu não quero ganhar nada, quero apenas a minha felicidade. Querer ganhar é me expor ao prazer ou a dor e eu não quero isso para minha vida’.

Ela é alcançada quando a mente lhe diz que você já alcançou alguma coisa, que já consegue viver em paz, e você responde: ‘não sei se consegui fazer nada’. A mente está dizendo isso para lhe iludir e se você não trabalha libertando-se desta conclusão, mais tarde ela vai lhe dar o prazer e você vai confundir com a felicidade plena.

Ela é alcançada quando, a qualquer criação mental afirmando qualquer coisa sobre você, a resposta for ‘não sei’. A tudo que a mente cria, aquele que busca a felicidade precisa responder simplesmente que não sabe se aquilo é real. É por causa disso que disse que a resposta que recebi na conversa anterior sobre o presente (estou aqui na frente do computador) não é completa. Se você vive um presente muito longo, enquanto ele está ocorrendo a mente continua divagando, quer você queira ou não, e, neste momento, você não vai conseguir realizar o trabalho para manter a sua felicidade. Embarcará nesta divagação e viverá as consequências do que for dito.

Lembrem-se: a cada pensamento se cria um presente. Por isso, a cada pensamento há um trabalho a ser feito, a uma oportunidade para se viver a felicidade. Isso acontece quando se observa o que a mente diz e se responde com um não sei.

É isso que precisa ser feito. Quanto à querer deixar de sentir que perdeu, quanto a querer deixar de organizar as coisas, quanto à querer deixar de influenciar o presente com o passado ou futuro, isso é impossível para o ser humano.

Aquele que quer ser feliz de verdade precisa estar presente não na atividade física, mas junto à mental. Precisa estar atento àquele pensamento que está ocorrendo naquele momento e dizer: ‘pense o que você quiser, mente, mas eu não corroboro com a sua criação. Eu não partilho do que você está dizendo que está acontecendo’.

Esse é o trabalho que precisa ser feito e não aquele que vocês imaginaram primariamente. Não se trata de mudar nada, de deixar de fazer alguma coisa ou de pensar de um determinado jeito. O trabalho que precisa ser executado é, quando a mente estiver fazendo ou pensando alguma coisa, não se unir ao que ela está afirmando que é o seu presente.

Sabe, é muito mais simples do que vocês estão imaginando. Está todo mundo preocupado com a forma de viver a vida – ‘como eu vou viver sem marcar compromissos’ – mas, quem disse que irá viver sem compromissos? Quem disse que você irá mudar alguma coisa na sua vida de agora?

Criar compromissos ou qualquer outra atividade da vida é uma ação criada pela mente e não executada por você. Por isso, enquanto você busca a sua felicidade, a mente continuará criando todas as atividades que ela sempre criou. O que você precisa é apenas não se compromissar com os compromissos que ela cria para o seu dia a dia.

Desejar coisa é uma atividade da vida. É a mente que deseja as coisas e isso faz parte da vida que você tem para viver. Por isso, você não pode mudar isso. O que é necessário ser feito é não desejar o desejo que a vida possui. Para fazer isso as palavras ‘não sei’, ‘e daí’ e ‘dane-se’ são fundamentais no seu vocabulário. São palavras que o sábio usa.

O sábio nunca sabe de nada. O sábio de verdade, aquele que consegue viver feliz, nunca valoriza coisa alguma, apesar da sua mente valorizar. O sábio nunca tem medo de perder ou deixar de ganhar, apesar de conviver com formações mentais que têm. Ele vive como observador da mente e não como ela determina que ele viva.

A mente sempre vive nas vicissitudes, ou seja, na alternância das situações da vida: um dia está bom, no outro está mal. Só que o sábio, por não viver preso a ela, não sobe nem desce. Ele continua sempre firme no meio da onda.

Esse é o trabalho, essa é a busca da felicidade. Ele se consiste em tornar-se um observador da mente e não um agente que trabalha para ela. Por isso é que você precisa tirar tudo o que falei do presente, mas isso não se faz retirando alguma coisa que está na formação mental, mas apenas libertando-se de tudo o que a mente cria.

Quando falei antes, usei o termo tirar da mente como uma forma de observar o que ela diz, como algo que você não deve compartilhar, e não como uma ação que deve ser executada. Não falei em retirar fisicamente estas coisas do pensamento, mas apenas citei elementos que são gerados pela mente e que você não deve compartilhar.