A sabedoria de Salomão

1ª Sabedoria - A vida é uma ilusão

É ilusão, é ilusão, diz o Sábio. Tudo é ilusão. A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando e afinal que vantagem leva em tudo isso? Pessoas nascem, pessoas morrem, mas o mundo continua sempre o mesmo. O sol continua a nascer e a se pôr e volta ao seu lugar para começar tudo outra vez. O vento sopra para o sul, depois para o norte, dá voltas e mais voltas e acaba no mesmo lugar. Todos os rios correm para o mar, porém o mar não fica cheio. A água volta para onde nascem os rios e tudo começa outra vez. Todas as coisas levam a gente ao cansaço – um cansaço tão grande, que nem dá para contar. Os nossos olhos não se cansam de ver nem os nossos ouvidos de ouvir. O que aconteceu antes vai acontecer outra vez. O que foi feito antes será feito novamente. Não há nada de novo neste mundo. Será que existe alguma coisa de que a gente possa dizer: “Veja, isto nunca aconteceu no mundo”? Não. Tudo já aconteceu antes, bem antes de nós nascermos. Ninguém se lembra do que aconteceu no passado; quem vier depois das coisas que vão acontecer no futuro também não vai se lembrar delas.

 

A primeira conclusão a que chega Salomão é de que não existe novidade na vida de ninguém: tudo o que está ocorrendo já ocorreu algum dia. Para se referir dessa forma aos fatos da vida, certamente o Sábio tem que ter penetrado na essência dos acontecimentos.

Se um determinado empregado hoje foi demitido de uma empresa, para ele isso é novidade, mas se penetrarmos na essência da vida, o fato de não mais se precisar do trabalho material de um empregado ocorre diariamente sobre o planeta. Uma mãe que gerou seu primeiro filho para ela é um fato novo, mas ela mesma já foi gerada um dia.

A essência dos acontecimentos está na natureza deles. Quando tal essência é aplicada na existência de um ser humano é particularizada com situações, personagens e histórias, mas não deixa de ser a mesma essência.

A conclusão de Salomão sobre os acontecimentos da vida (essência particularizada) é importante para se compreender o universo e sua ação: não existe novidade, mas sim particularizações de essências.

Ao descrever os acontecimentos do planeta, o Sábio faz questão de mostrar que eles não geram resultados. O sol nasce e se põe apenas para nascer novamente; o vento rodopia pelos quatro cantos, mas acaba no mesmo lugar e todos os rios correm para o mar, mas esse nunca fica cheio, pois as águas voltam sempre para onde nasce o rio.

Juntando-se as duas informações podemos chegar à mesma conclusão que o Sábio sobre a vida carnal: é tudo ilusão.

A situação que está passando agora não existe como você a vê. Não existem os personagens envolvidos nela, não existe a trama que você está imaginando, mas apenas uma essência sendo aplicada pela ação universal. Da mesma forma, a sua reação não levará a nenhum lugar novo, pois não importa o que faça a ação universal já determinou o fim da situação.

Exemplifiquemos para melhor entendimento. O empregado que foi demitido é uma situação que não existe. Ele, quem decidiu pela sua demissão e os acontecimentos que aparentemente geraram o fato são ilusões. Na verdade ninguém perde trabalho, pois viver já é o trabalho do espírito. As reações que o empregado pode ter (desespero, angústia, preocupação, satisfação) são também ilusões, pois não importa como ele reaja a essa ação universal, os próximos acontecimentos já estão programados pela ação universal.

Foi a essa conclusão que o Sábio chegou sobre a existência: todos os acontecimentos são ilusões e qualquer reação a eles de nada adianta, pois existe uma ação universal que comanda todas as coisas.

Todos os acontecimentos da vida de um espírito são comandados por Deus (ação universal) no sentido de aplicar provas aos seres. Essas provas foram pedidas pelo próprio espírito antes do nascimento como caminho para a sua elevação espiritual.

“258. Quando na erraticidade, antes de começar nova existência corporal, tem o espírito consciência e previsão do que lhe sucederá no curso da vida terrena? Ele próprio escolhe o gênero de provas porque há de passar e nisso consiste o seu livre arbítrio”. (O Livro dos Espíritos).

A demissão de hoje é uma ação universal comandada por Deus dentro do gênero de provas pedidas por um ser humano. Imaginemos que o nosso fictício personagem houvesse sido um executivo, com alto salário. Durante o período que percebeu esse salário pode viver uma vida material com certo conforto. Depois que o desemprego chegou o seu status de vida mudará.

Ele não poderá mais levar a vida que tinha antes. Terá que conviver com dificuldades financeiras, com carências materiais. Eis, nessa pequena análise, a essência do ato da demissão e o gênero da prova escolhida pelo espírito antes da encarnação.

Para que o ser pudesse conviver com a perda de coisas materiais antes era necessário que as tivesse. Isso a ação universal providenciou dando-lhe o emprego com alto salário. Manteve-o nessa posição o tempo necessário para que se acostumasse com aquela quantidade de bens. No momento certo, novamente a ação se fez presente gerando a essência de perda necessária para a prova pedida.

Não foi a capacidade intelectual ou o esforço do espírito que lhe garantiu a vaga quando da admissão, mas a ação universal que lhe colocou onde houvesse os instrumentos materiais necessários para a prova. Não estou afirmando que o empregado foi admitido em detrimento de outro, mas a ação universal não começou a agir no momento da admissão.

Já prevendo o emprego que o ser humano deveria conseguir para poder ser demitido, a ação universal levou-lhe a obter capacidades intelectuais que justificassem a sua escolha. Levou-o a determinada carreira em certo colégio, colocou aqueles professores que ele teve. Enfim, agiu durante toda a existência preparando o ser humano para o emprego que iria ter.

Para que ele pudesse freqüentar aquela escola era necessário estar naquela cidade ou ter o desejo de transferir-se para a que se encontra o colégio e isso também a ação universal fez. Enfim, se formos analisando a ação universal na existência do ser teremos que remontar ao nascimento, ou ainda antes desse, pois seria necessário que houvesse a ação do ato sexual para que a concepção ocorresse.

A ação universal não é estática e nunca deixou de existir. Todos os acontecimentos do planeta, desde o seu primórdio até a eternidade foram, e sempre serão, obra da ação universal criando situações materiais onde a essência representará as provações pedidas pelos seres para a sua elevação espiritual.

Assim, também não foi a incapacidade ou qualquer ato específico que gerou o desemprego, mas a mesma ação universal agiu no sentido de criar o gênero de prova que o espírito escolheu antes do nascimento. Todos os acontecimentos do universo são criados pela ação universal para que sirvam de oportunidade para o espírito purificar-se.

Não pense que estou falando de inércia, pois a ação universal é constante. A compreensão dessa verdade universal não vai lhe levar a deitar-se em uma cama e esperar a morte chegar, a não ser que seja essa a essência que tenha pedido antes da encarnação.

Qualquer que seja a compreensão que você tenha sobre esse tema lhe será dada pela ação universal para justificar os seus próximos atos. Mesmo que imagine que viver é permanecer estático, a ação universal lhe fará agir para que os acontecimentos futuros que já estão pré-determinados possam ocorrer.

Viver não é permanecer estático, mas deixar a vida fluir através de você. A real compreensão desse assunto é que o ser humano deve vivenciar os acontecimentos e não se imaginar como parte integrante deles. Essa vivência leva o ser a fugir da materialidade (forma das coisas) e penetrar na espiritualidade (essência dos acontecimentos).

Como pode o desempregado penetrar na essência da sua situação se ainda está preso na culpabilidade de quem decidiu pela sua demissão? Só quando vivenciar a situação poderá compreender a essência, ou seja, uma situação criada pela ação universal, independente da vontade ou desejo de seus participantes.

O oposto da convivência com a ação universal é a racionalização. O ser humano quer racionalizar os acontecimentos e, por isso, não consegue vivenciar a ação universal. Vivenciar o acontecimento é jamais perguntar para que, porque, como, quando, onde, o que acontecerá?

“75a. Porque nem sempre é guia infalível a razão? Seria infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre arbítrio”. (O Livro dos Espíritos)

A racionalização é a utilização do processo raciocínio pela propriedade inteligência do ser. Esse processo consiste em perceber uma forma (objeto, acontecimento ou pessoa), analisar a percepção e tomar uma decisão sobre o assunto.

Foi ensinado através de Allan Kardec que essa escolha é o livre arbítrio do ser humano, mas donde não se conclui que seja o livre arbítrio do espírito. Como vimos na citação anterior (pergunta 258) o livre arbítrio do espírito é a escolha do gênero das provas que irá fazer durante a encarnação.

A compreensão do ser encarnado é diferente de quando ele está fora da carne. Quando possui a compreensão da existência eterna busca amealhar bens para a vida espiritual, mas quando presos à matéria carnal, com a certeza do fim (morte), tornam-se imediatistas e buscam a felicidade carnal.

Essa felicidade é movida por sentimentos diferentes do espírito purificado. Para que alcance a felicidade material o ser precisa ter o seu orgulho contemplado. Todos os seres encarnados possuem pelo menos um item do qual se gabam: a independência do universo, ou seja, o individualismo.

Essa forma de utilizar a sua individualidade lhe leva a sempre procurar culpados para os acontecimentos da vida. Aquele que foi demitido tem que encontrar um culpado para a sua demissão e por isso racionaliza o fato. Mesmo que não acuse outro ser humano acusará a si mesmo. Não importa quem seja declarado culpado, ele não existe, pois ninguém agiu no momento, mas todos vivenciaram a ação universal.

É isso que o instinto diz: houve uma ação universal e eu nada posso fazer para alterá-la. Um animal age instintivamente, ou seja, não questiona a ação universal. Se o ninho é atacado por outro animal e a mãe luta para defender os filhotes, mas se um deles sucumbe a mãe não se preocupa em saber por que ele foi escolhido, o que acontecerá com ele.

Ela prossegue a sua existência porque sabe que ali houve uma ação universal. Tudo no universo se interage e era necessário que o seu filho servisse de alimento para que a fera pudesse sobreviver. Porque foi escolhido o seu ninho, se era justo ou não, são questões que não afligem os animais, mas apenas àqueles que querem dominar a ação universal.

Esse domínio se faz pela racionalização ou processo raciocínio da propriedade inteligência do seres. Ele inicia-se quando alguma situação é percebida pelos órgãos do sentido do corpo físico. É por isso que Salomão afirma que nossos olhos não se cansam de ver e nossos ouvidos não se cansam de escutar.

Na verdade o ser humano não vê ou escuta as coisas. A imagem e o som que são captados pelos órgãos do sentido são levados à inteligência que, através do seu processo raciocínio, gera uma compreensão. Essa compreensão, falseada pelo orgulho e pela vaidade, é a verdade para o espírito. É o que ele vê e ouve, mas não é a realidade.

A verdade universal (realidade) do acontecimento é a ação universal agindo no sentido de criar situações materiais de acordo com o gênero das provas pedidas pelo espírito. Qualquer outra compreensão é fruto de soberba.

Apesar disso, o ser humano vive querendo compreender os acontecimentos. É isso que Salomão afirma que torna a vida cansativa. Quando mais o homem racionaliza os acontecimentos, menos resposta encontra, menos compreende o que está acontecendo. Cada vez mais se aprofunda na racionalização mais encontra um beco sem saída ou outra visão para ser racionalizada. É um círculo vicioso que exaure as energias do espírito.

A resposta a todas as perguntas do raciocínio só Deus, o Comandante da ação universal, sabe e elas são o assunto das perguntas da prova do espírito. Se o ser soubesse essas respostas conheceria os temas da prova que iria fazer.

Concluindo, primeiro Salomão afirma que os acontecimentos, objetos e pessoas desse mundo não existem e depois também afirma que as conclusões que um ser humano chega através da racionalização são ilusões. Com isso, o Sábio extingue todos os componentes da vida material.

Se as coisas não existem e nada há a se concluir delas, então o que resta ao espírito encarnado? Viver.

É exatamente isso que o espírito deixa de fazer. Ele vive preocupado em racionalizar todos os acontecimentos, em compreender todos os acontecimentos. Da compreensão nasce a preocupação com o futuro, do que poderá acontecer. Por isso vive estressado, preocupado, em constante sofrimento. Com tudo isso para fazer deixa de viver.

A vida tem que ser muito mais do que isso. Como dom de Deus, a existência carnal não pode servir apenas para gerar sofrimentos para o espírito, mas deve ser uma fonte constante de felicidade. Viver é isso: estar sempre feliz.

Como estar feliz se não se compreende o mundo? Como estar feliz sem saber o que irá acontecer no futuro? Com a fé, confiança e entrega, em Deus. Somente o amor ao Pai acima de todas as coisas pode trazer a felicidade ao espírito.

Quando o ser não mais buscar compreensões individualistas para os acontecimentos, alcançará a verdadeira compreensão: ação universal (de Deus) para minha felicidade (elevação espiritual). Nesse momento ele começará a viver, ser feliz.

Encontrará paz interior, pois não mais precisará brigar com o mundo para sustentar sua vaidade e estará em harmonia com o universo, pois não terá mais objetivo individual a ser alcançado. Penetrará na Bem-Aventurança, ou felicidade dos santos, aquela que independe de qualquer coisa para existir.