Conversando com um espiritualista - volume I

Dor física

Participante: vamos dizer que um espiritólogo se depare com pessoas pedindo ajuda relatando a seguinte vivência: sofri um acidente e estou sentindo uma dor terrível ou tenho uma doença grave e sinto dores constantes, mesmo com a ajuda de remédios fortes. O que eu posso fazer para não sofrer ou sofrer menos? Alguns mestres espirituais conseguiram eliminar sua identificação com o corpo e não sentir mais dor. Caso positivo, como?

Você está sentindo uma dor? Sim, está. Isso é ponto pacífico. Outro detalhe. Não tem remédio que consiga tirar a dor? Não tem. Outro ponto pacífico. Alguns mestres conseguiram se libertar da prisão ao que o corpo sente? Sim, alguns mestres conseguiram. Mais um ponto pacífico. A partir disso, lhe pergunto: o que você pode fazer neste caso? Tem duas opções: ser um mestre ou aprender a sentir dor!

Veja, você tem a dor, o remédio não a tira, os mestres sabem como não sentir a dor; neste caso, ou você aprende a ser um mestre, para não sentir a dor, ou aprende a conviver com a dor, já que o remédio não tira a dor. Estas são suas duas únicas possibilidades.

O problema é que vocês sempre querem soluções que não existem! Vocês querem, por exemplo como no caso da sua pergunta, não sentir a dor não sendo mestre. Isso é impossível.

Lembro uma vez que estávamos fazendo uma palestra e eu falei que o ser humano pode viver sem se alimentar, sem ingerir alimentos. Claro, neste momento, as pessoas gordas que não gostavam de sua aparência disseram: ‘Como? Como um ser pode conseguir viver sem se alimentar? Preciso que você me ensine isso...’ Eu respondi dizendo: ‘aprendendo a viver como espírito na carne’. Aí, esperançosos de conseguir emagrecer sem esforço e rapidamente os gordos insistiram: ‘como faz isso’? Dei, então a fórmula: amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, ou seja, se libertando de tudo que é humano’.

Você precisa ter todo um trabalho de libertação da humanidade para chegar até onde os mestres que você cita na sua pergunta chegaram. O primeiro trabalho nesse sentido a ser feito é a libertação do lucro pessoal, ou seja, do querer emagrecer ou, como no seu caso, do querer parar de sentir dor. Enquanto quiser emagrecer ou parar de sentir dor, você não vai aprender a viver sem comer alimentos ou sem ter a dor através do que os mestres fazem para alcançar estas coisas.

Isso aqueles que vivem como mestre entendem, mas vocês, seres que ainda estão humanizados, querem se libertar da dor utilizando-se do processo deles, mas não querem ter todo o trabalho que eles tiveram para se libertar da dor. Isso é impossível...

Dá para você perceber a busca do lucro individual? Dá para perceber o egoísmo presente na sua proposição? Dá para perceber que quer ganhar sem merecer? Pois é, de graça não se consegue nada: para se ter algo nesta ou em outra vida é preciso merecer para receber.

Uma das coisas que os mestres fizeram para aprender a viver sem dor e que os levou a merecer não senti-la, foi aprender a conviver com a dor. Ou seja, eles só aprenderam a se libertarem da dor, sentindo dor. Eles passaram anos a fio sentindo dores, aprendendo a conviver com elas de uma forma que eles não doessem, mas você quer o mesmo resultado que eles tiveram sem passar por este processo. Quer ganhar sem trabalhar para merecer...

Esse é o aspecto que precisa ficar claro. Não tem jeito de você se libertar da dor a não ser, trabalhando em si, a convivência com a dor. Como se faz isso? ‘Está doendo. Está, e daí? O que eu posso fazer? Não adianta tomar remédio, o remédio não cura’. É preciso aprender a sentir dor sem valorizar o que está sentindo. Foi esse o trabalho que os mestres tiveram que fazer para um dia conseguirem não sentir a dor.

‘A dor não passa sozinha, o que eu posso fazer? Está doendo..’. Isso é aprender a conviver com a dor. Aprender a conviver com a dor é tê-la, mas não se desesperar por causa disso, não querer que de uma forma mágica ela passe. É aprender a viver o inevitável sem querer fugir dele ou sem supervalorizá-lo.

É assim que vocês convivem com a dor? Não. Vocês começam logo a reclamar dela, a aumentar os seus efeitos: ‘Ai meu Deus que dor! Que dor horrível! Queria que isso acabasse! Isso não acaba! Eu estou me sentindo tão mal!’ Vocês reclamam da dor, ao invés de aprender a conviver com a dor. Como querem conseguir o mesmo que os mestres conseguiram?

Aprender a conviver com a dor tendo-a: esse foi o caminho que os mestres trilharam.

Lembro quando estávamos conversando no estudo ‘Em Busca da Felicidade’ falamos de dor física. Naquele momento expliquei que existem duas coisas: a dor e a dor da dor. Existe a doença e existe o sentir-se doente.

A única forma de se conviver com a dor é tê-la sem que ela doa. É ter a dor sem sentir a dor. É ter uma doença, sem se sentir doente. É não se entregar a doença, a dor, apesar de tê-la. Essa é a única forma que existe. Aprender a sentir a dor, sem sentir dor.

A questão que você levanta me lembra uma história de Chico Xavier. Já que você fala em mestres na sua pergunta, como espiritólogo na resposta posso usar este exemplo.

Ele contou que estava num voo e o avião estava passando por muita turbulência e ele os demais passageiros achavam que ia cair. Por isso, como os outros, o Chico começou a gritar, a berrar com medo da morte. Num determinado momento ele viu o Emanuel aparecendo e perguntando: ‘o que houve Chico?’ ‘O avião está caindo, você não está vendo’? Emanuel respondeu: ‘está, e daí’ ‘Chico: ‘e daí que vai todo mundo morrer!’ Emanuel: ‘está certo, você vai morrer, mas, por favor, morra com dignidade. Não morra gritando no meu ouvido’.

Posso utilizar esta mesma resposta para a sua pergunta: se você está com dor e ainda não fez o trabalho que os mestres fizeram para não sentir isso, sofra sua dor com dignidade... Quem sabe assim, você consiga um dia não senti-la...