Ego (IPPB)

Desapego

Veja bem. Com este exemplo não quis dizer que não pode ter carro, mas que o desejo expresso pelo ego que cria uma condição para ser feliz diferente do que possui precisa ser combatida.

Na verdade o que precisa fazer é não criar a obrigação de ter porque o sofrimento de não te” é originado pela obrigação de ter e ele lhe afasta da Realidade: a vida em bem-aventurança.

Pergunta: O senhor está falando em apego?

Eu tenho medo desta palavra apego porque o ego cria mayas e você muitas vezes se ilude que não está apegada a nada, mas está. Quando decreta que deve se sentir livre do carro está trocando um apego pelo outro: o do ter um carro pelo de não ter um carro.

Isto ocorre porque quer se desapegar através do ego, ou seja, do raciocínio, da razão, da lógica. Quando isto ocorre está criando uma nova verdade, uma nova razão e uma lógica à qual se apegará.

Existe um ensinamento do Buda que é o não-eu. A humanidade imagina que este ensinamento é não ser nada, mas o que Buda quis dizer é que cada um deve compreender que é composto pelo todo.

Portanto você já é tem tudo o que pode ser ou ter. Compreendendo isto, ao invés de lutar para não ter o carro, se sentirá possuidora dele, mesmo que a matéria que o compõe não esteja em sua guarda.

Aplicando este ensinamento no momento que o ego lhe propuser verdades, não criará uma nova verdade (de não ter) e só aí poderá libertar-se realmente dos apegos que possui sem criar um novo.

Pergunta: Fale um pouco mais sobre o não eu.

O problema é que você se sente uno, ou seja, não composto de nada. Isto ocorre porque a sua visão não alcança os detalhes microscópios de tudo aquilo que lhe compõem e está vivo dentro de você.

Se eu, por exemplo, disser agora que você é uma vaca, se ofenderia?

Participante: sim ...

Mas, certamente já bebeu leite, não? Este fato levou a vaca para dentro de você, para lhe compor. Sendo assim, posso afirmar que a vaca está ouvindo esta conversa, está lendo este livro.

O problema é que você não vê isto: não vê o leite e a vaca dentro de você, agindo na sua audição e leitura. Para compreender o não eu é preciso entender a existência da vaca dentro de cada um que já bebeu leite ou alimentou-se de um derivado dele.

Outro exemplo da sua curta visão sobre as coisas. Chovendo nesta cidade com certeza vocês que estão aqui dirão que o tempo está feio, ruim. Mas, sabiam que se não chover não há comida?

Por isto, para o agricultor quando chove é um tempo bom. Ele sabe que a chuva garante a colheita e com isto o abastecimento de outros seres humanos, sem falar no seu próprio lucro.

Portanto, a chuva é ruim ou boa? O que preferível: o bom tempo ou a chuva?

A chuva não é boa nem má. A qualificação que se dá a ela depende do ponto de vista de cada um. Agora em um ponto todos tem que concordar: a chuva é necessária, pois sem ela não haveria alimentos para o ser humano alimentar-se.

Mesmo compreendendo agora a realidade da necessidade da chuva, amanhã quando chover, ainda dirão que o tempo está ruim? Por que?

Por causa da sua não visão da interdependência das coisas, ou seja, porque acreditam que a comida nasce no supermercado e ali não há necessidade de chuva para ela existir.

Era isto que eu queria mostrar para lhe explicar o não eu: a sua pequenez ao enxergar a vida. A comida nasce no campo, mas você não vê isto; a vaca está lendo estas linhas, mas você não vê isto. Tudo isso porque está olhando para si superficialmente como olha para todas as coisas do mundo.

Toda esta compreensão do não eu, portanto, pode nos levar a compreender que é possível se desapegar, mas que isto não representa que você deve trabalhar para não ter carro ou qualquer outro objeto material.

Aliás, veja bem, eu disse claramente: você constrói o ego e os acontecimentos pelos quais passará durante a encarnação. Assim sendo, se tem uma casa própria nesta vida, a construiu antes de nascer: criou o acontecimento ter antes da encarnação.

Ora, se você a construiu, agora precisa largá-la, abandoná-la? Claro que não. O que precisa é aprender a viver com ela sem obrigações que são verdades que também colocou no ego para criar a sua prova.

Isto é o desapego: libertar-se da prisão de verdades que o ego lhe propõe. Sobre a casa, por exemplo, ele pode dizer que ela é pequena, feia, ou incrementar a luxúria (maravilhosa, luxuosa, etc.).

Se você não se prende às condições que o ego dita para a casa existir, amanhã se ela se deteriorar ou se Deus a desfizer, não sofrerá, mas enquanto ela estiver de pé e você morar lá, seja feliz com ela do jeito que está, sem subordinar-se ás paixões e desejos que o ego lhe instiga.

Se o desapego fosse livrar-se do bem material, como poderiam existir para você estas provas?

Pergunta: O senhor está falando em não se escravizar as coisas materiais, é isso?

Esta escravidão que você fala também tem que ser entendida. A escravidão que eu falo é no sentido de não atribuir à coisa material o sentido de real e verdadeiro.

Pergunta: Este desapego seria estar sem sentimentos (bom ou mau, certo ou errado)?

Não, pois sem sentimento você jamais estará. Eu falo em viver com equanimidade todas as coisas, que é um sentimento que deve ser vivenciado.

Além de tudo, bom ou mau não é um sentimento, mas uma conceituação que nasce de um sentimento.

O ser espiritual precisa ter sempre um sentimento senão estaria morto, sem vida, já que viver para o espírito é sentir.

Pergunta: E os dons com que cada um nasce? Por exemplo, a música, a pintura, etc. Também existe a necessidade de se libertar do apego à eles?

Os dons com que cada ser humano nasce também são construções que o espírito faz dentro do ego para suas provas.

Ter o dom da música, por exemplo, leva o ser a testar a sua equanimidade, ou seja, viver com quem não gosta de música sem críticas e julgamento. Tem gente que tem o dom da música e não aceita aqueles que não gostam dela e dizem que eles são bobos, não sabem o que é bom, não compreendem a beleza da música: estes não realizaram a contento a sua provação.

Olha o tema de hoje: o ego agindo, lhe propondo verdades que precisa vencer. Esta ação poderá ser encontrada em qualquer ângulo da vida humana, pois combatê-lo é o motivo da existência da vida.

O ego é o código de leis através do qual você vê o mundo, cria a realidade. Por isto ele participa de todos os momentos da existência do ser humanizado.

Na verdade, para criar as realidades, o ego julga o mundo de acordo com as verdades embutidas nele. Por isto afirmo: ele é a trave que está no seu olho que lhe faz ver cisco no olho dos outros.

Viva as suas verdades só para você porque é isto que elas são: verdades relativas e individuais. Não é porque gosta de música que todos tem que gostar disso.

Portanto, respondendo-lhe: o dom também faz parte do ego, da prova, do carma do espírito.