A lei e a fé - Carta aos romanos

Escravos de Deus

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E daí? Será que temo o direito de pecar porque não estamos debaixo da Lei, mas debaixo da graça de Deus? (Capítulo 6 – versículo 15).

Pecar dentro do sentido que até utilizamos para este termo: participar de ações com intencionalidade individualista. Não confundir pecado com ações praticadas que firam os códigos de moral da religião.

Assim sendo, Paulo pergunta: será que, por estarmos libertos do jugo da lei (da obrigação de cumpri-la), podemos ser individualistas?

De jeito nenhum! Porque vocês sabem muito bem que, quando se entregam como escravos para obedecerem a uma pessoa, são de fato escravos dela. Portanto, vocês podem obedecerem ao pecado, que produz morte, ou podem obedecer a Deus e ser aceitos por ele. (Capítulo 6 - versículos 15 e 16).

Nós já havíamos estudado ensinamento semelhante no Bhagavad Gita. Trata-se da questão de libertar-se da intencionalidade e não da prática de determinados atos.

O Bhagavad Gita foi um grande mestre neste sentido, pois lá Krishna (o Cristo dos hindus, o mestre), insiste com o seu discípulo (Arjuna) que, em louvor a Deus, ele deveria participar de uma guerra, mesmo sabendo que iria matar seus próprios parentes. É aí que o Bendito Senhor diz a ele: lute, mate, mas contenha a sua intenção, a sua vontade.

Encontrando agora esta mesma informação em Paulo, podemos, então, afirmar que todos os mestres são uníssonos: acabe com as intenções e não se preocupe com as ações.

Não importa o que você faça, saiba que é Deus que está utilizando seu corpo e mente para a prática do ato. Preocupe-se apenas em manter a neutralidade, ou seja, não ter opiniões sobre o que está acontecendo nem esperar nada como recompensa ou pena.

Quando vivencia o ser humanizado vivencia os acontecimentos de sua vida desta forma, torna-se escravo de Deus, pois faz o que lhe é mandado sem contestações ou sem querer levar alguma vantagem. Agora, se ao contrário, ele se torna escravo do pecado, acreditará nas motivações e compreensões que o ego dirá que é a realidade que está sendo vivenciada.

Mas, damos graças a Deus porque vocês que antes eram escravos do pecado, agora já obedecem de todo coração às verdades que estão nos ensinando. Vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus para fazerem o que ele quer. (Capítulo 6 – versículo 17 e 18).

Aqueles que conseguem compreender a necessidade da libertação do ego colocam-se conscientemente à disposição de Deus. Com isso, elimina-se toda intencionalidade.

O ser humano, a consciência à qual o espírito se liga na encarnação, foi criada para fazer o que Deus quer e não o que ela quer. É isso que diz o Espírito da Verdade no texto que já lemos: “a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus”. O espírito toma corpo para, do ponto de vista da obra geral, e não do individual, cumprir as ordens de Deus e não para fazer o que ele quer.

Isso é Realidade, mas não para os seres humanos. Eles imaginam, mesmo aqueles que acreditam na reencarnação, que, depois de encarnarem, são autônomos do Senhor e podem praticar o que eles querem. Engano desmentido pelo próprio Espírito da Verdade, o mestre dos espíritas.

Portanto, problema não é o que cada um faz, já que este fazer é a obra geral comandada por Deus, mas a intencionalidade que se coloca quando se participa daquilo que o Senhor faz. O ser universal encarnado ao se libertar do individualismo não irá fazer o que quer, (viver a vida que deseja viver), mas vivenciará a criação de Deus sem intencionalidades.

Ele continuará fazendo a mesma coisa de sempre e sendo a mesma pessoa. Por isso já disse aqui muitas vezes quando alguém vem falar comigo sobre suas ações: eu não me preocupo com o que vocês fazem.

Isso porque tenho a consciência de que todas as ações que vocês participam são frutos dos desígnios de Deus e a parte de cada um na obra geral. Sei também que vocês jamais poderão mudar-se, porque nasceram para ser exatamente quem são e para participarem destas ações.

Compreendam: cada um nasce com uma determinada natureza e Deus a utiliza para gerar o carma dos outros.

Estamos falando de índole. Cada um possui uma índole específica que é necessária para Deus como elemento a ser utilizado na obra geral. Por isso vocês são assim. Ele, então, explorará a natureza, a personalidade de cada um, para criar a ação carmática que o outro precisa e merece.

Se você, por exemplo, é irascível e não consegue segurar a língua dentro da boca, Deus utilizará isso e lhe fará participar de ações onde o outro precise, como carma, de receber tal atitude. Mas porque determinado espírito vem com esta índole? Porque este é o gênero da prova que ele, na sua consciência espiritual, pediu antes da encarnação.

Por isso o Espírito da Verdade afirma que cada um contribui com a obra geral, mas também se adianta, quando compreende a Realidade do Universo. Aquele que sabe que não é irascível, mas que está para deixar de ser, pratica atos que espelhem sua ira, mas não come os frutos dessa ação: tem prazer em ser ou dor por ser.

Portanto, o problema não são os atos (brigar motivado pela raiva), pois a briga faz parte da obra geral. O problema é se sentir prazer ou culpa por causa disso. Isso, com relação à elevação espiritual, é que é o problema.

Participante: O senhor falou de índole como algo fixo, que é único desde o nascimento. Acontece que existem algumas pessoas que alteram o seu padrão comportamental ao longo do tempo. Como fica isso?

Deus mudou o trabalho daquele ser para a obra geral. Ou seja, Ele alterou a índole para que este ser se adaptasse a novos desafios. Mas, isso não acontece ao acaso...

Lembre-se que Deus é Onisciente, ou seja, sabe de tudo. Sendo assim, ele já sabia que sua índole, em determinado momento seria alterada. Sendo assim não houve, na verdade, uma alteração, mas o mesmo planejamento continuou sendo executado.

Participante: Nós podemos nos libertar de nossa índole?

É impossível se livrar dela, ou seja, deixar de ser quem é. O que pode ser realizado é a libertação da alimentação dos frutos dela. Deixe-me explicar.

Vamos dizer que você veio como crítica. Esta é a sua índole e Deus a usará. Seria impossível você se alterar, pois a sua encarnação interage com as demais e, se você mudasse sem que isso estivesse previamente traçado, alteraria também a encarnação de outros.

Portanto, por uma questão de interdependência entre as encarnações (obra geral e não particular) seu modo de agir motivado pela sua índole não pode mudar. Só que, quando você voltar-se para Deus e abandonar as intencionalidades individualistas que dão valor aos acontecimentos, não sentirá mais prazer ou dor por ser do jeito que é.

Pode, ainda, como já disse, se estiver pré-programado, mudar a sua personalidade, mas cada ser humanizado terá sempre uma natureza, uma índole, com a qual vivenciará inconscientemente durante os acontecimentos da vida. Jamais o ser humanizado se transformará deixando de ser o que é e passando a ser um santo (praticando atos considerados bons) como fruto de sua reforma íntima.

Alem do mais, se libertar da índole ou não (mudar sua forma de agir), deixa de ser o primordial para quem entende o ensinamento. A libertação da índole só é importante para aquele que julga atos, que quer ser outra pessoa.

Quem entende bem os ensinamentos sabe que o problema não é a índole, mas o fruto dela: o prazer e a dor surgidos na convivência com ela. O problema é querer gozar o fruto positivo (‘briguei mesmo, ele merecia, pois não presta’) ou negativo (‘eu não presto, porque fui fazer aquilo’) da sua índole.

A índole, por exemplo, é fundamentada na cobiça. Se, motivada por ela, Deus fizer a obra geral lhe dar posses materiais e você querer gozar isto, nada terá realizado. Do mesmo jeito, se sofrer por que não tem o que cobiça, nada terá realizado.

Agora, se mesmo querendo, possuindo ou não, você mantiver uma postura sentimental equânime, terá alcançado a liberdade do ego e terá saído do pecado que Paulo fala.

Falo com palavras bem simples por causa da fraqueza de vocês. No passado vocês se entregaram inteiramente como escravos da impureza e da maldade para servirem o mal. Agora, entreguem-se como escravos de Deus para viverem uma vida de santidade. (Capítulo 6 – versículo 19).

Vocês não se entregaram até hoje àquilo que a sociedade diz que é certo ser feito? Entreguem-se agora da mesma forma, com a mesma intensidade, àquilo que o apóstolo Paulo ensina...

Vocês nunca raciocinaram a entrega àquilo que a sociedade diz que é certo fazer - andar na moda, praticar as boas ações, seguir as normas de higiene e comportamento, etc. Simplesmente se entregaram...

Agora aja da mesma forma com os ensinamentos de Paulo: se entregue sem questionar. É para a mesma entrega que vocês já fazem que o apóstolo está chamando A única diferença é o alvo da entrega: ao invés de entregar-se aos padrões humanos, entregue à glória de Deus...

Não procure saber como, onde e quando se entregar: simplesmente se entregue...

Para isso vocês precisarão ter o mesmo carinho, atenção e zelo que sempre tiveram no relacionamento com as coisas materiais com o seu relacionamento com Deus.

Quando vocês eram escravos do pecado, não faziam a vontade de Deus. Porém, o que é que vocês receberam de bom quando faziam aquelas coisas de que agora se envergonham? Pois o resultado de tudo aquilo é a morte. Mas agora vocês foram libertados do pecado e são escravos de Deus. Por isso a vida de vocês está completamente dedicada a ele, e como resultado terão a vida eterna. (Capítulo 6 – versículos 20 à 22).

Aqueles que tiverem o zelo na sua relação com Deus receberão a vida eterna... Aqueles que zelarem por sua relação com as coisas da vida seguindo os padrões do mundo, terão que reencarnar e, por isso, as suas vidas (existências) serão sempre vivenciadas no nascer e morrer.

Porque o salário do pecado é a morte, mas o presente de Deus é a vida eterna para quem está unido com Cristo Jesus, o nosso Senhor.

Eu acho que esta deveria ser uma frase a ser bem guardada na consciência de cada ser humanizado: o salário do pecado é a morte.

Salário é a retribuição que cada um recebe por um esforço. Utilizando-se este entendimento, Paulo nos afirma que a retribuição que cada ser universal tem pela sua dedicação aos padrões humanos de certo e errado é a morte, a permanência na roda de encarnações.

Essa é a retribuição, a única coisa que cada um ganha ao se dedicar ao eu. Todo resto que ele acha que ganha (o prazer, as coisas materiais), fica na consciência humana e perde-se com a volta à consciência espiritual.

A real recompensa do espírito que se entrega ao eu é o ciclo de encarnação: nascer e morrer constantemente até que um dia conscientize –se da Realidade e renuncie ao pecado vivendo para, com e em Deus.