O evangelho segundo Tomé

Logia 30 - Ação amorosa

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Logia 30

“030. Disse Jesus: onde há três deuses, há deuses; onde há dois ou um, estou com ele”.

Jesus explicou a seus discípulos que falava através de parábolas, ou seja, que utilizava figuras para ensinar o que precisava. Por isto, muitas vezes é preciso decifrar essas figuras para se entender o ensinamento. Esta logia é um bom exemplo disso.

Precisamos compreender o significado que Jesus deu à palavra “deus”, ao sentido de ser um “deus”, à quantidade de “deuses” existentes em cada situação e à sua própria presença junto aos “deuses”. Sem isso a logia fica incompreensível, uma vez que este é um dos textos mais controversos de todo o Evangelho de Tomé.

Deus ou “deuses”?

 “Agora vamos fazer os seres humanos que serão como nós, que se parecerão conosco”. (Cap. 1 – Vers. 26)

Entendendo-se que o espírito é um só, dentro e fora da carne, podemos entender que foi este ser universal que foi criado à imagem e semelhança de Deus e não a forma material que ele ocupa. Assim, quando Jesus se refere aos espíritos como “deuses” quer dizer, aqueles que são a imagem e semelhança de Deus.

Jesus

Jesus foi definido por João Evangelista como o “verbo”, ou seja, a ação do amor sobre o planeta. Mais do que um espírito, Jesus foi o espírito que conseguiu colocar o amor em ação.

Desta forma, quando o Mestre afirma que estará presente, podemos entender que somente dentro das condições por ele estabelecidas nesta logia haverá a ação do amor universal.

Homem

Para se compreender os ensinamentos do Mestre é preciso entender que ele falava para o povo de sua época, utilizando os conhecimentos que esse povo possuía.

O Espiritualismo Ecumênico vem quebrando essa visão, mas nos tempos de Jesus e até hoje o espírito encarnado (homem) imagina-se como a composição de dois elementos: o ser humano e uma “alma”, que ele não sabe definir corretamente o que é, mas que convive com ele dentro do corpo físico. Este conhecimento, presente nos tempos de Jesus, foi explorado pelo Mestre para passar o ensinamento desta logia.

Se o homem não sabia direito o que ele era, é justo que pensasse pela informação bíblica que tanto a “alma” como ele próprio (ser humano), houvessem sido criados à imagem e semelhança de Deus e, portanto, eram “deuses”.

Neste ensinamento Jesus trabalha com esta figura: o homem dividido em dois, os quais são “deuses” por terem sido criados à imagem de Deus.

Deuses e a ação do amor

Se a ação amor (Jesus) estará onde houver um ou dois deuses (espírito e ser humano), o fato de estarem três ou mais “deuses” (duas ou mais pessoas) nos leva à compreensão de que não há uma ação do amor.

Para haver uma ação amorosa existe a necessidade de se buscar a felicidade universal, ou seja, de se premiar a felicidade universal e não a satisfação pessoal. Entendemos como felicidade universal aquela onde a alegria é sentida independente dos acontecimentos e satisfação pessoal o sentimento que o espírito alcança quando vê os seus desejos realizados.

Como não existem dois espíritos que tenham o conjunto de conceitos (querer) iguais, para que um “ganhe” (sinta-se satisfeito), é necessário que outro “perca” (não seja satisfeito). Por este motivo é que a satisfação pessoal não pode ser entendida como um ato amoroso.

Para que alguém esteja satisfeito outro estará insatisfeito, mesmo que os dois não se relacionem. Para que um ser esteja “feliz” com alguma coisa, um outro alguém, mesmo que este ser não conheça, não teve a chance de realizar o seu “sonho” de ter essa coisa e por isto está infeliz.

Dentro deste ensinamento, podemos então compreender que “deuses” (aqueles que não provocam atos amorosos) são aqueles que necessitam que seus conceitos sejam satisfeitos, ou seja, são aqueles que querem ser a causa primária dos acontecimentos.

Esta compreensão também está de acordo com a visão Deus e “deuses”. Deus é a Causa Primária do universo e o ser, que foi criado à sua imagem e semelhança busca também para si esta função. No entanto, o ser é incapaz de causar os acontecimentos, pois possui uma inteligência restrita (em desenvolvimento), o que certamente não levará a uma Justiça Perfeita e nem a um Amor Sublime.

“onde há três deuses, há deuses”

Se o homem considera-se dois (ser humano e espírito), onde houver três “deuses” com certeza haverá pelo menos dois homens se relacionando e neste momento não acontecerá um ato amoroso, pois estarão buscando a satisfação pessoal.

O homem, por não se entender como integrante do universo, não consegue compreender que ele é um espírito que possui uma existência iniciada antes da encarnação e que continuará existindo quando sair da matéria carnal. Procura a satisfação, a felicidade momentânea e fugaz.

Foi para estes que Jesus deixou o recado que “deveriam amealhar bens no céu e não na terra”, ou seja, deveriam buscar uma felicidade universal e não a satisfação material (pessoal). Para isto é necessário que o homem compreenda que ele é um espírito que vive no universo.

Quem vive no universo não busca saber nada, pois se submete aos desígnios do Pai. Portanto, para se ver como espírito, o homem precisa eliminar os seus conceitos, ou seja, o que ele acha das coisas. A felicidade universal só será conseguida quando o espírito não mais tiver desejos (conceitos) para serem satisfeitos.

Só quando o espírito abrir mão da realização de seus desejos conseguirá colocar o amor universal em ação. Enquanto buscar apenas a realização de suas aspirações, acabará levando a infelicidade para os outros.

“onde há dois ou um, estou com ele”

Estamos aprendendo neste livro que ninguém é capaz de ferir, mas que cada um escolhe o sentimento com o qual quer reagir a fatos que os outros praticam. Assim, quando o espírito busca a satisfação pessoal ele apenas provoca uma situação onde o outro ser poderá escolher sofrimento para sentir.

O sentimento que cada um escolhe para reagir aos acontecimentos “nasce” dentro do próprio ser. A esta interiorização da “raiz do sofrimento” é que Jesus se refere na continuação deste ensinamento.

Quando afirma que há um (espírito) ou dois “deuses” (ser humano e espírito), Jesus está se referindo a um homem que aplica o amor nos acontecimentos e que, portanto, não depende dos atos dos outros (o terceiro “deus”) para ser feliz. Neste caso haverá uma ação amorosa.

Ação amorosa.

Como resultado desta análise do texto de Jesus, podemos entender o ensinamento:

O amor deve nascer dentro de cada um e não depender dos atos praticados pelos outros para ser sentido.

O ser humano é aquele que precisa que os outros contemplem seus conceitos para poder reagir com amor e amealhar bens na Terra, ou seja, sua satisfação pessoal.

O espírito é aquele que ama tudo o que acontece independente dos seus conceitos. Assim, ele está juntando bens no céu, ou seja, merecimentos positivos junto a Deus, pois cumpre a Sua lei: amar a todos como a si mesmo.