Caridade espiritual

Confessem seus pecados uns aos outros

Nestas conversas não falei de atos, mas de posturas que precisam existir. Não falei de doutrinas ou ensinamentos específicos que precisam ser seguidos, mas da forma como transmiti-los. Faço isso porque os trabalhadores em modo geral não vêem no trabalho mediúnico uma oportunidade para a sua elevação e com isso adotam posturas que atrapalham o uso da ferramenta que dispõem. A maioria vai trabalhar para a sua glória, para mostrar o quanto sabem e com isso não conseguem ajudar o próximo. Usam o trabalho espiritual não como instrumento da sua elevação espiritual, mas sim para a sua fama.

Como já falei diversas vezes nestas conversas, Deus julga a intencionalidade de cada um. Por não ver a mediunidade como oportunidade de trabalho, os trabalhadores acabam participando das casas espíritas ou espiritualistas com a intencionalidade de mostrar o quanto sabem, para fazerem o que querem e para dizerem aos outros o que devem fazer.

Quando falo, também não estou criticando alguém ou dizendo que ele está errado. Não faço isso, porque tenho a consciência que a busca da fama e do elogio faz parte da natureza humana. Todos querem receber pelo menos um muito obrigado como recompensa pelo trabalho que realizaram. Falo como caminho para o melhor aproveitamento da oportunidade da elevação espiritual. Persistindo nas posturas que qualifiquei como não válidas não há problemas, pois sempre existe alguém necessitado do que o trabalhador tem para dar. Ele pode não aproveitar o seu trabalho, mas certamente quem ali vai com fé em busca de resolver suas carências será atendido.

Também não estou garantindo que a simples leitura destes textos possa acabar de vez com as posturas que não permitem o aproveitamento do trabalho mediúnico para o trabalho da elevação espiritual. Como a busca da fama e do elogio é intrínseca à personalidade humana ela reaparecerá num momento de descuido.

Estou usando estes textos para alertar aos trabalhadores que gostam da casa que trabalham e que querem fazer a sua reforma íntima, em como atacar a sua natureza humana quando da utilização do trabalho mediúnico. Tendo consciência de quem a casa serve, adotando uma postura de neutralidade com relação ao trabalho e a casa, respeitando a comunidade, a dor de cada um, aos múltiplos trabalhos e mantendo uma postura de orientador e não de salvador, o ser humanizado que trabalha numa casa espírita ou espiritualista pode aproveitar este instrumento e conseguir a sua elevação espiritual.

Ciente disso, afirmo que estes textos não devem servir para dirigentes ou trabalhadores de casas espíritas ou espiritualistas atacarem uns aos outros mostrando defeitos. Eles devem ser usados como um instrumento individual para que cada um ataque a sua própria natureza humana. Para isso é preciso que eles sejam utilizados como um guia que expõe a natureza humana de cada um e não como uma tábua de leis para julgar.

Qualquer trabalhador de uma casa, por causa do respeito à comunidade, tem o direito de mostrar ao outro que a sua postura está pondo em risco o trabalho de uma casa. Ele pode alertar o próximo de que a sua atitude está sendo guiada por sua natureza humana. Mas, para isso não precisa dizer que o outro está errado.

Ele precisa alertar e não julgar. Alertado, cabe ao outro atacar a sua natureza humana e não a quem detectou o perigo para a comunidade. Aliás, alertar sobre a utilização da natureza humana é mais que direito: é obrigação de cada membro de uma comunidade. Quem faz isso não está atacando ninguém, mas apenas defendendo a comunidade.

Aliás, sobre isso o apóstolo Tiago deixou um grande aviso: confessem seus pecados uns aos outros. O pecado que cada um tem é o que acha do outro. A opinião de um ser humanizado a respeito de outro é pecado porque afronta a liberdade de ser, estar e fazer que cada um tem sem ser criticado por isso e porque parte da presunção do que um acha é verdade absoluta.

Apesar de necessário para se manter a comunidade, este é um ponto nevrálgico para a sociedade, pois se não for bem compreendido pode transformá-la num campo de batalha. Se ele não for bem entendido, acaba transformando-se em fontes de críticas e mal estar.

Quem expõe o que está achando deve fazê-lo sem acusações, mas apenas como exposição do que está achando. Quem recebe deve fazê-lo sem sentir-se acusado, mas como uma oportunidade de esclarecer o outro o seu ponto de vista, a sua motivação.

Digamos, por exemplo, que você convive com uma comunidade e em determinado momento achou que outra pessoa agiu de tal forma e você achou esta forma errada ou danosa para o grupo. O pensamento não para por aí. Além dele dizer que tal pessoa agiu errada ou de forma danosa à comunidade, ele ainda dirá que ela agiu movida por alguma intencionalidade. Se você não expõe este pensamento ao outro e ouve a versão dele sobre o acontecido o pensamento ganhará força e passará a observar aquela pessoa criteriosamente encontrando sempre novos erros. Ou seja, lhe transformará num juiz tendencioso sobre o outro.

Com esta pessoa sua postura mudará. Estará, como se diz na Terra, sempre com um pé atrás com ela. Isso acabará com a união entre o grupo.

Portanto, se o seu pensamento lhe diz que tal pessoa fez algo de determinada forma que você não gostou, chegue a ela e exponha este fato e fale da intencionalidade que o pensamento está criando. Por exemplo: você chega para uma pessoa e diz: ‘naquele momento você agiu de tal forma que eu não gostei’. Para que esta frase não se torne uma afirmativa ou acusação, acrescente: ‘me explique porque agiu deste jeito’.

A pessoa interpelada tem, então, o direito de expor seu pensamento, de mostrar o porque fez aquilo. Esta intencionalidade, na maioria das vezes não é percebida pelas demais pessoas, pois está no íntimo dela. Quando se pede explicações para a motivação dela, a pessoa pode, então, expor sua intencionalidade. Este deve ser o momento onde as desconfianças devem acabar.

Para isso, aquele que se sentiu incomodado com o que esta pessoa fez deve ouvir sua argumentação. Mais do que ouvir, deve acreditar no que a pessoa acusada diz... Este é o ponto nevrálgico.

Muitos seres humanizados até usam a interpelação quando vêem erros em outras pessoas, mas fazem isso para cobrar, para criticar e não com a intenção de acabar com a rusga. Ouvir o que o outro diz é acreditar no que ele diz. É substituir o que achava que ela tinha feito pelo que ela diz ter feito. Quem ouve o outro com o sentido de acabar com a rusga não avalia o que ele diz, mas aceita e com isso acaba com aquilo que pensava.

Esta é a única forma de se acabar com as rusgas que existem em qualquer comunidade: expor seu pensamento ao outro e ouvir o que ele tem a dizer sobre o assunto sem avaliar o que ouve, mas substituindo sua opinião (verdade), por aquilo que ele afirma ter feito ou pela intencionalidade que ele afirma ter tido. Quem faz isso pratica o que chamamos de doação da razão.

Doar a razão é a única forma de se manter uma coletividade unida. Quando ela não existe, o que acontece é o aparecimento paulatino de diferenças que vão minar o sentimento de grupo daqueles seres humanizados.

Sim, uma só pessoa que não doe a razão quando pensa determinada coisa de outra acaba com o grupo inteiro. Isso acontece dessa forma porque ninguém consegue segurar a língua na boca. Logo esta pessoa estará conversando com outra e expondo a sua idéia e assim vai contaminando o grupo. Em breve teremos os lados bem definidos e o grupo racha como um todo.

Claro que existe uma solução humana para isso: todos sentarem e conversarem sobre o que está acontecendo. Mas, para que esperar tomar esta proporção se a mesma coisa pode ser feita no início, particularmente, entre os dois envolvidos? O trabalho é o mesmo: expor o que pensa e ouvir o que o outro tem a dizer sobre o assunto.

Aquele que é interpelado, da mesma forma não deve tomar isso como uma acusação. Ao contrário, deve ver ali uma oportunidade de expor seu pensamento e de manter a união do grupo.

O que estou falando é da luta contra a mente que dizemos sempre que é o caminho para a reforma íntima. Ela tem que estar presente em todos os momentos da existência humana de um ser universal. Por causa deste trabalho, que é a motivação da encarnação, é que afirmo que os seres humanizados trabalhadores de uma casa espírita ou espiritualista devem sempre confessar seus pecados uns aos outros.

O convívio dentro de uma comunidade é a grande oportunidade que o ser universal encarnado tem para a realização do seu trabalho de reforma íntima. Esta comunidade pode ser formada pelos amigos do bairro, pelos da escola ou pelos que dividem o trabalho mediúnico. Isso pouco importa: o importante é estar sempre vigilante para libertar-se do que a mente afirma. Quando alguém interpela outro e ouve o que ele tem para dizer sobre o assunto, ou seja, crê no que ele diz, liberta-se do pensamento original que afirma outra coisa. Com isso, aproveitou o momento para a sua reforma íntima.

Numa comunidade onde o que vale é o coletivo, portanto, é preciso que cada um dos seus participantes esteja sempre preocupado em se expor ao outro para que dessa forma evite a mente que quer sempre sobrepujar a todos.

Dentro de um grupo onde todos estão irmanados num objetivo não pode haver medo de se expor ou de ser exposto pelos outros. Este medo não deve existir, pois existindo ele não se pode construir nenhum grupo. Como se construir uma comunidade que é uma identidade à qual se agregam individualidades, se seus elementos ainda vivem apenas o que acham, ou seja, as suas individualidades?

Amizade é algo que os seres humanizados não conhecem. Eles imaginam que amigo é aquele que passa sempre a mão da na cabeça do outro ou que faz tudo o que o amigo quer. Isso não é real. O verdadeiro amigo é aquele que, quando preciso, chama a atenção do outro para as divergências entre eles. Amigo é aquele a quem você dá este direito. Amigo é aquele que tem o direito de interpelar o outro, mas também tem a obrigação de acreditar no outro por conta da amizade que os une. Amizade, algo que os membros de uma comunidade devem sentir pelos outros, portanto, é um dos elementos que justificam.

Outro aspecto da existência humana que justifica o confessar seus pecados aos outros é a questão da justiça. Todos os seres humanizados acreditam que a justiça deve prevalecer, mas não a procuram. Ao invés de ouvir o outro lado sobre a questão, escondem suas acusações. Isso é acusar sem provas, ou melhor, acusar com provas viciadas: aquilo que cada um quer que tenha acontecido. Não há como haver justiça dentro de uma comunidade onde uma pessoa, ao mostrar a acusação que tem sobre outro, ouça a defesa dele.

Portanto, a necessidade de se confessar seus pecados uns aos outros deve estar, portanto, bem clara para todos os que participam de uma comunidade. Para isso é preciso que cada um dos membros da comunidade tenha a consciência que ela não é o lugar para alguém ser elogiado, para sobressair, mas para cada um dar a sua contribuição para a glória geral.

Quando este trabalho não é realizado a comunidade não vive uma realidade, mas sim de aparências. Ela aparenta ser um grupo com afinidades que trabalham para um bem comum, mas na verdade é um grupo de pessoas que usam os outros para a sua projeção individual.

Não existe uma comunidade, não existe uma integração entre os membros de um grupo, sem que eles se exponham aos outros e aceitem que os outros tenham o direito de expô-los.