Caridade espiritual

A fidelidade da casa

Certa vez um homem chegou perto de Jesus e perguntou:

- Mestre, o que devo fazer de bom para conseguir a vida eterna?

Por que é que você me pergunta a respeito do que é bom, respondeu Jesus. Bom só existe um. Se você quer entrar na vida eterna, guarde os ensinamentos.

Que mandamentos, perguntou ele.

Jesus respondeu:

- Não mate, não cometa adultério, não roube, não acuse os outros com falsidade, respeite o seu pai e a sua mãe e ame os outros como você ama a você mesmo.

- Tenho obedecido a todos esses mandamentos – respondeu o moço. Que mais ainda devo fazer?

Jesus respondeu:

- Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres e assim terá riquezas no céu. Depois venha e siga-me.

Evangelho de Mateus – Capítulo 19 – Versículos 16 a 21.

O ensinamento acima com certeza já foi ouvido por todos os cristãos. Todos já ouviram falar da necessidade de libertar-se de suas posses materiais para poderem entrar no reino do céu (mundo espiritual). No entanto, a compreensão deste ensinamento nem sempre é perfeita. Vamos ver isso...

Os cristãos costumam entender neste texto a necessidade de se libertar da posse dos bens materiais, dos objetos materiais. Mas, Cristo no ensinamento não se refere apenas a estes bens. Ele diz: venda tudo o que tem...

As posses de um ser humanizado (espírito encarnado) não se resumem apenas aos objetos materiais. Existem mais dois tipos de posses que não são incluídas entre aquilo que o ser humanizado precisa se libertar. Mas, elas estão. Estão, porque Cristo usa o termo tudo, ou seja, todas as coisas que sejam daquele ser humanizado, que ele esteja de posse.

Estas posses que são esquecidas quando se fala em libertar-se do que é seu são: posse moral e posse sentimental.

A posse sentimental é o fato de ter um determinado sentimento por alguém ou por alguma coisa. Quem sente qualquer sentimento, seja ele o amor, a raiva, a confiança ou a desconfiança, está possuindo o objeto deste sentimento. Este possuir se caracteriza pela própria qualificação que se usa para justificar o que é sentido.

Se alguém tem raiva de alguém ou de alguma coisa, porque acha que o objeto do sentimento pode feri-lo ou magoá-lo, está possuindo, pois está ditando o que aquela pessoa ou objeto pode fazer. Se alguém tem amor por outro também está possuindo, pois exige que o objeto do sentimento esteja sempre de acordo com os padrões de positivo de quem está sentindo para que o amor continue. O amor é uma posse, porque quer dirigir o destino da pessoa ou coisa amada.

A outra posse é a moral. Esta posse se caracteriza quando alguém acha que está certo ou errado, que tal coisa é boa ou má, se está limpa ou suja. A posse se caracteriza pelo direito de qualificar a pessoa de acordo com critérios individuais.

Estas duas formas de possessão, além da posse dos objetos materiais em si, formam o conjunto de tudo o que o ser humanizado tem e do qual, segundo Cristo, deve se libertar para poder segui-lo, ou seja, caminhar para a elevação espiritual. Vamos, então, falar do libertar-se de todas as suas posses.

Libertar-se da possessão dos objetos materiais é fácil se entender como fazer. Cristo, aliás, ensinou isso no texto acima: venda tudo o que é seu. Para libertar-se da possessão dos objetos materiais o ser humanizado deve vender ou dar estes objetos àqueles que precisam. Fazer isso não é fácil, mas pode ser conseguido mais facilmente do que a liberdade das outras possessões.

O que é preciso fazer para poder livrar-se do apego aos padrões morais e sentimentais que cada ser humanizado possui? Vamos falar disso...

A primeira coisa que qualquer ser que queira libertar-se de suas posses morais e sentimentais deve fazer é estar plenamente convicto do que quer para si, estar plenamente convicto de que quer libertar-se destas posses.

Por que falo isso? Por que digo que é preciso ter firmeza do que quer para poder se libertar das posses morais e sentimentais? Porque abrir mão das posses morais e sentimentais representa abrir mão de tudo aquilo que você é até hoje. É por isso que é difícil se abrir mão destas posses: o preço que se paga para conseguir esta libertação é muito alto.

Para o ser humanizado é muito caro se libertar de suas posses morais e sentimentais porque o preço que ele paga pela realização deste trabalho é a perda de tudo o que ele é até hoje. Para fazer o trabalho de libertar-se o ser humanizado paga um preço caro: a perda de tudo o que até hoje é líquido e certo para ele...

Libertando-se das posses morais ou sentimentais o ser humanizado tem que abrir mão do ilusório poder que imagina ter de dizer o que é certo e errado. Tem que abrir do ilusório poder que ele imagina ter sobre os outros para obrigá-los a fazer o que ele quer, o que acha certo e bonito ser feito. Tem que abrir mão de tudo que ele imagina amar e de tudo que ele imagina que lhe faz feliz. Tem que abrir mão de tudo o que acreditou, seja em qualquer segmento da informação (ciência, história, medicina, conhecimentos espirituais, etc.), até hoje.

Enfim, tem que abrir mão de si mesmo...

Este é um trabalho que cada ser humanizado precisa fazer para seguir a Cristo, segundo o ensinamento do próprio mestre. Sendo assim, é um trabalho necessário para que o ser humanizado acabe com o seu problema espiritual. Por isso é, também, mais um trabalho que deveria ser realizado pelas casas espíritas e espiritualistas que se dizem cristãs, seguidoras dos ensinamentos de Cristo.

Uma casa espírita ou espiritualista para fazer jus a este título deveria colocar o bem espiritual – neste caso, o libertar-se das possessões como estamos conversando – acima do material (ter a possessão). Uma casa para se dizer cristã ou seguidora dos ensinamentos de qualquer outro mestre deveria ser fidedigna a estes ensinamentos. Mas, infelizmente não é isso que acontece.

Muitas casas que se dizem espíritas e espiritualistas acabam usando os ensinamentos dos mestres não dentro do sentido que eles foram passados – instrumentos para libertar-se das posses materiais – mas, sim para gerar mais posses. São aquelas que incitam o julgamento de outros seres humanizados, que colocam obrigações e regras fundamentadas em valores humanos para serem seguidas, casas que se propõem simplesmente a proporcionar o bem estar humano e não o espiritual. Com isso, não fazem jus ao título que se dão...

Por que fazem isso? Porque reconhecem que para o ser humanizado além de ser difícil realizar os trabalhos ensinados pelos mestres a grande maioria não está disposta a pagar o preço necessário para alcançar a elevação espiritual. Elas sabem que focando-se apenas em promover a felicidade fundamentada na paz e não na vitória, no ganhar, não terão fiéis, seguidores. Por isso, preferem colocar os ensinamentos a serviço da humanidade do ser e não da sua espiritualização. Para tanto, criam novas interpretações ou simplesmente omitem determinados ensinamentos. Um deles é o que usamos nesta conversa.

O texto que iniciou nossa conversa de hoje é conhecido de todos os seres humanizados. Apesar disso, você já ouviu ele ser comentado ou debatido em alguma casa espiritualista ou espírita? Acho que não... O que você ouve mesmo são ensinamentos que podem levar aquele que está os transmitindo a dizer que existe um certo e um errado, um bom e um mal. Com isso, ferem o ensinamento que estamos usando para esta conversa, pois criam novas possessões para os seres humanizados.

Quando uma casa se comporta desta forma ela quebra a fidelidade àquilo que a designa: o espiritualismo.

É por causa de tudo o que falei até aqui que dou uma orientação às casas espíritas e espiritualistas que realmente querem ser fiéis a estes títulos: tenham um foco para todos os seus trabalhos... Mais: não tenham medo de manterem-se dentro do seu foco.

Cristo ensinou: não se serve a dois senhores ao mesmo tempo. Negociar o foco da casa para satisfazer os desejos humanos do ser é servir a outro Senhor que não o próprio Deus. Isso é desse jeito, pois Cristo também ensinou: vocês devem ser fiéis aos ensinamentos. Só aquele que se mantém ao ensinamento que diz acreditar poderá ajudar realmente o ser humanizado na sua busca da elevação espiritual.

A partir disso afirmo que toda casa deve sempre abordar todos os ensinamentos do mestre que segue dentro da acepção espiritualista desse. Ela não deve transigir jamais disso sem sujeitar-se a servir um senhor que não seja Deus. Ao fazer isso, no entanto, deve atentar a um detalhe: a dificuldade de colocar os ensinamentos em prática. Este é mais um ponto que a casa pode ajudar o ser humanizado na solução do seu problema espiritual.

Para isso as casas devem reforçar constantemente em cada trabalho a necessidade que o ser humanizado tem de conscientizar-se que a prática dos ensinamentos dos mestres é fundamental para o aproveitamento da encarnação. Devem ainda conscientizar os seres humanizados que as frequentam que não basta apenas eles quererem alcançar a elevação: é preciso um trabalho para se conseguir. Devem mostrar a eles que a elevação espiritual se conquista não com ganhos materiais, mas com a libertação das possessões materiais.

Finalmente, devem informar a eles que qualquer coisa no sentido da elevação espiritual depende de uma decisão firme do que querem para si mesmos. Isso porque decidir firmemente o que quer para si e decidir firmemente a que senhor quer servir são os primeiros passos que qualquer ser humanizado deve dar na sua caminhada espiritual.

 Estas devem ser atitudes de uma casa espiritualista ou espírita, mas para isso é preciso que ela mantenha-se fiel aos princípios que compõem sua designação.