O evangelho segundo Tomé

Logia 101 - Mãos e vozes

“101. Disse Jesus: Aquele que não odeia seu pai e sua mãe como eu não poderá ser meu discípulo. E aquele que não ama seu pai e sua mãe como eu não poderá ser meu discípulo, pois minha mãe (....) mas minha verdadeira mãe deu-me a Vida”.

Nota: Complete os parênteses da logia com os seguintes dizeres: “deu-me a vida”. Portanto, o final do texto deve ser entendido da seguinte forma: “pois minha mãe deu-me a vida, mas minha verdadeira mãe deu-me a Vida”.

Irmão José

Nasci!

Que coisa boa! Meus pulmões se enchendo e esvaziando do ar que eu tanto necessitava! Na hora do calor sempre havia uma brisa refrescante; na hora do frio o calor de um corpo me esquentava. Quando uma dor começava em minha barriga, um seio farto e generoso me oferecia o líquido que acabava com aquela dor!

Cresci!

Desde os meus primeiros entendimentos lá estava aquela mão para me educar. Muitas vezes ela me amparava para não cair, mas outras vezes me mostrava que não deveria agir de determinada forma. Seja por uma ou outra intenção, aquela mão estava sempre perto para me ensinar como me portar naquele mundo desconhecido...

Tornei-me criança!

Agora a mão vinha sempre acompanhada da voz. Eram diversos ensinamentos que recebia a cada instante, mostrando-me o que era mais importante para a minha felicidade, onde podia ou não podia ir, com quem deveria estar, o que fazer. Tudo sempre objetivando que eu fosse feliz.

Virei adolescente!

Agora a mão aparecia menos. Não havia mais os carinhos nem as palmadas: a voz assumia o comando da minha vida. Agora seus conselhos se preocupavam com o meu futuro. Era preciso que eu escolhesse perfeitamente a minha carreira para que não me faltasse nada materialmente no futuro. Se faltasse, não teria felicidade...

Sou homem!

A voz continua sempre presente. Agora é a vez da escolha da companheira para o resto da vida. A voz aconselha: ela deve ser honesta e estar à altura do seu poder futuro. Seguindo as suas dicas, me apaixono por alguém como a voz descreveu. Constituo família, tenho filhos para os quais me torno a “mão”.

No campo profissional a voz continua me empurrando para cima. É preciso estar sempre do lado dos “poderosos”. Assim ela fala, assim eu sigo, pois é lá que está a minha felicidade, a minha vida.

A voz se cala!

De um momento para o outro, aquela que foi a minha guia durante toda a vida se cala para sempre. E agora, como saber o caminho certo, onde estará a felicidade? Eu nunca havia pensado por mim, mas sempre seguido a minha voz guia...

Desamparado e só, todos os caminhos parecem obscuros. A felicidade não parece tão feliz. A companheira não parece mais tão atraente...

Uma nova voz surge!

Começo a ouvir uma nova voz dentro de mim. Ela pergunta: “E daí? Onde está a felicidade que você procurava no poder, nas posições corretas? Que felicidade é esta que não deixa feliz, mas que sempre exige mais para aparecer?”.

Para encontrá-la, passo, então, para o vício da bebida e das paixões que, aparentemente, trazem a felicidade que não encontro mais nas coisas que a voz me guiou para conquistar...

A morte chega!

Depois de um gole e de uma noite de prazer que era a minha vida e a minha felicidade, uma dor forte enche o meu peito. Vejo toda a correria à minha volta, sou carregado para um hospital e, no corredor, encontro minha mulher e meus filhos. Quero dizer para eles que está tudo bem, mas eles não me vêem.

Alguém aparece e me diz que eu não estou morto. Naquele desespero só penso que a felicidade que a “mão” queria para mim, tinha ficado em um lugar que eu não podia mais estar. E agora, quem poderia me guiar novamente para a felicidade?

Continuo vivo!

Foi fácil me acostumar àquela vida de “morto vivo”. Na hora que precisava da bebida para ter a felicidade era só procurar um dos muitos bares da cidade que lá sempre encontrava alguém em quem podia me encostar e junto com ele me embebedar. Quando a felicidade precisava de sexo, eram muitos os lugares onde encontrava a luxúria para me satisfazer!

De bar em bar, de cama em cama, encontrava a felicidade para a qual a “mão e a voz” me conduziram. Mas aquela outra voz continuava a me perguntar: “E daí?”.

O desespero chega!

Como todo viciado, cada vez precisava mais dos instrumentos da minha felicidade para alcançá-la. Esta era minha vida, a vida que tinha sido alcançada seguindo os caminhos que a “mão e a voz” indicaram...

A outra voz continuava a me perguntar: “E daí?” Quanto mais pensava nesta pergunta, menos encontrava a felicidade, apesar de mais utilizar os instrumentos que me faziam alcançá-la. Vivendo mais momentos de infelicidade, a pergunta ficava mais difícil de responder. Antes podia dizer: “Sou o dono do mundo”. Agora não tinha resposta.

Um dia a resposta veio: “Nada ganho com o que tenho”. Foi como uma “ducha” que me lavou por inteiro. De uma só vez afirmei: “A felicidade que procurei não existe”.

Nasci de novo!

Uma nova mão se aproximou e me aconchegou. Guiou-me por novos caminhos e a voz que perguntava “E daí?” começou a falar outras coisas. Falava de uma outra felicidade, ensinava como conquistá-la!

Aos poucos, como a criança que tinha sido, fui aprendendo tudo aquilo que a voz me ensinava. A mão não parava de afagar-me e cada vez que ela fazia isto me sentia mais limpo, mais vivo e mais feliz!

A criança que nascera novamente foi aos poucos crescendo e sendo guiada por aquela nova voz e a mão e foi aos poucos aprendendo o caminho para encontrar a sua felicidade. Uma nova vida nascia. Uma vida eterna, vivida em felicidade completa!

Compreendi tudo o que a outra mão e voz haviam feito comigo. Descobri que a intenção não era prejudicar-me ao mostrar aquele caminho, mas que visava realmente me levar à felicidade. O problema é que aquela mão não era capaz de criar para mim uma vida realmente feliz...

Puberdade espiritual!

Como na outra vida, seguindo a orientação da voz, ia me aprofundando nos segredos desta nova vida. Um dia, toda a compreensão foi atingida. A primeira mão e voz não pertenciam a uma outra vida, mas eram parte de uma única existência. Sua ação não fora desastrosa, mas sempre visara a verdadeira felicidade. Se elas não tivessem agido daquela forma, eu não teria encontrado a “felicidade” que encontrei naquele tempo e não poderia estar hoje participando desta nova e verdadeira felicidade.

Compreendi profundamente que a outra mão e voz sempre foram guiadas por esta Mão e seguia os conselhos que esta Voz lhes dizia. Neste momento, descobri realmente o que era felicidade.

Com esta compreensão comecei a viver para a Vida, para a Voz e para a Mão. Passei a viver para Deus, porque descobri que sempre foi Ele a Voz e a Mão que estavam por trás da outra voz e da outra mão!

Neste momento comecei a viver feliz.