Caridade espiritual

O buda

O Buda deste tripé não é a figura do mestre, seja ela de madeira ou gesso. Quando coloco este elemento como parte da criação de uma casa, não estou me referindo diretamente a este mestre oriental. Aliás, confundir a pessoa do mestre com o elemento deste ensinamento não vale nem para o próprio seguidor da doutrina budista...

O nome Buda só foi colocado neste ensinamento porque ele foi ensinado por este mestre. Se olharmos mais profundamente os ensinamentos budistas, vamos ver que Sidarta não exigiria uma idolatria a ele mesmo como caminho para a elevação espiritual. Sendo assim, tanto aqui como na própria doutrina budista o Buda deste ensinamento não é o próprio mestre.

O Buda deste ensinamento é uma doutrina, um conjunto de ensinamentos. O Buda do ensinamento budista não é o próprio mestre, mas o seu conjunto de ensinamentos, da mesma forma que o Cristo, que deve ser seguido pelos cristãos, não é o próprio mestre, mas o conjunto de seus ensinamentos.

A partir desta visão, podemos dizer que o Buda do tripé que orienta a formação de uma casa e posteriormente sustenta o seu funcionamento é um conjunto de ensinamentos, uma doutrina. Qualquer casa para poder atender os seres humanizados e ajudá-los a alcançar a felicidade precisa ter definido um conjunto de ensinamentos que servirá como base para todos os trabalhos dela.

Nenhuma casa pode alcançar o seu objetivo básico se ela não possuir uma doutrina pré-definida. Quando digo isso os seres humanizados presos às doutrinas existentes acreditam que estou orientando no sentido de se escolher entre estas. Não é isso que estou dizendo... Ter uma doutrina pré-definida não quer dizer subordinar-se a uma doutrina existente. Cada casa, se assim quiser, pode ter a sua própria doutrina formada a partir de ensinamentos de diversos mestres. Pode ter elementos cristãos, budistas, hindus, mulçumanos, espíritas, etc. Isso não importa. O importante é que a casa estabeleça previamente uma doutrina para si.

Os ensinamentos que compõem a doutrina da casa não importam: o importante é que haja uma pré-definida. Não dá para se manter uma casa de auxílio ao próximo sem que ela tenha uma doutrina estabelecida. Por quê? Porque tanto os trabalhadores como os freqüentadores não saberão o que utilizar para promover a reforma íntima e assim alcançar a elevação espiritual.

A doutrina de uma casa não precisa seguir apenas um mestre, mas pode ser formada pelo somatório de ensinamentos de muitos ou de todos os mestres, mas ela precisa ser definida e, principalmente, conhecida tanto dos trabalhadores como de quem freqüenta a casa buscando auxílio. Isso precisa ser assim, pois só desta forma as pessoas terão um chão para pisar, terão um caminho para caminhar. Se a doutrina não for pré-definida tanto os trabalhadores como os freqüentadores não saberão o que usar para alcançar a elevação espiritual e com isso nada poderão fazer.

Tendo em consciência o que acabei de dizer, podemos, então, compreender a necessidade de se ter uma doutrina pré-definida. Se isso é verdade, é preciso, então, que antes da criação da casa o ser humanizado ou o grupo de seres que pretendem montar devem decidir que conjunto de ensinamentos será utilizado pela casa. E isso vale, também, para o trabalho individual de cada um.

Como disse no início, tudo o que se relaciona à montagem de uma casa vale para o trabalho de cada um. Isso porque os dois têm o mesmo objetivo: promover a reforma íntima para alcançar a elevação espiritual. Portanto, antes de partir na busca de realizar este trabalho cada ser humanizado deve também escolher que doutrina seguirá. Vale, ainda, para o caso individual o conselho de que não precisa ser uma doutrina religiosa existente, mas que esta doutrina pode ser formada pelos ensinamentos de alguns ou de todos os mestres.

Estabelecida a doutrina, outra coisa deve estar em mente: esta escolha é definitiva. A casa não pode ficar trocando de doutrina ou de conjunto de ensinamentos. Por quê? Porque isso confunde aqueles que trabalham nela ou a freqüenta.

Uma casa que muda de doutrina constantemente é como uma nau que ora navega num sentido, ora noutro. Ela está perdida... Isso causa confusão em quem lá trabalha ou freqüenta, pois muitas vezes os novos ensinamentos adotados são antagônicos aos que antes eram utilizados. Com isso, todos os que se vinculam a esta casa ficam sem chão para caminhar e acabam perdendo a confiança. Isso não pode acontecer, pois a confiança na casa e nos seus trabalhos é fundamental para se alcançar o objetivo desta. Como entregar o bem mais precioso que você tem, o seu destino na vida eterna, a uma casa ou a pessoas sem que se confie nelas?

Estabelecido o conjunto de ensinamentos que a casa irá seguir, há ainda um outro aspecto que envolve a questão doutrina que precisa ser pensado antes de se abrir as portas de uma casa: que aplicação se fará destes ensinamentos...

Os ensinamentos dos mestres são apenas palavras. Estas são lidas o que quer dizer que são interpretadas. Cada vez que um ser humanizado lê algo que está escrito ele faz uma interpretação, tem uma compreensão, do que acabou de ler. Esta compreensão, no caso dos ensinamentos para elevação espiritual, pode ser direcionada em dois sentidos: material ou espiritual.

Sempre que um ensinamento de um mestre o ser humanizado pode aplicá-lo com o objetivo de ganhar nesta vida – alcançar a felicidade baseado em acontecimentos materiais – ou ganhar na próxima – alcançar a felicidade fundamentada nos valores espirituais. A primeira tem a ver com a resolução dos problemas humanos; a segunda com o libertar-se do egocentrismo e viver plenamente integrado às coisas e pessoas.

Este é mais um aspecto que precisa ser definido pela pessoa ou grupo que pretende abrir uma casa para auxílio ao próximo: com que objetivo vai se utilizar a doutrina que se escolheu.

Antes de seguir na conversa deixe-me esclarecer algo. Não há nenhum erro em optar-se pela aplicação da doutrina para a resolução dos problemas materiais. Apesar de estarmos falando de uma casa com cunho espiritualista, se ela apenas se dedica a ajudar os seres humanizados visando amenizar ou resolver os problemas espirituais nenhum problema há. Isso é uma opção e faz parte do livre arbítrio que todos possuem.

O importante não é qual dos objetivos servirá para a aplicação da doutrina estabelecida, mas sim a definição de um deles. Isso porque, assim como na doutrina, a escolha deve ser definitiva. A casa que hora objetiva resolver os problema materiais e hora objetiva fundamentar-se na busca dos valores espirituais naufraga porque nunca sabe o que fazer. Seus frequentadores e trabalhadores não sabem o que esperar e como se portar durante o funcionamento da casa.

Agora, será que quando falo que a casa deve fazer uma opção e fechar questão com um dos seus aspectos estou eliminando o outro? Não... Estou falando de objetivo e não de atitudes... Vou dar um exemplo para ficar mais claro.

Digamos que uma casa tenha optado por objetivar a busca espiritual na aplicação da sua doutrina. Isso quer dizer que ela não pode auxiliar os seres humanizados que a procurarem nas suas questões materiais? Não é isso que quero dizer. A casa pode e deve ajudá-los, pois esta ajuda é necessária para o bom desenvolvimento do processo de reforma íntima. Agora, deve fazê-lo não esquecendo o objetivo escolhido: a elevação espiritual...

Digamos que uma pessoa procurou uma casa com problemas de saúde. Se nos fixarmos no que falei de forma fechada, ela nem seria atendida pela casa ou se fosse, nem seria tocada a questão da sua saúde. Mas, quem está com problemas de saúde está vivendo uma ansiedade grande e desta forma não terá condições de se envolver com o processo espiritual. Ou seja, fechando questão hermeticamente a casa acaba não ajudando aquela pessoa.

A questão da saúde pode e deve ser atendida pela casa por trabalhos mediúnicos ou médicos, dependendo da disponibilidade da casa, mas o objetivo final da casa não deve ser esquecido. Se ela optou por aplicar a sua doutrina com o objetivo espiritual deve, ao mesmo tempo em que proporciona o atendimento material, também proporcionar o atendimento ao problema espiritual deste ser.

É isso que estou querendo dizer. A casa deve escolher o objetivo com o qual vai aplicar o conjunto de ensinamentos que decidiu ter, mas não deve se esquecer de estar pronta para atender todos aqueles que procuram socorro. Ela pode atender tanto as necessidades materiais como as espirituais; o que não pode é transigir do objetivo que traçou para si mesma.

Da mesma forma, isso vale também para o ser humanizado na sua busca individual de socorro. Ele deve tentar resolver seus problemas materiais utilizando-se dos recursos humanos existentes, mas se optou pela busca espiritual, não deve se esquecer deste objetivo.

Os dois trabalhos podem ser realizados em conjunto sem nenhum prejuízo para a casa. Isso não tem problemas... O que não pode é se alterar o direcionamento dos ensinamentos, porque senão vira hipocrisia. A casa que hora fundamenta-se no socorro fundamentado na felicidade deste mundo e hora na fundamentada no outro, acaba virando hipócrita.

A casa para poder bem ajudar às pessoas precisa ter todos os seus caminhos definidos, pois ajudar o próximo é direcioná-lo num caminho. Quando este não está bem definido, a casa não consegue promover este auxílio, pois seus trabalhadores estarão sempre em dúvida em que caminho direcionar aquele que está sendo socorrido.

 A casa tem seu caminho pré-estabelecido e este deverá ser seguido rigidamente. A casa não pode caminhar de acordo com o que o ser humanizado que a procura quer, mas mostrar a este seus caminhos. Se o caminho não for do agrado daquele freqüentador, ele que procure outro que mais se adapte à sua opção. A casa que se muda para atender a quem lhe procura não presta nenhum serviço ao ser humanizado: apenas perde sua identidade e com isso está malfadada.

Por isso falei anteriormente, que o objetivo da casa não pode ser fixado na busca de seu próprio crescimento. Muitas casas preocupadas com isso acabam transigindo da doutrina e do objetivo primário de qualquer casa de auxílio ao ser humanizado e com isso acaba virando uma torre de babel e tem como destino cair.

Não atender uma pessoa que a procura para não transigir do direcionamento de seus ensinamentos não traz nenhum malefício a casa. Pelo contrário: demonstra sua fé naquilo que acredita. Para aquele que crê em outro conjunto de ensinamentos ou que tem outro direcionamento existem centenas de opções. Ele sempre encontrará uma casa que tenha a doutrina e o direcionamento que quer para si. Sendo assim, a casa que transige de sua doutrina e direcionamento acaba se transformando em egoísta, pois quer a presença daquele ser humanizado em seus trabalhos apenas para a sua própria glória.

Sim, a casa que transige do direcionamento de sua doutrina não está preocupada com o socorro ao próximo, pois pela constante mudança deste elemento perde a capacidade de ajudar a quem a procura. Isso porque os trabalhadores não sabem o que fazer neste socorro. Por isso, este atendimento acaba servindo apenas para a glória da casa (‘minha casa está sempre cheia) e não para atingir seu objetivo.

Com isso chegamos a mais um aspecto importante para as casas: pouco importa quantas pessoas a frequenta, pois o seu valor não se consiste nisso. Pouco deve importar para a casa se existem um, dez, ou cem pessoas que a procure. O que deve ser importante para ela é alcançar o seu objetivo: ajudar as pessoas. A casa que se preocupa com quantidade, abre mão da qualidade e com isso não brilha mais na escuridão do humanismo.

Sei que os seres humanizados devem estar estranhando o que disse, mas repito: se o que a pessoa quer não estiver de acordo com a doutrina e o direcionamento que a casa optou, não faça esforço para auxiliá-la. Estranham, porque acham que é obrigação do ser humanizado fazer a caridade para todos, mas não é bem assim. Se a caridade que for feita para um colocar em risco a que pode ser feita para dez, compensa fazê-la? Se a casa tem convicção de o que optou é o melhor caminho para ajudar o ser humanizado, transigir disto, quer dizer na visão da casa, mal auxiliar. Será que isso compensa? Além de ter ajudado mal àquela pessoa, a casa que transige de suas opções apenas para satisfazer o seu desejo de ter freqüentadores, acaba retirando daquele ser humanizado a chance de ser bem atendido dentro das opções dele.

Repare: a transigência da casa à sua doutrina e seu direcionamento acaba sendo maléfica tanto ao ser humanizado que a busca, como a ela mesma. Será que há alguma glória neste atendimento?

Portanto, antes de abrir as portas da casa o ser humanizado ou grupo que pretende criá-la deve optar por um Buda (uma doutrina, um conjunto de ensinamentos) e o direcionamento que dará a ele. Depois desta decisão deve assumir o compromisso de não transigir do que foi decidido para não satisfazer aos desejos de quem lhe procura. Da mesma forma, o ser humanizado no seu processo individual de reforma íntima deve escolher seu Buda e o direcionamento que dará a ele e não transigir deles para satisfazer seus desejos humanos. Isso é fundamental tanto para um como para outro para que ele não se perca do seu objetivo no caminho.

Este é o elemento Buda do tripé que sustenta uma casa ou um ser humanizado no seu trabalho espiritual. Ter um Buda é ter uma ideologia pré-definida e ter um direcionamento fixo para ela.