O evangelho segundo Tomé

Logia 15 - Filiação

“015. Jesus disse: quando virdes aquele que não nasceu de mulher, prosternai-vos de face no chão e adorai-o: ele é vosso pai”.

“quando virdes aquele que não nasceu de mulher”

O ser humano atribui a sua individualidade à forma da matéria. O preto, branco, mulato, negro, índio, oriental, árabe, judeu etc., são distinguidos uns dos outros por traços físicos.

Esta valorização da forma faz o ser humano se entender como a forma que o corpo físico tem. Uma vez que o ser humano se considera corpo, seu nascimento é o aparecimento desta forma física. Portanto, acha que ele foi gerado por uma mulher, depois da concepção que se deu por motivos biológicos.

Já quem se vê como espírito, compreende que não é a forma física, mas que o corpo, como matéria, é “o laço que retém o espírito; é o instrumento de que ele se serve e, ao mesmo tempo, sobre o qual exerce a sua ação” (Livro dos Espíritos, perg. 22).

Se o espírito não é a forma física, não pode ter sido gerado pelo parto, mas ter outra origem.

“78 – Os espíritos tiveram princípio, ou existem como Deus, de toda a eternidade?”

“Se os espíritos não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, ao passo que eles são sua criação e submetidos à sua vontade.” ...

“81 – Os espíritos se formam espontaneamente ou procedem uns dos outros?”

“Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela sua vontade; mas ainda uma vez a origem deles é mistério”. (Livro dos Espíritos – Allan Kardec)

Estas duas respostas dadas pela espiritualidade no século XIX a Allan Kardec já transmitiram ao mundo carnal a origem dos espíritos: Deus.

Na pergunta 81 a resposta é ainda mais clara: o espírito não procede um do outro. Por esta procedência podemos entender a figura da mãe material: nenhum espírito nasce de uma mulher, pois já existia, antes do parto, na espiritualidade menos densa.

Por isso Jesus deixou diversos ensinamentos avisando que os espíritos que o seguissem teriam de abandonar suas famílias. O próprio Jesus questionou quem eram Sua mãe ou os Seus irmãos.

Quando o espírito acredita que nasceu de uma mulher, ele dedica a este espírito (a mãe), o amor que deveria creditar a Deus. Achando que a fonte de sua vida é o espírito a quem ele chama de “sua mãe”, por causa de seu nascimento, eleva-o acima dos demais irmãos em caminhada. Esta forma de proceder quebra a igualdade necessária entre todos para que exista o amor universal.

O espírito para viver com o amor universal não pode endeusar nenhum outro acima dele, mas dedicar este amor a Deus, o Criador Supremo. Portanto, aquele que se vê como espírito reconhece como seu pai e sua mãe o Pai Celestial, fonte de sua vida.

O ser humano que acredita que foi gerado pela mãe, busca diferenciação entre os demais espíritos na carne e cria as diferenças de amor entre as pessoas.

Para se ver como espírito já, deve o ser humano buscar a sua verdadeira origem no Pai Celestial, creditando-lhe o amor sublime que devota ao pai e à mãe material.

Para facilitar esta compreensão, temos que entender que, como alertado diversas vezes no Livro dos Espíritos, os seres humanos possuem diversas palavras que podem parecer sinônimos, mas que muitas vezes alteram o sentido do ensinamento. O conhecimento geral diz que Deus “cria” o espírito, mas esta palavra traz uma interpretação errônea. A criação por parte de Deus subtende que o espírito é obra, algo externo ao Pai. Na verdade, o espírito é gerado por Deus, ou seja, é uma individualidade que faz parte Dele. Somos filhos legítimos de Deus e não uma obra Sua. Esta é a visão que o espírito deve ter de seu nascimento: um parto divino.

O ser humano é, sim, obra de Deus. O corpo físico foi criado por Deus, na sua forma, para que servisse de instrumento aos espíritos nas suas provas, penas e missões que devem executar durante a vida carnal. Cada corpo não separa uma individualidade de matéria, mas serve ao espírito para vencer sentimentos negativos: o espírito que encarna em um corpo negro, não é negro, mas tem como prova suportar o racismo existente; o espírito que encarna como um índio, não possui aqueles traços, mas tem como missão preservar a natureza para os outros.

Na verdade, todo e qualquer grupo étnico é um grupo de espíritos que possui penas, provas ou missões afins. Por isto o corpo físico é obra de Deus, ou seja, Sua criação adaptada às necessidades do espírito.

“prosternai-vos de face no chão”

Aquele que se reconhece como espírito nutre o amor universal e, portanto, deve ser seguido para que este amor contamine aqueles que não o tem.

O espírito que sabe que nasceu de Deus possui a verdadeira alegria: a universal. Para ele não existe necessidade de ter seus conceitos satisfeitos para ser alegre, pois tem a consciência do direito dos outros. Esta alegria acaba com a posse, pois o espírito que reconhece em Deus o seu Pai, sabe que ele é filho do Dono de todas as coisas e que por isso elas já são suas também. Ele não precisa possuí-las, pois reconhece que já as tem, mesmo sem estar em seu poder.

Não é preciso ter a flor dentro de casa para se alcançar a alegria, pois ela já estará dentro de todos aqueles que a olharem. O espírito, ao observá-la, guardará dentro de si o sentimento que dela emana e, assim, com ela permanecerá o todo o tempo. O ser humano, que se preocupa com a forma, necessita arrancar a flor para admirá-la sempre e para alcançar a alegria.

O espírito possui a essência das coisas dentro de si mesmo, enquanto que o ser humano necessita da forma para lhe trazer o sentimento.

Quem tem o amor universal tem uma preocupação constante: o sofrimento que pode causar a outro e a si mesmo. Não possui conceitos, pois sabe que precisará satisfaze-los para alcançar a felicidade e, com isso, certamente trará infelicidade para outros.

Aquele que se considera espírito não discorda dos outros e nem encontra certo ou errado, bom ou mal, pois sabe que na essência todos os espíritos são puros e inocentes como na sua origem. Ele sabe que a forma de proceder dos seres humanos não é por “maldade”, mas baseada na necessidade da contemplação de seus conceitos.

Todos são iguais, todos são filhos de Deus e aquele que se reconhece como espírito conhece esta verdade.

Quem já se sabe espírito, não menospreza quem ainda não alcançou esta verdade porque sabe que ela já existe dentro de cada um: falta apenas vencer os conceitos para poder exteriorizá-la. Com este raciocínio, o espírito não critica seu irmão mas procura auxiliá-lo a encontrar seu verdadeiro “eu espiritual”. Não aceita a posição de líder ou de mestre, mas de um amigo que quer caminhar de mãos dadas em direção ao Pai.

Por isto Jesus nos avisa que esse espírito deve ser seguido e acatado. Estar junto com espíritos que se reconheçam como tal facilita a missão de quem ainda não exteriorizou o conhecimento que já possui.

“ele é vosso pai”

É desta forma que Deus age na direção da vida dos espíritos: Ele está sempre preocupado em trazer a alegria aos seus filhos, não satisfazendo seus conceitos, mas dando-lhes aquilo que os faça evoluir.

Sem que o espírito tenha a consciência do sofrimento que pode causar aos outros, não consegue evoluir, por isto, Deus lhe coloca situações onde ele receba os mesmos sentimentos que emitiu para, através da própria experiência, conseguir alterar-se.

Deus trata cada filho como “filho único”. Ele dispensa a cada um uma atenção particularizada, não priorizando um face ao outro. Nunca um espírito poderá carregar a cruz de outro, ou passar o que o outro deve passar. A cada um Deus dá de acordo com as suas obras.