O evangelho segundo Tomé

Logia 64 - Individualismo

“064. Disse Jesus: um homem tinha convidados e quando a ceia estava preparada, enviou o seu servo para avisá-los. Foi ao primeiro e disse-lhe: meu senhor te convida. E ele disse: tenho algumas questões contra alguns comerciantes; eles virão a mim esta noite; devo dar-lhes minhas ordens. Rogo ser escusado de ir cear. Ele foi a outro e disse-lhe: meu senhor te convida. Ele disse: comprei uma casa e eles precisam de mim por um dia. Não terei tempo. E foi a outro e disse-lhe: meu senhor te convida. E ele disse: meu amigo vai casar-se e estou lhe preparando um jantar, não poderei comparecer. Rogo ser escusado do jantar. Ele foi a outro e disse: meu senhor te convida. Ele disse: comprei uma fazenda e vou receber o arrendamento. Não poderei ir. Rogo ser escusado de ir. O servo foi ao patrão e disse: aqueles que convidaste para cear escusaram-se. O patrão disse ao seu servo: vai pelas estradas, traz os que encontrares, para que possam cear. Negociantes e comerciantes não entrarão nos lugares de meu Pai”.

“um homem tinha convidados e quando a ceia estava preparada, enviou o seu servo para avisá-los”

Em mais uma parábola, Jesus nos traz outro importante ensinamento. O “homem” que prepara a ceia é Deus. A “ceia” ou banquete, como em outros ensinamentos está dito, é a felicidade universal.

Os enviados de Deus (servos) são mandados para convidar aos espíritos a participarem do Seu banquete, ou seja, da felicidade universal que existe no reino do céu. Estes enviados não são os santos, apóstolos ou os mestres, mas todos os espíritos encarnados.

Cada ser humano é um enviado de Deus, do qual Ele se utiliza para passar ensinamentos aos outros através dos atos físicos. Portanto, cada ser humano que se relaciona com outro, seja direta ou indiretamente, é um enviado de Deus que convida o outro para participar do “banquete” da felicidade universal.

“Rogo ser escusado de ir cear”

Em cada situação que um espírito participa existe um convite de Deus para que ele alcance a felicidade universal, mas para isso é preciso que o espírito abra mão da sua felicidade individual, ou seja, não utilize os seus conceitos para julgar se o que está acontecendo é “certo” ou “errado”, “bom” ou “mau”, “feio” ou “bonito”, etc.

Quando o espírito utiliza os seus conceitos e reage com eles aos acontecimentos, está pedindo a Deus para não participar do banquete, pois antes de alcançar a felicidade universal ele precisa satisfazer os seus próprios desejos.

“devo dar-lhes minhas ordens”

Antes de participar da felicidade coletiva, o espírito precisa sempre saber o que deverá acontecer para que ele seja feliz.

A felicidade individual (“o que eu quero”) não se compatibiliza com a felicidade universal porque os conceitos são individuais. Desta forma, aquilo que satisfaz a uns, não satisfaz a outros. O espírito que busca esta felicidade quer determinar que prato será servido no banquete do Senhor.

A felicidade universal é uma sensação que deve existir independente de ordens do espírito, ou seja, amar o que está acontecendo e não ter amor porque aconteceu de determinada forma. Para isto é preciso aceitar que qualquer alimento nutre, independente de se “gostar” ou não dele.

 “Não terei tempo”

Muitas vezes o espírito deixa de participar desta felicidade universal por não ter tempo, ou seja, por estar se dedicando a outras coisas. O tempo é uma questão de opção: ele sempre será o mesmo para todos, mas cada um escolhe no que o gastará.

Aquele que não participa do banquete do Senhor é porque está ocupado demais buscando a felicidade individual, ou seja, tentando conquistar objetivos individuais que satisfaçam os seus conceitos.

Deus está sempre chamando os espíritos para participar da felicidade universal, mas eles não conseguem encontrá-la porque não têm tempo para isto: escolhem por gastar o tempo buscando a satisfação pessoal.

“meu amigo vai casar-se e estou lhe preparando um jantar”

A felicidade universal, apesar de originada na felicidade do todo, é individual e não pode ser alcançada apenas com a felicidade alheia, mas sim pela felicidade em ver o outro feliz.

Aquele que busca a felicidade universal apenas satisfazendo os conceitos dos outros por “obrigação”, não conseguirá alcançá-la. É preciso que o espírito faça as coisas por amor, ou seja, mantenha a sua própria alegria.

Quando um espírito sente-se obrigado a fazer determinada coisa, mesmo que o ato seja amoroso, ele não estará participando da felicidade universal. Esta obrigação não surge da consciência do amor, mas é gerada por um conceito que “obriga” o espírito a agir de determinada forma.

Para se participar do banquete do Senhor é necessário que se tenha a consciência do amor universal.

“comprei uma fazenda e vou receber o arrendamento”

Aquele que tem a consciência do amor universal e participa da felicidade universal não espera retribuições por seus atos, pois não pratica atos esperando retribuição e não tem outro objetivo a não ser proporcionar a todos a chance de também serem felizes.

Enquanto o espírito estiver preso às Quatro Âncoras (ver logia 62) não conseguirá participar da felicidade universal.

“aqueles que convidaste para cear escusaram-se”

Deus convida a todos para participar da felicidade universal, mas poucos aceitam, pois participar desta felicidade é abrir mão do individualismo, ou seja, da satisfação individual.

O espírito que quiser servir a Deus não pode servir a ele mesmo, ou seja, não pode ter outros objetivos na sua existência que não seja este. Para se banquetear com Deus o espírito precisa abrir mão de todos os seus desejos e vontades individuais.

Todo espírito possui uma individualidade, ou seja, traços espirituais (conjunto de sentimentos) que o caracterizam. Entretanto, esta individualidade não pode gerar um individualismo, ou seja, criar objetivos individuais.

Enquanto o espírito possuir o individualismo será necessário satisfazer os seus conceitos para que ele alcance a felicidade e esta felicidade será individual, ou seja, um prazer.

Alcançar a reforma íntima (eliminar os conceitos) é acabar com o individualismo que o espírito vive. Quando isto acontecer ele participará do todo universal, pois seus objetivos não mais serão individuais, mas coletivos.

“traz os que encontrares, para que possam cear”

Todos aqueles que não tiverem individualidade (possam cear) participarão da felicidade universal: esta é a promessa de Deus.

Quando o individualismo não estiver mais presente não será necessário que o acontecimento ocorra de determinada forma para que o espírito seja feliz, pois em tudo que acontecer ele encontrará felicidade.

Ter individualidade é esperar que o acontecimento satisfaça o ser humano para ele ser feliz. O espírito, aquele que participa da felicidade universal, não busca satisfações materiais, mas alegra-se com todos os acontecimentos, pois reconhece em tudo a presença do Pai.

Ser espírito é participar de um todo universal, buscar a felicidade a partir da felicidade de todos.

O espírito não quer nada, mas encontra felicidade em tudo.

Quando assim agir, o espírito terá alcançado a real fé, ou seja, a confiança e entrega absoluta nas mãos de Deus. Enquanto tiver desejos individuais, sempre os colocará acima dos desígnios de Deus.

“Negociantes e comerciantes não entrarão nos lugares de meu Pai”

Por isto Jesus chama a estes de negociantes ou comerciantes, ou seja, aqueles que buscam negociar o amor a Deus em troca de favores pessoais. Os seres humanos condicionam o amor a Deus ao recebimento de satisfações.

Se um ser humano recebe aquilo que quer, diz que está feliz e que ama a Deus, mas se não recebe, acusa o Pai de ser injusto, de promover maldades com ele. Não há uma entrega a Deus, mas uma “negociata”.

Isto ocorrerá ao espírito encarnado enquanto ele for individualista, ou seja, tiver conceitos que precisam ser satisfeitos para que a “felicidade” seja alcançada.

Para banquetear-se com o Senhor, participar da felicidade universal, o espírito necessita não ter outros compromissos. Precisa estar sempre à disposição de Deus.

A fome, a doença e os problemas são o banquete que Deus oferece a cada um dos espíritos. É através da reação a cada uma destas situações que o espírito participará ou não da felicidade universal. Quando o espírito ama a Deus, entende que estas situações foram projetas por Ele para que ocorra a elevação espiritual.

Quando ainda se busca a satisfação individual (fim da fome, saúde e situações que contemplem os conceitos), o espírito procura satisfazer-se apenas. Esta busca representa uma negociação com Deus: me dê que eu lhe dou.

Deus não pode dar, ou ceder a estas chantagens, porque não seria justo com o espírito. Todos devemos evoluir e estas situações são necessárias para o crescimento de cada um.

Lembremo-nos de que Jesus nos ensinou que Deus dá a cada um de acordo com a sua necessidade e merecimento.

Quando o espírito alcançar o entendimento dos atributos de Deus (Causa Primária, Inteligência Suprema, Justiça Perfeita, Amor Sublime) poderá então participar do banquete do Senhor. Para isto, entretanto, será necessário amar a Deus acima de todas as coisas, ou seja, acima de seus “desejos” e “vontades” (acima do seu individualismo).