Conversando com um espiritualista - volume I

Deus quer o seu mal?

Participante: tudo acontece baseando-se na vontade de Deus, isso é o que o senhor ensina. Mas, então, pergunto: devo fazer algo contra minha vontade? Fico observando quando Deus cria as suas ações e as coisas vão acontecendo. Depois fico observando que não era aquilo que eu queria ou esperava. Então fico pensando: porque deveria continuar fazendo algo que não está me agradando. Por outra, se a vontade de Deus não é algo que está me fazendo bem, como pode ser a vontade de Deus?

Eu pedi para colocar a sua pergunta na frente, porque através dela vamos dar um ensinamento a todos e vamos abordar um aspecto muito importante nos ensinamentos dos mestres que os seres humanizados dificilmente compreendem. Não compreendem a forma como mostramos os ensinamentos dos mestres.

Eu vou lhe passar uma tese e depois vou defende-la: Deus não quer o seu mal; quem quer o seu mal é você. Esta é a minha tese: Deus não quer o mal para nenhum de seus filhos, mas cada um de vocês querem o mal para si. Vou defender esta tese agora.

Para começar precisamos compreender o que é mal. Mal é tudo aquilo que acontece diferente daquilo que você deseja que aconteça. Vou lhe dar um exemplo. Se você quiser ir à praia, mas está chovendo, esta chuva é mal. Se quer ir a uma festa e não tem dinheiro para ir, isso é mal. O mal só existe quando há um desejo que não pode ser alcançado, realizado.

Explicado o que é o mal, que como vimos é causado por um desejo não atendido, é preciso se verificar porque você deseja alguma coisa. Porque você deseja ir à praia, a uma festa ou que qualquer acontecimento ocorra na sua vida? Porque acha e sabe que aquilo é bom para você.

Então, você mesmo tendo um ensinamento que diz que não deve ter, vive uma posse, ou seja, quer controlar o mundo para que ele ocorra só satisfazendo o seu saber. É daí que surge o mal.

O mal surge porque você sabe o que é bom e quer controlar o mundo para que só essas coisas aconteçam. É esse mal que eu digo que você quer para você. Por que isso? Vamos continuar defendo minha tese para poder achar o motivo disso acontecer.

Todo universo – e repare que não estou falando de planeta Terra, de orbe terrestre ou de qualquer outro planeta – é habitado por personalidades. Essas personalidades são seres espirituais ou espíritos, encarnados ou não. O que quer dizer personalidade? Trata-se de uma persona com identidade. No caso, um espírito com uma identidade.

O que é ter uma identidade? É ter um conjunto de verdades próprias, suas, individuais. Sendo assim, posso dizer que o universo é habitado por seres que possuem conjuntos de verdades diferentes. Todo universo é assim, inclusive o planeta Terra.

Sendo assim, o conjunto dos habitantes do planeta Terra é formado por personalidades. É o conjunto de pessoas com identidades diferentes, crenças diferentes, verdades diferentes. Porque o planeta é habitado por personas diferentes, existem desejos diferentes, ou seja, cada habitante da Terra quer que ocorram acontecimentos diferentes.

Descobrimos até aqui, então, que você vive o mal porque tem um saber que lhe leva a uma posse e outras pessoas têm outros saberes que levam a posses diferentes. É do convívio dessas personalidades que nasce o mal que cada ser, humanizado ou não, vive.

Para continuar agora a defender minha tese, preciso falar um pouco mais do mal que você vive. De onde ele se origina já vimos, mas precisamos falar de algumas características do mal. Para isso vou usar o exemplo que deu quando escreveu esta pergunta, mesmo não constando do corpo da sua questão que me foi passado agora.

Você diz que é muito mal exercer a sua profissão. Você é um professor, mas ir dar aula para você é mal. No entanto, lhe pergunto: quando estava estudando para se habilitar para ser um professor, dar aula não seria algo muito bom? Sim, era considerado como ótimo. Era aquilo pelo qual ansiava. Hoje esta mesma coisa é mal.

Dessa visão surge a primeira característica do mal: aquilo que hoje é tratado como mal já foi encarado como bem. Isso vale para todas as coisas e para todas as pessoas: tudo na vida de vocês que é tratado num momento como mal, já foi tratado antes como bem e depois poderá voltar a ser tratado assim novamente.

Quer um exemplo? Hoje para você é mal dar aula, mas eu já mostrei que enquanto se habilitava para esta profissão realizar esta atividade era encarada como um bem. Depois que se aposentar como professor, agradecerá ter tido este emprego, pois ela lhe levou a ter uma aposentadoria. Ou seja, o que era bem virou mal e depois voltou a ser mal.

É essa volatilidade entre o bem e o mal a respeito de uma mesma atividade que é uma característica do mal. Essa característica nos leva a compreender que o mal não é absoluto, não é universal. Assim sendo, não é eterno: ele acaba. Esse é o primeiro ponto que quero que guarde, pois usarei mais tarde na minha defesa de tese.

Segunda característica do bem e do mal. Para falar dela, vou lhe pedir que faça uma regressão de memória. Você disse no seu desabafo que é muito mal ser um professor porque tem que enfrentar uma turma de jovens que estão mais preocupados com seu celular do que prestar atenção na aula. Que estão mais preocupados com outras coisas do que ouvir o que você tem que para transmitir a eles.

Agora faça um esforço de memória. Lembra-se quando você era o estudante? Lembra como você também achava que as aulas não eram interessantes? Que não tinha que frequentar a escola porque isso era muito chato e tinha coisas mais importantes a fazer do que ficar ali ouvindo um professor? Claro que lembra...

Na verdade, diferente dos seus alunos de hoje, você não brincava com o celular porque ele não existia naquele tempo, mas ficava longe pensando numa pelada que ia jogar ou em qualquer outra brincadeira que iria viver ou, ainda, em meninas que queria namorar.

Isso quer nos dizer o que? Quer dizer que a verdade depende de uma determinada época da existência do ser para ser considerada mal ou boa. Depende de objetivos, de metas que tenha para serem alcançadas. Quando para você o mais importante era se divertir, participar de uma aula era mal. As brincadeiras dos demais alunos, que hoje para você são ruins, naquele tempo eram tratadas como bem.

Esse é o segundo aspecto do mal que vocês vivem: ele depende dos objetivos e metas que cada um possui, ou seja, depende da verdade de cada um num determinado momento. Por isso, podemos dizer que o que é mal para você não é para outros. Cada um julga e qualifica o mal de acordo com suas próprias verdades, com seus próprios anseios, com suas posses e saberes. Garanto que tem muita gente que hoje anseia ocupar o lugar que você ocupa e que receberá como muito bom ter um emprego e uma sala de aula para poder trabalhar.

O que fiz até agora foi o discurso sobre o mal. Viver o mal é algo momentâneo que acontece quando as suas verdades e a possessão são ofendias pelo que está acontecendo, mas a mesma situação que hoje é tratada como mal já foi vista como bem, pois naquela época você possuía verdades e posses diferentes. Acho que agora posso chegar ao ponto de provar que você pediu o mal que vive.

O mal que você vive é fruto da sua livre e espontânea vontade e não dado por Deus. Para provar isso, vou voltar ao ponto onde lhe disse que todo universo é formado por personalidades, por espíritos com identidades individuais, próprias.

Imagine agora você, que recebe como mal a convivência com quarenta ou cinquenta alunos numa sala de aula porque suas possessões e saberes são diferentes, convivendo com milhares de espíritos sendo que cada um possui estes mesmos elementos diferentes entre si. Imagine você convivendo com todos estes espíritos estando preso à ideia de que todos têm que agir do jeito que você quer para que se sinta bem. Veja o inferno que isso será para você...

Hoje você não consegue conviver com quarenta pessoas diferentes por algumas horas. Imagine na hora que tiver que conviver a eternidade cercado de milhares de pessoas que não pensam igual a você. Já pensou o quanto sofreria? Agora não, mas quando livre da influência da mente humanizada com a qual convive hoje, pensou.

Há uma pergunta em O Livro dos Espíritos que pode nos auxiliar muito no desenvolvimento desta tese.

“266. Não parece natural que se escolham as provas menos dolorosas? Pode parecer-vos a vós; ao Espírito não. Logo que este se desliga da matéria, cessa toda ilusão e outra passa a ser a sua maneira de pensar”.

Kardec diz que se o espírito pode escolher suas provas, obviamente escolheria as menos penosas. Em resposta, o Espírito da Verdade afirma que isso é uma ideia humana, pois o espírito quando liberto da matéria, ou seja, do saber e posses humanos, pensa de outro jeito.

O que será este pensar de outro jeito? O espírito liberto da influência da personalidade humana não pensa mais egoisticamente, não pensa mais em querer ganhar, ter o prazer, alcançar a fama e ser elogiado. Enquanto você for humano, a sua mente pensará a partir destes critérios. É por isso que agora acha ruim quando encontra alguém que não faz o que você quer. Quando alguém não faz o que você quer, a sua mente acha que perdeu, que teve o desprazer, que viveu uma infâmia e que foi criticado.

Já pensou você no universo, depois de desencarnado, querendo exigir que todos os outros espíritos façam o que acha certo para que você possa ganhar? Isso seria um inferno, não? Por isso o espírito, quando livre da influência da humanidade pensa nisso...

Nessa mesma questão de O Livro dos Espíritos, há um comentário longo, mas muito interessante de Kardec. Um trecho deste comentário é fundamental para que possa defender minha tese:

“A doutrina da liberdade que temos de escolher as nossas existências e as provas que devamos sofrer deixa de parecer singular, desde que se atenda a que os Espíritos, uma vez desprendidos da matéria, apreciam as coisas de modo diverso da nossa maneira de apreciá-los. Divisam a meta, que bem diferente é para eles dos gozos fugitivos do mundo. Após cada existência, veem o passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta em pureza para atingirem aquela meta. Daí o se submeterem voluntariamente a todas as vicissitudes da vida corpórea, solicitando as que possam fazer que a alcancem mais presto. Não há, pois, motivo de espanto no fato de o Espírito não preferir a existência mais suave. Não lhe é possível, no estado de imperfeição em que se encontra, gozar de uma vida isenta de amarguras. Ele o percebe e, precisamente para chegar a fruí-la, é que trata de se melhorar”.

“Não vemos, aliás, todos os dias exemplos de escolhas tais? Que faz o homem que passa uma parte de sua vida a trabalhar sem trégua, nem descanso, para reunir haveres que lhe assegurem o bem estar, senão desempenhar uma tarefa que a si mesmo impôs, tendo em vista melhor futuro? O militar que se oferece para uma perigosa missão, o navegante que afronta não menores perigos, por amor ciência ou no seu próprio interesse, que fazem também eles, senão sujeitar-se a provas voluntárias, de que lhes advirão honras e proveito, se não sucumbirem? A que se não submete ou expõe o homem pelo seu interesse ou pela sua glória”?

Como foi ensinado, o espírito, quando liberto da humanidade consegue divisar o futuro e por isso aceita o sofrimento durante a encarnação com espontaneidade. Isso para vocês que estão humanizados é difícil de ser aceito, porque são imediatistas. Vocês querem ganhar o bem hoje, nesta vida, e não no seu futuro espiritual.

Acontece que se vocês tiverem o bem hoje, continuarão presos ao querer ganhar, ao ter o prazer, ao querer a fama e à necessidade de ser elogiado. Mantendo-se apegado a esta necessidade, tente imaginar o horizonte que alcançará quando retornar à sua existência eterna. Com certeza ele será formado por sofrimentos...

É justamente para que você no seu futuro espiritual não sofra que pede o mal agora, nesta vida, quando encarnado.

Esse é o problema que precisam resolver com vocês mesmos. O que querem para si: gozar o prazer agora ou se prepararem para uma existência eterna? Aquele que exige nesta vida mudança do comportamento dos outros para que ele viva o bem, não está se preparando para um existência eterna feliz. Porque? Porque só quando encarnado você terá certeza de que aprendeu que é preciso respeitar o direito do outro ser, estar e fazer o que ele quiser, mesmo que o que faça seja contrário ao seu direito de ser, estar e fazer qualquer coisa.

O espírito sabe disso. Sabe que só na carne pode realmente comprovar e adquirir através do treinamento, da vivência dos momentos ditos como mal, esse entendimento. É por isso que para fazer este treino, ele pede que na carne tenha o mal, viva o mal.

Eu falei pede? Desculpe, o espírito não pede isso. Ele implora para que estes momentos aconteçam. ‘Senhor, me dê esta chance. Eu preciso dela, porque sei que enquanto não treinar profundamente a liberdade das minhas verdades e da minha posse vou viver no mundo espiritual em desacordo com meus irmãos’.

Está aí comprovada a minha tese: você pedindo o mal para você mesmo. Faz isso não porque é masoquista ou é um idiota, mas porque sabe que aquilo é necessário como treinamento para que na sua existência eterna não viva um inferno.

Portanto, quando na sua pergunta você me questiona se terá que fazer o que não gosta, eu lhe respondo: não, você não tem que fazer. Se conseguir sair do seu emprego e arranjar outro onde não sofra mais, faça isso. Agora, eu lhe garanto que jamais você achará um lugar onde cem por cento das pessoas vão concordar com suas verdades e posses. Jamais encontrará um lugar onde cem por cento das pessoas dirão que você está certo e que elas estão erradas. Por isso, nem que seja para ganhar no futuro, depois que sair da carne, aceite tudo que a vida lhe dá respeitando o direito do próximo ser, estar e fazer o que quiser sem que você se sinta mal por causa disso.

Na prática, o que estou lhe aconselhando é a ir à sua escola e dar a sua aula. Faça a sua parte: dê a sua aula. Se ninguém quiser prestar atenção, o problema não é seu. Se ninguém se interessar pelo que você está falando, o problema não é seu. Se eles ficarem fazendo bagunça, faça a sua parte e deixe eles fazerem o que quiserem. Foi para que os seus alunos não prestassem a atenção, não se interessassem pelo que você ensina e para que eles fizessem bagunça que você pediu, antes da encarnação, para ser um professor.

Esta é uma resposta para você, mas vale também como recado para todos. Todo mal que vocês vivem não foi gerado por deus, apesar de ter sido criado pela Causa Primária. O que Deus gerou foi o que vocês pediram, porque sabiam que era necessário para o treinamento no sentido de aprenderem a viver no mundo espiritual em paz e harmonia. Por isso, ao invés de ficarem procurando culpados, seja o que for que lhes aconteça, não culpe ninguém, nem outro ser nem o próprio Deus, pois todo mal que vivem foi pedido por vocês mesmos...