Imperfeições do ser - Textos

A ação viciada e os ensinamentos dos mestres

Pergunta: se toda ação é praticada como um vício, até seguir os ensinamentos dos mestres é uma ação viciada?

Na verdade, tudo pode ser vivenciado de uma forma apropriada ou não. Por exemplo: praticar exercícios ou tomar remédios para manter a saúde com a intenção de permanecer vivo, é vivenciar um vício. É um acontecimento vivenciado com o vício de querer estar vivo, a dependência de querer ficar vivo. Imagine se toma um remédio e faz um exercício e depois tem um ataque cardíaco e morre. O que lhe acontece na quando recobrar a consciência do outro lado? Cai em desgosto: ‘como eu morri? Eu tomava meu remédio todo dia’... Por conta deste desgosto, ficou provado que a ação era praticada com um vício fomentado pelo egoísmo.

Agora, se você toma o remédio e faz o exercício, mas não espera que nada resulte do que faz, não há vício, pois não há condicionamento da felicidade. Aquele que não espera o resultado pode ser feliz mesmo quando o que acontece contraria a norma humana e por isso mostra que está desapegado do vício do egoísmo.

A partir desta análise, lhe digo que você pode seguir os ensinamentos do Espírito da Verdade, de Cristo, de Krishna, de Buda ou de qualquer um, de uma forma viciada ou não.

Qual é a forma viciada? ‘Eu tenho que colocar em prática o que li, eu preciso colocar em ação os ensinamentos, eu tenho que fazer o que foi recomendado pelo mestre’. Quando forem estes os seus pensamentos a respeito dos ensinamentos com os quais tem contato, você está viciado neles. Por que afirmo isso? Porque você deixou a mente gerar uma condicionalidade para a sua felicidade e com isso tornou-se dependente da prática do ensinamento para poder ser feliz.

Agora, quando se defronta com um momento onde não conseguiu colocar em prática um ensinamento e isso não o perturba, não acaba com a sua felicidade, está vivenciando a busca da prática do que aprendeu sem vícios. Para isso responda sempre à sua mente quando ela lhe acusar de não ter posto em prática o que aprendeu: ‘Cristo ensinou que era para agir assim, mas naquela hora eu não fiz. E dai’?

Está dando para compreender o que é viver o acontecimento viciadamente ou não? Não se trata do que você faz, mas sim de ao vivenciar o que está acontecendo depender de alcançar uma intencionalidade para ser feliz.

Pergunta: acredito que somos um espírito e que estamos ligados a uma mente que tem como fundamento o egoísmo. Isso nos faz viver sempre em busca do prazer. Percebo que parar e manter a concentração nos pensamentos é necessário para poder despertar para a realidade. Neste caso, o vício seria a correria do dia-a-dia que não nos deixa parar para poder ter esta concentração?

Não, o vício não é a correria. O vício é a dependência da correria. O vício é sempre uma dependência. É a dependência do ‘tem que parar para’, do ’tem que ser desse jeito’, etc.

Digamos que consiga ouvir seus pensamentos sem se libertar do tem que e que por isso liberte-se da realidade criada pela mente. Você acreditará que fez porque quis fazer, mas isso não é real: fez porque se sujeitou ao ter que fazer que a mente criou. O que resultará desta ação não será a felicidade, como você acreditará, mas ainda o prazer. Além disso, continuará sofrendo ao viver a acusação que a mente criará quando não conseguir parar para ouvir os pensamentos.

Sendo o que acabei de dizer real, podemos tirar uma conclusão: você nunca terá condições de saber se agiu viciado no egoísmo ou não. Portanto, como já disse, você não poderá nunca eliminar o vício.

Se não pode agir para libertar-se do vício, o que você pode fazer nessa vida? Viver a vida. A única coisa que você tem para fazer nessa vida é viver a vida que se apresenta a você, da forma como ela se apresenta. Tendo conhecimento do ensinamento que precisa parar para ouvir os pensamentos, se parar, viva esta parada com equanimidade; se não parar, viva da mesma forma. É aí que começa o problema para vocês...

Tudo o que a mente entra em contato é gerido pelo sistema humano de vida, ou seja, transforma-se numa regra que gerará uma obrigação e uma necessidade para você. Isso acontece inclusive com os ensinamentos dos mestres, ou seja, eles transformam-se em uma regra a qual você se sente obrigado a seguir. No entanto, Cristo ensinou: venha para mim que meu jugo é leve. Ensinando isso, ele não poderia criar obrigações, pois neste caso seu jugo seria pesado.

Se tudo isso é verdade, posso dizer que viver sem o vício do egoísmo é estar sempre numa boa, não importando o que está acontecendo no mundo. Portanto, você alcança a vivência sem o vício do egoísmo quando não se deixa levar pela obrigação e necessidade que a mente cria a partir verdades que ela deu o sentido de norma a ser cumprida, já que os ensinamentos não são coercitivos.

Portanto, se você vive os acontecimentos de sua vida de uma forma viciada, ou seja, imaginando-se obrigado a ter que por em prática os ensinamentos, seja essa dependência fundamentada nas regras materiais ou naquilo que chama de trabalho de elevação, acabará sempre vivendo o momento de uma forma viciada.

A ação sem vício é apenas a constatação da vivência que a mente cria para cada momento de sua existência. Sei que para vocês isso não é fazer nada, mas, na verdade, é uma grande realização.

Por exemplo, se vocês estão preocupados com alguma coisa, acreditam que o libertar-se do mundo humano é não preocupar-se, mas isso é irreal. Quem se preocupa ou não com alguma coisa é a razão, o mundo mental e não você. Sendo assim, se naquele momento você conseguisse se despreocupar quem teria conseguido isso seria a mente e não você. Acreditando na despreocupação como obra sua, teria vivido o vício do egoísmo embutido na mente e nem se daria conta disso.

A partir disso, posso dizer que a ação vivenciada sem o vício do egoísmo é aquela onde a mente lhe diz que está preocupado e você diz: ‘você diz que eu estou preocupado, então estou’. Esta é uma vivência livre da materialidade, pois se tratou apenas de uma constatação do que a mente criou.

Compreendam: não adianta querer lutar contra a preocupação ou qualquer idéia que mente produzir, pois ela é real, está presente. O que você não pode deixar é que a idéia gerada pela personalidade humana se torne uma condicionalidade para a sua vivência com a felicidade.

No nosso exemplo, você tem que estar preocupado, mas apesar disso não pode deixar de estar em paz, em harmonia e tranqüilo. Vence a sua humanidade aquele que consegue ter preocupações sem deixar que ela altere o seu estado de espírito. Quando ela vira condição, positiva (‘é bom estar preocupado’) ou negativa (‘eu não posso ficar preocupado, tenho que não ficar’) neste momento toda felicidade acabou.

Por isso afirmo: toda idéia de vitória no caminho da reforma íntima que advir de uma mudança da forma de pensar será apenas um consumo daquilo pelo qual você é viciado. Terá o mesmo significado do cigarro para o viciado em tabaco ou de um gole de cachaça pra o viciado em álcool.

Deu para ficar claro?