O evangelho segundo Tomé

Logia 14 - Vigiai

“014. Jesus lhes disse: se jejuardes, pecareis contra vós próprios, se orardes, sereis condenados e se derdes esmolas, levareis malefícios a vosso espírito. E quando fordes a quaisquer terras, e, ao vaguear pelas redondezas, vos receberem, comei o que puserem à vossa frente, curai os que estiverem doentes em meio deles, pois o que entrar pela vossa boca não vos corromperá, mas o que sair de vossa boca, eis o que vos corromperá”.

“o que sair de vossa boca, eis o que vos corromperá”

Para que o ensinamento acima possa ser compreendido, é preciso que iniciemos a análise da frase acima, para depois estudarmos o texto todo.

A fala, o que sai pela boca, é um ato resultante do processo raciocínio que o espírito, a inteligência que habita o corpo, utiliza para se comunicar com o mundo exterior. As palavras são escolhidas pelo espírito para que representem a decisão tomada pelo raciocínio após a análise da percepção.

Entendendo-se que o processo raciocínio depende do sentimento que o espírito escolhe para reagir à percepção, podemos afirmar que a fala é um espelho deste sentimento, que a fala materializa o sentimento que o espírito escolheu.

Por isto Jesus afirma que o que sai da boca da pessoa é o que a corrompe: quando um espírito escolhe um sentimento negativo para reagir a uma percepção, ele está negativando tudo à sua volta, espalhando o sofrimento entre os outros espíritos.

Jesus nos ensinou em outras mensagens que o espírito deve viver vigilante de seus atos. Isto acontece porque o espírito que está preso a uma matéria não consegue entender os seus próprios sentimentos. Por diversas vezes engana a si mesmo, achando que pratica determinados atos decorrentes de determinado sentimento, mas na verdade está utilizando-se de outro. Portanto, para que o espírito entenda seus sentimentos, é necessário que esteja vigilante quanto aos seus atos, uma vez que eles são materializações do sentimento. Se um espírito nutre sentimentos negativos, o ato espelhará este sentimento.

Vigiar os atos é, antes de tudo, vigiar os pensamentos, pois estes o espírito consegue “enxergar” conscientemente; é preocupar-se com as “estórias” que são criadas dentro de nós mesmos a respeito de outros espíritos e outros fatos.

Quando um espírito percebe dentro de si mesmo uma estória, onde, principalmente, acusa outros espíritos, certamente não está utilizando sentimentos positivos. Toda acusação é oriunda do “eu acho”, pensamento que o espírito recebe para materializar um sentimento.

Entretanto, muitas vezes o espírito recebe estas estórias (pensamentos) achando que o objetivo é auxiliar seus irmãos. Ele imagina que acusa com o sentido de descobrir o “erro” e, assim, poder auxiliar as outras pessoas. Porém, antes de acusar, houve um julgamento e este não foi feito com base nas verdades universais, mas apenas nos seus conceitos particulares.

Para poder vigiar seus pensamentos, o espírito deve sempre fazer uma pergunta a si mesmo: “e daí?”.

“E daí, para que eu quero saber se aquela pessoa arruma a casa?”

“E daí, para que eu quero saber por que ela agiu daquela maneira?”

Estas perguntas auxiliam o espírito a se aprofundar na real intenção do raciocínio, ou seja, o sentimento utilizado para que esse raciocínio acontecesse.

Sempre que a resposta espelhar um sentimento ligado às “Quatro Âncoras” (ganhar/perder, prazer/desprazer, elogio/crítica, fama/infâmia), o sentimento utilizado como base para o raciocínio foi negativo. Todos os sentimentos que representam estas “âncoras” estão ligados ao “eu”, ao individualismo e, portanto, espelham um sentimento de posse, poder, uma negatividade.

Porém, se a resposta encontrada for a busca da alegria de todos, a consciência de que outras pessoas ou o próprio espírito não irão sofrer e se a igualdade for mantida entre todos, estará ligada ao “Amor Universal” e, portanto, espelhará um sentimento positivo.

 Esta é a vigilância que o espírito deve ter a cada segundo de sua existência, não importando em que densidade de matéria ele esteja ocupando. Só a prática do conhecimento do sentimento que move o raciocínio pode levar o espírito a não ofender nem magoar outros espíritos.

“se jejuardes, pecareis contra vós próprios”

O jejum sem o amor universal é um pecado que o espírito infringe contra ele mesmo, pois se trata de uma auto-flagelação, que pode trazer doenças consideradas pela espiritualidade como auto-extermínio, ou suicídio.

“E daí, para que eu quero fazer jejum?” Se a resposta for para cumprir uma obrigação, para satisfazer a Deus ou ainda para o embelezamento do corpo, o espírito estará utilizando sentimentos para trazer a sensação de ganho, prazer, busca de elogios e procurando a fama. Porém, se a resposta for para que sobre mais comida para os outros, para que não haja escassez de alimentos, aí, então, o espírito estará espelhando alegria universal, preocupação com o sofrimento dos outros e igualdade entre todos. Este jejum será considerado um ato de amor e o espírito não sofrerá conseqüências pela ausência de alimento.

“se orardes, sereis condenados”

Se o espírito perguntar “e daí?” quando estiver orando e encontrar na resposta a obrigação, ele não estará orando com amor.

Esta oração não levará o espírito a conscientizar-se das palavras que estará pronunciando e de nada adiantará a ele orar por horas seguidas, por exemplo o Pai Nosso, se ele não entender que a oração deve ser uma invocação, uma ligação com Deus. Na oração, o espírito deve se comprometer a praticar atos positivos para que possa receber as bênçãos de Deus.

O espírito ora, pedindo a Deus “venha a nós o Vosso reino”, mas quando Deus lhe dá o Seu reino, ou seja, as provas pelas quais o espírito deve passar, ele se rebela acusando Deus de injustiça. Pede que “seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no céu”, mas depois se esquece disso e se acha auto-suficiente para viver uma vida na qual Deus não seja a Causa Primária de tudo.

O espírito pede a Deus que lhe dê “o pão nosso de cada dia”, mas depois acha que foi ele conquistou o seu salário, com seu próprio sacrifício...

Quando o espírito ora sem o sentimento do amor, ele se compromete a fazer diversas coisas, mas não pratica nenhuma delas. Por isto precisa passar por mais situações de sofrimento, trabalhar mais arduamente, receber mais ofensas, para, assim, aprender a colocar o amor nestes novos atos e também aprender a orar com o amor universal.

 “se derdes esmolas, levareis malefícios a vosso espírito”

Sempre que um espírito raciocina, ele propaga no Universo o sentimento que o gerou. Quando o ato oriundo do raciocínio se dirige a coisas materiais, elas se impregnam destes sentimentos. Por isto, quando o sentimento que levar ao raciocínio para se praticar a caridade tiver como base um sentimento negativo, este se impregnará no objeto da doação.

Sendo a caridade praticada com o objetivo de haver ganho pessoal com aquele ato, trazendo o prazer de ser elogiado, alcançando a fama, o material doado estará carregado de sentimento negativo. Este sentimento poderá contaminar o espírito que o receber.

Entretanto, se quem receber a caridade, recebê-la com amor, não merecerá receber junto a carga negativa e, por isto, Deus fará estes sentimentos serem devolvidos ao emissor

Se, porém, o recebedor da caridade merecer, esta carga negativa será distribuída igualmente entre o emissor e o receptor, pois eles assim merecem.

O sistema de vida na carne é baseado na ”Lei de Ação e Reação”. Todas as coisas que acontecem durante a vida encarnada do espírito são reações a ações que foram praticadas nesta ou em outras encarnações. Portanto, não existe certo ou errado, bom ou mal, mas acontece para os espíritos aquilo que eles mesmos propagaram. Toda a vida humana tem elos que interligam cada acontecimento como reação de um acontecimento anterior, na mesma polaridade (forma) e com a mesma intensidade.

Este conhecimento pode fazer o espírito alcançar a visão da Justiça de Deus, da Sua Inteligência Suprema e imaginar o Seu Amor Sublime. Quando alcançar estas três verdades, o espírito conseguirá entender a alegria universal, alcançará a consciência do sofrimento que poderá despertar nas outras pessoas e saberá o que é igualdade plena entre todos.

“comei o que puserem à vossa frente”

Apenas uma analogia de Jesus referente a proibições de consumo de determinados alimentos entre os judeus.

“curai os que estiverem doentes em meio deles”

Jesus não fala na cura física e sim na cura espiritual. Para que o espírito realmente possa “curar” outro é necessário que ele seja um distribuidor de amor, pois apenas este sentimento pode curar. Fazer a cura é transmitir o amor que eliminará os sentimentos negativos, trazendo, então, o espírito, para o reino do céu.