O evangelho segundo Tomé

Logia 48 - Doação da razão

“048. Disse Jesus: se dois fizerem as pazes em uma casa dirão à montanha: mova-te, e ela se moverá”.

“se dois fizerem as pazes em uma casa”

Sobre o tema paz já conversamos na logia 16. No entanto, sempre é bom revisar o ensinamento. A paz não pode ser alcançada com a subordinação de uma pessoa aos desejos de outra. Quando isto acontece, aquele que foi “sufocado” guardará a sensação e em algum momento, Deus o intuirá para tentar, novamente, impor a sua vontade. Quem age desta forma não está alcançando a paz, mas sim o domínio sobre os desejos alheios.

A verdadeira paz só é alcançada quando um espírito concede ao outro o direito de fazer aquilo que ele bem entender, sem que se encontrem erros no que foi feito. Estar em paz consigo mesmo ou com os outros é abrir mão do “poder” de querer que os fatos se desenrolem da maneira que queremos e aceitar qualquer que seja o acontecimento, sabendo que ele está perfeito.

Aquele que alcança a paz verdadeira não impõe condições para que ela exista. Não precisa ter seus conceitos atendidos para que fique feliz. Harmoniza-se com as coisas sem impor a forma que elas deveriam acontecer.

Nesta logia, quando Jesus afirma que se dois fizerem as pazes em uma casa, está ensinando a condição para que não exista o julgamento dos atos das outras pessoas. Aqueles que conseguirem conviver desta forma alcançarão o que promete Jesus no complemento do texto:

“dirão à montanha: mova-te, e ela se moverá”

Toda montanha é um obstáculo na caminhada de um espírito. Andar por vales e planícies necessita muito menos esforço do subir e descer terrenos íngremes. É neste sentido que Jesus utiliza a figura da montanha: obstáculos à caminha espiritual.

Os obstáculos que aparecem na caminhada de um ser humano são chamados de problemas. No caminho do espírito (vida material) em busca do amor universal, ele cruza diversos tipos de “terrenos”. Existem os momentos onde facilmente o espírito consegue colocar em prática este amor: são os vales e planícies. Entretanto, existem momentos onde esta prática se torna uma tarefa árdua: são as montanhas da vida.

Isto acontece porque o espírito subordina a prática do amor universal aos desejos particulares e exige que os acontecimentos sejam como ele quer para que possa reagir a eles com o amor universal. Quando isto não ocorre o espírito acha uma tarefa muito difícil escolher o sentimento do amor para reagir. Os momentos fáceis são os vales e planícies, ou seja, quando tudo se desenrola satisfazendo os conceitos do espírito. As montanhas se caracterizam por aqueles momentos onde será necessária uma doação da razão para que o amor seja colocado em prática.

Quando surge uma adversidade o espírito afirma: “estou com problemas”. Portanto, podemos definir “problema” como os acontecimentos onde o “querer” do espírito está ameaçado. O que chamamos de problema e que nos causa aflição é exatamente a possibilidade de nosso querer não ser mais forte que os desígnios de Deus...

Todos os acontecimentos da vida humana são colocados por Deus objetivando a evolução espiritual. O espírito sabe disso, mas quando se torna um ser humano, busca a felicidade material e quer coloca-la acima do real objetivo intento de sua vida: provar a cada instante a Deus que é capaz de colocar em prática o amor universal.

Para que o espírito acabe com os problemas de sua vida é necessário que ele não tenha objetivos materiais, conceitos a serem satisfeitos. Quando ele conseguir eliminar todo o seu “querer” conseguirá aceitar os acontecimentos sem questionar.

Entretanto, este é um caminho que não se alcança de imediato: é preciso passar por alguns estágios antes de alcançá-lo.

A um destes estágios chamamos de “doação da razão”. Um espírito que ainda tenha verdades individuais pode suplantar os problemas da vida, doando a razão para o causador deles. Ele ainda desejará que o acontecimento se desenrole de forma diferente, mas “aceitará” que aconteceu daquela forma. Ainda terá vontades, mas aprenderá a subordiná-las à Perfeição de Deus.

Quando um espírito tiver suas vontades próprias “ameaçadas”, deve doar a razão para quem “ameaçou” essas vontades. Ao imaginar um problema que tenha que resolver (mudar a verdade do outro), aceite o que este outro está dizendo ou fazendo, pois é Deus quem está comandando aquele ato.

O espírito que doa a razão não muda a sua verdade, mas encontra Deus por trás de todos os atos e busca a aceitação do Seu comando sobre as coisas. Ele continuará “achando” que deveria ser diferente, mas acata a decisão do Pai. Entretanto, esta forma de proceder não pode conter acusações.

Doar a razão é aceitar que outra forma de agir pode estar certa, mesmo que para você não esteja. Não se trata de aceitação momentânea e, posteriormente, dar início a um processo crítico, mas de dar ao outro o direito de praticar o que quiser, pois ele só conseguirá fazer aquilo que Deus ordenar.

Quando o espírito agir desta forma não terá que fazer maiores esforços para a sua caminhada. Estará avançando constantemente em terreno plano e não necessitará superar as íngremes montanhas que ele mesmo coloca na sua vida.

Por isto Jesus nos ensina que precisamos mover as montanhas de nossa caminhada.

A subida longa e cansativa leva ao desânimo e acabamos não fazendo a travessia. Ao invés de escalarmos os picos elevados, o melhor é aplainar o terreno. Com isto poderemos conquistar novos lugares com mais velocidade e menos cansaço. Isto só depende de nós mesmos.

Para realizar este trabalho é necessário abrir mão de nossas verdades ou ficar co elas mas doar a razão quando elas forem confrontadas. Os picos das montanhas que aparecem na nossa jornada são construídos por nós mesmos, quando estagnamos no “certo” e no “errado” das coisas. É preciso abrir mão, mesmo que momentaneamente destes conceitos, para que as montanhas se transformem em planícies.

Por isto Jesus afirma que para que as montanhas saiam de nosso caminho é preciso que antes se façam as pazes. É necessário que não se encontrem erros no proceder das outras pessoas para que os problemas não surjam. É preciso entender que Deus é a causa primária das situações, para que não julguemos os conceitos dos outros.